The Project Gutenberg eBook of Mágoas Amorosas de Elmano

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Title: Mágoas Amorosas de Elmano

Author: Manuel Maria Barbosa du Bocage

Release date: September 30, 2007 [eBook #22817]

Language: Portuguese

Original publication: Lisboa: Impressão Regia, 1805

Credits: Produced by Tiago Tejo

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Produced by Tiago Tejo

+MÁGOAS AMOROSAS

DE
ELMANO+,
IDYLLIO
POR
BOCAGE.

Oh fortunati miei dolci martiri, S'impetrerò che, giunto seno a seno, L'anima mia nella tua bocca io spiri!

Tass. Gerus. Liberat. Cant. II.

LISBOA, NA IMPRESSÃO REGIA. Anno 1805. Por Ordem Superior.

+MÁGOAS AMOROSAS

DE
ELMANO.+

+IDYLLIO.+

Que scena tão suave aos Amadores!
Capaz de amenizar o horror da Morte,
Que, de azas negras, me esvoaça emtorno!
Que scena tão suave aos Amadores!
Com brando murmurío além revôão
De Venus, e de Analia, (iguaes no encanto)
De Venus, e de Analia as avezinhas.
Alli magoas não ha, não ha saudades,
Vivem como eu vivi, como eu não morrem!
Doce he ver-lhe os desejos innocentes,
Os momentos de Amor! He doce ouvir-lhe
Ternos gemidos em delicias ternas!
Unindo os bicos, se namorão, se instão,
Se afagão longamente, e arrulão juntas.
Nellas pejo não he, nem crime o gosto,
O altar da Natureza urdio seus laços!
Férreo Dever, que o Sentimento ancêa,
Dever, algôz de Elmano, algôz de Analia,
Nos tenros corações lhes não carrega!

  Felices Passarinhos melindrosos,
De Analia inveja sois, de Elmano inveja,
Sois da ternura, e do prazer a imagem.
Felices Passarinhos! Esquecei-vos
Hum momento de vós para lembrar-vos
De dois saudosos, míseros Amantes:
Vós os vistes viver, morrer de amores,
Viste-os Mortaes, e parecião Numes!

  Doces Escravos da prizão mais doce,
(Prizão, que apérto, que eternizo, e beijo!)
De Analia, como Elmano, escravos ternos,
Elle gemendo está: gemei com elle,
Ella suspira: suspirai com ella,
E na maga inflexão da voz maviosa
(Fonte de encantos, de carinhos fonte)
Brandura aprendereis, que apure a vossa.
Avezinhas de Amor! Não só merecem
Dois Amantes fieis a vós piedade,
Mas piedade aos Leões, piedade aos Tigres,
Piedade á Natureza, ao Fado, a Tudo.
Ah! Se alguma de vós logrou mais beijos
Daquella, cujos mimos deleitosos
Á vossa candidez eu permittia,
[1] E a hum Deos, e mesmo a hum Deos os não cedêra;
Se algum de vós, ó Passarinhos meigos,
Entre o ditoso, afogueado enxame
Dos pensamentos meus, dos meus desejos,
De Analia no sagrado, e níveo seio
Pousou, e, sem morrer, gozallo pôde,
E suave embebêo por entre as rosas
O biquinho subtil n'um Ceo de Amores:
Se encantadôra primazia obteve
No bem, na gloria de celeste afago:
Por isto, que expressão não tem no Mundo,
Ou de que hum ai dos meus sómente he frase,
Por isto á venturosa Estancia vôe,
Onde o que devo a Amor me usurpa o Fado,
Lares demande, que esclarece Analia,
Adeje aos campos que florecem d'ella;
E quando a vir co' a fantasia absòrta
Na imagem do sempar, mesquinho Amante,
Contando, como os Séculos se contão,
Agros momentos de teimosa ausencia,
Que os bens do coração lhe some aos olhos,
Pouse na mão de neve, e gema, e diga:
(Por milagre de Amor) «eis os suspiros,
«A vida, o ser, o espirito de Elmano.
«Todo he teu, todo he teu: não quer, não póde
«Ser d'outra, nem de si, nem do Destino.
«Amor he mais que o Tempo, he mais que o Fado:
«Eia, triunfos contra Fado, e Tempo,
«E os premios da constancia delle espera.
«Venus, a Mãi de Amor, por ti deixámos,
«Idalia por teus Lares esquecemos;
«Ao ver-te a fé, o ardor, nos atrahírão
«Inda mais que os da face, encantos d'alma.
«De Elmano a doce causa he causa nossa:
«Deosa nos olhos, nos sorrisos Deosa,
«Monstro, se o deixas, te fará teu crime.»

[1] Expressão apaixonada, e que forçosamente se entende em sentido Mithológico.

  Nuncia mimosa das saudades minhas,
De meus suspiros Confidente amada,
Atenta do meu mal na bella Origem,
Observa se desmaia, ouve se geme
Ao som piedoso da mensagem triste:
Depois traze me hum ai, dá-me hum thesoiro.

  [2] E tu, Planta de Amor, que tens meu nome,
Que o tens com mão divina em ti gravado,
A Terra desdenhando, irás aos Numes,
Por ledo agoiro de adoravel boca.
Aves do Olympo, modulando amores,
Que Analia sente, como os sente Elmano,
Que á Plebe dos Amantes são mysrerios,
Aves mais brandas, mais fiéis, mais lindas
Que as mesmas aves que em Cithéra adejão,
Hão-de, Planta ditosa, ornar-te a rama.
Entre as Filhas da Luz, ethéreas Nynfas,
Oiro, néctar, jasmins, delicia todas,
O modelo verás dos dous de Analia:
Nos Ceos o Original, no Mundo a Cópia
Competem brandamente, a idéa absorvem;
Mas por Analia o coração decide.

[2] Allusão a lindos versos, compostos, e gravados por Analia em hum tronco.

  Planta, Planta de Amor, prospéra, e cresce,
Dos Cedros invejada, os Ceos penetra;
E se foste o que sou, se acaso outr'hora
Foste Amante feliz, ou triste Amante,
Se és Ente humano, transformado em tronco,
De Amor por tyrannia, ou por piedade,
Junto aos versos de Analia acolhe os versos
Do choroso Amador, soffre-os, não temas
Contagio nelles, que te dane, e murche.
A Mão formosa, que te honrou, que adoro,
Imprimindo-os em ti, tambem nos troncos,
Como nos corações, fará portentos.
Seu hálito de rosas te bafeje:
Illesa ficarás, e a côr da Morte,
(Côr minha) voará do metro amargo,
Que assim do coração subio aos labios:
«Do seu bem, do seu Nume Elmano ausente,
«Suspirando, morrendo, implora auxilio
«Á mão porque suspira, e por que morre.
«A mão de Analia, que lhe rege os Fados,
«No docil tronco, monumento amavel
«De paixão triste, mas fiel, e eterna,
«Estes sentidos caractéres lavre:
«Elmano por Analia esmorecia,
«Elmano foi feliz, mas expirando:
«Com ella não vivêo, morrêo por ella.»

  «Se amas, lê, Caminhante, e não lhe chores
«A morte, que lhe foi melhor que a vida.»

+FIM.+

Aos Escravos de Amor (meus socios) mando
  Suspiros da Saudade em verso brando.