The Project Gutenberg eBook of Notas d'arte

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Title: Notas d'arte

Author: António de Lemos

Release date: January 11, 2010 [eBook #30926]
Most recently updated: October 24, 2021

Language: Portuguese

Credits: Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team

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Nota de editor: Devido à existência de erros tipográficos neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos.

Rita Farinha (Jan. 2010)




NOTAS d'ARTE





Notas d'Arte



PORTO
TYPOGRAPHIA UNIVERSAL (a vapor)

Travessa de Cedofeita, 54

1906





Ao INSTITUTO de ESTUDOS e CONFERENCIAS

Á SOCIEDADE de BELLAS ARTES

pelo que podem fazer em bem da Arte.




Retrato de Vasco Ferreira
(Esboço para um retrato)

VASCO FERREIRA





NO LIMIAR



(1904) Caricatura do dr. M. Monterroso
(1904)
Caricatura do dr. M. Monterroso

O philosopho Taine, dizia, ha bons vinte annos, no seu Curso Esthetico para:―A Arte é o reflexo dos costumes. E, de facto, assim é. A Arte vae evolucionando sempre na ordem directa do aperfeiçoamento e da illustração dos povos.

Assim, quanto mais illustrado fôr o publico, tanto mais perspicaz, mais estudioso e mais observador deve ser o artista, para que tenha o applauso geral e sincero a obra que executou e apresenta. E, é mesmo por isso que entre nós, os artistas, pintores e esculptores, dia a dia fazem, na incessante lucta pela vida, os esforços mais lidimos e mais honrados para resolverem esse enorme e sublime desideratum:―ser grande!

[2] Infelizmente nem todos o podem conseguir. E, não o conseguem, porque para isso não são precisas só a boa vontade e a persistencia no estudo. Alguma coisa mais lhes é necessaria, e essa, primacial:―ter talento!

Felizes os que teem esse delicioso e bello predicado; porque esses, vão gloriosamente para diante e são verdadeiramente grandes.





Ha alguns annos, poucos ainda, a pintura entre nós era uma especie de Arte mystica, que apenas raros tentavam, n'um arroubamento de eleitos.

Esses mesmos, faziam a pintura a seu modo, dentro de restrictas e acanhadas normas, sem pensarem sequer que o fluido ether que nos cerca e enche triumphantemente toda a natureza, em pulverisações vibrantissimas de luz e de côr, precisa de ser estudado e quiçá pintado.

Mas, se elles limitavam os ambitos do seu modo de executar, era que o publico tambem não exigia mais, e a critica não se preoccupava absolutamente nada com isso.

Tanto elle como ella eram feitos por individuos, que ao visitar os museus e as exposições de pintura não tinham a intuição nitida e verdadeira da Natureza em todo o seu explendor, como manifestação psycologica da vista.

Habitualmente todos elles amavam a Natureza pelo simples consolo que lhes dava, quando ao domingo, deixada a cidade, iam para o campo, não para fruir o delicado encanto de admirar um bello panorama, mas... para gosar o pantagruelico prazer de devorar um gordo carneiro assado, com o seu alguidar de loiro e assafroado arroz de forno, ou a saborosa pescada frita, com negras azeitonas e fresca e appetitosa salada de alface, acepipes estes que copiosamente regavam com tinto de Basto ou espumoso verde de Amarante.

E, se um ou outro tinha uma tal ou qual intuição artistica, porque, lá fóra, nos grandes museus do estrangeiro, tinha visto qualquer cousa que lhe fizera notar tal, esse, ficava-se n'uma banal indifferença, sem se manifestar aggressivamente contra os systemas adoptados pelos pintores do seu tempo, que apresentavam nos seus quadros composições de convenção e feitas [3] no ar morno dos atelieres, sem a inspecção constante e immediata dos motivos a pintar...





Uma Era nova e refulgente, desponta por fim, e os artistas que começavam pondo de parte os velhos preceitos archaicamente usados, saltam por sobre as barreiras das convenções e correm pelos Campos da Arte, fóra, em procura de elementos verdadeiramente verdadeiros, com que possam satisfazer as exigencias do publico mais illustrado e da critica mais independente que auctoritariamente se impõe, cheia de razão, para que nos seus trabalhos haja mais naturalidade e menos ficção.

E, é sob este refulgir de um novo sol, que orientado lá fóra, com as mais modernas noções d'Arte, estudando nas melhores e nas mais celebres escolas de pintura do Mundo, que nos apparece, entre outros, como Columbano, Malhoa, Salgado. Sousa Pinto, Marques de Oliveira, etc., etc., o grande, o sublime Silva Porto! Aquelle que para mim é o maior dos paysagistas portuguezes dos ultimos tempos. E que, com o seu modo de ser e de ver, marca d'uma maneira deslumbrante o inicio d'essa nova Era para a pintura portugueza.

Assombra-nos esse artista com os seus primorosos quadros feitos n'uma larguissima e franca sentimentalidade d'alma de homem de talento, exuberantes de verdade, geniaes de execução. Era um grande! Era um sublime artista!...

Mas, a Morte rapidamente o ceifa, avara de que elle tenha conseguido tão sincera, tão verdadeira e tão lealmente roubar á Natureza verdadeiros e flagrantes pedaços do seu grandioso Ser, para tão maravilhosamente os transplantar á tela.

Ao morrer porém Silva Porto tinha hasteado, bem alto e bem firmemente, a bandeira gloriosa sob que se devia agrupar a nova pleiade dos pintores portuguezes.

E, de facto, é sob a egide d'essa bandeira que a Arte em Portugal brilha hoje mais fulgurante, podendo pôr-se sem vergonha ao lado da Arte dos paizes onde Ella tem um culto mais largo e mais acerrimo.

Se não em quantidade, pelo menos em qualidade, os artistas [4] portuguezes de nome, chegam onde podem chegar os artistas notaveis estrangeiros, sem temerem confrontos.

E isto porque Portugal d'hoje, embora os pessimistas não queiram, vae avançando intellectualmente um pouco na civilisação moderna.

E em taes circunstancias, como dizia Taine, ha bons vinte annos:―A Arte é o reflexo dos costumes.

Antonio de Lemos (Alvaro).




Cabeça de negra (Bronze)

Cabeça de negra (Bronze)

DUQUEZA de PALMELLA





NOTAS d'ARTE


I

Impressões d'uma Exposição



Ha muito tempo já, deveria ter vindo dizer da bella impressão que me causou a 1.ª Exposição organisada pelo

José Malhoa
José Malhoa

Instituto de Estudos e Conferencias, mas os meus affazeres obrigaram-me, para gaudio dos meus leitores (pois critica incompetente como a minha quanto mais tarde melhor), a só hoje cumprir este dever.

Fui vêr a exposição sete vezes, e de cada vez que lá ia, novos encantos encontrava nos trabalhos expostos, pois a tentativa do Instituto teve o resultado mais brilhante que podia desejar-se.

Concorreram a este certamen desde os nossos melhores artistas até aos mais modestos amadores, e na generalidade todos se apresentaram dignamente, não obstante um critico d'arte ter dito, em um semanario d'esta cidade, que aquelles trabalhos eram meras chromolythographias. Uma duvida me assalta o espirito relativamente aos conhecimentos artisticos e criterio de tal critico. Saberá elle o que são chromolythographias? Mas, deixemos a cada um o seu modo particular de vêr... e de apreciar, e vamos ao que importa... Demais, a lua está tão alta?...

[6] Vi, como disse, varias vezes os cento e dezesete quadros expostos, os dous bustos e o medalhão em marmore.

José de Brito
José de Brito


Dos trabalhos de esculptura direi apenas que os dous primeiros são obra de Fernandes de Sá, pensionista do Estado, que em Paris completa a educação artistica do seu muito talento. A cabecita de creança, em marmore, é um encanto, aquella boquita admiravel de bébé pedia milhares de beijos...

O medalhão de Joaquim Gonçalves é uma bella copia de um primoroso trabalho do grande mestre Soares dos Reis.

Agora, emquanto a quadros, ponho em primeiro logar, dôa a quem doer, os dous trabalhos de Malhoa, esse admiravel artista da Luz e da Côr. Eram um assombro os seus quadros.

Que grande calamidade―José Malhoa
Que grande calamidade―josé malhoa

O Gozando os rendimentos, estudado com cuidado e traçado largamente, empolgou-me por completo e fez-me gosar, conjunctamente com o personagem estudado, toda aquella commodidade natural de bom burguez que procura um amplo jardim publico para fazer socegadamente o seu chylo. Esta impressão forte que tive, confesso-o, foi devida talvez ao meu burguesismo.

No Que grande calamidade, as figuras trabalhadas com um rigor de verdadeiro mestre, são flagrantes na sua dor, ao verem o seu querido porco, morto na pocilga. Talvez que, se entre as cabeças das figuras e o rebordo do caixilho houvesse um pouco mais de tela, mais imponentes ellas ficariam.

E depois d'isto, de ter dito o meu modo de pensar sobre tão primorosos trabalhos, vou, salteando o catalogo, dar a nota dos quadros que mais me prenderam a attenção.

[7]

Chrysantemos―António Costa
Chrysantemos―antonio costa

Marques de Oliveira, como sempre, distinctamente. É inegavelmente um grande desenhista. As suas Impressões de Espinho, são bellas e tanto, que uma foi adquirida pelo Instituto por indicação do jury competente. A Azenha, um encanto, Cabeça de estudo, um primor.

Greno, a fulgurantissima artista, bem, admiravelmente. Então os Pensamentos? Esse, era uma delicia.

Antonio Costa, para mim o unico pintor portuguez de flores, não desmereceu a sua grande fama e, os Chrysantemos e Na vindima, deram-me a prova evidente da sua muita aptidão para este genero de pintura.

Candido da Cunha
Candido da Cunha


Candido da Cunha, um novo de muito talento, com o seu Ultimos raios de sol, que já conheciamos e que foi adquirido tambem pelo Instituto, com os seus―Mar calmo, Martyr e Barcos de pesca, merecem hoje, como sempre, os nossos elogios.

Julio Ramos, outro novo, paisagista apaixonado e distincto, dando ás suas paisagens um tom de verdade admiravel. O Macieiras em flor, em especial e as outras dezeseis telas, lindas a valer.

José de Brito, um mestre, talvez abusando um pouco das cores finas; todos os seus quadros são bons, mas para mim [8] superior a todos é o Mulher do novello, estudo admiravelmente feito de uma velha repelenta, flagrantissima de verdade na expressão do rosto. Na Infancia de Diana,

João Augusto Ribeiro
João Augusto Ribeiro

bello estudo do nú, alguma coisa me desagradou á vista, especialmente um cão que se via nos ultimos planos...

João Augusto Ribeiro, bem nos seus pequeninos quadros Retalhos, Lar.

D. Lucilia Aranha, uma verdadeira artista, cheia de talento e de força de vontade, mais uma vez affirmou, com os treze quadros expostos, as suas aptidões artisticas.

Retrato de minha mãe―Torquato Pinheiro
Retrato de minha mãe
torquato pinheiro

Torquato Pinheiro veio marcar n'esta exposição o seu logar definido e assente ao lado dos bons artistas. Um caminho encharcado, Manhã d'Abril, Margens do Leça, e todos os demais são feitos com alma de verdadeiro artista. Mas, a destacar, como primor de execução, o Retrato de minha Mãe, que é um trabalho notavel.

D'entre os amadores, extremarei D. Leopoldina Pinto, com as suas flores, especialmente o Pelargonios, que senti não tivesse preço para ser adquirido.

Mais artistas e amadores concorreram a este delicado certamen, mas, não me demorarei na enumeração dos seus trabalhos, porque isso iria ainda muito longe e os meus leitores, decerto, se até aqui chegaram, já bastante se tem aborrecido da semsaboria d'esta minha despretenciosa prosa, que do modo algum aspira ao nome de critica.



II

PINTORES PORTUENSES


JULIO COSTA


Convidado a delinear um artigo sobre o pintor portuense Julio Costa, pensei primeiro esquivar-me a tal empreza porque me julgo insignificantemente pequeno para fallar d'este artista.

Julio Costa
Julio Costa

Mas, antepondo a esse primeiro impulso a amizade que lhe dedico, resolvi acceitar o encargo, e, tal como posso, desempenhar esta missão.

Será um artigo despretencioso, sem preoccupação do estylo ou requinte de forma, um artigo modesto como eu e como o temperamento do pintor illustre de quem me vou occupar.

Não conheço escolas, não discuto artistas, não cito nomes estrangeiros, nem rebusco particularidades de metier.

Quando me occupo da pintura e de pintores nacionaes digo simplesmente, indiscretamente, a impressão que os quadros me deixam. Nada mais. E hoje, ao traçar estas linhas a respeito de Julio Costa, não venho, acreditem, fazer a apreciação, pretenciosa ou sabia, da obra d'esse pintor; venho simplesmente deixar-lhe, sob o seu nome já aureolado pela critica consciente, o laurel amigo da minha admiração.

[10] E posto este preambulo, ahi vae o que me parece dever dizer do Julio Costa.





Portuguez de nascimento e condição, alma que se espande na mais suave de todas as alegrias―a familia―Julio Costa vem, de ha tempos para cá, vivendo quasi exclusivamente para os seus parentes, para os seus discipulos e para os seus trabalhos.

Conselheiro João Franco―Julio Costa
Conselheiro João Franco
julio costa

É um d'estes homens com quem, mesmo sem fallar, se sympathisa logo á primeira vista.

É lhano de trato, affavel, de maneiras delicadas, cavaqueador emerito, tendo sempre um dito alegre para retorquir a um remoque que se lhe atire. Nunca deixa de chalacear, a não ser quando tem algum dos seus doente. Então, sim, então abate-se todo na dôr d'aquelle que soffre e deixa-se levar n'essa corrente de magua que o subjuga brutalmente.

É uma luminosa alma dada ao bem e a tudo quanto é bom, e d'ahi a uncção deliciosa e meiga com que elle concebe os seus quadros de genero.

Hoje, posto em foco, pelo brilhantismo dos seus ultimos trabalhos, deve orgulhar-se de ser um dos pintores preferidos nas commemorações aos homens notaveis do nosso paiz.

O retrato é inegavelmente o genero que Julio Costa mais accentuadamente trata e que mais em evidencia o tem collocado.

O retrato de El-Rei pintado para o salão do Tribunal da Relação, os retratos de Oliveira Martins, Dr. Ricardo Jorge, João Ramos, Dr. Eduardo Pimenta, Conselheiro Campos Henriques, [11] Conselheiro João Franco, e muitos outros, são affirmações publicas do que digo.

O primeiro, é largo de ideia, magestatico de pose, tocado de iriadas côres, pois assim o pedia o grande do personagem. Collocado no amplo salão do Tribunal toma um aspecto soberbo, que nos infunde respeito.

Oliveira Martins―Julio Costa
Oliveira Martins―julio costa

O segundo, em que a figura de Oliveira Martins, essa imagem de santo e de philosopho, se nos apresenta sentada em larga cadeira de espaldar, em posição natural de quem entretem uma conversa, ao contemplal-o, como que se escuta a sua voz de mestre, que discreteia sabiamente sobre os intrincados problemas economicos do nosso paiz, ou sobre os notaveis factos da nossa historia.

E todos os outros, todos, são verdadeiras obras primas.

Não esquecerei fallar do seu ultimo trabalho, do retrato do Conselheiro João Franco, o homem forte e duro que emprehendeu, n'um arranco de verdadeiro portuguez, remodelar, n'um molde novo e n'uma nova orientação, a marcha dos negocios publicos.

D'esse retrato já eu disse, quando tive occasião de o ver pela primeira vez, o seguinte:

«É grande, na magestade da sua tela ricamente emmoldurada, o retrato do snr. Conselheiro João Franco.

«Absorve por completo a nossa attenção. Está executado n'um correctissimo desenho, tocado d'uma distincta tonalidade [12] de côres, n'um flagrante de pose e de semelhança. Ao retrato do Conselheiro João Franco só lhe falta fallar para ser o proprio.

«Quanto mais o contemplamos, mais correcto e mais perfeito achamos este trabalho. A figura parece que se destaca da tela, tal é a perspectiva que Julio Costa lhe deu; ás vezes como que a vemos mexer-se. Depois, ha um não sei que de vida, que nos faz imaginar que os olhos se movem, que os labios se vão descerrar para fallar.

«E as roupas, que delicada feitura, que nuances de verdade! Na facha que ella ostenta, vermelha, ha reflexos de moiré.

«O retrato em questão não é simplesmente um retrato; é mais do que isso:―é um quadro».





Todos estes seus trabalhos nos encantam e deslumbram, porque Julio Costa sabe apanhar tudo quanto vê em volta de si. Sabe ver, que é o essencial. D'ahi o colher a expressão da Impressão. Mas a Impressão escolhida, não da natureza selvagem, mas sim da natureza civilizada e culta.

Julio Costa é um civilizado! É um delicado! É um raffiné (desculpem o francez).

E é esse effeito de raffinerie e essa predilecção pela impressão escolhida que elle transporta aos seus retratos.

Elle conhece bem o indefinivel e delicado interesse que se desprende das linhas d'um rosto.

Elle sabe que nada é tão impressionante, para nós que contemplamos os quadros, como essas figuras immoveis e mortas... mas que estão vivas!...

E os seus retratados vivem nos seus retratos.

Em uma palavra, Julio Costa não pinta um retrato do seu modelo... pinta o retrato.

Cada uma das nossas sensações, das nossas emoções, dos nossos sentimentos, cada um dos nossos desejos, das nossas esperanças, dos nossos pensamentos secretos altera constantemente a nossa physionomia.

A cada minuto, a cada segundo, qualquer de nós se [13] transforma, e deixamos de ser então semelhantes a nós mesmos. Mas, Julio Costa sabe discernir n'essas fugitivas transformações aquelle momento, que é sempre da nossa figura, sabe fixar na mobilidade imperceptivel das linhas d'uma physionomia o seu aspecto caracteristico. Sabe reunir n'um gesto a multiplicidade das nossas attitudes.

E é por isso que Julio Costa, ao pintar o retrato, tem uma grande preponderancia sobre outros artistas.

Demais a mais elle possue o que falta a muitos outros, uma bella correcção no desenho.

Que o desenho não é só como muita gente pensa o esqueleto da pintura.

Não, o desenho é uma parte integral d'ella, o desenho é a propria pintura.

Já um celebre pintor francez, cujo nome não recordo agora, dizia dos seus desenhos―A côr dos meus desenhos... como se o desenho não fora unicamente uma apresentação do claro escuro.

Mas é que a pintura sem um bom desenho, onde se definam os tons e meios tons, onde se delineem as distancias e as perspectivas, seria uma coisa chata, sem vida, sem relevo.

O Soler architecto, esse bello rapaz cheio de talento que a Morte avidamente nos levou ha um bom par d'annos, dizia-me uma tarde em que me fazia uma prelecção sobre as vantagens do desenho:―«Olhe, se você quizer um bom quadro desenhe-o primeiro em todas as suas minudencias, com todos os seus effeitos de perspectiva, com todos os seus claro-escuros e, depois, a esmo, cubra isso com as tintas d'uma paleta e terá um bom quadro. Olhe que n'isto de pintura o desenho é tudo».

E de facto assim é: para se poder pintar bem o que é preciso primeiro é saber desenhar. E Julio Costa sabe desenhar. D'ahi o elle dar aos seus trabalhos uma corecção distincta.

Mas, Julio Costa não é só notavel no retrato. Julio Costa é-o tambem em outros generos de pintura. No assumpto religioso deu este artista provas indiscutiveis das suas aptidões.

O Calvario, que elle pintou para a egreja do Bomfim, é o melhor attestado do seu savoir faire. D'essa obra prima, que veiu abrir uma polemica entre um critico da Palavra e o conego Alves Mendes, dizia este ultimo no seu opusculo―A [14]

O Calvario―Julio Costa
O Calvario―julio costa

crucificação de Jesus:―Outros quadros de egual natureza adoecem de monotonia e languidez. Este não. É tal a firmeza do desenho, tal a riqueza das tintas, tal e tanta a genial inspiração artistica, que a gente admira irresistivelmente e applaude enthusiasticamente esta magistral pintura de Julio Costa.

Que melhor e mais auctorisada opinião que a d'este pintor da oração, este artista genial da palavra, que desenha com o seu verbo inexgotavel os mais fulgurantes e mais flagrantes quadros? Como consagração a um artista não as tenho visto melhores nem mais perfeitas.

Quando Julio Costa se entretem a fazer o quadro de genero, tambem, n'esses momentos, não deixa o seu nome em má posição. Ahi, como nos outros trabalhos, elle sabe dar aos seus typos e aos seus assumptos o quer que seja de suggestivo, de impressionante.

Não é cousa simples enumerar a sua obra, porque ella não é uma insignificancia.

No entretanto, como [15] é do meu desejo levar o mais longe possivel a resenha dos seus trabalhos, ahi vae o titulo d'alguns d'elles, que mais se notabilisaram nas exposições onde teem apparecido.

Em primeiro logar colloco eu o No Vago, uma pastoral

A Ti Anna―Julio Costa
A Ti Anna―julio costa

de côr, como lhe chamou Oliveira Alvarenga. Era uma larga tela que resumia um delicado poema d'amor. Em plena primavera, sob a luz do lindo sol, uma moçoila trigueira e forte, de seios proeminentes, encostada a um pedaço de terreno alto e florido, sonha n'um vago presentimento triste. Ia para os trabalhos do campo, levava a sua foice, o seu cesto vindimeiro, o seu chapeu de palha; marcára ao namorado uma entrevista, na esperança d'um doce idyllio, mas o tempo passa, o namorado não vem, e ella, na sobrexcitação do seu amor e do seu ciume, vae desfolhando malmequeres que ora lhe dizem sim, ora lhe dizem não, e, por ultimo, como que adormece n'uma febre d'amor, olhos semi-cerrados, com o pensamento esvoaçando no vago... Eis o quadro, que figura lá fora, em Berlim, para onde foi vendido.

[16] Não esquecerei a Romeira, uma fresca rapariga que, em descantes alegres, parte para a romaria.

E uma Cabeça de estudo, que appareceu na exposição de Arte de 1894, uma linda cabeça de rapariga de olhos vivos, labios de coral e com o seu lenço de xadrez multicor, que é um encanto!

O retrato do Quinsinho Souto Mayor, é um estudo de creança finamente trabalhado com o seu vestidinho de velludo, onde assenta uma romeira de renda, tão bellamente pintada, que dava a perfeita illusão de que eram rendas que alli estavam collocadas sobre a tela.

O Vencido, que é um bom trabalho tambem, consiste em um rapazito que, após uma refrega com outros, sae com um braço deslocado; que suavidade de côr, que tristeza nos olhos humidos!

O retrato da Ti Anna, essa velhita encarquilhada que, no fundo do seu casebre, junto da lareira, vai fiando a loira estriga a pensar no tempo lindo que passou, quando era rapariga e cantava ao desafio nas esfolhadas e nas espadeladas, é soberbo. Hoje, a pobre velha canta as tristes canções com que embala os netos, e fia o linho com que veste os filhos, que outras, que são novas, vão espadelando a rir e a cantar. E tudo isto se traduz n'aquelle quadro, e todo este romance se vê alli representado n'uma sentida impressão e n'uma ideal concepção.

O Costume dos arredores do Porto, é tambem um lindo quadro―uma cabecita de rapariga do campo cheia de vida e de frescura.

E a Mimalha e a Varanda dos Mangericos e mil outros trabalhos d'elle?...

Ah! mas vae muito longo este artigo e o leitor não tem obrigação nenhuma de estar infinitamente a ler-me; por isso, ponto.

Julio Costa é para mim um pintor que sabe muito da sua arte, digam lá o que disserem, e se, dentro da sua modestia, não gostar do que eu agora digo d'elle que me perdoe porque eu só sei dizer o que penso, e isso muito rudemente ainda.



III

PINTORES PORTUENSES


ANTONIO CARNEIRO JUNIOR


Conhecendo Carneiro Junior ha muito, por ter tido já occasião de apreciar os seus trabalhos em outras exposições, corri, apressadamente, incumbido por a redacção da Vida Moderna, a vêr a nova exposição dos seus ultimos

Antonio Carneiro Junior
Antonio Carneiro Junior

trabalhos, com o grande interesse de conhecer o progresso e o desenvolvimento artistico d'este bello cultor da arte da pintura.

E, francamente o confesso, as minhas espectativas confirmaram-se. Carneiro Junior, que era um dos novos que mais promettia, obteve, com o seu estudo no estrangeiro, a verdadeira comprehensão da arte de pintar, affirmando-o desde já com os magnificos trabalhos expostos no atrio da Misericordia.

Pintando em todos os generos, como elle mais se avigora, e mais demonstra o seu talento é, a meu vêr, como pintor de figuras.

A paisagem e a marinha não são o genero que mais o tentam, o que não quer dizer que não tenha paisagens adoraveis e marinhas deliciosas.

É preciso porém notar-se que, quem escreve estas linhas, é um mero amador que vem simples e unicamente dar a resenha [18] dos quadros expostos e a sua impressão pessoal, dizendo simplesmente gosto ou não gosto, sem me prender nunca em considerações sabias sobre o modo de pintar de cada um. Não citarei escolas hollandezas, flamengas, etc., etc. com ares sabios de critico emerito.

E não o farei, porque entendo que para se escreverem artigos substanciosos e chorudos sobre tal assumpto é necessario, antes de mais nada, ter visto alguma coisa d'essas escolas e d'essa pintura, acompanhado isso da leitura de livros da especialidade.

E, vulgarmente, não succede assim. Muitos dos nossos criticos conhecem esses quadros e essas escolas porque algum amigo, vindo lá de fóra, lhes trouxe, como recordação, catalogos dos muzeus que viu por lá, e é por ahi que elles fazem, a maior parte das vezes, critica. Ora eu, como nunca vi muzeus,

Retrato―Antonio Carneiro
Retrato―antonio carneiro

nem tenho lido livros sobre pintura, não faço critica, faço a minha reportagem, deixem-me assim dizer. E posto isto, lá vae a impressão pessoal que me ficou d'alguns dos trabalhos de Carneiro Junior. E elle que me perdôe se não gostar.

Em primeiro logar, se bem que não sejam estes os principaes trabalhos, ponho eu os desenhos a sanguinea―-que figuram no catalogo com os n.os 27 e 28, Figuras para a fonte do Bem; 10, Estudo para o quadro do Amor; 6, Estudo para a figura Esperança; 25, Estudo de creança para a fonte do Bem.

Os retratos do Marcos Guedes, n.º 43; do dr. Alfredo de Magalhães, 34; do Antonio Patricio (filho), 32; de J. Teixeira Lopes, 36; do Claudio, 40; e os dous retratos de R. C., 37 e 38, são magnificos.

Em todos elles ha um tom de vida e muito de alma, especialmente [19] nos dois ultimos, em que o artista põe todo o seu sentimento de amor.

O quadro Tarde no mar, n.º 56, é delicioso; como que se sente, ao olhal-o, aquella cadencia ou melopeia que o grande mar sabe cantar quando suavemente beija a areia fina da praia.

Campo de trigo, n.º 77; em Auvay, impressão de frente, 89; impressão, (Bretanha), 71; em Leça, impressão, 68; o Tamega, (Amarante), 67; o Sena em Auteil, 62; Pinheiros ao cahir da tarde, 57; ...são, para mim, sentidissimas paisagens onde a nossa vista se perde e o nosso espirito se embrenha como em paginas brilhantes da Viagem da minha terra, de Garrett.

Ha alli tambem um quadro, Leitura, de que muito gostei. N'um interior de casa escura, á luz de um candieiro, tres mulheres, uma das quaes lê. É admiravel não só de execução, como de composição.

O esboço do quadro Fonte do Bem é apreciavel e bem desejariamos vêr o quadro definitivo.

E, antes de terminar, deixe-me Carneiro Junior dizer-lhe que o seu triptyco, é, para o meu fraco entender, um d'estes geniaes poemas que só os grandes artistas sabem conceber. Emquanto á sua execução acho-a primorosa. A Esperança, deliciosa virgem estudada e delineada com toda a pujança d'um bello espirito;―O Amor―assombroso de execução; ha n'aquelle cavalleiro todo em aço vestido, a virilidade d'um cavalleiro andante; A Chimera, fundamente abstracta, na sua côr doentia e na sua expressão de verdadeira Fatalidade olha o quer que seja de horrivel, guiando o fogosissimo cavallo em que monta o cavalleiro;―Saudade―na base d'uma sphinge sonha uma mulher, toda de negro vestida. Quanta doçura n'aquella expressão de tristeza! Como o pintor soube dar áquella delicada mulher a nota melancolica do que é na realidade a saudade! Este quadro seria bastante, para definir o grande talento do artista e o seu temperamento subtil de poeta.

Que o artista me perdoe se não disse tanto quanto merecia a sua obra e acceite o parabem sincero de quem só diz o que sente.

Março 1901.




IV

Thadeu Maria d'Almeida Furtado


palavras ditas á beira da campa do fallecido professor


Não é, o que vou dizer, uma biographia, nem um necrologio; representam simplesmente estas despretenciosas palavras como que um

Thadeu Maria d'Almeida Furtado
Thadeu Maria d'Almeida Furtado

punhado de saudades espersas sobre a campa, ainda mal fechada, do illustre morto.

Conhecendo-o desde ha muito, tive sempre por elle uma d'essas venerações respeitosas de consideração e amisade, que se tem por aquelles que vivem sempre de cabeça levantada e aos quaes não podem attingir nunca as settas envenenadas da má vontade e da calumnia. E é por isso que hoje não posso deixar de vir dizer aqui algumas palavras a respeito de quem, sempre se fez querido de todos quantos, uma vez só que fosse, d'elle se aproximaram.

Thadeu Furtado foi um dos mais antigos professores de desenho do Porto e dos de mais nomeada; cumpridor dos seus deveres, como poucos, recto nas suas apreciações, como ninguem, quantas vezes fez elle rebentar essas bolhas de balofa vaidade, com que muitos mediocres se julgavam notabilidades, e a quem o publico inculto tecia os mais rasgados elogios; mas, sincero como era, nunca se pejava de dizer as verdades por mais duras que ellas fossem.

[22] Trabalhador incançavel, até ao ultimo dia, em que um desastroso acontecimento o impossibilitou, foi regularmente occupar o seu logar na Academia, onde hoje era secretario e onde em outros tempos fôra professor sapiente.

E inegavelmente é a este trabalhador indefeso, a este morto illustre, que se devem os melhoramentos ultimamente feitos n'aquella casa de ensino artistico.

Quantas e quantas vezes, reclamados esses melhoramentos ao governo, foram elles lançados no rol dos esquecimentos, rol lendario, onde são archivadas todas as cousas uteis do nosso querido Portugal. Mas, Thadeu Furtado, com a sua vontade de ferro, ao saber no Porto o conselheiro Elvino de Brito, então Ministro das Obras Publicas e antigo discipulo da Academia das Bellas Artes do Porto, a elle foi e depois de lhe mostrar, provando de visu a necessidade urgente d'aquelles melhoramentos, conseguiu o que até ali ninguem tinha conseguido. E é portanto a este querido morto que se deve o ser hoje a Academia de Bellas Artes, senão um modelo de escolas para o seu genero, pelo menos um estabelecimento que não nos envergonhará quando mostrado a estrangeiros profissionaes.

E, doa a quem doer esta minha affirmação, mas Thadeu Furtado vae fazer muita falta á nossa Academia.

Como professor foi sempre correctissimo, muito sabido no seu métier, e a prova d'isso está, em que, todos os nossos grandes pintores de ha sessenta annos para cá, foram todos seus discipulos e todos teem manifestado esta mesma opinião.

Não fui seu discipulo, mas fui seu amigo e é unicamente como tal que venho aqui depôr tambem a minha eterna saudade, que é tão grande, como foi a minha consideração e a minha amisade.

E, para terminar esta minha sincera e triste despedida, consenti, meus senhores, que vos manifeste tambem aqui um grande desejo:―Como todos bem o deveis comprehender, uma divida tem a Academia a pagar ao seu respeitavel professor e ao seu incançavel secretario; e essa divida só poderá ser paga perpetuando-lhe a memoria com um monumento digno d'elle. Grato me seria, portanto, saber que os alumnos da Academia de Bellas Artes, reunidos aos professores, lançaram mão da ideia de que seja collocado o busto de Thadeu Furtado nos claustros da mesma Academia.

[23] E, para realisar tal ideia, não terão mais do que fazer fundir em bronze um busto, que a familia do fallecido possue, feito, salvo erro, pelo brilhante estatuario Teixeira Lopes. E assim, como preito de homenagem ao professor morto, ficará ligado ao seu nome o nome d'um professor vivo que é inegavelmente a primeira gloria da esculptura portugueza.―Disse.

Março 1901.



Lenço em rendas―D. Maria Augusta Bordallo Pinheiro
Lenço em rendas―d. maria augusta
bordallo pinheiro





V

PINTORES PORTUENSES


ARTHUR LOUREIRO


Arthur Loureiro, esse grande artista que durante

Arthur Loureiro no
Arthur Loureiro no seu atelier

tantos annos viveu longe de nós, n'esse bello paiz, a Australia, e que uma vez cá, filho do Porto, amando o seu ninho com um amor especial de artista, apoz a sua primeira exposição onde nos mostrou que era um delicado pintor de figura, com os seus retratos, e os seus typos admiravelmente executados, vae para bem perto do Porto, para Villa do Conde e cheio de vontade e repleto de savoir faire, lança á tela lindos quadros que são como filigranas da arte pintural.

Antes porém de atacar o assumpto que [26] nos obriga a tomar da penna e rabiscar estas linhas permittam-se-nos algumas phrases ligeiras de introito.

Ao entrarmos no atelier de Arthur Loureiro, decorado com uma distincta simplicidade, tem-se a suave impressão que o artista que ali trabalha é um bom e um delicado. Confortavel e amigo, aquelle atelier sem pretenção a luxo, todo elle resuma elegancia e bom gosto. Sem estofos custosos, meros cobrejões de farrapos, em tons escuros, biombos simples de couro lizo, moveis de linhas correctas desenhados por o proprio artista e executados sob a sua direcção, é d'um effeito soberbo! O indifferente, que ao acaso ali vá, tem com certeza a impressão de que entrou na casa d'um amigo.

Barra, Foz-Douro―Arthur Loureiro
Barra, Foz-Douro―arthur loureiro


D'entre os moveis, que guarnecem o atelier, destaca-se um largo divan-estante com as costas pintadas a sepia, que nos dá a impressão de uma pirogravura.

Mas não vamos occupar-nos do atelier, vamos unica e exclusivamente fazer uma resenha despretenciosa e sincera dos quadros expostos e do effeito que nos deu a visita á exposição aberta agora ao publico.

Arthur Loureiro não é somente um pintor. É mais do que isso, é um esculptor consummado. O caixilho para espelho, o do quadro Convalescente, e um outro onde se ostenta o seu retrato aguarellado por Columbano, são bellos.

Mas, o que me encanta, o que me fascina, é o frontal para uma arca, onde se guardará o enxoval d'um filho querido. [27] Este frontal, desenhado e executado por Arthur Loureiro, é como que uma symphonia d'amor, sob o thema sublime do martyrio da maternidade.


Frontal d'uma arca (esculptura)―Arthur Loureiro
Frontal d'uma arca (esculptura)―arthur loureiro



Sem minudencias de descripção, sempre diremos que a bordadura que cerca a figura da mãe tendo no regaço o filhito querido, é feita com flores de martyrios em todas as suas evoluções, desde o pequenino botão até á flor completamente aberta e em todo o seu frescor. Flores, folhagem e figuras soberbamente executadas.

E agora, posto isto, entremos pela pintura dentro.

Não somos do métier, nem aspiramos a critico de arte; mero amador, vendo talvez um pouco bem, sentindo a dentro da alma qualquer coisa de meigo, por uma paisagem triste, e qualquer coisa de vibrante em frente d'um retalho da natureza, que o sol banha luxuriantemente.

Amando os quadros pela poesia que infundem, subjugado pela impressão, que nos deixa qualquer cousa que nos agrada.

Eis o modo como vemos as obras d'arte, quer ellas sejam d'um novo, quer ellas sejam d'um mestre. E por isso a despreoccupação do meu modo de escrever. Pondo em evidencia ás vezes quadros d'um valor mediocre e deixando no escuro verdadeiras obras de arte. Que nos perdoem os artistas essas faltas e vamos á exposição de Arthur Loureiro que foi o que aqui nos trouxe.

[28] Fallarei d'esses quadros pintados em Villa do Conde, antes porém deve ter especial menção o largo quadro da nossa barra, pintado n'um pôr de sol irisado, cheio de poesia, com tons d'ouro que se reflectem na agua superiormente. É um quadro este, de si bastante notavel para definir o artista.

E agora, que puz em evidencia o quadro que

O Passado―Arthur Loureiro
O Passado―arthur loureiro

para mim se affigura mais notavel, vou dizer da minha impressão dos outros quadros expostos.

Um grande ramo de lilaz, que parece espalhar no ambiente o seu perfume doce e meigo, está feito com tanta frescura e tal graça, que nos tenta a cortar um pequenino ramo para a nossa botoeira.

As bellas rosas escuras, d'um avelludado meigo e fino, como que tentam na sua confecção a uma offerta gentil para a nossa namorada.

São pedaços vivos de natureza, lançados á tela, com proficiencia e carinho.

Um cãosito mops com o seu focinho birrento e negro e o seu pello amarellado dá-nos, a mim pelo menos (que eu sou doido por cães), vontade de o ameigar, de o chamar carinhosamente e roubal-o ao artista. Collocado á entrada, talvez por acaso, é como que um fiel guarda d'aquelle encanto de atelier. Este quadro está feito com cuidado, o que me dá a entender, que o artista segue a theoria d'um escriptor celebre que dizia:

―Quanto mais conheço os homens, mais amigo sou dos cães.

[29] Andam os nossos pintores delineando paisagens, por esse paiz em fóra e nenhum, que me lembre, tinha ido pintar para Villa do Conde. Talvez porque julgassem não haver alli nada que pintar e Arthur Loureiro, que ha vinte annos estava fóra do seu paiz, chegou e para socegar dos seus trabalhos escolares foi para essa linda praia descançar e que descanço o seu, voltou trazendo na sua bagagem deliciosas telas, formosissimas. Querer citar as melhores seria cital-as todas, eu porém notarei como primordial―A Senhora da Guia―depois, as Azenhas e d'estas não sei se o que resplende de sol, se o outro, feito por uma manhã triste de chuva.

Não voltará mais―Arthur Loureiro
Não voltará mais―Arthur Loureiro


A Igreja matriz, tambem o noto pelo bello do effeito. Como uma mancha retumbante, n'aquella suavidade de côr, os reposteiros da igreja fazem resaltar o quadro (ora aqui está onde eu decerto dou raia, em ter recebido uma bella impressão pelo vermelho que destaca do quadro, mas sou assim e não ha nada que me atrapalhe).

A Paisagem geral de Villa do Conde, com o seu convento e a sua cazaria branca é formosa.

O Passado, quadro cheio de poesia e de candura. Como um poema, de amor, de dôr e de miseria aquella velha sentada á porta da igreja, onde talvez ella se baptisara, casára e seria enterrado o seu companheiro de muitos annos, talvez um pescador, que ella hoje chora, pedindo esmola, na sua miseravel e angustiosa viuvez.

Mas vamos fechar este artigo que vae já longo de mais. Antes porém notaremos dous quadros, um que se intitula―Não voltará mais, e que é outro poema de dôr. Junto d'uma [30] bella arvore em flor, um redondendro, uma viuva e uma creança olham o mar.

Esse mar gigantesco e barbaro que foi, decerto, quem subjugou para sempre o ente querido d'essas duas figuras insinuantemente bellas nas suas silhouetes.

O Convalescente é um retrato primoroso do nosso amigo dr. Francisco Loureiro, irmão do distincto artista.

É um trabalho feito com muito amor e muito saber. Flagrante de verdade e correctissimo de desenho. É um bello retrato.

Que me perdoe o artista esta prosa desenchabida e vulgar, mas, mais não póde dar a minha pena. No entanto ha-de ver o publico que eu não quiz fazer o réclame do pintor nem a apologia do homem, fiz unica e exclusivamente a resenha rapida e sincera do trabalho correcto d'um poeta lyrico da pintura que entre nós vem, se não, fazer uma revolução na arte, dar no entanto a nota brilhante, do que deve ser o paisagista portuguez; pintar a nossa paisagem, sem tons exoticos de côr trazidos dos paizes estrangeiros. Porque Portugal com o seu ceu e os seus verdes não póde ser pintado com as cores das paisagens bretãs.

E mais nada.

Outubro 1902.


Na Eira―Lucilia Aranha
Na Eira―lucilia aranha





VI

ESCULPTORES PORTUENSES


FERNANDES DE SÁ


Uma das manifestações mais vivas da arte é a esculptura. Esculpir em marmore ou em bronze a figura de um individuo, é, como que, deixal-o por toda a vastidão dos seculos á admiração, ao respeito ou á saudade dos seus concidadãos ou dos seus amigos.

Fernandes de Sá
Fernandes de Sá

É a nota constantemente vibrante de uma individualidade. Mais duradoura do que a pintura, é ella que, arrostando nos logares publicos com a intemperie dos tempos, mostra aos que passam um capitulo da historia dos povos, um acto de alta philantropia, ou a saudosa recordação d'um ente querido que a morte nos roubou.

E não é só isso; empolgando o nosso espirito, dá a concepção perfeita d'uma ideia genial que o artista quiz vivificar, dando á dura e informe pedra ou ao frio bronze a pulsatibilidade da natureza viva.

A esculptura, na sua larga e educativa esphera, desde o poema grandioso da patria, nos heroes que faz reviver, até aos santos, que a religião faz venerar nos altares, com a larga escala de mil variadas manifestações, é uma das mais difficeis, se não a mais difficil de todas as manifestações artisticas.

[32] E d'ahi o insignificante quociente de esculptores, em relação aos pintores.

E, todo este preambulo para vos dizer, que visitei hontem a exposição de esculptura, que o notavel estatuario Fernandes de Sá abriu no seu gracioso atelier da rua de Alvares Cabral, d'esta cidade.

Este moço esculptor, cujo nome não é já uma esperança, mas sim uma affirmação segura, dá-nos, com a exposição dos seus trabalhos feitos aqui e em Paris, a demonstração mais definida e assente, de que é um d'aquelles artistas que mais futuro teem, dentro da sua especialidade.

Não o queremos collocar a par do grande, do genial Soares dos Reis, mas pomol-o aproximadamente no mesmo plano de Teixeira Lopes; depois, elle é novo e tem uma vontade de ferro;

Desafio―Fernandes de Sá
Desafio―fernandes de

ora estes dois bellos elementos, a mocidade e a energia, juntos ao seu grande talento e ao seu muito saber, dão-nos a garantia de que elle ha de fulgurar, como um astro de primeira grandeza, na sublime arte de Milo.

Fernandes de Sá, a continuar assim, não ha-de ser notavel só entre nós, ha-de sel-o tambem lá fóra, no estrangeiro. E bom será que assim succeda, para que no mundo civilisado se faça a verdadeira justiça aos nossos artistas e se não pense que isto aqui é uma terra de selvagens.

Mas, deixemos estas divagações e entremos no assumpto que me proponho expôr: Notar as obras que Fernandes de Sá expõe, e isto ao de leve, como quem quer e não póde, por falta de elementos, embrenhar-se em philosophicos problemas d'arte.

Dezoito são os trabalhos expostos, qual d'elles o mais empolgante, qual o mais bem executado.

Camões (estatua em marmore de Carrara)―Fernandes de Sá
Camões (estatua em marmore de Carrara)―fernandes de


Desde o largo trabalho―Camões―até á pequenina cabecita [34] da galante―Bébé―todos elles são soberbos e dignos de especial menção.

Camões, estatua em marmore de Carrara, destinada ao Museu de Artilheria de Lisboa. Após o naufragio, o grande epico portuguez salva, n'um heroico esforço, a sua espada e o seu poema―eis o assumpto representado por esta bella estatua. N'uma attitude de desesperada ancia, o corpo fidalgo de Camões, sobre uma rocha, a mão direita crispada agarrando-se a uma saliencia da penedia, na esquerda a espada e o poema sobre o coração, parece escorregar, resvalando na voragem da onda, que n'um desespero revoltoso se quebra de encontro áquella molle de marmore. Sublime de concepção. Na figura elegante e adelgaçada de Camões ha linhas d'uma senhoril fidalguia.

Tratado aquelle marmore com o encanto e o amor d'um verdadeiro portuguez, o esculptor não perdeu uma minudencia, por mais pequena que fosse. Tudo estudado com perfeita segurança, com verdadeira mestria, desde a musculatura reteza e vigorosa d'um desesperado em lucta com o mar, até ao desalinho da roupagem, tudo elle viu, tudo elle estudou conscienciosamente. E, fugindo da vulgaridade das concepções sobre este thema, Fernandes de Sá realisou―segundo o nosso modo de vêr―uma obra genial.

Rapto de Ganimedes, é um grupo em gesso, que vós já conheceis de quando esteve ahi exposto na Exposição da Sociedade de Bellas-Artes, onde mereceu a segunda medalha, tendo já adquirido a terceira medalha na exposição de Paris de 1900.

Beijo Materno, (grupo em gesso). Verdadeiro poema de amor maternal. Uma linda mulher, deliciosamente esculpida, sustendo no collo um formoso bébé, que ella beija n'uma subtil ancia de ternura. Foi este o seu trabalho final para o concurso de esculptura em Paris, como pensionista do Estado. É um encanto.

Vaga. Este gesso é d'uma bella idealisação. Uma formosa mulher, completamente nua, de linhas primorosas, pousa sobrenadando nas ondas revoltas d'um profundo mar e reclina-se docemente, como adormecida ao marulhar da agua. Ao contemplal-a deu-nos o coração um baque e confrontando na mente a mnemonica de quadros vistos, lembrámo-nos d'um, que nos pareceu a reproducção em pintura d'aquelle soberbo [35] trabalho, e no nosso espirito ficou como que um espinho a esse respeito. Alguem, mal intencionado, poderia dizer que José de Brito tinha ido alli beber a sua inspiração e o modelo para o seu quadro A Vaga. Nós não nos abalançamos a tanto, nem isso queremos pensar sequer, porque José de Brito é um grande pintor...

Beijo materno (grupo em gesso)―Fernandes de Sá
Beijo materno (grupo em gesso)―fernandes de


Dois bustos, em marmore que são a reproducção exacta das pessoas que representam.

O retrato do dr. Correia de Barros, é um trabalho bem feito, cheio de verdade e de vida.

Ha tambem uma Cabeça de velha, que é primorosa.

No Pobre (bronze dourado) e no Desafio (bronze) ha flagrancias de expressão, detalhes minuciosos de execução, que [36] revelam o cinzel subtil, consciencioso e correcto de quem os executou.

Ah! Mas, onde se revela o coração delicado e a alma poetica do moço esculptor, é no grupo Irmãs. Que soberba obra! Com que carinho, com que amisade não foi executado aquelle gesso!

Vê-se que o artista poz alli toda a sua alma de moço e de moço apaixonado. Aquellas duas raparigas, d'um olhar meigo e terno, que o estatuario delineava, com certeza emquanto elle trabalhava cobriam-no com os seus doces olhares n'uma caricia amiga de irmãs. Alli poz elle toda a sua alma lyrica, como no Camões, poz toda a alma patriotica.

Ha tambem uma Cabeça de velha (bronze dourado), muito bem feita.

Notavel tambem um Estudo em barro, coberto com patine verde que lhe dá um tom de novidade. O assumpto é uma cabeça de mulher do povo, com o seu lenço. Nas linhas de aquelle rosto ha muita verdade, e um tal ar de languidez, que logo se nota que dentro da alma do modelo havia um certo quê de pena ou de saudade.

E tudo isto é lindo e tudo isto é bello, não esquecendo fallar nas cabecitas de creanças que lá vimos. Deixei para o fim isto, porque tendo eu uma predilecção especial por creanças, comprazia-me todo em ser n'ellas que fallasse por ultimo.

São quatro estes trabalhos: Cabeça de creança, Bébé, Beija-flor, Estudo de creança.

Que encantadores! Com que amor elle não esculpiu no frio marmore aquellas quatro perolas, aquellas deliciosas creanças, que são mesmo um primor!

Uma vez, n'uma exposição que Teixeira Lopes fez no pateo da Bolsa, havia lá um bébé, o retrato d'um sobrinho d'elle, e eu, estando alli só, não me furtei ao desejo de o beijar e beijei-o, tal era o seu encanto.

Pois quando visitei a exposição de Fernandes de Sá, se lá me visse só, posso affirmal-o, beijava todas essas creanças n'uma infinita alegria, porque as julgava vivas. São realmente uns delicados e subtis bustos, que me deslumbraram.

E eis em meia duzia de linhas a noticia da visita que fiz, por uma linda manhã, ao atelier de Fernandes de Sá, onde a luz forte do sol, coada atravez dos brancos transparentes, [37] n'uma doçura meiga, fazia resaltar os marmores esculpidos, como n'uma luminosa penumbra de sonho.

E permitta o moço esculptor, que tão gentilmente nos recebeu, e com tanta modestia nos apresentou os seus gloriosos trabalhos, que lhe digamos que o seu talento lhe dá direito a mais um pouco de orgulho, e não a querer deixar-se ficar na modestissima sombra dos que pouco valem. O seu nome e a sua obra, repito, não são uma esperança, não; são uma affirmação segura de que elle é um dos primeiros estatuarios portuguezes.

Outubro 1902.


Busto (Antonio Cano)―Fernandes de Sá
Busto (Antonio Cano)―fernandes de





VII

Exposição da Sociedade de Bellas-Artes de Lisboa


carta a um redactor do "correio da noite"


Não me conhece, nem isso é necessario, para o que eu lhe quero confiar. Não é um segredo e, portanto, se achar interessante o que lhe vou dizer, conte-o ao publico, a esse publico despreoccupado, que lê as gazetas, não para se instruir, mas para ver se o seu nome figura no Carnet Mondain,

El-rei
El-rei

ou se alguma cousa má succedeu aos seus conhecidos para ter o pretexto de os consolar nas suas amarguras e nas suas desditas.

Conte-lhe o que lhe vou dizer e estou convencido, que isso lhe será agradavel, porque eu, com o meu genio desinteressado e independente, dou abertamente, picadelas em quem as merece, levantando ao ar em apotheoses de gloria, tambem, aquelles que a ella teem direito, segundo o meu modo de ver.

Sou sincero, apenas; nunca me embrenhei nos escaninhos da politica e, por isso, não conheço a intriga; nunca calquei os tapetes dos palacios dos nobres e da aristocracia e, por isso, não conheço a bajulação; não me tenho accorrentado ao jornalismo militante e, por isso, não conheço as conveniencias de redacção. Sou, ainda, mais independente do que o chefe do partido novo, que não quer para seus soldados senão os que estão isentos do peccado politico. Sou, emfim, como os homens do norte; duro como um sobreiro, ingenuo como uma creança... de bigode, sincero como um convicto e delicado como uma dama.

Paisagem (pastel)―El-rei
Paisagem (pastel)―El-rei


[41] E feita a minha apresentação, ahi vae o que eu lhe queria dizer.

Fui, levado por intensa curiosidade, visitar a exposição da sociedade Nacional de Bellas-Artes e dei o meu tempo por muito bem empregado. E dei por bem empregadas as tres horas que lá passei, porque morro por coisas d'arte.

A Arte, a grande Arte, cuja definição perfeita, para mim, é um mytho, atrae-me como uma feiticeira deslumbrante e maravilhosa. Mas a Arte pinctural e esculptural, essa, extasia-me e não é para extranhar o vêr-me parado em frente

Cabeça de estudo―Ernesto Condeixa
Cabeça de estudo―ernesto condeixa

d'um bom quadro ou d'uma bella esculptura, tal qual como em frente d'uma mulher formosa. Mas, deixemos estas divagações e entremos no assumpto da minha carta. Demais, que lhe importa a si que eu goste ou desgoste, se o meu caro nem sequer me conhece de nome. Antes, porém, de continuar, ou por outra, de começar, desculpe esta franqueza: as aguas de Lisboa são más e pozeram-me o figado n'um pessimo estado, o que deu em resultado eu ter tido um ligeiro extravasamento de bilis, que pode ser se manifeste, ainda que ao de leve, no decorrer desta minha despretenciosa carta.

Uf!... que começo a massar, não acha? Mas que quer, eu sou assim, o mal é dar-me corda, hão-de aturar-me depois. E posto isto, lá vae.

Fui vêr a exposição e fui sem a preoccupação de critico [42] d'arte, unica e exclusivamente como amador, como dilletanti, e como tal é que escrevo. Que me perdôem os artistas, se nada fôr, a minha apreciação aos seus trabalhos, que me tolerem os criticos de arte se a minha incompetente opinião brigar com as regras do metier, e que se ria o publico se não gostar da minha prosa e o meu caro redactor se entender que a pimenta é forte, ou o guizado está mal condimentado, já sabe o que tem a fazer, é, cesto dos papeis inuteis com elle.

Barbeiro d'Aldeia―José Malhoa
Barbeiro d'Aldeia―josé malhoa


Começarei tal qual como indica o catalogo, apreciando, sob a impressão perfeitamente pessoal d'um provinciano, os trabalhos expostos, pela sua ordem numerica.

Primeiro estão os de S. M. Este artista-amador está lá tão alto que nada poderei dizer dos seus trabalhos. Unicamente o que me agradou mais foi o No Sado―processo Raffaelli, se bem que já tive occasião de vêr trabalhos de muito maior valo, se bem que já tive occasião de vêr trabalhos de muito maior valor executados pelo mesmo monarcha, que é inegavelmente um artista de temperamento definido.

[43] E agora sem respeito nem consideração pelos artistas e quiçá amadores, que eu não conheço, ahi vae a minha opinião sincera.


QUADROS A OLEO


D. Bertha Alcantara, n.os 1 a 4―Natureza morta e flores―Natureza morta e tão morta que dá vontade de... decorar uma cosinha com ella.―Amores perfeitos, imperfeitos.―Um agrupamento de lyrios e mimosas, os lyrios bastante densos, n'um demasiado ajuntamento, que parece esmagarem-se uns aos outros.

D. Luisa Almedina, n.º 5―Uns cravos sem cheiro, desconsolados...

Almeida e Silva, n.os 6 a 15. Pinturas varias, assaz recortadas e lambidas, com ar pretencioso de oleographias caras; este artista parece andar para traz, quem pintou

Paisagem―Marques d'Oliveira
Paisagem―Marques d'Oliveira

O Viatico na aldeia, Um critico d'arte, Cabeça de cabrito, (que eu possuo) tinha obrigação de se apresentar melhor.

Tem n'esta exposição um quadro―O abat-jour japonez, que é verdadeiramente uma japonesice de caixa de chá.

No entanto recommenda-se o seu quadro―Tarde calma de junho, que está, a meu vêr, bem, e é o unico que se salva de todo aquelle montão de arte de recorte...

Condessa d'Alto Mearim, n.os 17 a 19. Tem merecimento, e muito, esta amadora―A Nossa Senhora do Refugio, bem lançada de linhas, largas pinceladas dadas sem feminismo, talvez um [44] pouco coquete, na expressão, para Nossa Senhora, no entanto um bello quadro. O n.º 17 parece-me estar trocado, pois não é crivel que s. ex.a pintasse um retrato de F. V. n'um velho em traje de fantasia; mas se o pintou, diremos que o trabalho é bom, a figura está bem estudada, boa carnação, boas roupagens, mãos bem trabalhadas, um bom quadro, emfim.

Mendiga―Carlos Reis
Mendiga―carlos reis

D. Maria Luiza Alto Mearim, n.os 19 e 20, o Five ó clock tea é um bom quadro traçado amplamente, com boa luz e muita expressão da figura, talvez um pouco de branco a mais na cara da dama, que deve ser da primeira sociedade e que naturalmente usa muito pó de veloutine, e d'ahi o tal branco!...

Viscondessa de Ameiro, n.º 11. Arvoredo―eu chamar-lhe-ia―Alvoredo. Está lá muito no alto, tão alto, que se perde de vista. Lembra uma travessa de hortaliça picada para gallinhas.

D. Virginia Avellar, n.º 22. Supplica.―Uma deliciosa irmã da Caridade, estudada com carinho e amor, tal quanto merecia aquelle lindo rosto, que um bello sol banhava n'uma suavissima emoção de castidade e... affecto.

Merecia, a meu ver, uma menção honrosa, mas... foi para outros...

D. Laura Bandeira, n.º 23. D. Ignez de Castro, esguia e airosa, um pouco theatral, regularmente pintada. O galgo que a acompanha, parece feito de grafite, e se a D. Ignez continua, por muito tempo, com a mão esquerda n'aquella posição, acaba por cegar o pobre cachorro, pois a metter-lhe um dedo pelo olho dentro, aquillo dá pelo menos uma conjunctivite...

Leopoldo Battistini, n.os 24 a 27―dois estudos de velhos, um d'elles passavel―o 25. Avarento, horrido de luz e [45] de expressão, parece um paranoíco fugido ao tratamento do dr. Bombarda. O 27―Barqueiros do Mondego. Extraordinario. Parece incrivel que se podesse metter uma barcaça d'aquellas dentro d'um quadro de 1,26 por 1,87. Effeitos de luz, detestaveis. A mulher ou tem o peito em fogo ou quer dar a comer candeias de cebo ardendo, á pobre creança que parece ter ao collo.

D. Emilia A. S. Braga, n.os 28 a 31―A Maria de S. João (28) é uma velhota com cara de boa pessoa, regularmente pintada; acho-lhe as mãos, o rosto e o cabello bem estudados e com boa côr. A oração (29) Estudo (30) são dois bons quadros, traçados com superior criterio, pincelados largamente, com soberbas expressões, luz boa, côr magnifica; no n.º 30 notamos ainda o bem executado do collo d'uma linda mulher.

José de Brito, n.º 32―A Vaga.―É já meu conhecido este quadro, d'um pintor portuense, que tem o seu nome ligado a obras de muito merecimento. A Vaga, na sua idéa symbolica não me agrada, mas na sua execução, como estudo do nú é superior e irreprehensivelmente feito; no bem trabalhado do desenho e no bem dado da côr, sente-se a curva avelludada e macia d'uma mulher nova e de carnes duras. É um bom quadro.

Marinha―João Vaz
Marinha―joão vaz

Arthur A. Cardoso, n.os 33 e 34―Dois retratos.―O n.º 33 bem feito; que para mim, desde que são retratos, o que eu quero é que elles se pareçam, quanto ao mais não me importa.

João Luiz Cardoso, n.os 35 a 42―Especialidades em Arredores. Arredores de Aveiro e de Thomar. Notarei como dignos de menção o n.º 39, um bello poente, e os n.os 40, 41, e 42, onde a luz é bella, distribuida com methodo e muita uniformidade.

Antonio Carneiro Junior, n.os 43 a 45.―Este artista é [46] um melancolico, um triste, e se nos quadros expostos o não mostra é que se limitou a expôr retratos. O que dizer d'esses retratos, quando o jury já disse tudo, dando ao seu quadro―n.º 43, Retrato de Teixeira Lopes―uma medalha. É innegavelmente um trabalho magnifico. O retrato n.º 45, de uma senhora, tambem é muito bom.

Bernardino Trindade Chagas, n.os 46 e 47.―Uma paisagem e um retrato.―Ataca dois generos differentes com a mesma galhardia e o mesmo savoir-faire. O retrato teve uma menção honrosa.―A paisagem é boa: Uma mulher sobre um burrico, vae, n'um chouto doce, atravez um caminho de aldeia, para a capellinha, em Tavira. Boa luz, boa cor, destacando no tom amarello saibroso da estrada as figuritas, que o artista estudou com cuidado.

Jorge Collaço, n.os 48 a 50.―Este artista é o collaborador artistico do Seculo Illustrado, julgo eu, e por isso preciso ter cuidado com elle para não ter o desgosto de succeder á minha despretenciosa critica o que succedeu ao monumento de Sousa Martins, feito pelo Queiroz Ribeiro. Por isso... fico calado... Mas não fico... ahi vae o que eu penso.

Na Partida interrompida, que teve a 2.ª medalha, acho-lhe o pé esquerdo, que está no plano anterior, um tanto mais delgado do que o pé direito, que está n'um 2.º plano, um pouco mais atraz e bastante cheio.

O Nos campos de Arzilla, é um largo quadro feito com todo o interesse e correcção de quem sabe tratar com pinceis. Uma bella tela cheia de cor e de um largo poder decorativo.

Guarda negra. Talvez não fosse peor ter adelgaçado um pouco as mãos ao cavallo, que avulta no 1.º plano do quadro. Os cavallos arabes são, por via de regra, d'uma gracilidade especial de mãos, que caracterisa bem o seu genio nervoso e a ligeireza do seu galopar.

Ernesto Condeixa, n.os 51 a 56.―Este é tambem um artista cuja reputação está feita. Pinta com muita consciencia, muita pratica e bastante saber. Notarei, para mim como melhor, o 52, em que ha um bello effeito de sol sobre a agua do mar. O 53, delicioso Cantinho da praia de Paço d'Arcos, e o 56, um soberbo poente nostalgico e poetico na Ribeira de Algés.

Candido da Cunha, n.os 57 a 61.―Poeta sentimental da pintura, lança nos seus quadros as suas impressões com um [47] sentimento desusado; não é o pintor do grande sol e da côr que retine como toques de clarim, não; repassa-os de uma uncção suavemente triste, que encanta. É inegavelmente um quadro de mestre o seu Hora nostalgica, 57. Os outros são pequenas manchas, feitas com muita correcção.

Vaga―José de Brito
Vaga―josé de brito


Mademoiselle Helene Eisembard, n.os 62 e 63.―Portrait à huile, 62, regular, sem espantar. Fleurs, 63. Chrisantemos, uma chinesice a oleo, que se supporta... como chinesice.

Lizzie Escolme, n.os 64 a 70.―Alguns quadros de flores e paisagens. Sem interesse para mim, a não ser o n.º 65, Primeroses e violettes, e o n.º 66, Lilás, que são regulares, com alguma frescura. O resto... não vale nada.

Duarte Faria e Maia, n.º 71.―Uma miniatura lambidita... como retrato...

C. Gomes Fernandes, n.os 72 a 78.―Tem-se desenvolvido este amador, desde que se lembrou de querer ser artista; progride innegavelmente, demais para quem viu, como eu, os seus ultimos trabalhos no Porto; pasma do modo como está pintado o seu quadro n.º 72, Margem do Tejo. Bem tocado de luz, regularmente pincelado, com uma certa largueza e um [48] doce tom, que nos encanta. É tambem interessante o seu Caminho (Granja), n.º 78. Os outros são quadros de amador com pretensões...

José S. Moura Girão, n.os 79 a 87.―Só podemos admittir com a rubrica d'este bom artista os quadros n.os 84 a 87, onde ha gallos e gallinhas soberbamente pintados, porque, ainda até hoje não encontrámos ninguem, que tenha na sua palleta cores tão brilhantes e tão accentuadamente definidas, para pintar a plumagem retumbante dos gallos. São estes trabalhos de molde a fazer impor á admiração do publico um artista como Girão. Mas... pena foi que elle se não limitasse a isso e tentasse pintar animaes de pello... Os seus gatos (n.os 81 a 84), são horrorosos; parecem, bem como os coelhos (n.º 79), biblots de algodão em rama, para creanças; d'estes que se vendem no Benarde, no Cardoso da rua Nova do Carmo... Fique-se com esta snr. Girão, que eu, infelizmente, não conheço. Nunca pinte senão aves, se não quer perder o grande nome que tem, como primoroso artista que é.

D. Isabel Laver, n.os 88 a 93.―O quadro n.º 88, Cabeça de velho, fez-nos parar algum tempo na sua frente e, ao fixal-a, saltou-nos, instinctivamente, da mente, aquelle pedaço de poesia de Caldeira, A Mosca:

..................................................o maldito do velho,
Da cor d'um rabanete, ou ainda mais vermelho...

Porque de facto o tal velhote parece esculpido n'um presunto de Lamego... O n.º 90, Rosas, duras e compactas como se fossem talhadas em porcelana da Vista Alegre, pousadas n'uma jarra d'um detestavel effeito e cor.

O chá, (91). Um bule de prata oxidado e sujo, doce de dezoito vintens o arratel, para velhotas coscovilheiras, que vieram até nós dos tempos dos francezes.

José Leite, n.º 94.―Um bello retrato de mulher nova, feito com mestria, e dando a conhecer que o auctor tem disposição e sabe do metier. Foi-lhe conferida uma menção honrosa, uma das mais bem applicadas do certamen.

Adriano Lopes, n.º 95.―Um retrato do general Castel-Branco―muito bem cuidado,―é o seu auctor um discipulo que dá honra aos seus professores.

José Malhôa. Eis-me chegado emfim ao Artista que [49] mais me deslumbra, e mais me fascina. Chegado aqui, o meu desejo é pousar a penna, curvar-me reverentemente deante da sua obra genial, e limitar-me a gritar enthusiasmadamente: Salvé, pintor da grande luz, do bello sol, da soberba côr que retine nos teus quadros, como pedaços de crystal finissimo que se parte.

Era este o meu desejo, mas, alguem, os mal intencionados, esses, ficariam na sombra a rir-se de mim, e diriam: Porque não falla este critico

Velloso Salgado
Velloso Salgado

do Malhôa?!...

Eu responderia, porque elle enche com os seus trabalhos tão por completo o meu espirito, que me julgo muito pequeno para fallar d'elles.

Mas, como quero levar de seguida a minha carta, ahi vae a impressão que tive com os quadros de José Malhôa, n.os 96 a 108.

Destaco como primordial o seu quadro, Barbeiro da aldeia, 98, assombroso de execução, sublime de expressão nas figuras, mesmo nas que se perdem nos ultimos planos. Luz soberba, e... desenho rigorosamente estudado. A seguir A Descamisada, 97―magnifico―e o 98, O Antigo phosphoro, em que se vê perfeitamente, muito definido, a impressão asphyxiante do enxofre que arde morosamente, obrigando a pôr a distancia o phosphoro. Que bello trabalho, que primor de expressão na figura, que distender de braço tão naturalmente lançado! e o 99, Cabeça de estudo, optimo de luz, e o 102, Ao cair da tarde, quanta melancholia doce não nos imprime, aquelle quadro, e o 108, esse largo [50] quadro decorativo para a sala de musica do snr. Lambertini? Com que gracilidade não estão lançadas todas aquellas figuras, n'umas posições naturaes e flacidas que parecem cheias de mocidade e de vida.

E, deixei para o fim o n.º 106, que, embora eu esteja em erro, é para mim um dos trabalhos mais fulgurantes do grande artista.

Aquelle retrato de mulher, com uma elegancia finissima de palmeira, desenhada com uma distincta correcção de linhas e colorida com um mimo especial de carnação, que palpita, fez-me sentir o grande desejo de me curvar n'uma postura palaciana e beijar respeitosamente as pontas d'aquelles dedos, que tão despreoccupadamente pousam no teclado do piano.

Este quadro é para mim d'um encanto inexcedivel. E que me perdôe o artista se eu não soube dizer d'elle o que elle merecia.

Raul Maria, n.os 109 a 112.―Quatro retratos, sendo regularmente bem feito o 109, de Carlos Malheiro Dias, o 111, retrato de Eduardo Brazão, foi feito decerto em occasião, em que o grande actor estava soffrendo de vertueja, uma especie de erisypela. O retrato n.º 112, só se admitte como caricatura.

D. Branca Marques, n.º 113.―Uma velha aldeã, que nos faz lembrar uma batata ingleza.

Adolpho Manon, n.º 114.―A Costa. Perfeito quadro para as Messageries Maritimes; eu chamar-lhe-ia o vapor City of Lisbon.

Thomaz de Mello Junior, n.os 115 a 121.―É um paisagista interessante e de merecimento. Destacaremos os seus quadros: 115, Salgueiral d'Azambuja, paisagem cheia de luz, com uma fita d'agua muito bem estudada; O Gerez, estudado com cuidado, na côr e na luz. O Gerez é aquillo, conhece-o bem. O 121, Torre de S. Julião, que é muito interessante, e, então, o 118, Praia de Nazareth! uma soberba marinha, feita com muito criterio e muito saber. As vagas, que se levantam em cachões espumantes, estão, na verdade, feitas magnificamente, e o barco, que as tende galgar ao esforço dos remos, está estudado com precisão e rigorosidade.

Thomaz de Moura, n.os 122 a 128.―É um artista que vem lá de fóra, com as suas impressões de Paris e da Bretanha; os seus quadros são tocados de um certo gris, que nós [51] não temos, uma côr acizentada que me fere mal a retina, o que não quer dizer, que elle não tenha merecimento, que o tem. Especialmente o seu 122, Carinhos de mãe, está muito bem feito.

D. Fanny Munró, n.os 129 a 133.―Muito gelo, muito gelo e muito gelo, no entanto não me desagradou o 133, Na Montanha.

Busto de ingleza―Teixeira Lopes
Busto de ingleza―teixeira lopes

Isaias Newton, n.os 135 a 149.―É um professor e bem me custa dizer mal d'elle, mas que querem, a bilis cá está ás voltas commigo; o seu 134, O Lago, parece feito de vidro fiado e os seus, 137, Entrada para a quinta do Ex.mo Snr. Novaes, 139, Campo do Bomfim, lembram oleographias, o unico aproveitavel, é a meu vêr, o 135, Um trecho de paisagem.

D. Mariana Palma, n.º 140.―Depois do jantar. Um melão phantastico com pevides que parecem dentes, queijo cabeça de preto com manchas de bolor. Um mau vinho, dentro de uns crystaes e d'uns vidros da fabrica da Amora ou da Marinha Grande.

Torquato Pinheiro, n.os 141 a 145.―O retrato de seu filho, 141.―É sem discussão o seu melhor quadro n'esta exposição. Torquato Pinheiro é um paisagista distincto, mas não é menos como retratista. Os seus quadros são tocados sempre de uma certa ingenuidade, que nos encanta, são para notar o 144, Leça de Bailio, profundamente melancholico, e o 145, Fim da Tarde, bem feito, com muita suavidade de luz.

Columbano Bordallo Pinheiro, n.os 146 a 154.―Eis outro artista que se impõe firmemente á nossa admiração, este não é um artista do sol, é, deixem-me dizer, um artista psychologo. Faz talvez mais o retrato da alma do que o retrato [52] do corpo, mas, o que elle sabe é, dar umas pinceladas tão originaes, tão suas, que os seus quadros conhecem-se ao longe, sem precisarmos de lhe vêr a assignatura. O quadro 146―A Peliça é d'uma execução tão subtil, que apetece passar-lhe ao de leve a mão sobre aquella pelle, para se sentir o aveludado da lontra, o 147―Scena d'interior, ha tal expressão na cara de mulher, que se está a sentir e a vêr, o que ella está pensando lá dentro do seu cerebro de velhota matreira.

Mas, superior a todos, a meu vêr, o 152, Retrato do Conde de Arnoso. É extraordinariamente superior.

Manuel H. Pinto, n.os 155 a 156.―Nunca tinha visto nada d'este artista, e fiquei gostando de vêr os seus quadros; são ambos bons, mas o 155, Dar de comer a quem tem fome! é muito bem estudado. Ha ali vida, n'aquella mulher que cuida dos seus bacorinhos com boa menagére e os bacoritos, esses, na sua suinissima figura de resmungões, estão tambem muito bem estudados. E não fui só eu que gostei dos quadros, foi tambem a commissão, que lhe deu uma medalha.

João Porfirio, n.os 157 a 158.―O quadro 158 é um especimen comprovativo das theorias de Darwin.

Carlos Reis, n.os 159 a 164.―Este sim. Os seus quadros confirmam bem o seu bom nome de mestre.

Na figura e na paisagem, em ambos é superior. O seu 159―Retrato de Max Van Ypersele de Strihon, é magnifico, a carnação é flagrante de côr e a mão? ah! a mão! é um primor de correcção. Os 160―Velho castanheiro―161, Mendiga―162, Souto de Castanheiro―163, Poente de abril, são quatro lindas joias da arte pinctural que apetece roubar da exposição para revestir o boudoir gentil da mulher que se ama.

Augusto Ribeiro, n.os 165 a 170.―Verdadeiro pintor impressionista. Unicamente nos dá impressões de paisagens do Norte, onde o azul é mais forte e a vegetação mais luxuriante, verdes d'um matisado mais doce, mais animado. As suas pochades são regularmente tocadas. As que mais me agradaram foram as n.º 167, Poente (Ancora); 169, Poente (Ponte do Lima); 170, Poente (Paredes do Coura). Foi contemplado com uma menção honrosa, bem merecida.

João Augusto Ribeiro, n.º 171.―Um septuagenario, interessante e bem feito.

João Nunes Ribeiro Junior, n.os 172 a 181.―Pintor de paisagem, retrato e quadros de genero; muita coisa para [53] um artista só. Os retratos passaveis, alguns mesmo bons. Paisagem com certo ar, especialmente o 177, que está bem tocado de luz e assumpto bem escolhido; o 178, Campolide, que é interessante. Os fructos e flores, 180, esse achei-o medonho, simplesmente medonho, muito proprio como reclame para a casa Daupias. Pareceu-me um quadro annunciador. Não que, as flores e as fructas têem que se lhe diga, é preciso muita frescura, para as fazer resaltar com vida, dos quadros...

Tomando o chá―Columbano
Tomando o chá―columbano


Adolpho de Sousa Rodrigues, n.os 182 a 195.―O seu maior trabalho é o 182, No trabalho do campo. Não desgostei d'elle, apenas me fez má impressão aquelle verde das lombardas ou tronchudas. Parece-me que as figuras se recortam demais n'aquelle fundo verde. O 184, Sabotier breton, achei-o com boa luz de officina e as figuras bem estudadas. A côr... aquella côr bretã, que eu não conheço, é que me fez esmorecer um pouco. Eu gosto mais da nossa luz. O retrato 195, esse acho-o muito bom, bem executado, bem desenhado.

Fernando A. M. de Sá, n.º 196.―Arredores de Setubal. Mau de execução e de côr.

José Velloso Salgado, n.os 197 a 199.―O grande pintor de retratos e de tudo o mais, que é este artista, quasi que me [54] dispensava de dizer qualquer cousa d'elle. Os seus trabalhos veem de ha muito, pondo uma verdadeira nota de arte no nosso pequeno meio. A sua fama está feita, o seu nome, ao ser dito, retumba como um echo de gloria na arte da pintura portugueza. Lá para o norte temos coisas tão lindas, e tão primorosamente feitas, d'este artista, no Palacio da Bolsa, que eu acanho-me de fazer opinião sobre os seus trabalhos expostos, que são muito bons. Sobresaindo para mim a todos estes, o 199, retrato de Adolpho Másson.

D. Luiza Stephania da Silva, n.os 200 a 202.―Unicamente me fez sensação o 201, em que ha uma certa frescura, nos lyrios pintados.

Candido da Silva Junior, n.os 203 a 212.―Dois quadros, em que ha retratos, paisagem e flores. Deram-me no goto os n.os 205 a 209―o primeiro uma especie de jardim de velha rabugenta; muita flor, muita flor, e nenhuma disposição. Não só as flores d'este quadro, mas as de todos os outros são duras, sem frescura, sem cambiantes de tom, quasi homogeneos na côr. A magnolia, 209, até parece um limão... Acceitavel o 210, Alfeite, que é uma manchasita que se suporta bem, para amador.

João Ribeiro Christino da Silva, n.os 213 a 218.―Ai pai! que coisas aquellas! O 213, a meu ver, simplesmente horrivel, os outros... adeante... a não ser o 218 que é interessantinho na sua fórma miniatural.

Viscondessa de Sistello, n.os 219 a 224.―É uma amadora de certo, os seus quadros são cheios d'um quer que seja de pretencioso... o n.º 219, Retrato―achei-o sem vida, muito chapado.―Fez-me saudades, porque me pareceu uma imitação má, do bello quadro de Velloso Salgado―Reflexos. O 220 passavel, a não ser o ar estudioso e pensador de mais, do menino, e o 222 a abarrotar de coisas―um pedaço de queijo stilton, que faz lembrar sabão rajado azul, fructas duras, vinhos maus, agrupamento infeliz. O 221 regularmente tocado, como mancha.

Retrato de El-Rei―Carlos Reis
Retrato de El-Rei―carlos reis


João Vaz, n.os 225 a 237.―Deliciosa toda a obra d'este cantor, pelo pincel, da agua. Inexcedivel artista em marinhas; com que veneração eu o admiro, e ao seu savoir faire. Ha tanta verdade em todos os seus quadros, tanta e tanta luz nas suas telas, que ao contemplal-as como que se sente o marulhar cadenciado das ondas. A pesca da sardinha, 225, é um [56] quadro primoroso. O barco algarvio, 229, navegando em pleno mar, parece que se vae afastando pouco a pouco de nós e que ouvimos o bater, compassado dos remos na agua. O moinho do Barredo, 230, airoso e lindo, batido do sol―e O Castello de Montemór, 234, que parece sair arrogantemente do fundo d'um azul primoroso, são obras que encantam. Alli, ha o que se chama faisca artistica, alli ha a nota caracteristica de quem muito bem conhece a arte de pintar.

Emily Wormsley, n.º 238.―Um largo quadro de flores, louça da India e metaes. Boa composição, bem estudado e bem tocado de côres. Foi-lhe conferida uma menção honrosa, bem merecida.

Francisco Xara, n.os 239 a 240.―As Papoulas do 239, fizeram-me lembrar flores de papel de seda feitas por alguma menina da baixa, em horas d'ocio, entre o crochet e o chá com torradas, para enfeitar um chapeu de campo ou algum oratorio de velhota amiga.


ESCULPTURA


José Simões d'Almeida (Sobrinho), n.º 241.―Modelo para uma medalha, bem executado.

Pedro Cartoccio, n.os 242 e 243.―Fez-me especial attenção o 242, Juiz de Phyné. Um ar malicioso de juiz estecta, definidamente traçado, nas suas bem marcadas linhas, é uma bella cabeça lançada com energia e rigorosidade.

Antonio Teixeira Lopes, n.os 244 a 258.―É sem discussão Teixeira Lopes, ao momento, o maior esculptor portuguez. É talvez o unico que póde affirmar ao paiz e ao estrangeiro, que só elle tem o poder de fazer resaltar do marmore ou do bronze, as suas figuras, tão definidamente perfeitas, que se nos afigura terem vida. Notar aqui os seus trabalhos seria fazer a resenha das suas 15 obras, porque todas ellas se nos impõem á admiração, do mesmo modo. No entanto, magestosamente solemne, na serenidade do seu ar, sublime na grandeza do seu pensamento está a figura, da Historia, 252, para o tumulo de Oliveira Martins. E o 244, Santo Izidoro, n'uma serenidade de justo, esculpido com um carinho doce; ao olhal-o sente-se como que, uma unção sublime e casta que nos convida á oração. É um trabalho soberbo, as mãos, o pescoço, a face, [57] as roupagens, tudo emfim, é feito com um rigoroso saber. E os Velhos, 245 e a Flora, 246 e o Bébé, 247, e todos os outros trabalhos? Simplesmente soberbos!... Teixeira Lopes é inegavelmente o primeiro esculptor portuguez.

Antonio Augusto Costa Motta (Sobrinho), n.º 259.―Uma Cabeça de estudo, bem feita.

Jorge Pereira, n.º 260.―Um typo de marinheiro, traçado largamente, sem detalhes de meticulosidade; é na verdade uma bella cabeça, bem estudada e melhor executada.


ARCHITECTURA


N'este genero nada entendo, sou leigo, perfeitamente leigo. No entanto lá vae.

Olaia em flor―Carlos Reis
Olaia em flor―carlos reis


Antonio Couto n.º 261.―Casino, preferia vel-o construido, pois n'esse caso melhor o gosaria.

Raul Lino, n.os 262 e 263.―Gostei do 262, Esboço para a casa em Azeitão. Talvez, pela idéa do conforto que se deve sentir n'aquella casa portugueza, com bibelots caros e mobiliario de talha e bilros.

Tertuliano Marques, n.os 264 e 265.―Projecto do mausoleu [58] a Almeida Garrett. Não desgostei, acho-o bem estudado.

José Alexandre Soares, n.os 266 e 267.―Achei airosa e bem lançada a fachada para o Club militar. Deveria depois de feito ficar uma obra digna do ser admirada aquella Praça Publica.


AGUARELLAS


É uma das mais interessantes manifestações da arte pinctural, este genero de pintura, difficil na execução, só se admitte quando o desenho é muito correcto e a tinta é dada em pinceladas certas, frescas e vivas... por isso, o terem-me agradado pouco os trabalhos expostos. A ver:

Francisco A. Moreira de Almeida, n.os 268 a 271.―Francamente, francamente, teem um ar ingenuo de chromo-lithographia.

Bartholomeu Sesinando Ribeiro Arthur, n.os 272 a 278.―É a especialidade d'este artista a pintura de costumes militares e com franqueza, tem-nos, primorosos de execução, o que não quer dizer que tambem os não tenha fracos. N'este certamen agradaram-me o 273, Official do regimento do Maranhão, feito com muito ar e muito boa luz, destacando soberbamente no seu arrogante aplomb, e o 274, Official de estado maior, tambem bem trabalhado.

Mademoiselle Helena Eisembart, n.º 279.―Fructas. Uns cachos de uvas com a sua folhagem, boa aguarella, muito fresca, muito leve, transparente.

José Souza Moura Girão, n.os 280 a 285.―Cá temos outra vez o grande artista das aves. N'esta secção brilha elle deliciosamente. As suas aguarellas correspondem precisamente ás condições exigidas para a boa aguarella, côres vivas, transparencia, e frescura; e tudo isso tem as suas. Notaveis todas as dos n.os 280, 281, 282, 284, 285 mas sobretudo o Fausto e Margarida, 280, Entrando, 282, e Cantando, 285, que a meu ver são magistralmente feitas.

Jorge Ianz, n.os 286 a 295.―Outro aguarelista, que nos enche, com a sua côr fulgurante. São bem manchadas as suas aguarellas, fazendo-me lembrar, não sei porquê, as do fallecido Manuel San-Romão, o artista mais mimoso, que eu tenho [59] conhecido, como manchista, Ianz e inegavelmente um artista de merecimento. São muito bons para mim, os seus 286, em Toscana, 288, Impressões de viagem, 292, 293, 294, tres bellas marinhas, muito bem tratadas, o 295, Descarga no Tejo, é admiravel de execução; a arcada que se vê ao fundo do quadro poderia, com honra, ser admittida n'um concurso de architectura.

Alfredo de Moraes, n.os 296 e 297.―Costumes da Judea. Não quero dizer que estejam maus, mas fizeram-me lembrar, Deus me perdôe, (Deus e o artista) os homens das tamaras.

Entre o almoço e o jantar―Marques d'Oliveira
Entre o almoço e o jantar―marques d'oliveira


Roque Gameiro, n.º 298.―Retrato d'El-rei. Aguarella de difficil execução, mas superiormente tratada, boa luz, bella côr, roupagem magnifica, tom de rosto bom. As luvas são uma perfeita illusão. É um bom trabalho.


DESENHO


D. Beatriz Alto Mearim, n.º 299.―Um estudo, regularmente traçado.

[60] Jorge Porphirio, n.º 300.―Jardim botanico. Achei-o palmeirento de mais. Regular.

Candido da Silva Junior, n.º 301.―Um quadrito com cinco cabeças. Só me agradaram as duas feitas a crayon azul.


PASTEL


Não imagine o leitor que eu vou discorrer sobre o effeito do pastel de fructa, ou de créme, do Baltresqui, não, vou fallar do systema de pintar a pastel―ou por outra, a crayon de côres, e que por signal não é lá das coisas mais faceis, para ser bem feito. Para se trabalhar bem n'este genero uma das coisas mais necessarias é saber desenho. Que afinal para se pintar bem o que é preciso é desenhar muito e bem.

D. Luiza Almedina, n.º 302.―Retrato de sua irmã Ilda. N'este trabalho ha varios defeitos, saltando porém á vista a differença da côr entre o rosto, e o pescoço e collo, que muito prejudica o effeito do quadro.

D. Beatriz Alto Mearim, n.º 303.―Estudo. Uma velhinha. Regularmente empastado.

Condessa Alto Mearim, n.º 304.―Estudo. Este quadro a meu vêr, devia estar no catalogo na secção dos desenhos. É bem feito, vê-se que esta senhora não descura a base principal de pintura.

D. Maria Luiza Alto Mearim, n.º 305.―Um estudo. As mesmas considerações expandidas para o n.º 304.

Leopoldo Batistini, n.º 306.―Cabeça de estudo. Magnifica de empastamento doce e finura de traço, penna é que encha tão por completo o quadro. Um pouco mais de margem e seria para mim muito mais agradavel á vista.

D. Emilia Adelaide Santos Braga, n.º 307.―Retrato de Cupertino Ribeiro. Trabalho bem feito.

José de Brito, n.os 308 e 309.―Superiormente executado o n.º 309.―O frade.

Frederico Cezar Camara Leme, n.os 310 a 312.―Recortado de mais o 312, Ovelhas. Dá-me a impressão d'estas ovelhas de cartão e algodão em rama, tendo ao fundo um vulcão de theatro, irrompendo bravamente e pondo uma luz forte em todo o ambiente.

[61]

A chegada da diligencia aos Valles em Ferreira do Zezere―Alfredo Keil
A chegada da diligencia aos Valles em Ferreira do Zezere―alfredo keil


Bemvindo Ceia, n.º 313.―Um velho operario, regularmente tocado, comme ci, comme ça.

João G. Mattoso da Fonseca, n.os 314 a 320.―Destacarei d'este artista o 314. Retrato de D. M. E. F., que tem o cabello e a pelliça magnificamente tratado. Ninete, 315 regularmente feito―especialmente o cabello, e pluma do chapeu. Não gostei do 316, A Fé, porque achei a figura com muito pouca fé, e o 418, Ao espelho, em que noto um determinado abuzo de branco, na cara.

Adriano de Sousa n.º 321.―Ave Maria. A carnação d'esta figura é muito bem tratada, aveludada e macia.

José Malhôa, n.º 322.―Retrato de mademoiselle C. R. É simplesmente delicioso este quadro. Como desenho, como technica de execução, como posição de modelo, como tudo emfim, é sem discutir esse o primeiro trabalho a pastel da exposição.

Tenho visto muitos trabalhos n'este genero, mas, nenhum me deslumbrou como este.

D. Antonio Lobo da Silveira, n.º 328.―Um estudo, mau.

[62] Viscondessa de Sistelo, n.os 324 a 325.―Não tive o gosto de vislumbrar estes trabalhos na exposição ou não estavam lá, ou passaram-me despercebidos, por isso nada direi d'elles.


GRAVURA


José Simões d'Almeida (Sobrinho), n.º 236.―Medalha.―Gostei d'ella.


CARICATURA


Aqui é que é tremer e tremer como varas verdes, porque, se estes dois pandegos me descobrem, ainda tenho a sorte dos caricaturados expostos. Eu, se tivesse pretensões á popularidade, bem sei o que fazia: desatava a dizer mal dos dois e elles, para se vingarem de mim, desenhavam-me ahi em qualquer jornal burlesco e eu passava á gloria entre as gargalhadas estridulas do publico e a arrelia das pessoas que me querem bem. Porque eu, aqui para nós, dava uma boa caricatura... Mas não direi mal dos homens, nem bem... direi só o que sinto... que o primeiro é filho de peixe e sabe nadar e o segundo tambem nada menos mal.

Perfilar, que vae passar a patrulha da troça e do chiste.

Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro, n.º 387.―Soberbas caricaturas, que pena é, não virem mais para o publico, n'esse Album de Glorias, que tão estimado é pelos leitores. Aquelle Chaby está fulgurantissimo de graça.

Francisco Valenças, n.º 328.―Typos, todos elles bons, mas superior o Ricardo Jorge, fazendo-me saltar o riso, naturalmente, expontaneo.


ARTE APPLICADA


Aqui torce a porca o rabo, ou ainda: o rabo é o peor de esfolar, como muito bem diz o nosso bom povo nos seus annexins. E de facto assim é... eis um assumpto em que eu me vejo assaz embaraçado―arte applicada!... eis uma coisa [63] onde vejo um largo campo para entretenimento de damas, a pintura dedicada de bibelots adoraveis para boudoirs de luxo. N'esta secção primam com a sua bagagem artistica todas as senhoras que expõem.

Umas mais brilhantemente que outras. Não vos massarei pois com citações de numeros nem de nomes.

O rapto de Ganimedes―Fernandes de Sá
O rapto de Ganimedes―fernandes de sá


Fallarei no emtanto, do n.º 336, Goblin, do Jorge Ianz, que na verdade é uma das imitações mais perfeitas que temos visto. Bem estudado nas côres, que dão a impressão nitida de estarmos em frente de um verdadeiro tecido; só achamos um poucochinho puxado o preço...

Um conto de réis é dinheiro!

A Moldura-Luiz XIV, n.º 337, de José Emygdio Maior, é bem esculpida, correcta no estylo e no desenho.

[64] Tambem gostamos do n.º 338, Modelo para uma floreira, é muito elegante de fórma e está feita com certo mimo. Como arte nova é acceitavel.

Ah! mas o que eu achei subtil, e vaporoso, foi o leque exposto por D. Maria Bordallo Pinheiro. Que delicia, que encanto. Aquella senhora vem de ha muito afirmando o seu grande gosto artistico e o seu forte temperamento creador.

Que isso não nos admira, mal fora que assim não succedesse, pois ella é uma grande artista. Todos os seus, são verdadeiros artistas, cada qual no seu genero. Bordallo, o incomparavel e inimitavel caricaturista; Columbano, o soberbo pintor; Manuel Gustavo, correcto seguidor dos passos de seu pae, vae largamente pondo-se a par d'elle, na firmeza e na correcção de caricatura.

Mas não é d'elles que eu fallo, é da rendilheira sublime que consegue que as operarias de Peniche, façam rendas tão finas e tão delicadas, que abertamente se podem pôr ao pé d'essas custosas rendas de Bruxellas e de Allençon.

Por isso, aqui lhe significa, este provinciano, que felizmente já conhecia os seus bellos trabalhos, recordando ainda hoje ao escrever isto, um lenço formosissimo executado por D. Maria Augusta, com peixes e mariscos, a sua muita admiração pelo seu grande talento.

Notaveis tambem as Fivellas n.os 342 e 343, de João da Silva, que achei bem executadas, não devendo envergonhar-se ao pé, das saidas de cinzeladores, como Jerdelet.

Ia-me passando falar d'uma japonesice em trez actos, que é, como quem diz, em trez folhas, d'um paravent, pintado por Pigasson Ricot, que, na verdade, não está feio. Estão bem copiadas as figuras e os effeitos tirados, não são maus. Acho-lhes o mesmo defeito do Goblin de Ianz: é muito caro... para amadores.

Santo Izidoro―Teixeira Lopes
Santo Izidoro―teixeira lopes

Sobre o concurso para a capa do catalogo, nada tenho que dizer, pois isso era unica e exclusivamente da competencia da commissão da exposição, que deu o primeiro premio ao trabalho de Francisco dos Santos e o segundo a Tertuliano Marques.

E até que em fim, acabou a massada para o benevolo leitor.

Desculpe-me, portanto, meu caro redactor, o eu ter estendido tanto a massa, como se costuma dizer, mas desagravel [65] me seria, ter promettido falar de todos e deixar passar em claro algum d'elles.

É provavel que o publico e, muito especialmente, os artistas, não tenham gostada minha prosa, por eu ter dito muitas barbaridades, mas eu sou assim; o que tenho cá dentro é para se dizer, bem ou mal, segundo posso e sei. Mas, se esta minha despretenciosa prosa lhe agradou, de vez em quando, cá apparecerei com noticias d'arte, lá do norte, do Porto, d'essa aldeia trabalhadora e honesta, para onde vou partir, pois já tenho saudades d'ella...

Março 1903.


P. S.―As gravuras d'este e d'outros artigos, nem todas são copias dos quadros notados nos mesmos, mas, na impossibilidade de adquirir photographias d'elles, usei de provas de quadros dos mesmos artistas, dando assim a conhecer ao leitor trabalhos de artistas de merecimento e valor.

Guarda arabe―Pastel de S. M. El-Rei
Guarda arabe―Pastel de s. m. el-rei





VIII

PINTORES PORTUENSES


† MANUEL SAN ROMÃO


É com um grande prazer, cheio de saudade, que rapidamente me vou occupar d'um bello e real talento de aguarellista, infelizmente morto.

Manuel San Romão
Manuel San Romão

Quando elle se finou, sob a dolorosa impressão que me deixou a sua morte, não me atrevi a vir a publico, depor na sua campa o meu ramilhete de flores, fazendo a apologia do seu saber e das suas largas aptidões para a pintura. Esperei esse grande acto de justiça dos outros, dos que então eram os criticos d'arte da nossa terra.

Mas, nenhum, nem um só, compriu com esse dever e Manuel San Romão desceu á mudez profunda do tumulo sem que alguem viesse dizer que a Arte tinha perdido um dos seus filhos mais estremecidos e o mais apaixonado dos seus amantes.

Não me admirou que a critica artistica da nossa terra [68] se esquecesse de San Romão, por isso que, o querido morto, não era d'aquelles que se expunham á admiração de ninguem; vivia para os seus trabalhos apenas, dispensando o reclamo pomposo das gazetas e a vida turbulenta dos clubs, exempto de coteries.

Na Espectativa―Aguarella de M. San Romão
Na Espectativa―Aguarella de
m. san romão
Era talvez um misantropo. Talvez. Mas, o que inquestionavelmente elle sempre foi, era um grande sabedor de cousas d'arte.

Conheci-o bem na sua boa intimidade. Era um perfeito cavalheiro, um verdadeiro gentleman; cavaqueador brilhante e fluente fallando d'Arte com uma tal elevação e enthusiasmo, com uma tal proficiencia e um tão grande saber que, n'essas occasiões, fazia-nos lembrar um douto professor preleccionando eloquentemente sobre assumptos da sua especial e authorisada competencia.

Ao ouvi-lo discorrer como mestre sobre esses mil problemas intrincados e complexos da Arte na sua mais ampla acepção, convenciamo-nos de que quem fallava não era um dilettanti da pintura, mas um critico justo e sabedor, um verdadeiro homem do metier.

Com elle tive longas, longuissimas conversas no seu confortavel atelier do largo do Viriato, e foi d'alli, talvez, que me veio este prurido de fallar em artistas e coisas d'arte...

Que saudades tenho d'esse tempo, das magnificas tardes que passei, em aquelle atelier pequenino e confortavel como gabinete d'uma delicada dama, replecto d'uma suavidade de luz e n'uma tão artistica disposição e tão cheio de flores, que fazia lembrar uma capellinha em festa...

[69] E capellinha era em verdade, onde a Deusa Aguarella era venerada, com um respeitoso enlevo, pelo seu sacerdote querido, por isso que Manuel San Romão era um aguarelista hors ligne.

Paisagem―Aguarella de M. San Romão
Paisagem―Aguarella de
m. san romão

Para mim, o querido extincto foi um dos primeiros aguarellistas portuguezes; a sua maneira especial de manchar ainda não foi suplantada por mais ninguem. Nem mesmo o grande pintor Casanova, que foi professor de San Romão, e que é inegavelmente um mestre na aguarella, nunca conseguiu dar aos seus trabalhos aquelle tom especial de mancha que era uma das grandes superioridades de Manuel San Romão. E isto fazia-o elle naturalmente, instintivamente... Aquelle modo era o seu, d'ahi talvez a impossibilidade de ser igualado.

Depois, San Romão dava aos seus trabalhos uma tal frescura, uma tal transparencia e uma tal suavidade de cores, que as suas aguarellas eram como uma pintura ideal que sempre nos fascinava.

E como elle desenhava!... Attestavam bem o seu estudo do desenho as pastas carregadas de trabalhos feitos por elle... Muitos d'esses desenhos tenho-os eu em meu poder, deliciosos pedaços dum grande poema d'Arte...

Pelas gravuras que acompanham o nosso artigo, perfeitamente o leitor póde verificar que as affirmações que fazemos são, por todos os motivos muito justas e muito verdadeiras.

O fidalgo antigo é uma soberba aguarella d'um vigor de execução e d'uma correcção inexcedivel de desenho, e o quadro No directorio, e a Paisagem de Santa Maria de Boure, [70] e esses pequenos trabalhos, essas lindas figuras de mulher, essas deliciosas paginas de livros e todos esses desenhos não serão manifestações seguras do seu talento e do seu valor?!... São! ninguem o pode duvidar...

Paisagem―Aguarella de M. San Romão
Paisagem―Aguarella de m. san romão

Mas, Manuel San Romão não era tão conhecido do publico como devera ser, por isso que elle não vendia os seus quadros, dava-os. Foi ao menos feliz em não necessitar de negociar com o seu trabalho... Vivendo na abastança não fazia da Arte um negocio, fazia d'ella unicamente um culto intenso e sincero.

D'ahi os seus quadros, esses primores de aguarella estarem apenas espalhados por um meio restrito de amigos.

Manuel San Romão não era exclusivamente um aguarellista, mas tambem um terrivel bric-à-braquista. Collecionava tudo quanto fosse arte, gravuras, quadros, mobiliario, faianças e, em especial, livros artisticos.

Era uma delicia visitar a sua moradia... Que encantadoras cousas, formosos contadores, armarios soberbos de talha antiga, arcas abarrotadas de gravuras notaveis e, pelas paredes, quadros assignados pelos mais distintos mestres de pintura. [71] No seu atelier, alli, é que elle reunia o que mais fundamente lhe fallava á sua alma de artista, as faianças mais delicadas, os moveis mais requintadamente artisticos, as revistas illustradas e os livros mais preciosos. E n'uma pele mele deliciosa tudo se agrupava para dar ao atelier a forma gentil e suave do gabinete d'uma fina duqueza e o ar sereno d'uma capelinha em festa.

Que a memoria saudosa d'este morto querido, que foi um dos mais deslumbrantes aguarellistas portuguezes, me releve o vir eu hoje, o mais insignificante dos seus admiradores, tiral-a da modesta indifferença publica para a expôr á veneração e respeito de todos aquelles que vêem nos artistas alguma cousa de elevado e de verdadeiramente sublime.

1904.


Uma sevilhana―Aguarella de M. San Romão
Uma sevilhana―Aguarella de
m. san romão





IX

A MULHER ARTISTA


S. M. a Rainha
S. M. a Rainha

Ha dias, n'uma roda onde estavam senhoras, n'uma conversa larga e em que se debateram varios assumptos, um houve, que especialmente me prendeu a attenção. Discutia-se Arte em geral, e um dos homens, cavaqueador enragé emerito e apologista da não emancipação da mulher, desfechou abruptamente esta phrase: «Não posso admittir que a mulher seja uma esculptora ou uma pintora».

Escusado será dizer-vos que esta phrase fez no grupo o effeito de um duche frio e forte. Após, porem o choque, houve, como era de esperar, a reacção, e, como poderam, os paladinos da sala, debateram e rebateram a estranha declaração, com factos, n'uma larga demonstração de erudição e talento.

[74] Eu fiquei-me callado, esperando melhor occasião para poder dizer serenamente, sem precipitação, as considerações que tinha a fazer sobre tal assumpto.

D. Aurelia de Sousa
D. Aurelia de Sousa

E hoje, perfeitamente á vontade, sem pressões de especie alguma nem necessidades de galantear, vou dizer o que penso da mulher artista, e como eu teria desarmado o gracioso se logo me tivesse permittido dizer-lhe alguma coisa em resposta ao seu repto.

A mulher é um dos mais perfeitos trabalhos da natureza, quer vista sob o lado plastico e physico, quer sob o moral e espiritual. É como nenhum outro ente dotada d'um espirito, que, quando bem educado, se inclina sempre para o Bello, para o Ideal. Ella, muito mais do que o homem, deixa-se assenhorar das impressões, e o seu coração, muito mais passionavel que o nosso, mais facilmente se commove e se infiltra d'uma doce alegria ou d'uma saudosa tristeza.

Como nenhum outro individuo ella descobre e comprehende pequeninos nadas psychologicos, que passam despercebidos aos nossos olhos.

Por isso, quando educada e industriada no grande problema da Arte, deve facilmente adquirir elementos magnificos para execuções de vulto, e de obras que venham tocadas d'uma suave poesia.

Depois, se a mulher tem o direito de dançar e de cantar, e se lhe admiram as qualidades raras de eximia bordadora, porque negar-lhe o direito de, tomando os pinceis e o escopro, pintar, esculpir e indo mais longe mesmo, escrever livros, cujo encanto será deliciosamente bom? Ora ella canta e dança desde a origem do mundo e borda desde as eras mais remotas da antiguidade; portanto, que direito nos assiste a nós, que caminhamos para o maximo da perfeição, de evitar que ella nos dê as manifestações mais brilhantes do seu ser artistico, do seu temperamento singular? Impossivel.

Estudo de creança―Aguarella de S. M. a Rainha
Estudo de creança―Aguarella de s. m. a rainha


[76] Isto seria verdadeiramente barbaro!...

Para que ella cante ou dance, só se lhe exige que tenha talento vocal ou choreographico, tal qual o que se exige ao homem para os mesmos fins. E, se tal succede e a logica existe, qual a razão porque durante tanto tempo se puzeram entraves ao franco estudo da pintura, da esculptura e da litteratura, ás mulheres?

Bem sei que o canto, a dança e a musica, eram considerados por todos, como dotes necessarios e sem os quaes uma senhora não podia briosamente frequentar a sociedade.

Menina que não dançasse, em noite de baile, era como flôr sem aroma, que se ficava estiolando em canteiro, d'onde tinham sido colhidas todas as olorosas rozas e violetas. Havia pois a necessidade de se aprender a dançar, e todas tentavam ser eximias no minuete, na gavota, na pavana, na valsa, na polka, e no pas-de-quatre.

Tia Bertha―D. Branca Assis
Tia Bertha―d. branca assis

Depois começou a desenvolver-se o gosto pela musica; as audições de operas nos theatros de S. Carlos e S. João, a organisação de escolas particulares de canto, os concertos onde era chic apparecer, foram creando os amadores distinctos que no Porto e Lisboa teem affirmado exuberantemente que n'este nosso torrão, não ha só bom sol, ha tambem boas gargantas e bastante talento, (porque para se cantar bem não basta só ter uma boa voz é preciso tambem talento e arte). E assim appareceram em Lisboa e Porto as Ex.mas Snr.as D. Maria Albergaria, D. Laura Gasparinho, D. Maria Viterbo Ferreira, D. Carminda Guerra Andrade, D. Laura Leite, D. Alice Freire Silva Braga, M.elle Lidia Oliveira, M.me Sarah Mattos, M.me Ilda Blanc, D. Stela Pinheiro, M.elle Castello Branco, Condessa d'Almeida Araujo, Condessa de Proença-a-Velha, D. Maria Thereza Valdez Pinto da Cunha, D. Carolina Palhares, D. [77] Leopoldina Kopke de Carvalho, D. Beatriz Arroyo, D. Izabel Vallado, D. Elisa Lear, D. Albertina Arnaud, D. Julia Villares, D. Thereza Wandscheneider, D. Edwiges de Castro, D. Judith Marques, D. Bertha Leaham Camello, D. Camilla Katzeintein, D. Margarida Motta, D. Maria Luiza Mourão, D. Idalina Castro, D. Laura Leite, D. Anna Fins, D. Conceição Castello Branco Albuquerque, D. Margarida Fernandes Braga, D. Bertha Arroyo, D. Julia Pinto Moreira, D. Olinda Rocha Leão.

Quem espera desespera―Zeó Wauthelet Batalha Reis
Quem espera desespera―zeó wauthelet
batalha reis

Mas, tambem lá estava a necessidade de apparecer, de ser notado. Era preciso cantar para não ficar atraz das outras que apareciam, e assim se desenvolveu por completo o gosto pelo canto, essa arte sublime que, como dizia um philosopho, faz um ente transportar-se ao sol sem se lembrar de si.

Com a musica de pianno e rebeca, etc., o mesmo se dava, era como o canto, um genero de sport artistico. Toda a gente tocava, mas, era preciso ir mais longe, era preciso tocar bem para ser notado. Em qualquer parte onde se estivesse, n'uma sala, havia sempre muitos que podessem exhibir os seus dotes musicaes, mas, no meio deste mar de tocadores-amadores só se foram distinguindo os que tinham verdadeiro talento, e assim se notabilisaram ao pianno: D. Maria Josephina Pacifico, D. Elisa Baptista Souza Pacheco, D. Ernestina Freixo, D. Maria de Magalhães, D. Leonor Atalaya, D. Maria Ferraz Bravo, D. Esther Coelho de Campos, D. Carolina Suggia, D. Leonilda Moreira de Sá, D. Julieta Vieira Barbosa, D. Elvira Mattos, D. Maria Julia Brandão, D. Maria Helena Carvalho, D. Elisa Allegro, D. Bertha Marques Pinto, D. Aurelia Paiva, D. Maria Augusta Mattos, D. Luiza Margaride, D. Constança Pinto Moreira, D. Anna Oliveira Ramos, D. Virginia Suggia.

[78] Em rebeca: D. Judith de Mello, D. Amelia Marques Pinto, D. Laura Barbosa, D. Irene Fontoura Madureira, D. Rosalia Maia, D. Ophelia d'Oliveira, D. Luiza Coelho de Campos.

Em violoncello: D. Guilhermina Suggia.

Em harpa: D. Virginia Viterbo e D. Anna Jane Menezes de Mattos.

E isto como o canto foi impulsionado, porque era preciso apparecer com vantagens sobre outros.

Condessa d'Alto Mearim
Condessa d'Alto Mearim

Com a pintura e esculptura porem não se dava isso. Os amadores de pintura só tinham occasião de mostrar os seus trabalhos, quando algum d'estes cabrions que teem o nome de possuidores de albuns, vinha pedir a esmola d'uma collaboraçãosinha, para esses repositorios exoticos de coisas varias e quiçá exdruxulas, onde se afundaram muitos poetas e se lapidaram muitos desenhadores.

E os amadores de esculptura? Esses, nem os havia. E se algum se dedicava a esse genero da divina Arte, era tão escondidamente que ninguem dava por elle.

Mas, sob o impulso grandioso do desventurado Silva Porto iniciava-se uma nova era d'Arte. Começaram de fazer-se exposições na cidade de Lisboa e na do Porto, exposições criteriosas que foram o inicio do renascimento da vida artistica portugueza e o marco milliario do bom gosto e do aproveitamento de muitos talentos ignorados e de muitas notabilidades nacionaes.

Promovidas na capital pelo grupo de Leão, esse brilhante gremio de que fizeram parte Columbano, Ramalho, Malhôa, Gyrão, etc.; e aqui, por um grupo de artistas e amadores de Bellas-Artes, sem designação especial de nome, mas entre os quaes figuravam Marques de Oliveira, Julio Costa, Marques Guimarães, Antonio Costa, o saudoso Xavier Pinheiro, Adriano Ramos Pinto,―as exposições d'arte teem sido actualmente realisadas pelo Instituto de Estudos e Conferencias.

[79]

D. Alice Grilo Lima
D. Alice Grilo Lima

D'ahi, do agrupamento desses artistas, e tentados pela gloria de se ver aplaudidos pela opinião publica e instigados pela critica amiga dos jornaes, fez-se uma como que revolta no meio da sociedade, que vive um pouco do espiritualismo Artistico do Bello, e como que resaltou uma nova pleiade de amadores, que tenta a pintura e a esculptura. No meio d'essa pleiade resaltam como caracteres artisticos definidos e assentes, individualidades cujos nomes temos que notar e descrever.

Apparece no alto, como verdadeira fulguração na arte de esculpir, a Duqueza de Palmella, a maior alma de artista que pode ter uma amadora. Os seus trabalhos perfeitamente executados são confirmações indiscutiveis do logar proeminente que ella deve occupar entre os que são sacerdotes na sublime arte de Milo.

No Porto, como sacerdotisa emerita d'essa arte, temos a Ex.ma Sr.a D. Joanna Andressen Silva, de que mais adeante fallaremos em artigo especial.

Na pintura, confirma-se o que a principio digo, só se exige que as amadoras tenham talento, para se lhe poder garantir o logar ao lado dos homens na transplantação para a tela da natureza, em todas as suas variadas manifestações. E assim, tanto no Porto como em Lisboa, todos os dias se fazem novas revelações de senhoras que são verdadeiros sportwomen artisticas. E assim notaremos, D. Francisca Furtado, D. Sophia de Souza, D. Amelia de Souza, D. Julia Molarinho, D. Lucilia Aranha Grave, D. Olympia Faria de Abreu, D. Maria Afflalo, D. Alice Grillo Lima, Condessa d'Alto Mearim, D. Maria Luiza Alto Mearim, D. Branca de Araujo Assis, D. Constancia Avides, D. Maria Idalina Carneiro, D. Margarida Costa Romão, D. Josepha Garcia Greno, (fallecida), D. Herminia Victoria Lagoa, D. Amelia Lamas, D. Izabel Areias [80] de Lima Lawer, D. Leopoldina Maia Pinto, D. Maria Teixeira de Moura, D. Laura Nobre, D. Clotilde Rocha Peixoto, Viscondessa de Cristello, Zeó Wauthelet Batalha Reis, D. Margarida Ramalho, D. Albertina Falker.

E, tudo isto, pela simples razão de haver exposições, onde se pode mostrar que se tem aptidões para a pintura ou para a esculptura, que se tem talento artistico emfim.

Portanto, desde que se tenha esse bello dom natural, que faz de nós um poucochinho mais do que a vulgaridade, não acho razão nenhuma para que se queira tirar á mulher o direito de publicamente mostrar que é um pouco superiora ás outras. Eu, sou d'aquelles que digo: que o saber não occupa logar, e, que, antes quero ver uma mulher pintar bem um quadro, do que pintar os olhos e os labios. No primeiro caso só pode mostrar que a preoccupa o espirito com alguma coisa donde lhe pode vir honra o louvor, no segundo caso... que não o preoccupa com nada...


Setembro 1904.


Orchideas―D. Alice Grilo
Orchideas―d. alice grilo





X

NOVAS EXPOSIÇÕES D'ARTE


Ao mesmo tempo duas exposições de pintura, uma organisada pelo Instituto de Estudos e Conferencias, outra organisada pelo snr. Lagôa. Estamos em maré d'Arte, não ha que vêr. Ora eu, que sou um bisbilhoteiro de mil diabos, lá fui, n'um d'estes ultimos dias de bom sol, visitar as duas exposições.

Boas e más impressões trouxe d'estes certamens e é o que muito despretensiosamente direi para diante, conforme o meu modo de vêr.

Tem, já se sabe o primeiro logar, a exposição do Instituto, e tem-no por muitos e variados motivos; entre esses porque é formada por trabalhos de artistas, se bem que por lá andem anichados puros amadores... Mas, isso fica para depois, para mais larga conversa quando não houver já que dizer a respeito dos artistas.

Ao Instituto de Estudos e Conferencias, se deve, em parte, a ameudação de exposições d'esta natureza; pena é que nem todos os nossos artistas comprehendam o quanto isto é util para elles.

Sente-se por isso alli a falta dos nossos melhores pintores, e é pena. Não sei, nem tentarei desvendar a razão porque os bons artistas não querem concorrer, mas sinto profundamente que Salgado, Malhôa, Columbano, Carlos Reis, Girão, e outros, se fiquem, lá de longe, sem nos dar o gosto de lhes applaudir e admirar o talento nas suas varias telas, que são quasi sempre admiraveis. Talvez porque não encontrem no nosso meio quem os saiba comprehender ou quem os saiba pagar, talvez!...

[82] A exposição, no seu geral, é fraca, sem interesse (que barbaro eu sou). A não ser uma meia duzia de telas, o resto é insignificante, sem destaque, morrendo pelo... nem sei mesmo porque... mas fazendo-nos sentir a saudade das

D. Sophia de Sousa
D. Sophia de Sousa

exposições realisadas no Atheneu Commercial, ha tantos annos já, e organisadas por um nucleo de pintores conhecidos. Isso sim, isso é que foram exposições onde todos concorriam cheios d'aquella boa vontade e d'aquelle enthusiasmo que é peculiar ás almas novas; que isto não é dizer que as almas d'hoje sejam almas velhas, não, são almas novas, mas formadas pelo systema arte-nova, tão cheia de curvas e sinuosidades, que treslouca.

Como de costume, lá fui encontrar no catalogo nomes dos que nunca faltam á chamada, honra lhes seja, Marques d'Oliveira, Torquato Pinheiro, Candido da Cunha, José de Brito e Antonio Costa, e a par d'estes, muitos outros e alguns que começam agora a apparecer.

D'entre os artistas, que expõem, a meu vêr, destacam-se Marques de Oliveira e Candido da Cunha, que são inegavelmente os que dão a nota pelo seu modo e pelos seus assumptos. José de Brito, soberbo no seu pastel Um frade, no resto sempre um tom ingente de nevoa que faz os seus quadros baços.

Torquato Pinheiro, muito bem no Retrato de meu filho, assim como, gostamos d'elle, nos seus―Fins da tarde de outomno e Rua de Villa Real.

Eduardo Moura, esse pintor, cheio de poesia intensa dos encantos cazeiros, veio á exposição com dois quadros que já lhe conheciamos, mas que por isso não deixarei de os mencionar, especialisando para meu gosto o―Serviço feito, que acho primoroso.

Prat, com os seus estudos não foi completamente feliz; destacam no entanto a Cabecita de burro, que me não desagradou.

[83] Victorino Ribeiro, com o seu―Esperando um amigo, está bem apresentado.

D. Sophia de Souza, regularmente, se bem que se nos tenha mostrado em outras exposições muito melhor.

D. Aurelia de Souza, com o seu estudo―Um africano, muito bem. Emquanto ao resto dos seus trabalhos achei-os inferiores ao seu muito talento artistico.

Antonio José Costa, como sempre, o primoroso pintor de flores, dá-nos umas Camelias bem tocadas e muito frescas.

De Julio Ramos, pouco ou nada mais temos a dizer do que o já temos dito: tem talento e sabe do metier. A sua Marinha é para mim o seu melhor trabalho n'esta exposição.

Marques de Oliveira
Marques de Oliveira

Almeida e Silva, esse, parece que desandou; as suas telas são demasiadamente recortadas e esmiuçadas. Lembrei-me com saudade de outros quadros seus, expostos em tempos idos, como por exemplo, um Viatico na aldeia e um Cabeça de cabrito.

Augusto Ribeiro, é um trabalhador incansavel, produz de mais. Desenha bem e pinta com certo gosto, mas pinta muito. Tem na exposição alguns quadros de valor e a Marinha da Foz, O atalho ao sol, são bons. Como notas typicas do nosso meio são interessantes as manchasitas do Bolhão, Anjo e dos Ferros Velhos.

Francisco Gil, é um pintor da Figueira da Foz que tivemos o prazer de vêr pela primeira vez; os seus trabalhos são (perdoem-me o francez) comme ci comme ça.

Lago Pinto, é um novo que promette muito e que se apresenta com vontade de fazer alguma cousa. São muito [84] recommendaveis os seus quadros Fim da tarde e Lavadeiras, em que a agua está bem estudada.

Flores―D. Leopoldina Maia Pinto
Flores―d. leopoldina
maia pinto

Teixeira Bastos, é um pintor de Lisboa que veio ao Porto mostrar-nos que tem talento artistico, dando-nos a impressão de que vê muito bem. O que especialmente o torna notado é o magnifico tom de luz que dá aos quadros. Os castanheiros, foi para mim o que mais me agradou; são dignos de menção a Cabeça da rapariga e Canto do Rato.

D. Leopoldina Pinto é uma amadora distincta.

Carlos Gomes Fernandes, é tambem um amador que começa. É provavel, que de futuro nos dê quadros, que se tornem notaveis, por emquanto é, a nosso vêr, um amador que tem vontade de fazer alguma coisa.

Fallei de todos mas deixei para o fim Marques de Oliveira e Candido da Cunha, porque a meu vêr são os dous pintores que attestam profundamente o seu temperamento artistico.

Marques de Oliveira é inegavelmente um mestre e não era preciso que eu o dissesse, eu que sou um zero no nosso meio critico. Os seus quadros Cercanias d'Agueda, O Combro e as Lavadeiras são obras primas de desenho, de côr e de luz.

Candido da Cunha, poeta triste da pintura, amando a luz iriada dos poentes, dá-nos quadros maravilhosos, destacando como florão da sua corôa de artista a Hora nostalgica. Não devemos porém esquecer a sua Casa rustica e os seus Moinhos em Leça. Ha tambem na exposição um trabalho d'este artista que me extasiou. É o retrato da esposa do pintor, feito a carvão (claro escuro). Trabalho que por si só bastaria para n'outro meio, que não o nosso, dar o nome a um artista. Correcto de desenho, é superiormente primoroso.

Falta fallar d'um amador, tão distincto que não pude fugir ao desejo de lhe reservar um logar mais para o fundo, [85] para que fizesse alguma impressão d'elle, ao leitor amigo, que tivesse a pachorra de me lêr até ao fim. Refiro-me a Alberto Ayres de Gouveia, discipulo de Marques d'Oliveira e que honra o mestre. Sabiamos de ha muito que este cavalheiro se dedicava á pintura, mas francamente, julgavamos que elle fosse um dellitanti como

A Caridade―Teixeira Lopes
A Caridade―teixeira lopes

muitos outros, que tendo tempo livre, se entretinha a fazer pequenas cousas sem valor, mas, ao comtemplarmos a sua obra, ficamos confuzo. Era uma revelação... Trabalho agigantado o seu, topando um assumpto sublime, tal como a Vida de Jesus. Pintor mystico com tal pujança nunca o imaginaramos. Vemos que elle se sae brilhantemente da empreza em que se metteu. Os seus quadros a Palavra do Mestre e o Christo morto são verdadeiras obras d'arte. Figuras estudadas com cuidado, pousadas naturalmente sem poses academicas, tendo vida e verdade, luz e côr escolhidas com sciencia; pinceladas largas e justas eis o que se encontra n'aquelles dois quadros.

No seu Lettre de Colombine, ha um effeito de luz admiravelmente estudado. Mas, Ayres de Gouveia não é só correcto nos seus quadros biblicos e de phantasia, é-o tambem quando faz o retrato, assim podemos dizer que é bom o seu oleo e retrato de mademoisselle M. F. A.

E desenhando a pastel ou a claro-escuro, tambem se [86] nos revela um verdadeiro artista; são para notar o seu Apollo e Retrato de mademoiselle Allen, (ambos a pastel) e cabeça de estudo, (a crayon).

Mas, não digamos mais nada d'esse amador, que podem julgar para ahi que eu sou amigo d'elle e vim aqui só para o elogiar, e eu não quero isso.

Passemos agora rapidamente á esculptura, deixando em branco as aguarellas, porque francamente não gostamos de nenhuma.

Em esculptura destaca-se em primeiro logar Fernandes de Sá com a sua Cabeça de Velho e o retrato do medico Correia de Barros, este ultimo um trabalho flagrante de verdade.

D. Joanna Andressen revela-se-nos uma amadora distincta, pois em pouco tempo fez progressos grandiosos.

D. Albertina Falker: não gostei do seu Bébé. Não sei que lhe achei de mau, talvez a posição d'aquella cabecita... Não sei...

Com respeito a arte applicada, só direi, que tenho visto muito melhor do que aquillo.

E acabou-se a resenha das minhas impressões.

Antes, porém, de fechar este despretencioso artigo uma, como que nota final.

Eil-a:


Uma coisa urge fazer de futuro em exposições congéneres. Destacar em grupos definidos os artistas e os amadores; a cada um o seu logar.

Poderão mais facilmente ser apreciados os seus trabalhos, e não teremos ao primeiro relance uma impressão tão má. Aproveitam todos mais, os artistas, porque juntos, ver-se-hão obrigados a applicar todas as suas aptidões para se destacarem uns dos outros: os amadores, no seu modo de fazer um pouco gauche, não terão o confronto dos quadros dos mestres que, quasi sempre, os esmagam. Assim, ao entrar n'um Salon tanto o critico d'arte, como o amador ou o indifferente, saberá, logo o desconto que tem a dar aos trabalhos, dos que começam, ou fazem arte para entreter e não fará injustas apreciações. Este, é o meu modo de vêr e penso bem que os proprios artistas me acompanharão n'elle.

Quando porém um amador se impozer pelos seus trabalhos, como os de Alberto Ayres de Gouveia, então que entre [87] desassombradamente no gremio dos artistas e que se sujeite á critica rigorosa dos que sabem do assumpto.

Emquanto assim não acontecer, estas exposições não terão um caracter definido, não terão o ar correcto d'um verdadeiro Salon. Dar-nos-hão simplesmente a impressão da sala d'um burguez endinheirado, que finge ter gosto pela Arte.

Ahi fica a impressão que me deixou a visita feita á Exposição de Pintura do Pateo da Misericordia.


Dezembro de 1902.


Panneaux decorativo na Sala da Bolsa do Porto―Velloso Salgado
Panneaux decorativo
na Sala da Bolsa do Porto
velloso salgado




PINTORES PORTUENSES




Eduardo Moura
Eduardo Moura

José Teixeira Lopes
José Teixeira Lopes













Candido da Cunha
Candido da Cunha









Julio Ramos
Julio Ramos















XI

Uma Exposição de Aguarellas


ORGANISADA por AMADORES


N'um dos salões do Palacio de Crystal, acaba de ser aberta uma Exposição de Pintura, onde o professor portuense de desenho Joaquim Marinho e suas discipulas, sujeitam á apreciação do publico os seus trabalhos.

Joaquim Marinho
Joaquim Marinho

Fui, como é meu costume, vêr a Exposição, sem a preoccupação de critico d'Arte, como um bom vivant, um mero collecionador, affeito um pouco a vêr com os olhos do espirito, além dos olhos da cara.

Não terei portanto aqui, n'este modesto compte-rendu, phrases empulgantes, nem sentenças judiciosas sobre os trabalhos expostos. Modesto será o meu artigo como modestos são os expositores. Deixo aos outros, aos que sabem de tudo, aos que chamam a quadros a oleo cromolytographias, essa extraordinaria tarefa de dizer muito e retumbante, sem dizer nada.

Fui, como disse acima, vêr a Exposição e gostei; entre os quadros expostos ha alguns que destacam, como manifestações de estudo e talento.

Não farei a resenha detalhada d'elles, nada d'isso, sómente indicarei os que mais fundamente me impressionaram.

[90] Estão n'este caso, como decorativos, os apreciaveis trabalhos a pastel de Joaquim Marinho, A Camponeza, e os de D. Zulmira Almeida e D. Izolina B. Sá, Imitações de azulejos. São de completa novidade, dando uma nota

Paisagem―Aguarella de J. Teixeira Lopes
Paisagem―Aguarella de
j. teixeira lopes

fulgurante de boa concepção e execução. Estas duas senhoras, entre varios outros trabalhos, teem mais, a primeira, duas paisagens em pastel, magnificas; a segunda, uma marinha muito acceitavel.

Ha mais uma Cabeça de creança (pastel) de D. Maria Leonor, que me impressionou deliciosamente. Esta senhora expoz tambem dous outros quadros, (paisagens), tambem a pastel, muito interessantes.

D. Guilhermina Marinho, com os seus estudos a aguarella, revela-se-nos uma amadora distincta e conscienciosa; destacarei d'entre elles os Recuerdo del Paiz Vicino, (interessante scena de bailado em Andaluzia) e Rapaz de Aveiro. Primorosos.

D. Maria Joaquina, dá-nos duas pequeninas impressões de Vizella, muito interessantes.

Deixei para o fim propositadamente o fallar do professor. Este, expõe, entre outros, um quadro que eu admiro pelo modo como está feito. É um trabalho a carvão de grandes dimensões e chama-se a Batalha de Malmaison. Todo aquelle céu está bem trabalhado e cuidadosamente desenhado. É magnifico.

Tem tambem tres trabalhos a carvão, em madeira, que são interessantes e apresentam muita novidade. Um d'elles especialmente Um boi, está magnificamente bem feito.

Não me alargo mais n'este meu modesto artigo, mas ao terminar não posso deixar de manifestar aqui o meu applauso ao iniciador d'este certamen d'Arte, animando-o a que continue [91] a mimosear-nos com exposições como esta, que distrahem a vista e consolam a nossa alma, farta das ignominiosas scenas, que vão por esta terra. Aquillo é como um banho santo ao nosso espirito enervado e doentio.

Parabens, pois, pela sua exposição.


Novembro de 1900

Cabeça de estudo―Pastel de José de Brito
Cabeça de estudo―Pastel de
josé de brito





XII

PINTORES PORTUENSES


THOMAZ DE MOURA


Eu sou d'estes sujeitos que gosto muito de vêr e de apreciar tudo quanto de Arte apparece no nosso restricto meio, e por isso fui ha dous dias até á Photographia Guedes, visitar a exposição de quadros de Thomaz de Moura.

Thomaz de Moura
Thomaz de Moura

Conhecia já este artista d'uma exposição, que em Lisboa se realisara, nas salas da Sociedade Nacional de Bellas Artes e onde elle concorrera com sete quadros. N'essa occasião e em um jornal da capital tive occasião de manifestar a impressão que então recebera dos seus trabalhos. Hoje, porém, que elle no Porto se nos apresenta, não é muito, que, mais uma vez, me occupe dos seus trabalhos, n'uma rapida noticia, sem philosophia d'arte nem detalhes de apreciação, mas unicamente n'uma resenha breve e simples do que vi.

Na sala do nosso amigo Guedes de Oliveira, esse bello rapaz, amigo dedicado dos artistas e tão artista como elles, reune Thomaz de Moura 39 trabalhos, que dão a nota verdadeiramente accentuada do seu temperamento artistico.

Talvez, porque a sua alma seja d'um contemplativo, ou d'um triste, ha nos seus quadros um quer que seja de nostalgico e de sugestivo. Não é d'aquelles pintores que distribuem, ás pinceladas, nos seus quadros, as tintas fortes e vibrantes; [94] os vermelhos carmins e ocres amarellos. Não, enche as suas telas d'umas tintas doces e melancholicas. Depois ha ali muita paisagem dos paizes brumosos, trabalhos que elle executou lá por fóra nas suas viagens de estudo. E a paisagem da França e da Bretanha, essa paisagem, é muito differente da nossa. Lá, não se encontra um céu como o nosso, claro e limpido, onde as aves passam n'um vôo chilreante de alegria, o sol de lá, como que apparece envolvido em gaze, não é retumbante e claro como o nosso e as tonalidades da vegetação tem aqui um forte destaque de frescura que falta n'esses paizes.

E, é talvez d'isso que se sente o nosso artista. Mas, quando elle retratar a nossa paisagem, esse Minho encantador, então, vel-o-hemos accentuar perfeitamente as nossas côres e nosso tom.

Algumas das telas apresentadas já são da nossa paisagem, mas, vistas um pouco ainda com a vista habituada ao cinzento das paisagens bretãs, d'ahi o não terem a nitidez accentuada da paisagem portugueza.

D'entre todas essas telas destacarei para mim como a mais subtilmente inspirativa―Christo lamentando Jerusalem, de linhas definidas embora, em esquicio, de uma concepção bella, d'um effeito sentimental e de uma suave expressão.

Os cuidados de mãe, que eu já conhecia, são um estudo de interior que revela muito saber e muita observação.

O fim da tarde, delicioso poente, onde o céu tingindo-se de vermelho, dá ao quadro uma inspiração suave do quer que seja de poesia lyrica.

No limiar da porta, bella cabeça de rapariga, d'um olhar aveludado e triste, de quem espera por alguem; talvez pelo seu namorado.

No Cabeça de rapariga bretã, ha a mesma serenidade que no Limiar.

Um caminho, é um bello retalho de aldeia, um caminhosito tortuoso coberto por uma frondosa ramaria. Appetece descançar um pouco, ali, após um largo passeio.

Os casebres de Alfena, O lavadouro (Guisec), Açudes (Vizella), Ribeira de Pont d'Abbé, e mais outros ainda, são manchas tocadas com primor e com muita proficiencia.

Os pequenos marinheiros, é um quadro onde se revela d'uma maneira accentuadamente definida a disposição que Thomaz de Moura tem para a figura. Os dous rapazes estão [95] perfeitamente desenhados e sahem da tela accentuadamente.

Ha um quadrosito tambem notavel, é o Nos campos, um pequeno sentado sobre a relva parece desfolhar malmequeres emquanto ao fundo, sob um traço de luz, pastam dous mansos bois, é inegavelmente um dos mais apreciaveis trabalhos expostos.

Mais largo poderia e deveria ser este compte-rendu da exposição, mas eu prometti apenas uma ligeira noticia, e as minhas aptidões criticas não dão para mais.

E ao acabar permitta-me Thomaz de Moura, que lhe signifique n'estas rapidas linhas a magnifica impressão que me deixou a visita que fiz á sua exposição.


1904.


Panneaux decorativo na Sala da Bolsa no Porto―Velloso Salgado
Panneaux decorativo na
Sala da Bolsa no Porto
velloso salgado





XIII

AMADORES PORTUENSES


D. JOANNA ANDRESSEN SILVA


D. Joanna Andressen Silva
D. Joanna Andressen Silva

Sinceramente e no mais grato dos respeitos vou deixar em breves linhas as minhas impressões sobre o merito artistico d'esta illustre senhora, amadora distincta d'esculptura, illustre pelo talento e pela fidalguia do caracter, um caracter d'oiro, propenso ao bem, cheio de fé e de bondade.

Eu sei que biographar um amador é trabalho de certo folego, muito especialmente quando o amador é distincto, como esta illustre senhora; mas eu não venho com mais largas ideias que fazer uma simples resenha dos seus trabalhos, resenha esta que servirá ao mesmo tempo de ligeira nota de carteira da visita que fiz ha dias ao seu atelier. A isso, só a isso, me abalanço, convencido de que cumprindo um dever de cortezia [98] presto ao publico, ao que aprecia as manifestações d'Arte, um interessante e util favor.

Não me alargarei em detalhes minuciosos do grande problema―a Arte. Rapidamente, aqui e alli, tocarei aquellas notas, que veja de mais necessidade ferir, para completo comprehendimento do assumpto.

Salão do palacete de D. Joanna Andressen Silva
Salão do palacete de
D. Joanna Andressen Silva

N'esta altura, cabia perfeitamente, como preambulo a estes pseudo-perfis, uma larga tirada sobre Escolas d'Arte, Evoluções da Arte, Variedade de gostos artisticos, Papel moral da Arte, etc. Não enveredarei por esse caminho, deixo esse estudo aos outros, aos que com mais direito e mais conhecimentos possam fallar do assumpto.

Sou apenas uma especie de reporter artistico, que vem sempre que d'isso tem occasião, trazer a noticia d'um amador que se torna notado, d'um artista que está em fóco, d'um atelier que se recommenda pela sua disposição e pelo recheio, e d'um salon que se abre em exposição de trabalhos isolados ou collectivos.

Feitas as precisas explicações, vou dar principio á minha singela narração, sem balofas adjectivações e sem assumir o ar solemne e grave de Pater Magister. Serei simples e breve como convem aos que escrevem para todos: para os que se embrenham nos profundos e intrincados problemas sociaes e artisticos e para aquelles que só sabem ler. Farei portanto todo o possivel para que facilmente me faça compreender e alguma coisa de util, traga, ao fim, em bem da Arte.

[99] Foi n'uma manhã formosissima, de sol forte e claro que fiz a minha primeira visita ao atelier da Ex.ma Snr.a D. Joanna Leheman Andressen Silva.

Ao fundo da Rua Antonio Cardoso, rua que partindo da formosa Avenida da Boa-Vista, vae findar no Campo Alegre, fica o sumptuoso palacete onde reside esta talentosa amadora. A vivenda só em si é um encanto. A bella casa, circumdada de formosos parques e jardins, tem um aspecto grandioso e rico que se impõe. Os jardins e o parque que a rodeiam são deliciosos trechos onde as musas predilectas bafejam e inspiram os menos lyricos a compor deliciosas bucolicas e onde os menos artistas encontram retalhos de paisagem encantadora e suggestiva para transplantar á tela.

Canto do Atelier
Canto do Atelier

Eu não posso fallar d'essa paisagem adoravel que me não sinta enlevado pelos seus encantos naturaes. Como é bello tudo quanto d'alli se avista! Como é soberbo todo esse quadro immenso, cheio de vida e de luz, deixando-nos apreciar por momentos o bulicio da cidade, a serenidade das aguas do Douro, que serpeia lá em baixo, a agitação continua do mar, cujas ondas se vem ao longe n'um revolutear continuo, e a tranquilidade da vida aldeã, que se adivinha com as primeiras casinhas que se descobrem do outro lado, no Monte das Chãs!...

Transpostos o jardim e o parque entra-se n'uma ampla galeria, onde, bibelots caros e artisticos se juntam n'uma delicada confusão que contrasta com o fino do mobiliario e a riqueza das tapeçarias. Apenas alli introduzido, logo me appareceu a distincta amadora, cheia de attenções e cuidados que encantam, convidando-me a visitar o seu atelier. Acedi da melhor vontade e [100] caminhei vagarosamente encantado pela conversa fluente e interessante da illustre senhora que tem a alma d'uma fina artista e a virtude d'uma delicada e cuidadosa dona de casa.

Busto de mademoiselle Eliza Andressen
Busto de mademoiselle
Eliza Andressen

N'essa passagem atravez de todo o interior formoso e confortavel da habitação, passagem que fiz com a religiosa uncção de quem visita um museu intimo, tive a grata ventura de pousar a vista em admiraveis trabalhos de Antonio Teixeira Lopes, Marques d'Oliveira, Julio Costa, Julio Ramos, Candido da Cunha e muitos outros, e entre estes alguns dos mais consagrados artistas estrangeiros.

E tudo isto, todo este batalhão de Arte se espalha pela casa, gentilmente, nos seus logares proprios, n'uma bem estudada escolha de luz.

Entramos na sala de jantar depois de termos atravessado o salão de baile. Maravilhou-me a magnificencia das pratas, das louças e dos crystaes, mas acima de tudo a confecção e o estylo do mobiliario. Avancei uma pergunta:―-«Quem fôra o auctor d'aquella maravilha? Quem a desenhara?»

E a distincta amadora, sorrindo, contou-me a historia d'aquella mobilia, dizendo n'uma adoravel simplicidade que para a sua execução fizera dous desenhos; um era aquelle, o outro, mais decorativo, mais cheio de flores, fôra posto de parte porque seu primeiro marido não gostara d'elle.―«E eu tambem», concluiu a illustre amadora.

Assim devia ser, porque, por mais formoso que o outro fôsse, aquelle desenho que alli estava, com certeza o havia de supplantar, porque é uma verdadeira maravilha de Arte, quer em concepção, quer em execução.

Em seguida atravessamos o jardim, onde brincavam os filhinhos de D. Joanna, e passamos ao atelier. É este construido sob a sombra protectora e amiga d'algumas bellas arvores; banha-o de luz intensissima uma larga janella que lá do alto se abre para a estrada.

Uma vez alli dentro, analisei detidamente tudo o que lá [101] se achava, desde o mais insignificante desenho até á mais bem lançada esculptura, desde a mais pequena revista até ao mais precioso livro de Arte. E apoz isto, entrei n'um largo inquerito. Sentados n'uns artisticos escabelos, conversamos um pouco sobre arte, discutimos escolas e processos, analisamos rapidamente trabalhos que conheciamos de memoria e por ultimo fallamos da educação artistica da nossa gente. N'esta altura averiguei que D. Joanna desde creança revelara uma grande disposição para a esculptura.

Busto de mademoiselle Ramos Pinto
Busto de mademoiselle
Ramos Pinto

Seu pae, um bom e honrado negociante allemão, que viera para o Porto estabelecer-se, pratico como era, costumava brindar seus filhos com livros de desenho, que mandava vir d'Allemanha. D. Joanna toda se enthusiasmava com esses brindes, que collecionava cuidadosamente e d'onde fazia copias para estudos, revelando desde essa epocha uma vocação especial para o desenho.

Quando menina teve como professora Madame Bizarro, que bem conhecida foi no Porto pelos seus trabalhos em miniatura e bordados.

Foi, portanto, sob a direcção d'esta desenhista correcta e sabedora que ella começou a seguir verdadeiramente o caminho da Arte. Depois, foi por algum tempo para a Allemanha, e ahi, vivendo na intimidade da familia Katzenstein, teve occasião de acompanhar muito de perto e receber mesmo indicações utilissimas do conhecido pintor Katzenstein, irmão do Consul d'Allemanha n'esta cidade. Durante essa epocha D. Joanna amavelmente pousou para modelo de algumas das figuras dos quadros d'esse excellente artista, já por vezes devidamente apreciado no Porto, por quadros de certo merecimento artistico, que tem exposto em varios certamens a que tem concorrido.

Com estes dois impulsionadores, Madame Bizarro e Katzenstein, D. Joanna volta a Portugal, cheia d'uma grande boa vontade de ser alguma coisa mais do que a vulgaridade [102] no nosso meio artistico. E para isso chama para lhe completar a educação d'arte dous dos mais notaveis artistas e mais insignes professores: Marques d'Oliveira, o paisagista sabedor e poetico e Teixeira Lopes o genial estatuario, cujo nome é uma verdadeira gloria da Arte Nacional.

Busto de Mademoiselle Maria Joanna Andressen
Busto de Mademoiselle
Maria Joanna Andressen

E, recebendo lições d'um e d'outro com um aproveitamento pouco vulgar, D. Joanna revela-se não uma amadora distincta, mas uma distinctissima artista. Affirmam-no exuberantemente os seus trabalhos, internecedores pelo encanto com que são concebidos e executados.

D'alguns d'esses magnificos trabalhos vão aqui photogravuras, pelas quaes facilmente se vê que aquillo que affirmo não é senão a sentida expressão da verdade. Na photogravura Recanto de atelier, ha uma figurita sobre a meza, maquette de um trabalho em tamanho natural, e que se intitula Rapaz jogando a malha, que é um assombro de bem executado.

Entre os gessos que ornam o atelier ha um que merece especial mensão. É um Christo na Cruz original do grande e saudoso Soares dos Reis.

Nos trabalhos de D. Joanna salientam-se duas Cabeças de rapazes, bustos de dois filhos seus, mas dos quaes por motivos especiaes não pude obter photographia.

Parecerá ao leitor que quem executa tão bellos trabalhos não necessita mais de professor; não o entende assim D. Joanna e, n'essas condições, como quer ser tambem alem de esculptura uma pintora distincta, ouve e recebe orientações e lições do velho Costa, o meu querido amigo Antonio José da Costa, o artista que mais linda e sabiamente pinta flores em Portugal.

[103] É desnecessario proseguir. Já fica dito o bastante sobre as impressões recebidas na primeira visita que fiz ao atelier de D. Joanna Leheman Andressen Silva, n'essa manhã deliciosa, de que conservo as mais gratas recordações, não só pelo prazer de avaliar de perto os superiores trabalhos d'essa illustre amadora, mas muito especialmente pelas preclaras virtudes do seu caracter delicado e requintadamente attencioso.

Ficarei por aqui, convencido de que a critica sincera e desapaixonada, dos Mestres d'esta boa terra portugueza, hade dizer mais e melhor, sobre os meritos artisticos da illustre senhora a quem acabo de referir-me, quando um dia tiver de apreciar devidamente os seus trabalhos.

Guarda fiel―Antonio José da Costa
Guarda fiel―antonio josé da costa





XIV

PINTORES PORTUENSES


ANTONIO JOSÉ DA COSTA


Ha nomes que, em qualquer parte que se pronunciem, se impõem á consideração de todos nós.

Antonio José da Costa
Antonio José da Costa

O que encima este artigo é um d'elles.

Como homem e como pintor Antonio José da Costa deve ser respeitado e admirado. Como homem porque é um cavalheiro em toda a acepção da palavra; como pintor porque é um mestre.

É muito grande a minha ousadia, em tentar desenhar, n'um pequeno artigo, uma figura culminante da pintura em Portugal; e não vos admireis, leitores amigos, que eu diga isto, nem julgueis que, ao afirmal-o, queira empanar a gloria de muitos dos nossos pintores. Não. Se considero Antonio José da Costa um grande artista, não quer isto dizer que o julgue maior que alguns outros, mas simplesmente accentuar que elle é um dos grandes artistas da pintura em Portugal.

Para mais ao deante reservaremos o fallar d'esses artistas, [106] grandes como este ou talvez ainda mais, mas, cada um no seu genero.

Rosas e Peonias―Antonio José da Costa
Rosas e Peonias
antonio josé da costa

Não quero, nem procuro saber quando e como é que Antonio Costa se fez pintor: o que tento é provar que elle hoje é, em Portugal, um soberbo paisagista e o primeiro pintor de flores. E se conseguir isto parece-me que terei dado o meu tempo por bem empregado. Que o mais facil e o mais demonstrativo seria dizer: vêde esses quadros de que vos dou a gravura; vizitae as muitas casas de amadores onde elles estão espalhados: vizitae as exposições onde elles apparecem; ide ao atelier do artista e ficareis convencidos d'esta verdade indiscutivel.

Mas isso é infelizmente impossivel; os amadores que possuem quadros, com raras excepções, fazem monopolio dos trabalhos que compram, parecendo ter medo que os outros, só de lh'os verem, lh'os damnifiquem. E o artista mora lá para Bellos Ares, tão longe do centro da cidade, que, chegados ao seu atelier, o cançaço seria tanto que não vos deixaria vêr com a devida attenção, as lindas coisas que elle vos mostraria. Descançai pois que eu,―dando-vos, a traços largos, um relato da obra do artista―vou privar-vos da fadiga d'essa romagem.





[107] Para a pintura como para todas as demais manifestações da Arte é necessario, em logar primordial, a disposição natural do individuo. Não basta só a boa vontade. Mas quando esta se alia áquella então tem-se realisado o supremo ideal, e, embora diga o ditado que «querer é poder» n'este caso esse ditado falha porque muitos artistas conheço eu de muito boa vontade e que querem chegar a onde vão os mestres e nunca lá chegam. E porque? Porque lhe falta a bossa artistica, a disposição natural.

Outros tempos. (Esboço)―Antonio José da Costa
Outros tempos. (Esboço)―antonio josé da costa


Ora com Antonio Costa dá-se o caso de elle ter, alem da sua grande boa vontade, a intuição, a disposição natural para a pintura.

É um paisagista, com uma vista perspicaz de observador, que, ao tracejar um estudo, faz resaltar logo a nota caracteristica e determinante do assumpto. E ao olhar esse estudo, no conjuncto de cores e de tons, nós temos a impressão completa e perfeita do que elle queria dizer nos seus quadros. Dous esboços acompanham este trabalho, e ambos demonstram sobejamente o movimentado assumpto, que nos seria revelado pelos quadros, se elles tivessem tido completa execução.

[108] No primeiro, que chamarei Outros tempos e que tem o duplo interesse de ser um repositorio de figuras conhecidas e muito populares no Porto, taes como o Dr. Pimentel, pae do escriptor Alberto Pimentel, o Amorim Vianna, o professor João Correia, o pintor Rezende, o Brown,

No Pinhal. (Esboço)―Antonio José da Costa
No Pinhal. (Esboço)
antonio josé da costa

etc., que, na janella e na rua, assistem ao desfilar do regimento onde estamos a vêr perfeitamente o ar aguerrido e os jogos malabares d'esse grupo de porta-machados e seu tambor-mór que, descendo pela rua da Sovéla abaixo viram para o seu lado direito, para a travessa de Cedofeita, n'uma cadencia de marche-marche. E na massa quasi informe que os segue ha a intuição caracteristica do grosso do regimento.

No outro, n'um pinheiral esguio, onde bate o sol, veem-se duas figuras por determinar, estando uma com seu guarda-sol aberto; o terreno é empastado e ha no horisonte um quer que seja que nos diz que ali é o mar. Mas nada d'isto está definido, nada disto está executado e, no entanto, nós vemos perfeitamente n'aquellas manchas que o quadro seria assim.

Ora esta particularidade, este modo de fazer os estudos é que só é peculiar a quem nasceu para ser artista, e Antonio Costa é-o e em alto grau.

[109] Depois, como desenha admiravelmente e possue essa grande propriedade de saber vêr os motivos a pintar, d'um pequeno retalho de paisagem, d'uma cancella, d'um casebre tosco, d'um portão de Quinta, d'um nada, faz um quadro que é sempre um encanto. Muitos e muitos são os seus trabalhos n'este genero. E mesmo n'aquelles, que a critica não acha completamente bons, ha sempre alguma cousa, muito até, que é excelente.

Por acaso tenho aqui na minha frente um jornal de 1893 onde um dos nossos criticos d'arte de mais cotação no Porto, diz o seguinte a respeito d'um quadro de Antonio Costa, Portaes do Marão:

Camelias―Antonio José da Costa
Camelias―antonio josé da
costa

«É um pedaço de pintura feito com uma sinceridade emovidissima de sensação e uma franca acção de pincel; em toda a obra do pintor portuense eu separo esta como a que melhor denuncía o seu talento por vezes desigual, com caprichos de intermitencia, mas talento legitimo testemunhado nos intervalos de superioridade com um explendido entono glorioso...»

Ora este attestado passado ha onze annos ao meu perfilado é a confirmação do que venho dizendo, e como na arte não é vulgar andar-se para traz, mas sim cada vez mais aperfeiçoar-se, cada vez mais estou na minha, que, se elle n'esse tempo era um bom artista, hoje é um grande artista.

Mas, Antonio José da Costa que, alem de pintor, tem o quer que seja de floricultor, um dia, ao cuidar das suas camelias, dos seus chrisanthemos e das suas rosas, resolveu, tal [110] como as via, transplantal-as á tela, em pintura; e, com o seu muito saber e o seu arreigado gosto artistico, começou de nos dar quadros tão admiravelmente lindos e frescos como as flores que cultivava, e assim se fez o deslumbrante pintor de flores que agora é.

Junquilhos e Camelias―Antonio José da Costa
Junquilhos e Camelias
antonio josé da costa

Ha no espirito de muita gente que pinta, a crença de que as flores são de facil execução e d'ahi esse enxame de amadores, que nos surge de todos os lados desatando a copiar flores dos modelos que a França e a Allemanha nos exporta continuamente. E pintam flores... mas que flores, Santo Deus!!!!

Para pintar flores é necessario ter na paleta alem das tintas fortes e vivas... um certo quê de orvalho, um pouco de sol e uma porção de ether, esse fino fluido que nos cerca. Ora isto é que só elle tem, só elle possue.

As suas camellias são tão frescas e tão carnosas que temos a impressão de que, se as tocassemos, ellas amareleciam tal qual as naturaes. Os seus chrisanthemos, na variadissima e arrevesada forma das suas petalas, parecem sair da tela em contorneações exoticas, envolvidos no tal ether em que fallei mais acima.

E as suas rosas, d'uma frescura e d'uma suavidade unica, ora aveludadas como seios de mulheres lindas, ora transparentes como gottas de orvalho, são admiraveis; parece até exalarem, em delicias, o aroma que lhes é tão caracteristico.

Em todas as suas flores emfim, existe o supra-summo da verdade e da perfeição...

Ao olhal-as não nos julgamos em frente d'um quadro, julgamo-nos n'um jardim...

[111] Mas não são só flores que elle pinta deliciosamente. As fructas, tambem são tratadas por este artista com o mais desvelado e carinhoso amor.

Conheço alguns quadros n'este genero que são um verdadeiro assombro.

Melhor do que eu porém fallam as gravuras publicadas no Portugal Artistico, reproducção de alguns quadros de Antonio José da Costa.

E julgo ter assim cumprido o meu dever de homenagem a um artista respeitado e querido.


1904.


Junto ao Cruzeiro―Antonio José da Costa
Junto ao Cruzeiro
antonio josé da costa





XV

EM FRENTE D'UM CARTAZ!...


chronica do "monitor"


Antes de entrar no assumpto da minha Chronica, duas palavras de desculpa.

Não appareci na ultima semana porque estive com as maleitas, um diabo d'umas febres que apanhei quando era rapaz e ia brincar para os campos do Cyrne, alli para os lados do Reymão.

Pois essas maleitas, vieram atacar-me traiçoeiramente, como costumam, e quando eu me dispunha a escrever a Chronica tive de me enfiar em vale de lençoes a tremel-as... Um martyrio, que nem o leitor imagina.

Unica razão porque Vossas Excellencias se viram livres da minha proza a semana passada. Hoje, porém, não escapam. Estou agora fino como um pêro e muito bravo.

Portanto, se virem que arranco da espada com valentia, não vos afflijaes, porque ella é de cortiça, como era a da Justiça, para matar a Carriça... Ora pois, como a espada é de cortiça, não corta, o mais que pode fazer é arrolhar. Adiante.

No alto d'este arrazoado escrevi eu:―Em frente d'um cartaz!...―E sabeis a que cartaz me refiro? Não sabeis? Pois ides sabel-o. Ao cartaz executado por Julião Machado para reclame aos festejos carnavalescos no Porto.

―Porque vai elle dedicar uma Chronica a este cartaz, perguntarão lá de si para comsigo os leitores?

―Por um simples motivo, meus senhores, porque entendo, que aquillo está muito longe de ser o que se desejava. Julião Machado é, inegavelmente, um bom artista, mas, d'esta vez, no traba ―Por um simples motivo, meus senhores, porque entendo, que aquillo está muito longe de ser o que se desejava. Julião Machado é, inegavelmente, um bom artista, mas, d'esta vez, no trabalho apresentado deixou muito a desejar.

[114]

Cartaz―Julião Machado
Cartaz―julião machado

Não quer isto dizer que elle esteja mal feito, mal desenhado, mal colorido; não, o que quer dizer é que não era aquillo que se queria.

Que se queria, não digo bem; que eu queria e a maior parte do publico.

Aquillo, é um lindo desenho, para figurar em ponto pequeno, em uma pagina de revista, na capa d'um livro, ou ainda dum reclame-programma, para distribuir nos theatros, ou na rua.

Finura de traço, cuidado de desenho, doçura de cores... tudo alli ha; mas, faltam-lhe os requisitos essenciaes para o verdadeiro cartaz: largueza de traço, côres fortes e retumbantes, côres, que collocadas pelas paredes, tilintassem como crystaes que se partem, retumbassem como trovões, vibrassem como clarins, ou refulgissem como o sol.

Acima de tudo isso, era preciso que tivesse o caracter genuinamente portuguez, que infelizmente não tem. As figuras passam n'elle como se fossem a reprodução d'uma festa em pleno Paris―-o Boi gordo, por exemplo.

Unicamente, como nota portugueza, no primeiro plano um busto de lavradeira, e lá entre essa multidão apenas um capote e lenço, como que querendo fugir para fóra do traço delimitador do caixilho, talvez embaçado de se vêr seguido por tanta gente, que elle nem sabe quem é.

Os nossos mascaras caracteristicos, os chechés, os lavradores, os bebés, os gallegos, etc., etc., que davam a nota definida do nosso carnaval, esses, fugiram n'um desespero de se verem amarfanhados n'aquella pele-mele de mulheres em maillot, e mascaras que nós não conhecemos.

Mas a culpa não foi do artista. Elle viu assim o carnaval; viu n'aquella cocote fina e delicada, que o pierrot leva sobre o grande bombo, a Folia portugueza, e enganou-se!... [115] A Folia portugueza não é assim tão fina e quasi ingenua, é muito mais expressiva, mais valente, de gesto largo e de fundas gargalhadas, atirando um grande punhado de bombons ou um bouquet de violetas, com ar de quem não está a estudar posições ao espelho, despreoccupadamente...

No meu entender, Julião Machado não realisou o verdadeiro programma.

Depois, ha alli qualquer coisa a mais, e que infelizmente me entristece: é vêr suspensas da mão da Folia, como se fossem duas grandes bexigas, as mascaras da Russia e do Japão. Não acho de grande intuição artistica aquellas duas figuras n'aquelle logar. Quando duas grandes nações se degladiam n'uma sangrentissima guerra, exquisito é que se aproveite esse caso para que, como n'um ridiculo de troça, a Folia atira sobre a multidão que se diverte com essas duas grandes figuras.

Mas... adeante; isso nem se discute.

Cartaz―Manuel Monterroso
Cartaz
manuel monterroso

O cartaz ahi está! É o que o publico póde vêr! Agora, o que o publico não pode vêr, é o cartaz que apresentou Manoel Monterroso, e é pena, porque se o visse havia de convencer-se de que este, como ninguem, comprehendeu qual o verdadeiro caracter que devia ter o cartaz.

No cartaz d'este distincto amador, havia de tudo, bello desenho, côres retumbantes, e verdadeiro caracter portuguez.

Depois, a concepção era genial, d'um bello artista.

No seu trabalho, uma verdadeira caricatura carnavalesca, revelava-se mais uma vez o seu espirito fino e observador e o seu traço caracteristico e definido.

As figuras que elle apresentava, eram recrutadas no nosso meio, de genuina originalidade portugueza. Oh! mas esse não apparece.

[116] É que a commissão entendeu que devia premiar os dois e mandar executar só um. E porque seria isto? Que entendedores fôram os que determinaram resolução tão exotica? Porque não se fará a exposição do outro cartaz?

Cumpre ao Club, antes de apparecer em publico com o seu cortejo, fazer afixar o cartaz de Manoel Monterroso; sem isso terá dado uma prova de favoritismo, de preferencia a um artista, com o fim, talvez de amesquinhar outro. E isso não é de pessoas que dirigem um Club cuja divisa é―Pelo Porto!

Que appareça o cartaz de Monterroso, para que o publico o aprecie tal como elle merece, e para que se não fique julgando que o Carnaval será palido e desenchabido como o cartaz de Julião Machado.

E que o artista me desculpe, que eu não lhe quero mal. Venho unicamente, como um dos mais sinceros amigos do Club Fenianos Portuenses, pugnar pelo bom nome do mesmo e pelo interesse do meu querido Porto, que se prepara briosamente para receber os milhares de forasteiros que ahi virão assistir ao carnaval, que deve ser maravilhoso.


Janeiro de 1905.


Nota―E o Club, depois do meu repto, deixou-se ficar muito calladinho com o cartaz de Monterroso e não o afixou. O Janeiro, porém, na Terça feira de Entrudo, em illustrações do dia, deu-o em traço ligeiro. Apesar d'isso, eu, mais meticuloso e mais pratico, aproveito esta occasião para fazer inserir n'este logar os dous cartazes. Assim, o leitor verá a justiça de meus dizeres e a sinceridade com que eu tracei estas ligeirissimas linhas. Elles ahi ficam expostos e o publico que os julgue como entender.



XVI

NA CRUZ


Quadro de JULIO COSTA


Eis ahi duas singelas palavras que envolvem um grandioso poema de dôr, porque exprimem o final d'esse drama de soffrimento que passou Christo.

E o pintor portuense Julio Costa, com o seu muito talento artistico, conseguiu transportar á tela todo esse sentimento, realisando um quadro que por si só bastaria para fazer um nome, se elle de ha muito não estivesse feito.

Esse quadro, estudado com um carinho adoravel de pintor de raça, com seus laivos de poeta lyrico, é admiravel de execução e representa Christo no momento em que, erguendo ao ceu o olhar, dizia:―«Perdoai-lhes, Senhor, que elles não sabem o que fazem».

N'uma bem lançada cruz, que se destaca, em todo aquelle fundo tenebroso da noute tragica do Calvario, pende, deliciosamente desenhado, e admiravelmente tratado, um Christo que nos chama o olhar, n'uma contemplação muda de admiração e respeito.

Que de cousas sentenciosas se poderiam dizer da sua execução? Mas para que fazel-o, se o publico conhece bem o merito artistico do nosso amigo?

E a Camara Municipal do Porto, que parece querer agora fazer qualquer cousa de bom a bem da arte portugueza, acaba de adquirir este bello trabalho, para o museu municipal.

Quando os nossos leitores poderem admirar mais este soberbo quadro de Julio Costa, hão de reconhecer que a apreciação que d'elle faço nada tem de exagerada.


Na Cruz―Quadro de Julio Costa
Na Cruz―Quadro de julio costa


1902.




XVII

AMADORES PORTUENSES


D. MARGARIDA RAMALHO

Discipula de JULIO COSTA


Tendo que traçar algumas ligeiras palavras, para as Notas d'Arte, a respeito d'uma senhora, que, como amadora, se torna notavel na pintura, devo pedir venia, e formando um bello arco com lyrios e rozas enfeitar esta pagina.

D. Margarida Ramalho
D. Margarida Ramalho

Depois, respeitosamente, com um certo ar á Antiga, pondo um pé atraz, fazer uma reverencia o mais gentilmente que possa, e estendendo a minha forte e grossa mão de trabalhador honesto, pegar levemente nos dedos finos da delicada mão d'essa senhora, e levando-a fidalgamente aos labios, beijar-lh'a, pedindo-lhe licença para lhe dedicar duas phrases desataviadas, n'um pequenino artigo sobre o seu valor como amadora de pintura.

Ella, sorrindo, naturalmente dirá que sim, e então eu começarei a escrever, cheio d'aquelle doce encanto que nos vem d'esses olhos vivos e d'um rosto lindo.

E que isto vá sem ar de madrigal, porque estou velho de mais já para isso, e muito especialmente porque eu já não sou só... Adeante!...

[120] Comecemos pois, nada de perder tempo em rebuscamentos de estylo.

Dentre a multidão enorme de amadores de pintura, multidão cujo calculo é impossivel fazer, ha alguns, não muitos que merecem especial menção, e que devem passar n'estas simples Notas d'Arte ao lado dos verdadeiros artistas, como affirmação de que o talento, acaba por não distinguir uns dos outros.

Não pense o leitor que eu vou transplantar para aqui, todos os amadores de talento que ha na cidade da Virgem. Isso seria impossivel.

Vou apenas apresentar-vos uns dous ou tres, com incitamentos para os outros.

E a aprezentação d'estes amadores, visa a dous fins:―animar os alumnos, na esperança de se verem glorificados um dia publicamente, em lettra redonda e excitar os professores para que desde que encontrem nos seus discipulos aptidões para o desenho e para a pintura, ou esculptura, os obriguem a destacar-se no nosso meio artistico.

Não devem portanto, os que não apparecem n'este livro, vêr da minha parte, n'esta falta, o desejo de os não notar. Não, não é assim; é que nos limites d'este volume não cabem todos, e por isso só aqui aparecem aquelles com quem mais em contacto estou e de quem mais de perto conheço as obras.

Se algum dia porém eu voltar a publicar outro volume como este, então dedicar-lhes-hei uma grande parte d'elle e alli apparecerão todos os amadores, que o mereçam, está bem de ver.

E, não me deixava eu alargar por ahi abaixo em salamalekes para os amadores da pintura, sem me lembrar, quasi, que tinha que dedicar estas paginas a uma senhora?

Queira V. Ex.a desculpar, minha senhora, e entremos no nosso assumpto.


―Como foi que eu conheci pessoalmente esta senhora, que de ha muito conhecia de nome?

Vou explical-o.

Ás noutes reuno-me muitas vezes com o velho amigo Julio Costa e discutimos muitos e variados casos. Entre essas conversas muitas vezes nos entretemos a fallar de Arte. [121] N'uma d'essas occasiões, discutindo aptidões de alumnos, Julio Costa fallou-me largamente d'esta sua discipula, que mostrava uma disposição especial definida para a pintura.

Era, não uma d'estas senhoras, que se prendeu em simples bibelotagem d'Arte, mas, que, uma vez dada a estudar, queria ir para deante.

Julio Costa afeiçoou-se a esta discipula e dedica-lhe uma especial estima.

Uma noute, depois d'uma d'essas conversas muito vulgares entre nós, disse-me Julio Costa:―Você sabe, Lemos, fallei em si e na conversa d'hontem á minha discipula de Mattosinhos e manifestei-lhe o desejo que você tinha de visitar o seu pequenino atelier.

―E ella que disse?

―Que poderia ir quando quizesse, que bastava eu ter-lhe dito que tinha vontade que você visse os seus trabalhos, para immediatamente consentir; que eu, como professor, não lhe teria fallado n'ella, se não visse que ella tinha qualquer pequena coisa que merece apenas só vêr-se. E, confessava-me o Julio Costa: dizia isto tão cheia de modestia tão encantadoramente, que você deve lá ir e muito breve.

―Pois vou lá no domingo. E fui. Era meio dia, quando me apeei do electrico, na alameda de Mattosinhos, mesmo á porta da caza onde mora D. Margarida Ramalho.

A caza, com um doce aspecto de frescura, fica alcandorada um pouco acima do nivel da estrada, circundada por um jardimsito bem tractado e onde se ostentam bellas flores.

Das janellas desfructa-se o rio Leça, que indolentemente se espreguiça, n'um dulce far niente, até desaguar lá ao longe no mar, em Leixões. E, quasi em frente das janellas, na alameda, entre a frondosa ramaria das arvores, a figura de Passos Manuel impassivel e serena, n'uma atitude de resignado ante a aluvião de zangãos, que por este tempo de verão se encarregam de zumbir de volta d'elle, como os Passos d'hoje zumbem em volta da sua Memoria.

Perdoe-me a gentil senhora, mas ao apear-me do electrico e ao olhar para aquella figura, fiz estas mesmas considerações.

Pois bem, logo que cheguei subi ao jardim e bati docemente á porta. Veio abrir-m'a uma creadita loura, d'um louro acastanhado.

[122] Perguntei se D. Margarida estava e entreguei o meu cartão de visita.

Voltou dentro em pouco dizendo que sim, que podia passar á sala. Entrei. D. Margarida não se fez esperar. É uma senhora nova, baixinha, magrinha e muito loira, interessante como um lindo biscuit. Recebeu-me o mais amavelmente possivel. Peço-lhe desculpa do meu atrevimento mas o Julio Costa tinha me fallado d'ella com tanto interesse, que tinha immediatamente feito nascer no meu espirito de admirador do bello, procurar ensejo de ir ver os seus deliciosos quadros.

Castanheira―D. Margarida Ramalho
Castanheira―d. margarida
ramalho

Eram favores, do seu professor, dizia ella. Mas já que tinha vindo então sempre ia mostrar-me os seus trabalhos.

Entrei no atelier, um recantosinho alegre onde ella estuda os seus assumptos e onde os põe em execução, depois de ter em pleno ar livre, feito os esquissos e os precizos estudos.

É no atelier que ella tem os seus melhores trabalhos, pousados artisticamente pelas paredes, todos elles com magnificas qualidades de côr.

Aqui, é um quadro representando uma rapariga á porta d'uma taverna, com uma assadeira de castanhas, n'um taboleiro, castanhas já assadas, e n'um cesto ao lado maçãs. No fogareiro da assadeira ainda restos de lume. A rapariga, d'uns doze annos, olhos azues, cabello louro, poderiamos dizer dourado. Uma expressão dolente, um ar pensativo e triste, talvez, quem sabe? com receio de que não appareçam freguezes e ella tenha que levar tudo aquillo para casa, sem ter apurado vintem. Por detraz d'ella, vê-se uma grande pipa já vazia, no fundo escuro. É um quadro bem tratado, cheio de um intimo sentimento. Alli, uma Cabeça de velho, de barba branca amarellada e chapeu largo, é verdadeiramente interessante, feito [123] com proficiencia, destaca deliciosamente da tela, e sente-se, que se a aragem passasse um pouco forte, aquella barba ondularia fluente e suave. Mais alem, n'uma boa e sã frescura, de moça sadia, uma Rapariga de Villar d'Andorinho, com o seu typico chapeu de maçanetas pretas, irradia vida e côr.

Cabeça de velho―D. Margarida Ramalho
Cabeça de velho
d. margarida ramalho

Outros mais ainda, mas como nota final d'este recinto, um delicioso quadro que intitularei Volta da fonte. Uma rapariga muito esguia e muito fina desce uma rampa trazendo ao hombro um cantaro cheio de agua e isto por um sentimental fim de tarde.

Em todos estes trabalhos se denota uma perfeita orientação, um serio estudo. Vê-se que D. Margarida Ramalho não é uma amadora vulgar, que se atira inconscientemente a executar a pintura, sem primeiro a ter estudado conscienciosamente. Alli ha valores, tonalidades, tons e meios tons, perspectiva, desenho, arte emfim.

Saí do lindo atelier depois de demorada vizita, e de agradavel conversa por onde pude concluir que havia já 7 annos que estudava. Subindo a escada, no patamar encontram-se os seus primeiros estudos em dezenho, dos quaes destacarei como mais notaveis um Perfil de Mulher e uma Cabeça de expressão, de guerreiro. A todos esses trabalhos liga esta amadora uma especial predileção. A convite da illustre amadora entrei depois no seu boudoir, cheio do mais profundo respeito. Este quarto, mobilado com simplicidade, mas fino gosto, mereceu a minha attenção porque as suas paredes são decoradas delicadamente pela sua habitante.

N'um enlevado sentimento de amor pela Arte, D. Margarida Ramalho, entendeu e muito bem, que no seu quarto de dormir ella devia reunir e patentear aos seus olhos alguma coiza que saindo do seu esforço artistico constantemente lhe [124] desse um doce effluvio emotivo e agradavel, e então traçou em largos panneaux, com os seus finos pinceis, deliciosas artemizias e frescas e orvalhadas rozas. Um verdadeiro encanto. Ao tecto deu o collorido azul duma suave atmosphera, como um vago sonhar do ceu. E sobre a cabeceira do seu leito pintou uma linda composição d'aquellas bellas flores―bons dias e boas noites, dentre as quaes pende um formozo Christo de marfim.

Quando o quarto estava completamente pintado, D. Margarida pediu ao seu professor que lhe pintasse alli qual couza que podesse, dizia ella, dar um ar de grandeza áquellas pobres flores. E Julio Costa, querendo ser agradavel á sua discipula porque vê n'ella uma verdadeira fanatica da Arte, e muito e muito a estima, pintou então n'um vão escuro da janella, um Fim de tarde. Numa larga planicie arida e muito extensa, lá ao fundo, o sol cae, e ao esconder-se deixa um tom alaranjado, donde saem fortes e espalhados raios dum vermelho intenso.

E D. Margarida conta-nos tudo isto timidamente. Porque ella é uma timida. Tem um grande respeito pela Arte e esse respeito cria-lhe uma indiscriptivel duvida sobre o seu poder executante d'obras de largo folego.

Fallei-lhe de trabalhos que conhecia de varios pintores e ella, como que se alterava, quando eu lhe dizia, que a achava com forças de tentar obras assim, e só me respondia: Está enganado, eu sei lá fazer tanto!... E apesar disso os seus trabalhos demonstram bem o contrario.

É vulgar, segundo me diz o Julio Costa, ao apresentar-lhe um assumpto para tractar, ella dizer-lhe: Eu não faço isso, porque é muito difficil, muito difficil. Depois, principia a desenhar cheia dum grande escrupulo, sempre com medo de errar, chegando ao fim e tendo executado o desenho e depois a pintura em equilibrio muito estimavel e mesmo muito notavel.

E ella faz isto tudo, porque admira intimamente a Arte e é uma doce adoradora do Bello.

Não se atreve ao mais difficil, sem consideração, sem respeito, treme ante o mais modesto e o mais singelo trabalho, e por isso consegue ser notavel entre os amadores de pintura.

Tinha feito a minha agradavel vizita e ia despedir-me, [125] quando ao passar pela sala de visitas notei um bello piano. Atrevi mais uma pergunta:―Era ella tambem a amadora?... Era, e executando com talento. Rogada então para se fazer ouvir, descerrou o piano, passou suavemente os dedos pelo teclado e soltou lá de dentro um primoroso Nocturno de Chopin, que me deixou no espirito a nota viva do seu grande amor á Musica. D. Margarida é uma virtuose doublé de pianista e pintora.

Disse-lhe adeus, e ao saír para tomar o electrico que me trouxesse ao Porto, abençoava o Julio Costa, que tinha conseguido que eu passasse duas horas deliciosamente.

Impressão de Paris―Candido da Cunha
Impressão de Paris―candido da cunha





XVIII

Novos quadros de ARTUR LOUREIRO


I

no seu atelier do palacio de crystal


Os quadros que n'este momento se acham expostos no atelier do delicado artista Arthur Loureiro, devem ser vistos com attenção, porque esses trabalhos fazem resaltar rapidamente todo o segredo emotivo. Não são como certos quadros que precisam para serem comprehendidos uma intuição especial e definida.

Arthur Loureiro
Arthur Loureiro

Não, nas telas de Loureiro logo nos resalta clara e ridente a verdade, tendo o grandioso merito de se incutirem no nosso espirito pelo espectaculo de linhas e de côres harmoniosas, de leves sensações, lembranças e sonhos que se misturam pouco a pouco com o prazer da impressão visual.

Arthur Loureiro, inegavelmente, é um grande artista, e embora alguem não goste d'isso, é d'aquelles que aferrado ao seu trabalho lucta lealmente, sinceramente, na ideia firme e correcta de mostrar que sabe e que tem fundos recursos para grandes e luminosos emprehendimentos.

Loureiro, embora o julguem um triste, um melancholico, [128] não é d'aquelles que preferem o aroma resinoso dos bosques e o perfume das flores, na doçura d'um crepusculo, na hora em que a nossa alma sobe tristemente ás regiões do ideal, e que os objectos se descoram e a paisagem toma uma attitude recolhida e quieta!... Não, elle verdadeiro filho do norte, onde as raparigas, vermelhas como romãs e os rapazes, valentes como heroes, cantam poemas sublimes de amor e de luz, n'uma musica altisonante e harmoniosamente alegre, elle, ama mais o grande sol de luz intensa e forte e o sussuro que nos dá a nitida impressão da vida e do trabalho.

E tudo isso se vê nos seus quadros, n'esses cincoenta trabalhos expostos, que são, como já o disse um meu collega da imprensa, como que provas definidas para um concurso de Arte. Com aquelles documentos, Loureiro affirma que em todos os generos de pintura é um mestre. No retrato, na paisagem, na marinha, no estudo d'animaes, no genero decorativo, em todos elles o nosso artista se nos apresenta verdadeiramente grande. E senão, á vol d'oiseau, rapidamente, vejamos: Os tigres que anatomia e que correcção; como se desenha tão nitida e tão visivelmente o traço de todo aquelle animal n'uma postura molle de traição e de força. Como vemos através d'aquelle olhar felino e do aveludado da sua garra, a indole perversa que d'elle se acolhe. E com que verdade estão tractados aquelles olhos brilhantes e magoadores, d'um outro, que por traz do que está no primeiro plano, parecem fitar o espectador, na esperança de filal-o, n'um salto rapido e traiçoeiro. É inegavelmente um d'estes trabalhos que só por si fazem o nome laureado a um artista.

Estudo decorativo. Simplesmente soberbo e encantador. Entre flores, envolvendo-se n'um veu de gaze transparente e lucido, sae como uma deslumbrante rosa, toda viço e frescura, uma linda creança, encantadora e meiga como um anjo, tendo na mão uma haste de flores-saudades. N'um fundo rutilante de luz, como na aureola ridente d'uma fresca manhã de Agosto, destaca essa linda figura. E como foi desenhada e como foi executada. Alma de poeta, d'esses poetas que cantam as manhãs claras do sol e os rostos lindos das raparigas, foi a que concebeu aquelle quadro e que o executou. Nada mais...

O retrato do Chico Anthero.―Perdão, doutor, tratal-o assim, mas, francamente, quando olhei para o seu retrato não [129] pude respeital-o e pedi-lhe que contasse uma d'aquellas suas historietas. Não contou, mas é tal a semelhança, tal a expressão, tão seu aquelle modo e tão psychologicamente estudado aquelle quadro que me pareceu mesmo ouvil-o a larachear e a rir.

Retrato de Sá d'Albergaria―Pintado por Arthur Loureiro
Retrato de Sá d'Albergaria―Pintado por
arthur loureiro

É um primor de execução, é um assombro de correcção.

Retrato do dr. Julio de Mattos.―Bello trabalho feito na largueza subtil d'um quadro d'arte, não com a preoccupação d'um retrato para galeria de definidores da ordem terceira, mas um retrato intimo, que temos no nosso gabinete de trabalho, ou no nosso quarto, retrato para nós, para consolo da nossa alma e dos nossos. Tal é o retrato do dr. Julio de Mattos, que incompleto como está, já mostra que ha-de ser um quadro tão bello, tão bem feito como o do Chico Anthero.

O retrato do dr. Magalhães de Lemos tambem é um bello trabalho.

[130] Ha mais dois retratos de senhora, dois estudos, como Loureiro lhe chamou, mas que são dous primores. Loureiro adoptou para os seus retratos uma fórma e um tamanho especial o que lhe dá uma gracilidade gentil e meiga, deixem-me assim dizer.

Em quanto á Paisagem muito teria que dizer se podesse alargar este artigo, mas como me não é possivel n'este momento, limito-me a fallar dos seguintes quadros:

Rua do Meio.―Da vulgaridade d'uma rua, com casas de um lado e d'outro, e uma egreja no primeiro plano, teve Loureiro a habilidade de fazer um dos seus para mim mais interessantes quadros.―E porque? perguntará o leitor. Outro qualquer o faria...―Mas não fazia. Para isso é preciso saber-se vêr e vêr muito bem, conhecer mil pequenas cousas e transplantal-as para a tela com uma especial pericia e arte... d'onde se conclue que aquella rua não é como não é uma coisa chata, sem relevo. Aquella rua é um quadro e dos mais interessantes.

Montanhas da Galliza, Corgo, Monte de Santa Tecla, Alto de Santo Antonio, Barra de Caminha. Tudo isto são retalhos sublimes da natureza, que Loureiro transplantou á tela com uma verdade flagrante e uma technica segura.

Fecho por aqui este meu despretencioso artigo fazendo apenas uma leve consideração. Ha no nosso Muzeu quadros de quasi todos os pintores portuenses, mas não vimos ainda lá nenhum de Arthur Loureiro. Agora, como nunca ha occasião para que a Camara do Porto, que parece se interessa um pouco pelas cousas d'Arte da nossa terra, compre um quadro a Loureiro para o Muzeu Municipal.

E porque não ha-de fazel-o!?... Tem este artista dois quadros que estão a pedir transplantação para logar, onde todos os possam apreciar condignamente e são: os Tigres ou Por montes e vales.

Cumpre á camara do Porto este dever de gratidão para com o artista distincto, que após 20 annos de ausencia, volta a Portugal cheio de Arte a glorificar-nos com os seus trabalhos.




II

ARTHUR LOUREIRO e os seus discipulos


Nada ha que mais me enthusiasme e me anime, do que saber que ainda ha, quem, dentro da esphera da Arte, tenha iniciativas e emprehendimentos de coisas uteis e aproveitaveis, sem mira a vanglorias ou a fabulosos lucros, unica e exclusivamente pela Arte.

Ha annos, todo eu me enthusiasmei, quando meia duzia de artistas, homens de lettras e amadores, tentaram crear no Porto uma sociedade de Arte, que infelizmente, como todas as coisas uteis, cahiu ao tentar elevar-se; digo mais, morreu de morte affrontosa ao nascer.

Depois, perante a iniciativa do Instituto de Estudos e Conferencias, que parecia vir dar a nota correcta de que as exposições d'Arte seriam verdadeiros concursos de trabalhos definidos de artistas, tambem me enthusiasmei, porque imaginei que, com os elementos de que elle dispunha poderia fazer muito melhor do que o que tem feito, se bem que tenha feito alguma coisa.

Apparece depois um sr. Magalhães, que não conheço, em communicados nas gazetas, a dizer verdades amargas a respeito do Palacio de Crystal e a reclamar para aquellas duas alas lateraes, que foram em tempo bazares, escólas de pintura, de lavores femininos, etc., emfim, reclamando o aproveitamento d'aqnelles dois esplendidos atelieres em alguma coisa de util para a Arte... Mas, infelizmente as verdades que o sr. Magalhães dizia, ficaram perdidas como perolas em chiqueiro de porcos, porque a gerencia do Palacio de Crystal achou mais util tel-os assim vasios, do que aproveitados em qualquer coisa... Assim, podia em noites de spleen, passear n'ellas, como a sombra do Hamlet, sem tropeçar em qualquer [132] coisa que tornasse o Palacio interessante ao publico, mais do que os macacos e o sr. Vieira da Cruz!... E essa idéa, como era boa, morreu, n'um significativo desprezo por parte dos interessados no rejuvenescimento do Palacio de Crystal.

Veio por fim Arthur Loureiro, esse laureado artista que todos nós conhecemos, pelo seu talento, e lança a idéa de uma escóla d'Arte, tal como ellas são no estrangeiro. Lucta com mil difficuldades ao principio para poder realisar o seu plano, e eu ao saber do seu emprehendimento todo me enthusiasmo um momento, para pensar logo em seguida que a sua idéia ha-de morrer, como morreram todas as outras. Mas, tal não succede; Arthur Loureiro se no fundo é um bom portuguez e um genuino portuense, vem saturado d'essa convivencia de vinte annos com os inglezes, gente que tem tanto de aventureiros como de previdentes. Debaixo d'essa esplendida orientação Loureiro cria a sua escola de pintura para senhoras e não desanima, confiado em que querer é poder.

Retrato do dr. Francisco Anthero―Arthur Loureiro
Retrato do dr.
Francisco Anthero
arthur loureiro

E hoje é elle o unico artista que, no nosso meio, realisa este grande melhoramento, em prol da Arte: ter uma escola onde vão os seus discipulos, n'uma confraternisação artistica, tomar as sábias lições que elle lhes dá com a sua proficiencia e saber.

E, com que arte, e com que cuidado, elle soube transformar uma sala fria e desconfortavel n'um atelier, que se não é um especimen, é no entanto um delicado recinto onde o gosto decorativo do artista se casa perfeitamente com a severidade das paredes, onde pousam como scintilantes fulgurações de genio, trabalhos, estudos e composições do professor, de mistura com gessos de estudo.

Fui ha dias ao atelier-escola, precisamente no momento em que terminavam as lições e as alumnas, fulgurantes de mocidade e alegria, saiam n'um chilrear que encantava. [133] Os cavalletes, espalhados pelo atelier, eram como sentinellas que ficavam guardando os logares das discipulas. Passei-os em revista, cheio de curiosidade e de interesse em notar n'aquelles esboços as disposições de quem os tinha executado. Aqui, desenho dos principiantes, de diversos objectos, taes como garrafas, jarros, pucaros, etc., e onde elles, emquanto desenham, vão tendo noções do que é a perspectiva pratica.

Mais além, estudos de fructas e flores, e entre esses os d'uma discipula que compõe e applica aos tecidos as flores e os fructos que desenha e que pinta do natural.

Outros, desenhos de gessos das differentes escolas, grega, romana e renascença... Mais além, cópias flagrantes a oleo, dos modelos vivos e dos costumes populares portuguezes.

Uma verdadeira escola, methodica e definida, onde os alumnos não copiam os seus trabalhos de modelos que veem de França ou da Allemanha ás grosas, mas sim do natural; estudando desde as mais rudimentares noções de traços e linhas, até aos intrincados problemas da perspectiva, sós por si, apenas com as indicações do professor.

São tambem para notar as pastas carregadas de estudos que os discipulos executam em casa, após as lições, e que são documentos irrefutaveis do bom aproveitamento d'este systema de ensinar o desenho e a pintura.

Entre os discipulos de Loureiro, ha um que se torna notavel, porque com 48 lições apenas, uma cada semana, tem feito maravilhosos progressos. D'este discipulo, já eu tive occasião de fallar, quando em tempo dediquei duas linhas a uma exposição que Loureiro fez e em que appareceram alguns estudos d'elle.

Ha tempos, porém, quando visitei o atelier-escola, tive uma boa occasião de vêr de novo trabalhos seus feitos alli: uma bella copia a oleo do gesso, correcta de execução e de desenho e mais uns trabalhos que elle fizera fóra da escola, em passeio d'Arte pelo campo e pela praia. Havia uma marinha bem tocada, e uma paisagem delicadamente pintada e superiormente estudada e desenhada, não fallando n'um interessante quadro de camelias, que me encantou. Talvez porque eu gosto muito de flores, e aquellas estavam tão frescas, que me fizeram uma magnifica impressão.

É elle o sr. Manuel Lucio um dos amadores que, se continuar assim, mais brilhantemente poderá affirmar o que se [134] tem dito de Loureiro: que se é grande como artista, não o é menos como professor.

Mas, voltemos á escola. Tem ella sobre todos os outros atelieres a grande vantagem de estar installada nos jardins do Palacio. Quando a primavera, ridente, enche aquelle recinto de flores e de sol, cá para fóra, para o ar livre, vem os discipulos, e, ou recolhem nas suas telas as flores lindas e frescas e os pontos de vista deliciosos que d'alli se disfrutam, ou estudam e pintam pequeninos recantos do jardim variados e bellos. E tudo isto realisa Arthur Loureiro, não sem largas e complicadas difficuldades, que felizmente elle vê cobertas de bom resultado, se bem que com pouco interesse.

Ao vir-me embora depois de ter dado os meus parabens sinceros ao professor pela sua iniciativa, pensava em como aquelle bello recinto do Palacio de Crystal poderia ser aproveitado para tanta, tanta coisa util, em vez de jazer ignominiosamente alli, mudo e sinistro como um crime.

E que tudo isso se poderia fazer se quem o dirige, visse mais alguma coisa do que umas reles exposições de flores e aves e do que umas festarolas de arraial com musica do Zé da Gaita e fogo d'artificio do Devezas!...


Tigres―Arthur Loureiro1
Tigres―arthur loureiro






III

ARTHUR LOUREIRO e a Academia de Bellas-Artes


Ha tempos n'uns bem elaborados artigos da Voz Publica, alguem, que eu não sei quem é, veio apresentar a ideia de que Arthur Loureiro deveria ser professor da nossa Academia de Bellas-Artes.

Achei tão acceitavel e tão util para a Academia essa ideia, que n'este momento em que me tenho de occupar da sua exposição de quadros, entendi dever acompanhar na sua propaganda quem tão desinteressadamente a apresentou. Não é que eu venha a campo combater afincadamente em favor d'este artista, não, venho só como mero espectador do grande palco da vida applaudir quem soube apresentar a ideia.

Arthur Loureiro foi um dos mais distinctos discipulos das nossas academias de Bellas Artes e tem a sua folha de bom profissional, resplandecendo de brilho e cheio de gloria immoredoira.

Não foi no seu paiz natal que elle se completou em arte, foi no estrangeiro, nas grandes terras onde ser-se pintor não é uma mera galanteria de gente fina; foi nas terras onde se faz da Pintura alguma coisa mais pratica e mais definida do que entre nós.

Voltou tarde á patria, vinte annos passados sobre o seu curso. Quer isto dizer, que elle vem mais senhor do metier do que aquelles que meramente se demoram lá por fóra uns tres ou quatro annos. É certo que muitos que estudaram no estrangeiro nem sempre ao voltar veem mais vigorosos e mais trabalhadores do que quando partiram. Mas elle não.

Arthur Loureiro, foi unicamente para trabalhar e affirmam-no exuberantemente os cargos que por lá occupou distinctamente, taes como:―examinador das classes de Arte [136] da National Gallery of Victoria, e director e professor de 1.ª classe dos cursos de Dezenho e Pintura do Presbiteriam Ladier College em Melbourne, na Australia.

Só no mundo―Quadro de Arthur Loureiro
Só no mundo―Quadro de
arthur loureiro

Ora estes cargos dados a um estrangeiro, a um portuguez, o que affirmam é o que o seu nome era ali conhecido e que estava á altura de occupar esses logares com toda a hombridade e todo o saber.

Mas ha mais, quando terminou o seu curso em Portugal foi classificado para pensonista em Paris, onde fez uma larga e profunda aprendizagem d'arte.

Concorreu a muitas e variadas exposições, onde os seus quadros foram sempre apreciados como mereciam. Entre esses deveremos notar como primordiaes a Exposição Religiosa da Belgica onde o seu quadro, A Visão de Santo Stanislau de Kastka, foi acolhido com enthusiasmo por toda a critica, e muito especial referencia mereceu ao celebre critico religioso, l'Albé Moeller. E ainda em Londres, onde concorreu, a convite, á Greater Britian Exibition, em 1899 e foi recompensado com diploma d'honra e medalha de ouro. Ha pouco foi elle eleito Academico de Merito da Academia da Victoria, em Melbourne.

Vê-se bem claro, por tudo isto, que Arthur Loureiro era considerado e muito, lá fóra, como um verdadeiro artista que é.

[137] Estou d'aqui a vêr a balburdia que vae no nosso meio artistico por estas minhas despretenciosas notas, mas não são ellas mais do que o desejo de provar que o homem está á altura de occupar um logar de professor na nossa Academia.

Porque estou bem certo de que elle, chamado a dar provas publicas do seu saber artistico, ellas serão convincentes.

Se elle é um grande artista, não é menos um grande trabalhador, incansavel; trabalhando, quer em quadros para expôr e vender, quer dando lições áquelles que desejam bem conhecer a arte de pintar, no seu atelier, no Palacio de Crystal Portuense. N'esse mesmo atelier já por varias vezes tive o prazer de visitar exposições organisadas por elle.

Ali me mostrou elle que embora longe de nós por tanto tempo, não se deshabituara das côres e da luz da nossa boa terra. Não veiu inebriado com o nebulozo da Escocia, com o cinzento da França, nem com o vermelho violaceo da Italia.

Veiu isento de escolas, preoccupando-se só com o que via na natureza tal qual ella se apresentava, vibrante de luz se o sol espadanava rutilantemente no espaço, nebuloso e triste, se a nevoa cobria a atmosphera e a paisagem que pintava.

Era como que o executor da verdade tal como ella deve ser. Era, emfim, um paisagista perfeito e definidamente portuguez.

Pois bem, todos ahi viram as suas recentes exposições, e que eu saiba, ainda ninguem amesquinhou o seu muito merecimento; pelo contrario todos foram á uma a dizer que elle tinha valor. A critica, que deve ser sincera e justa, não teve por onde o atacar, nem veiu dizer d'elle senão que era bom, por isso a sua entrada como professor de paisagem na Academia de Bellas Artes, do Porto, deveria ser acolhida por todos os professores e alumnos com enthusiasmo, se bem que a nossa Academia não seja para largas manifestações.

Mas deixemos agora o artista para fallarmos da sua ultima exposição.


No atelier de Arthur Loureiro, ha um não sei que de conforto que nos prende. Sob a sua direcção tem-se transformado aquella fria sala n'um bellissimo gabinete, onde se podem passar horas e horas admiravelmente bem. Decorado com simplicidade, mas com um especial cachet de galanteria os seus quadros destacam alli maravilhosamente.

[138] Vou fallar delles, como sei, ou como entendo.

Como nota primordial destacarei o grande quadro, cujo titulo é De aldeia em aldeia e que inspirou ao bello poeta M. Ricca, esta quadra:


Sob a cruz pesada e feia
Da miseria que a consomme
Corre d'aldeia em aldeia,
Na Via-sacra da fome.


De aldeia em aldeia―Arthur Loureiro
De aldeia em aldeia―arthur loureiro


É um soberbo trabalho, desenhado com cuidado e pintado com amor. Uma velhita andrajosa atravessa um trecho de paisagem, por um caminho encharcado. Que correcção e que luz, verdadeira obra prima que um grande mestre não se envergonhará de assignar.

No pinhal. É um delicioso estudo de pinheiros, graceis e altos com a sua coma dum verde foncé, que parece sussurrar com a aragem que passa.

Mar agitado. Agua deliciosamente tratada e transparecendo atravez d'ella a penedia que ella cobre. Luz deliciosa de grande ar.

Vaga quebrada. É um pequeno quadro em que uma vaga se espadana como champanhe de encontro a um rochedo. Com que vigor está pintada essa molle de agua, que n'um desdobrar vertiginoso e bravo encontra um obstaculo e se desfaz para o ar, como n'um grito de desespero!

[139] Retrato de G. Nogueira. Este retrato é um primor de parecença e de trabalho. Loureiro poz n'elle um cuidado especial e amigo; é uma obra prima.

Nevogilde. Um trecho de paisagem portuense, muito sentida, muito nossa.

Padeira de Avintes. É um delicioso estudo dos nossos costumes populares. Modelo gracil e airoso como são todas as nossas lavradeiras, correctamente desenhado, primorosamente pintado.

Barcos. Um quadrito interessante, onde ha dois barcos que parece boiarem docemente nas aguas mansas do rio, sob um ceu suave d'um azul transparente e bom.

Mais outros quadros ainda, todos elles confeccionados com mestria; alguns estudos de desenho, cabeças rigorosamente estudadas nos seus claros-escuros.

E esta exposição não está a abarrotar de exemplares, mas toda ella comporta coisas lindas e boas.

Ao sahir d'ali, vem-se sob a impressão sincera de que tudo aquillo é nosso, e muito nosso.

Vem-se tão bem disposto, que se fica com o desejo de lá voltar muitas mais vezes.

Paisagem―Arthur Loureiro
Paisagem―arthur loureiro





Flora―Quadro de Arthur Loureiro
Flora―Quadro de arthur loureiro





IV

Mais uma visita ao Atelier de ARTHUR LOUREIRO


Eu já disse algures que Arthur Loureiro era um poeta na pintura e hoje o repito aqui, no desprendimento sincero de quem o admira pelo seu talento. Os seus quadros são bucolicas de côr e de luz. Ha-os que são como deliciosos sonetos camoneanos. Ha-os que são verdadeiros poemas. As pequenas telas veridicamente portuguezas, com a sua côr e a sua luz d'aldeia, são como cantigas de namorados entre os rumorejos do trabalho campestre.

Arthur Loureiro, talvez, porque viveu muito tempo longe da sua patria, ao voltar, como que tentou, n'um largo sentimento de amor patrio, desforrar-se d'aqui não ter vivido sempre. E n'uma subtileza ideal desenhou e pintou a grande alma portugueza, desde a Torre dos Clerigos, até ao mais escondido recanto do Minho. A sua obra é como que o grito sentido do filho prodigo que volta ao fim de muito tempo á casa paterna. E que foi elle senão um filho prodigo da Arte, que andou por terras estranhas a expandir o seu talento em grandes manifestações, e que ao voltar, um pouco abatido da grande lucta, nos mostrou que, se alguem o julgava já um estrangeiro, a sua alma pulsava no mais sublime enthusiasmo por tudo o que é nosso, por tudo o que era portuguez, desde as suas paisagens até aos seus homens.

E agora mais uma vez fallemos dos seus quadros, e dos do seu discipulo.

Antes porém de entrar na enumeração dos seus trabalhos ahi vae uma opinião.

Na occasião em que eu visitava a exposição entravam ali um grande pintor portuguez (Souza Pinto), um grande actor portuguez (Augusto Rosa), e um grande actor francez [142] (Coquelin Ainé). Pois estes três cavalheiros insuspeitos para todos, depois de larga apreciação aos trabalhos expostos, quedaram-se em frente d'um quadro que ha muito está no atelier A Primavera, e Souza Pinto, esse artista cujo nome resôa no estrangeiro como um clarim de gloria nacional na arte de pintura, disse que se admirava que aquelle quadro ainda não tivesse sido adquirido para o muzeu nacional como um especimen de boa pintura e de soberbo desenho.

Tambem eu teria soltado o meu brado de admiração, se não soubesse que o Estado e as Camaras não teem dinheiro para essas cousas, e só o teem para festejos balofos, para comesainas opiparas

Pinheiros―Arthur Loureiro
Pinheiros
arthur loureiro

e para bolos rendosos aos afilhados; para mais nada. A galeria nacional de pintura no Porto é talvez mais parca do que a do mais pequeno amador. É uma vergonha!!...

Adeante, que vamos gastando muito tempo com considerações philosophicas.

Pois os quadros expostos de Loureiro, são 17 novos e uns 8 já vistos.

Dos antigos nada direi senão que são soberbos, dos modernos, d'esses alguma coisa mais escreverei. Entre todos ha um que me encanta profundamente. É O Pinhal!... Um dia ouvi dizer a alguem que o pinheiral era um motivo que não dava nada na pintura, pela sua fórma, pela sua côr e pela sua uniformidade. N'essa occasião, não me quiz manifestar, eu não sou pintor e não queria cahir em erro deante de quem tinha obrigação de conhecer o assumpto melhor do que eu, mas, cá para mim mantinha a minha opinião formada; o pinheiro presta-se á pintura, a questão é sabel-o desenhar e pintar. E Loureiro com o seu quadro Pinhal veiu completamente [143] preencher a minha modesta opinião. Alli, n'aquella tela esguia, sob a correcção impeccavel de desenho, erguem-se uns pinheiros, que parecem balançar sob a pressão do vento que passa assobiando na sua ramaria.

A Feira Nova―É uma delicada pochade verdadeiramente caracteristica do que são as nossas feiras no Minho, sob barracas de lona branca, que se prendem aos troncos das arvores, com o borborinho de centos de lavradores e lavradeiras, acotovelando-se na furia de serem os primeiros a vêr o que ha alli para vender.

A Carvalheira―Uma larga arvore de folhas amarellecidas que começam a cahir sob o ventinho frio do inverno; é deliciosamente estudada.

E a Desfolhada, e a Estrada do Gerez (sob a chuva), as Alminhas e o Caminho de Besteiros―e todos elles, emfim, como são tão verdadeiramente nossos, tão sentidamente portuguezes, verdadeiramente minhotos, nos seus verdes inconfundiveis, na sua luz inimitavel.

Entre as tres cabeças de estudo, ha duas de uma velha, que são um encanto. Traçadas na meticulosidade de pormenores, são feitas largamente com pulso de quem é um verdadeiro artista.

Além dos trabalhos do mestre, que são como sempre magnificos, tomando uma das paredes do atelier, estão os trabalhos do discipulo, do snr. Manoel Maria Lucio Junior, que ha unicamente um anno, estuda com Loureiro, desenho e pintura.

Aos meus collegas da imprensa, como que tem passado despercebido o trabalho d'este amador, que entra agora no nosso meio artistico. Ora eu, que inegavelmente sou o mais incompetente dos apreciadores dos quadros, sempre lhe quero dispensar duas linhas.

Manuel Lucio é um rapaz da nossa fina sociedade, que todos nós conhecemos como sendo um dos elegantes da nossa terra.

Durante muito tempo julguei-o um bon vivant, dedicando unicamente o seu espirito ao talho d'um veston ou ao feitio de uma gravata. Um dia, porém, entrando a visitar Loureiro no seu atelier-escóla encontrei lá este cavalheiro dando lição de desenho. Acabada a aula, Loureiro mostrou-me trabalhos de varios discipulos e abrindo uma arca artistica que [144] elle ali tem, tirou de dentro varios desenhos e disse-me:―são feitos pelo Lucio, é um rapaz de habilidade.―E de facto os desenhos que elle apresentou, revelavam uma certa disposição para a Arte.

D. Adelia Ramos : Discipula de Arthur Loureiro
D. Adelia Ramos
Discipula de
Arthur Loureiro

Passaram-se tempos, o mestre foi para fóra e ao voltar encontrou-se em frente d'um discipulo que lhe dá honra, porque Manuel Lucio, dotado d'uma vontade de ferro em conhecer o methodo de desenho e de pintura tem trabalhado denodadamente e tem conseguido com isso e com as bellas indicações do professor o que muitos com idas ao estrangeiro não tem conseguido.

Quatorze são os trabalhos expostos por este intelligente discipulo de Loureiro. Cinco trabalhos a oleo, cinco pasteis e quatro desenhos a lapis.

Entre os desenhos notarei O Contador, que é uma prova irrefutavel do modo como elle interpretou as noções de perspectiva indicadas; na pintura a oleo notarei os Cravos e um retalho de paisagem, onde as côres e os tons estão bem achados, resaltando os planos da chateza vulgar, propria dos estudos de amadores.

Aonde porém eu admiro a disposição artistica de Manuel Lucio é nos pasteis, especialisando uns Effeitos d'agua, um Poente e um Ceus nublados.

Innegavelmente o discipulo dá honra ao mestre e o mestre deve estar orgulhoso por ter achado, quem tão bem tenha sabido comprehendel-o e tão sabiamente aproveite as suas indicações. E recebam os dous, mestre e discipulo a sincera expressão do meu applauso.


1903 a 1904.




XIX

AMADORES PORTUENSES


MANUEL MARIA LUCIO JUNIOR

Discipulo de ARTHUR LOUREIRO


O Arthur Loureiro é um velho rapaz, pintor d'alma e

Manuel Lucio no Atelier de Arthur Loureiro
manuel lucio no Atelier de arthur loureiro

coração, trabalhador infatigavel, cavaqueador ameno e interessante, amigo dedicado, e, acima de tudo isto, professor consciencioso e sabedor.

Ora eu, que gosto de passar bem o meu tempo, vou muitas vezes, e especialmente aos domingos, ao Palacio de Crystal, dar dous dedos de cavaco ao Arthur Loureiro, no seu delicado e interessante atelier. Appareço alli por volta da hora e meia. É quando elle acaba de dar lição ao Manuel Lucio, que, quasi sempre, quando eu entro ainda lá [146] está dentro, com a sua blouse vestida, paleta em punho, dando as ultimas pinceladas no modelo que copia.

Outro dia, copiava elle uma velha; quando entrei, estava já limpando os seus pinceis e a paleta para se ir embora.

Nas faces de Arthur Loureiro pairava um alegre sorriso de satisfação.

Que se teria passado de extraordinario para que elle estivesse tão sorridente?!... Alguma boa nova da familia ausente, ou grande bem estar na sua delicada saude?!... Talvez as duas coisas juntas!? Quem sabe?...

―Esperemos os acontecimentos, disse eu commigo, avido, no entretanto de conhecer o motivo d'aquella intima alegria. O que fôr soará, pensei, porque o Loureiro com a sua peculiar franqueza, não occulta por muito tempo o motivo que o faz estar assim satisfeito e alegre. E assim foi...

Mal o Lucio saiu, virou-se para mim e sem mais, disse-me, indicando a porta por onde saira:―É um discipulo que me ha-de dar honra, podes crer... Tem bastante disposição e é muito applicado... Ha-de dar muito se continuar assim, e se se convencer que isto de pintura não se aprende em dous dias.

Queres vêr? E sem esperar resposta levantou o tampo do seu divan-arca, saccou de lá de dentro uma pasta com desenhos e algumas pinturas a oleo, dizendo: são d'elle.

Eram de facto estudos que o Manuel Lucio tinha executado em casa, longe das vistas do professor, mas sob a orientação e as lições que o Loureiro lhe dava, proficua e sabiamente aproveitadas.

Era especialmente por isso, porque tinha encontrado, n'aquelles estudos que n'esse dia o discipulo trouxera á sua apreciação, a boa vontade, a applicação e a disposição natural de que elle era dotado, que Loureiro alegremente se sorria.

E elle tinha razão. Manuel Lucio, que eu tinha por um exterior, um balofo, quando o via passar ostentosamente, as suas sobrecasacas talhadas pelos ultimos figurinos, as suas gravatas espaventosas e ricas, onde pousavam joias caras e os seus chapeus altos sempre muito polidos e muito lustrados, não era o que eu pensava.

Olhava-nos, parecia ter um ar sobranceiro de enfant-gaté, ou, como eu costumo dizer portuguesissimamente, menino bonito, e sentia-se por elle um quer que fosse, que obrigava a pôl-o, com uma certa reserva, na devida distancia a que se [147] põem sempre os infatuados, que não valem nada e que julgam ser verdadeiras notabilidades. Era um juizo errado aquelle que eu fazia; reconheço agora que não o conhecia, e nunca lhe tinha encontrado nem podia encontrar predicados por que o admirasse. Estava de sobre-aviso a seu respeito.

Marinha―Manuel Lucio
Marinha―manuel lucio

Hoje, porém, ponho de parte essa opinião errada que d'elle fazia e isso porque tendo acompanhado com grande interesse os estudos d'esse discipulo, e o seu aproveitamento n'aquella risonha escola d'Arte, que o bom Loureiro tem no seu interessante atelier dos jardins do Palacio de Crystal, e como o reconheço digno de ser notado entre os amadores que n'este momento ha pelo Porto, vou dedicar-lhe algumas palavras de incitamento, para que não esmoreça na empreza da Arte em que o seu bom gosto e as suas disposições artisticas o metteram. Não pense, porém, Manuel Lucio que eu vou incensal-o louvaminheiramente; não, vou rapidamente em duas leves pennadas dedicar-lhe algumas palavras de elogio merecido e sincero.

Para isso, soccorro-me de alguns informes que Loureiro me deu e fallaremos os dous conjunctamente, eu pelo que tenho visto nas minhas visitas ao atelier-escola, e especialmente na ultima exposição de trabalhos de discipulos, elle pelo que tem apurado do estudo que o discipulo tem feito e de como tem recebido salutarmente as suas sabias lições. Comecemos pois.

Um dia, Arthur Loureiro que tinha aberto ao publico a sua escola de pintura para senhoras, confiado no bom gosto que ultimamente se estava desenvolvendo entre as madames para esta manifestação de Arte, viu entrar-lhe pela porta dentro este rapaz chic, que perguntava se elle quereria dar-lhe algumas lições de pintura. Loureiro immediatamente se promptificou [148] a isso, mas sob condição que elle deveria começar por onde todos devem começar, pelos rudimentos de desenho. Só n'essas condições o poderia acceitar como discipulo.

Accedeu o nosso amador immediatamente, pois farto estava elle de saber que o pouco que tinha estudado com um soi disant de nada lhe valia e logo combinaram dar breve inicio aos seus trabalhos.

Ao principiar estas lições, Manuel Lucio, vinha cheio de uma inegualavel boa vontade, um honroso desejo de vir a ser na pintura, alguma coisa mais, do que as habituaes vulgaridades, e por isso, pondo completamente de parte as noções que recebera de um insignificante professor, que d'isso só tinha o nome, pois emquanto ao resto era d'uma nullidade completa, todo elle se dedicou a estudar e a cumprir as instrucções que Arthur Loureiro lhe ia dando.

E assim, foi desenhar, desde os primeiros rudimentos até á perspectiva, e isto por longas lições, sem nunca dar mostras de cançaço ou aborrecimento, pelo contrario sempre cheio d'um grande prazer em traçar firme e rapidamente o contorno e o claro-escuro dos objectos que copiava.

E ainda hoje continua e affincadamente, desenhando todos os dias, mesmo a fóra dos esboços que fez para os seus quadros.

Depois de ter desenhado muito a lapis e a carvão, copiando gessos e modelos, entrou então no desenho a côres, (pastel) e fez a paisagem e a figura, isto tudo do natural, e fel-o com uma tal garridice e um tal desenvolvimento que os seus trabalhos mereceram os applausos, não só do seu professor, mas da critica conscienciosa e honesta de alguns entendidos.

Após isto passou a pintar a oleo, no atelier, e sob a vista e a conceituosa informação de Loureiro, lançou á tela flores que estudou em todas as suas minudencias, sem comtudo fazer dos seus trabalhos, rendilhados e lambidos quadros.

Não, Manuel Lucio, estudou as flores desenhando-as e colorindo-as depois nos tons e nos valores que ellas deviam ter.

E emquanto no atelier-escola pintava flores sob a vista do professor, lá por fora, sósinho, apenas com as sabias noções recebidas tentava a paisagem a oleo.

Eram estas algumas das que Loureiro me mostrava, e de que eu vos dou umas gravuras.

Vieram em seguida os estudos a oleo de gessos, feitos [149] com muita consciencia e extraordinaria proficiencia, e hoje estuda valentemente, como um verdadeiro amador de talento, o modelo vivo, e ainda ha pouco n'uma exposição de alumnos que Loureiro promoveu no seu atelier, elle lá estava com 19 trabalhos a oleo entre os quaes alguns havia que eram verdadeiramente maravilhosos de côr, de luz e de verdade, e 9 desenhos, provas irrefutaveis de quanto elle trabalha e do bem como trabalha.

Mas Manuel Lucio não é só um amador de pintura consciencioso, é tambem um burilador de litteratura hors ligne e um entendedor de coisas d'Arte. Deve-se á sua pessoa o prefacio do Catalogo da 1.ª Exposição de Alumnos no Atelier-Escola. N'esse prologo o nosso perfilado discorre sabiamente sobre as vantagens de desenhar perfeitamente para bem pintar. São uma serie de considerações bem feitas e profundamente estudadas, que dão a verdadeira orientação do seu modo de pensar e proceder n'este genero de sport artistico em que se metteu.

Depois, como tem muita leitura d'Arte, elle reune a um bello amador, um cavaqueador agradavel e um conhecedor cheio de saber.

Ahi fica em rapidas linhas o que eu posso dizer do discipulo de Arthur Loureiro, o bello discipulo que faz honra ao professor.


1904.


Barra, Foz do Douro―Manuel Lucio
Barra, Foz do Douro―manuel lucio





XX

UMA EXPOSIÇÃO DE QUADROS


do Instituto de Estudos e Conferencias


No louvavel intento de desenvolver a Arte de pintura entre nós, o Instituto de Estudos e Conferencias, realisou no pateo da Misericordia mais uma outra exposição. É pois d'este certamen artistico que me vou occupar n'este rapido artigo.

Sousa Pinto
Sousa Pinto

Fui lá, quando a exposição era vedada ao publico. Unicamente ali tinham entrada os socios do Instituto e os delegados da imprensa, e por isso muito á vontade me demorei por lá umas duas horas a analysar.

Só o quadro de Sousa Pinto me reteve boa parte do tempo. Que aquillo é, para mim, o que se chama o requinte da perfeição.

Não abalançarei opinião sobre tal trabalho, porque me julgo infinitamente pequeno para discutir obra tão magistral.

Sousa Pinto, tem o seu nome feito, nome glorioso que se impõe lá fóra, nos grandes centros artisticos, como o Salon, onde os seus quadros são recebidos com toda a consideração e premiados com as melhores recompensas. E a critica sabia e correcta dos grandes analystas da Arte, essa critica que é indomavel como a justiça, tem dito que elle é um grande, um superior pintor. Gloriosa coisa é por isso, para nós, podermos admirar hoje na nossa despretenciosa exposição um trabalho de tão requintada perfeição como o [152] Ferreiro de Sousa Pinto. Portanto, antes de entrar na enumeração dos trabalhos expostos, consinta a direcção do Instituto de Estudos e Conferencias que a felicite por ter, como vulgarmente se diz, mettido esta lança em Africa; porque Sousa Pinto não quer sujeitar-se á critica portugueza, e n'estas condições foge de apparecer nas nossas exposições.

Mas não nos demoremos mais, sigamos para diante, que eu vim para lhe fallar do conjuncto da Exposição, e não só de um artista.

José de Brito no seu atelier
josé de brito no seu atelier


Aberto pois o catalogo acha-se inscripto como n.º 1 o snr. Almeida e Silva, que desta vez me convence de que é um artista. Eu estava mal impressionado com elle, os seus trabalhos, talvez por muita meticulosidade de acabamento e pelo recortado das figuras e dos assumptos, tinham o quer que fosse de oleographico. Mas, n'esta exposição, elle vem mais pujante de execução, mais artista. E em qualquer dos generos em que se apresenta mostra aptidões definidas. Entre [154] esses trabalhos destacarei: O Rio Pavia no Outomno, Manhã d'Outubro, Veterano de Ormuz, Tranquillidade, Retrato do snr. D. Diogo d'Almeida (Reriz). Ha mais alguns quadros, mas esses são inferiores.

Crepusculo Matutino―Candido da Cunha
Crepusculo Matutino―candido da cunha


Segue-o José de Brito, com dous retratos a oleo de que não gosto nada. No entanto noto o Retrato de Antonio Ramos Pinto, a pastel, que é muito bem feito, e as aquarellas, que apresenta são todas bem tocadas, especialmente umas tres que são um primor de execução. As Margens do Leça, (2 quadros), Caminho de Nevogilde e Villarinha, especialmente.

Abel Cardoso, com quatro quadros, dos quaes destacarei o Tapada. Ha uma portinha vermelha a destacar na linha do muro da quinta, que dá uma nota interessante. O retrato do militar esse, meu Deus, é phantastico.

Candido da Cunha. Sempre o sentimental artista que desde sempre conheci. Tem tres quadros, qual d'elles o mais bem feito, sempre com um ar nostalgico do pôr do sol, que elle tão distinctamente pinta. O Crepusculo Matutino é um delicioso encanto.

Paisagem―Marques d'Oliveira
Paisagem―Marques d'Oliveira

D. Alice Grillo, tem tres quadros, um de Flores, outro de Rosas e fructos, e um Estudo de velha. Para mim os dous primeiros são superiores. As laranjas são bem pintadas, de bella côr e as rosas e os amores perfeitos, são lindamente tocados, d'uma grande frescura.

Marques d'Oliveira. Eis um nome que se impõe e que sempre que se apresenta nos deixa convencidos de que é um talentosissimo artista. Nos seus quadros, ha um certo quê que demonstra a technica superior d'este mestre de pintura. E embora alguns criticos queiram abocanhar o nome feito d'este artista, elle supplanta toda essa inveja, que outra cousa não [155] era o que eu ouvi dizer d'elle. Dos quadros expostos, pincelados de uma fórma correcta e distincta, destacarei o Rua de Agueda, Effeito da tarde (Agueda), Cães da Ribeira, Espinho, Effeito da tarde (Espinho), o que quer dizer que são todos.

Guardando vaccas―Eduardo Moura
Guardando vaccas―eduardo moura

D. Julia Molarinho. É pintora da nova ala que vae dando a nota do seu merecimento. Os seus quadros Cabeça de preto, Cabeça de rapaz, Poente e Pochade, são bem feitos, especialmente os dous primeiros. Tem mais quadros, que não me prenderam a attenção.

Eduardo Moura. Apresenta-se com um só quadro, se bem que pelas suas aptidões deveria ter exposto mais. É um trabalho bem feito, digno de ser admirado.

Thomaz de Moura. Com uma Cabecita de rapariga regularmente executada. Ha tambem muito de monotono no fundo, um azul indefinido.

D. Leopoldina Pinto. Tres quadros de Flores e fructos. Tem um quadro de Geranios que está bem tocado, d'uma certa frescura. Esta senhora é especialista n'esta qualidade de flores. Já n'outra exposição apresentou um quadro de geranios que era um assombro de perfeição. Os crysanthemos esses não são bons. No quadro Fructos, ha umas uvas bem tratadas, com bastante transparencia.

Arthur Prat. É um pintor de côres retumbantes. Os seus quadros são como fanfarras de luz. Gosto d'elles porque me dão muito bem a nota estridula e alegre dos campos do sul. Apresenta dez quadros, alguns d'elles regularmente feitos e regularmente estudados.

Julio Ramos. Esse paisagista que tanto nos tem encantado com os seus quadros, apresenta-se tambem d'esta vez com muita distincção, se bem que me não prenda a attenção, como d'outras vezes que tem exposto.

[156] Carlos Reis. Ora aqui está um pintor que é para mim um genial artista. Seguidor dos moldes de Silva Porto, apresenta-se n'esta exposição com cinco quadros que são uma maravilha.

Julio Ramos no seu atelier
julio ramos no seu atelier

O Idilio, é uma pintura deslumbrante. O retrato de minha mãe, é tambem um superior trabalho, feito com toda a correcção, d'um verdadeiro mestre.

Augusto Ribeiro, nos seus quadrinhos mignons apresenta-se admiravelmente―até nem parece o artista de outros tempos. Agora mais socegado, mais accentuado, fez-nos a pintura do nosso Minho em paginas d'album, mas muito bem feitas.

João Augusto Ribeiro. Com um quadro só, um Estudo de velho, primoroso de desenho e de côr, flagrante de verdade.

Torquato Pinheiro
Torquato Pinheiro

D. Aurelia de Sousa. Dous trabalhos a oleo de que não gosto e um pastel―N'um jardim antigo, que está muito bem executado.

D. Sophia de Sousa. Apresenta quatro quadros, dos quaes destacarei como mais digno de menção a Paisagem. É uma verdadeira artista.

Julio Teixeira Bastos. Seis telas expostas. Destaco O Melro, como sendo a que mais impressão me fez.

Torquato Pinheiro. É com toda a correcção que se nos apresenta, n'este certamen, este conceituado artista. Dos seis quadros expostos notarei como melhores os seguintes:―Tarde no Corgo, correctissimo, Rua da Pedreira e Crepusculo.

João Vaz. O superior pintor de marinhas, vem á exposição com tres quadros que são um encanto, especialisando a Barra de Lisboa onde a agua é tratada d'um modo irreprehensivel.―Barracas [157]de Pescadores, tambem muito bem feito. O outro―Margens do Sado, tem para mim uma nota que o torna desagradavel: é uma serie de piteiras que dão ao quadro um quê de bordado a missanga.

Eurico Ricardo Jorge. Apparece pela primeira vez em publico e apresenta-se muito bem com o seu estudo a pastel―Cabeça de velho.

José David. Tem algumas aguarellas que estão bem manchadas.

E nada mais porque já vae muito longe este artigo.

Retrato de Bernardino Reaes―Torquato Pinheiro
Retrato de Bernardino Reaes
torquato pinheiro





XXI

Uma Exposição de Carneiro Junior


No Pateo da Misericordia


A Exposição Carneiro Junior é mais uma confirmação do talento de quem a organisa. Esse bello rapaz, desde a primeira vez que com elle fallei logo conquistou em extremo a minha simpathia.

Alma de poeta epico, idealisando sempre, n'um desejo fremente de ser grande, quadros que prendam e enthusiasmem quem os vê.

D'esta vez, no seu grande quadro, mais humano e mais terreno, deve ter sido melhor comprehendido pelo publico que tem visitado a exposição.

Assumpto de molde a prender bem a alma de todos os que ainda tem um pouco d'amor á sua patria, é o seu quadro uma pagina flagrante de verdade e de movimento, arrancada á Historia de Portugal. Figuras talhadas em moldes verdadeiramente portuguezes, agrupadas flagrantemente em posturas naturaes, o seu quadro é, innegavelmente, uma bella obra.

A figura altiva, mas sem arrogancia, do hespanhol vencido que recebe uma corôa de flores para collocar no punho da espada, como para dizer que não a elle mas sim a ella se deve qualquer gloria obtida, é bem estudada; e o portuguez, que respeitosamente offerece como galharda dadiva de simpathia a mesma corôa, é de soberba concepção. Era primeira intenção do artista dar outra orientação a estas duas figuras, mas fez bem em ter resolvido assim o problema. A fidalguia da guerreira Hespanha não podia tomar posição humilde deante d'um portuguez illustre e valoroso que tinha a gentileza de [160] offerecer-lhe uma capella de flores, que mãos delicadas de mulher tinham composto.

Entrega de Evora―Quadro de Antonio Carneiro Junior
Entrega de Evora―Quadro de antonio carneiro junior


Ha no quadro figuras flagrantes de verdade. Os frades dão-nos a impressão serafica d'homens que, entre o latim e o repasto, não quizeram tambem fugir á manifestação imponente que o povo fazia ao guerreiro vencedor.

Os cavallos estão bem estudados especialmente o que tem a garupa virada ao espectador, cujo tom de côr dá o verdadeiro avelulado sedozo de um alazão fogoso e bem tratado.

A neblina que se percebe por entre a porta em arco da cidade, no seu tom cinzento violaceo tem perfeitamente o tom do amanhecer dos dias lindos do Alemtejo.

Este quadro, destina-se a ornamentar a escadaria do sumptuoso palacio do snr. Barahona, d'Evora, um dos homens que mais tem acompanhado e protegido a Arte nacional.

Destacam-se para mim depois, n'esta exposição, os retratos. Ha-os flagrantissimos de verdade taes como o do Dr. João Novaes, e do Antonio Cruz, esse velho rapaz que conheci tal qual desde os tempos idos do Jornal da Manhã. O retrato do auctor n'uma postura scismadora e triste, verdadeiro estudo psycologico da sua individualidade; é soberbo. A figura distincta e airosa da esposa do seu amigo Alberto d'Oliveira, [161] executada á noute sob a luz viva d'um largo candieiro de petroleo, é adoravel de côr e de execução.

No Retrato da Ex.ma Snr.a D. Emilia de Carvalho, executado com primor e cuidado, ha um ar de ingenuidade deliciosa e amiga que nos prende. A cabecita da pequenina Rachel, com os seus olhitos vivos e o seu ar risonho, dá-nos a tentação de um beijo todo amor, todo candura.

Notei na facção de todos os retratos um quê do genio de Columbano, mas um quê bom, sem aquella psychologia profunda e doentia que o mestre dá ás suas composições. Carneiro Junior é a meu vêr mais humano, mais positivo.

Da paisagem destacarei para aqui, como tendo-me dado mais viva impressão as seguintes: Rio Tamega (Amarante), Crepusculo na montanha, Leça (estudo), No bosque (impressão), O mar, Um poente e Rua do Bomfim (tarde de chuva), os quaes são flagrantes de luz e de tom. O mar, com o seu fundo em iris avermelhado é bello e a Rua do Bomfim, em tarde de chuva, na sua meia nevoa, é deliciosa.

Os desenhos para o estudo do grande quadro são magnificos de correcção e de justeza.

Baixo relevo (Bronze)―Antonio Teixeira Lopes
Baixo relevo (Bronze)
antonio teixeira lopes

Cabeças estudadas do natural, nas suas linhas definidas, são primores de quem sabe e muito da, para mim difficilima, arte de desenhar.

Ha na exposição uma coisa que me encanta sobre todas as outras: são as cabecitas dos filhos do pintor, desenhadas a sanguinea. Não sei se por ser essa a minha côr predilecta, se pelo bem executado d'ellas. Naturalmente por ambas as circumstancias. São retalhos da alma d'esse poeta pintor que elle copia com um carinho desusado. Já na sua outra exposição um dos quadros que mais me enthusiasmou pelo amor e cuidado com que estava feito foi o retrato da esposa do artista, [162] aquelle que tinha uma grande abada de flores. Isto confirma o que eu penso do homem, um menager todo conforto e carinho. Ponto, porém, que eu não estou aqui a fazer o retrato psychologico do artista, mas sómente a resenha dos seus quadros; mais nada.

A Procissão―Candido da Cunha
A Procissão―candido da cunha

Fechando, vou fallar do esquisso final para o seu quadro grande.

Elle chama-lhe um esquisso definitivo, eu chamo-lhe um quadro completo. Gosto d'elle tanto ou mais do que do grande. Se me permitte, chamar-lhe-hei a miniatura do trabalho que é o clou da exposição.

Que Carneiro Junior desculpe este deslizar de cousas a respeito do seu talento artistico e da sua exposição.

E, a proposito d'esta e outras exposições, não será mau repetir que o meu fim não é outro senão vêr se se obriga o publico a interessar-se um pouco mais por o nosso meio artistico. Conheci alguns homens cheios de dinheiro e com pretenções a ter bom gosto, que nunca na sua vida gastaram dez tostões, que fosse, em uma pintura, a não ser na pintura obrigatoria das portas e das janellas da sua casa. Têm, quando muito oleographias ricamente encaixilhadas nas suas salas de receber.

Pois é preciso que esses homens que podem, venham ás exposições, puchem pelos cordões á bolsa, comprem quadros aos artistas que levam uma vida de trabalho e de estudo para nos darem com palpitações flagrantes os retratos que executam, e com vibrações de luz e de côr as paisagens que retalham da grande Mãe Natureza para telas, que poderemos ter no nosso quarto de trabalho, recordando-nos pedaços da nossa querida terra, tão bella de paisagens, tão deslumbrante de sol.


XXII

Notas ligeiras d'uma Exposição


Maio é o mez das flores, dos poetas e dos artistas. E a comprovar o meu dizer lá se abriu n'este mez das graças e das bençãos, a 5.ª Exposição de Bellas-Artes, que a prestante aggremiação Instituto de Estudos e Conferencias, com o seu grande empenho de vulgarisar entre nós o gosto pela Arte, promoveu.

D. Lucilia Aranha Grave
D. Lucilia Aranha Grave

Como simples informador d'um limitado publico lá fui n'essa romagem artistica no primeiro dia, mas, porque me vi rodeado por todos os pintores portuenses, não me atirei a tomar notas, nem a esmiuçar detalhadamente tudo aquillo.

Dois dedos de conversa a este, mais dous áquelle, ouvindo opiniões que passavam no ar, n'um quasi sussurro de confidencias, não podia o meu espirito socegadamente fazer a apreciação sentidamente minha, que eu queria fazer. Depois, eu tenho a veleidade de ter opinião, de pensar só... e não fazer como muitos que se deixam ir na correnteza do que lhe dizem os espiritos santos de orelha.

Eu vou sempre umas tres ou quatro vezes ás exposições d'arte, e fico burguezmente, como um bom mercieiro, estatico deante de todos os quadros... em alguns como n'uma adoração pelo bem executado, n'outros como n'um pasmo, do arrojo da concepção e n'outros então, assombrado, fulminado, ante a imbecilidade com que elles são feitos. E depois, serenamente, [164] sem pretenções, nem vaidades, com a franqueza com que fallaria a um conhecido de ha muito, venho dizer ao publico a impressão que tive.

Paisagem―Aurelia de Sousa
Paisagem―aurelia de sousa

Não levo a minha franqueza ao ponto de ser descortez com os artistas que conheço, nem a incensar bajuladoramente aquelles de quem sou amigo: não... sou um critico moderado... sem coterie, e honestamente independente.

O vernisage (eu estou muito visto em termos francezes, não acham?) esteve este anno, como em poucos, animado de artistas...

O salon tinha um quer que era de superior. Os artistas tinham-se dado ali rendez-vous...

Aos grillos―Julio Ramos
Aos grillos―julio ramos

Uma coisa faltava para dar a nota chic, e fina... eram os rostosinhos galantes d'algumas das nossas damas. Se ellas tem apparecido, poderia dizer n'este artigo com aquelle meu gesto á Augusto Rosa, que o outro me encontrou, que a abertura da Exposição tinha estado muito curiosa, muito becarre.

Faltaram porém essas notas estridulas de garridice das senhoras, mas, em compensação appareceram por lá magnificos tipos caricaturaes e grotescos!... Se até eu estive lá!!!...

Agradou-me á primeira vista o conjuncto do certamen, [165] se bem que de visita mais demorada, como a que em outra vez fiz, não trouxe de lá a mesma impressão.

Ahi está, se eu tivesse feito de afogadilho este artigo teria dito que a exposição era geralmente boa, e agora não, não seria tão pessimista. Recortarei pois do catalogo alguns nomes como os de mais destaque.

Em primeiro logar, e affirmando cada vez mais a caracteristica de um primoroso paisagista, Marques de Oliveira, com as suas trese telas de paisagem e marinha, e ainda como affirmativa de que elle toca com o mesmo saber a nota da figura, uma primorosa Cabeça de velha, tão finamente tratada, tão cuidadosamente desenhada e collorida que me maravilhou.

A seguir vem Candido da Cunha, esse delicioso poeta nostalgico de pintura, que me suggestiona com os seus quadros, poentes deliciosos, onde parece que, atravez d'uma doce tonalidade de aldeia, se ouve o religioso toque das Avè-Marias. É Candido da Cunha um d'estes pintores que ao serem vistos uma vez nos seus trabalhos, deixam ficar na nossa retentiva o seu modo especial de pintar, para nunca mais se esquecer, tal é o seu sentimento.

Paisagem―Candido da Cunha
Paisagem―candido da cunha

Torquato Pinheiro tambem se nos apresenta bem, com uns nove quadros, que a não ser aquelle seu tom gris-violete, tão seu, tão peculiar, me fariam uma mais larga impressão. Destacarei porém as Lavadeiras na levada, Á vista do Marão, Sol de tarde e Fim de tarde (Real, Porto).

Julio Ramos, tambem nos dá quadros que demonstram o seu saber, especialmente o Fim da tarde, que é, a meu vêr, um explendido trabalho.

[166] José de Brito vem á exposição com dous retratos a oleo, um pastel e algumas aguarellas. Dos retratos a oleo notei como bem executado especialmente o de D. Margarida G. Oliveira.

Lavadeiras na levada―Torquato Pinheiro
Lavadeiras na levada―torquato pinheiro

O seu pastel―Retrato do conselheiro Avides, é um bello trabalho. Este artista é para mim um dos melhores desenhistas a pastel. As suas aguarellas são bem feitas, muito bem feitas.

João Augusto Ribeiro.―Esse bello artista que conheci como um dos bons, vem á exposição com seis quadros. Destacarei O Estudo (de troncos), Depois da chuva, A Madrugada, que me parecem affirmar d'uma maneira categorica que Ribeiro é um bello artista.

D. Margarida Costa Romão
D. Margarida
Costa Romão

Ha ainda Eduardo de Moura com um quadrinho muito interessante Um interior de um aido, onde o assumpto é estudado com cuidado, e pintado com saber, dando a confirmação de que este artista não é uma vulgaridade.

Mais alguns artistas ha na exposição, mas, para não desviar o espirito do leitor, nem lhe massar a paciencia, não me occuparei d'elles, nem dos seus trabalhos. Não é porque alguns não mereçam a minha attenção especial, mas, tenho que dedicar duas palavras a algumas senhoras artistas, e aos amadores, e se fosse a gastar muito tempo e espaço, pouco poderia dizer d'estes ultimos.

Quando entrei pela primeira vez na exposição, logo me saltou á vista um quadro de Camelias, que eu julguei ser do [167] velho Costa o grande pintor de flores. Aproximei-me e com surpreza vi que não era d'elle, mas, sim de D. Margarida Costa Romão, uma nova que ao apparecer nos diz logo quanto vale. Mas, não admira, lá diz o dictado:―filho de peixe sabe nadar―e D. Margarida Costa é filha de um bello pintor, o Julio Costa. Pois esta senhora com os seus tres quadros dá-nos a impressão sincera de que se continuar, como principia, ha-de ser uma grande artista.

D. Alice Grillo Lima. Já muito nossa conhecida como uma verdadeira artista, tambem d'esta vez se nos apresenta com muita correcção e saber. São bons os seus dous quadros de camelias.

D. Sophia de Sousa, n'esta exposição vem desfazer uma desagradavel impressão que me tinha ficado d'uma exposição anterior. Agora, com pujança artistica, apresenta-me seis quadros, entre os quaes, com uma garridice soberba digna de nota, o seu Ao sol,

Ao Sol―Sophia de Sousa
Ao Sol―sophia de sousa

que é um trabalho largo, definido, cheio de luz, de côr, de transparencia. Uma paisagem e o Margens do Ave, são trabalhos dignos de menção.

Apparecem n'esta exposição alguns amadores entre elles, um com muitos quadros, o sr. Hugemin, que já em tempos fez uma exposição só sua, onde deu provas evidentes de que é um amador-artista de valor.

Entre as amadoras está a snr.a D. Maria Afflalo, que pela primeira vez expõe os seus trabalhos e que fazendo-o prova que tem muitas aptidões artisticas e é uma discipula que honra sobremaneira o seu professor José de Brito.

[168] D. Leopoldina Pinto, com o seu quadro Flores e fructos, apresenta mais uma prova do seu saber pinturar.

D. Maria Afflalo
D. Maria Afflalo

D. Clotilde Rocha Peixoto, é uma discipula da Academia de Bellas Artes que se apresenta com um largo quadro inspirado na deliciosa poesia de Campoamor:


Quién supiera escribir!


É um amplo trabalho executado visivelmente com muita e muita proficiencia. Ha uma das figuras (o padre) que está traçado com correcção e muita propridade.

Poderei affirmar que esta amadora é uma das novas que mais firmemente demonstra que ha-de ser uma bella artista.

Ainda figuram na exposição mais algumas senhoras, taes como: Viscondessa de Sistello, Condessa de Alto Mearim, D. Maria Alto Mearim, D. Beatriz Alto Mearim.

A condessa de Alto Mearim confirma de um modo justificado o seu talento hors ligne na confecção do bello quadro Poveretta.

José Romão Junior
José Romão Junior

D. Beatriz Alto Mearim, apparece com o seu estudo a pastel; tambem lhe não fica a dever nada. É este seu trabalho uma prova incontestavel do seu muito merito artistico.

D. Maria Luiza Alto Mearim apresenta duas cabecinhas interessantes e regularmente bem feitas.

Viscondessa de Sistello, com tres paisagens feitas com conhecimento de Arte, especialmente uma, que é bellamente feita.

Ha na exposição dois trabalhos de esculptura, um de Fernandes de Sá, Rapto de Ganymedes, outro de José Romão Junior, Cabeça de estudo.

A respeito do primeiro artista já eu disse atraz n'um [169] desenvolvido artigo, o que pensava d'elle. Successor indiscutivel de Teixeira Lopes, é um bellissimo talento.

Do segundo, Romão Junior, é a primeira vez que vejo trabalhos seus, e confesso que a Cabeça de velho que apresenta, me dá uma magnifica impressão.

Poveretta―Condessa de Alto Mearim
Poveretta―Condessa de
alto mearim

A figura lançada com largueza tem magnificos requisitos. É uma demonstração evidente de que Romão Junior maneja o cinzel e o escopro com proficiencia. Um novo de talento que, de futuro, ha-de continuar a affirmar que a raça dos esculptores portuenses é das de primeira ordem.

Na secção aguarella só figuram os nomes de dois concorrentes José de Brito, de quem atraz já fallei e D. Isabel Lauer.

Esta ultima com dois quadrinhos de figuras. Para mim não me desagrada o operario, se bem que nenhum d'elles por completo me prenda muito a attenção. Bastante amaneirados e muito exquisitos.

Com desenho a pastel apparecem tambem só dois concorrentes: José de Brito, artista consumado n'este genero, e D. Beatriz Alto Mearim.

Falta fallar de duas secções, ainda: desenho a claro-escuro e arte applicada. Na primeira das secções ha um trabalho delicioso de Torquato Pinheiro, um fino desenho do Convento de Santa Clara de Villa do Conde, trabalho impeccavel de correcção e firmeza.

Luiz Bastos, traz-nos retalhos d'essa linda Coimbra a cidade dos Bachareis, apanhados em estudos varios do Choupal, do Rio Mondego, de Santo Antonio dos Olivaes, etc. Alguns feitos com mestria.

Na arte applicada, Jorge Collaço, o distincto caricaturista do Supplemento de O Seculo. Os seus azulejos são interessantes e dignos de nota, especialisando o grande quadro Reviravolta, estudado com interesse e executado com cuidado.

E eis, meu amigo publico, a impressão sincera de quem [170] viu a exposição com a independencia caracteristica do seu pensar e com a antecipada disposição de não regatear merecimentos a quem os tivesse, nem adular aquelles que, sendo mediocres, aspiram á enfatuada bazofia de serem notaveis. Sinceridade e nada mais.

É provavel que os verdadeiros entendedores não pensem como eu, mas lá diz o dictado:―que seria, do amarello se não houvesse mau gosto.

Deveria fechar já aqui a minha informação mas vejo lá expostos uns azulejos, panneaux, etc., que se desculpam por serem o reclame de uma fabrica de Ceramica, porque, se tem sido apresentados como trabalhos artisticos, então deveriam ser exautorados rigorosamente.

E adeus, que não tenho tempo para mais, nem sei mesmo se alguem terá coragem de ler isto até ao fim.

Barcos de pesca―Julio Ramos
Barcos de pesca―julio ramos





XXIII

AMADORES PORTUENSES


ALBERTO AYRES DE GOUVEIA

Discipulo de MARQUES DE OLIVEIRA


Este meu biographado não é precisamente um amador; poderia, sem receio ele ser contraditado, e sem medo de errar, incluil-o francamente no numero dos nossos mais distinctos pintores, e isso porque os seus trabalhos artisticos são de molde a dar-lhe esse fôro.

Alberto Ayres de Gouveia
Alberto Ayres de Gouveia

Alegro-me ao escrever este artigo, e alegro-me porque é sempre com consolo que me refiro áquelles que, possuidores de algum valor, se não deixam adormecer á sombra ele alguns louros colhidos na paz doce da mandria, antes tentam a mais e mais fixar as suas aptidões, n'um trabalho serio e proveitoso.

E, Alberto Ayres tem feito isto. Desde que se emprehendeu a pintar tem trabalhado com afinco e muitissimo proveito.

Conhecia de ha muito este rapaz, que, pela sua avultada fortuna, pelas relações de familia, e por viver na alta roda, onde se dava o prazer de ser um dos eleitos, eu tinha na conta de um excellente cavalheiro, um fino homem de sala, cavaqueador com espirito e mais nada!

Mas, enganei-me redondamente, o que não é para admirar, porque acontece a muito boa gente.

[172] O meu biographado era tudo aquillo e ainda mais alguma coisa:―um amador enragé da pintura.

Como soube eu isto e como tive emfim a confirmação do seu merecimento artistico? Vou tentar dizel-o em poucas palavras.

Nas noites frias de inverno temos por costume reunirmo-nos alguns amigos em cavaqueira alegre e discutimos n'essas occasiões muitissimas coisas, problemas d'Arte, mundanismo, casos alegres do dia, philosophando de vez em quando sobre politica, litteratura, celebridades, theatros, etc., etc. Não é um cenaculo, nem uma academia, é um cercle algo espiritual, onde a alegria tem especialmente o seu logar.

Pois n'uma d'essas cavaqueiras abordou-se o assumpto pintores e amadores, e entre outros nomes veiu á tela da discussão o nome de Alberto Ayres de Gouveia, que um dos circunstantes conhecia perfeitamente.

Elogiou-o, fez a historia da sua aprendizagem d'Arte e eu fiquei como se costuma dizer com a pedra no sapato e, como observador que sou, tratei immediatamente de me informar do merecimento verdadeiro ou falso d'este amador.

De divagação em divagação e de informe a informe, vim a concluir que o meu amigo tinha muita razão e que Alberto Ayres era de facto um rapaz de incontestavel merecimento artistico.

Mas, não só como pintor elle deveria ser apreciado, como auctor e amador dramatico tambem. Eu me explico.

Um anno, estando a banhos como de costume, na formosa e aristocratica praia da Granja, alli deu as suas provas de amador, desempenhando, n'uma festa de caridade, alguns papeis de umas deliciosas comedias, que elle proprio tinha escripto, e que, segundo entendedores do genero, eram verdadeiras joias litterarias finamente buriladas.

E, com esta minha eterna mania de conversar, uma tarde, no atelier do meu muito amigo e infeliz Manuel San Romão, fallando-lhe dos divertimentos da Granja e a respeito do baile Luiz XV que alli se dera, das finas recitas que a gentil colonia alli a banhos, costuma realisar, o nome de Ayres de Gouveia foi citado e eu disse como me tinham inspirado sobre o seu merito litterario e artistico.

Manuel San Romão, com aquelle seu modo correcto e fino e aquelle seu espirito ousado e emprehendedor, n'um [173] gesto todo de enthusiasmo fallou-me d'elle dizendo, que no que elle era notavel era na pintura e citava um formoso retrato do Snr. D. Antonio Ayres de Gouveia, então Bispo de Bethesaida, hoje Arcebispo da Calcedonia e tecendo-lhe os mais rasgados elogios, affirmou-me que elle era um amador que havia de futuro marcar epocha entre os artistas (mestres) portuguezes.

A palavra do Mestre―Alberto Ayres de Gouveia
A palavra do Mestre―alberto ayres de gouveia


A opinião de Manuel San Romão, era para mim como uma pagina do Evangelho; elle que lhe via merecimento era porque na verdade o tinha.

O retrato se não era uma maravilha, dizia San Romão, era no entanto uma obra acceitavel e cheia de bellos predicados, um verdadeiro quadro tocado com proficiencia, desenhado com saber, d'um colorido doce e d'uma mais que regular semelhança.

Ao ouvir isto, logo se me arreigou no espirito a ideia de que elle tinha talento e me nasceu o desejo de ter de vizu a confirmação d'isso, o que só poderia conseguir visitando o seu atelier e a sua galeria, pois que elle, nem expunha, nem vendia os seus trabalhos.

Como conseguir porém isto? Quasi impossivel, porque o amador fugia á visita que eu tentava fazer-lhe, querendo [174] assim deixar-se ficar no encoberto mysterio d'uma modestia, que não tinha razão de existir.

Passara-se tempo, muito tempo, sem que eu tivesse o prazer de, encontrando-o, lhe manifestar o desejo que tinha de n'uma visita ao seu atelier, vêr o que elle tinha realisado em Arte.

Em 1902, abre uma das exposições que o Instituto de Estudos e Conferencias tão proveitosamente tem organisado e realisado no Pateo da Misericordia. Era um magnifico dia de vernisage, e eu ao entrar sou immediatamente attrahido d'um modo particular e suggestivo, por umas poucas de telas que me saltam á vista impressionantemente. Tomo do catalogo e folheando inquiri quem é o seu auctor. O nome de Alberto Ayres de Gouveia era o que se lia por cima dos numeros que eu procurava. Eram, de facto, de molde a impressionar os trabalhos expostos. Á mente me saltou, como uma doce recordação, a conversa que tivera com Manuel San Romão e immediatamente me convenci de que quem pintava aquelles quadros não podia ser apellidado de simples amador.

Era indiscutivelmente muito mais do que isso, era um verdadeiro artista e com trabalhos taes, que alguns pintores, com nome feito, não desdenhariam assignar.

Em artigo que n'outro logar publíco a elles me referi e alli disse alguma coisa do que pensava a tal respeito. Agora porém que dedico ao seu auctor duas paginas do meu livro, em especial, não será demais tornar a fallar d'elles.

Eram para mim esses trabalhos primorosos, mas, se alguns defeitos tinham eram elles por si tão insignificantes que apenas mereciam o reparo ligeiro e unicamente indicativo, sem que viesse aggravado com a investida descortez e brutal de certa critica imperduravel e muitas vezes inconsciente. Porque os trabalhos expostos eram indicados no catalogo simplesmente como d'amador, mas d'amador distincto e correcto em verdade.

E bastava só isto, que elles fossem de amador, mas feitos firmemente com largueza de traço, precisão de côr, correcção de desenho e de perspectiva, definidos emfim como de verdadeiro artista, para espantar a critica de campanario e os entendedores bon marché.

E tudo isto porque? Porque habitualmente os amadores quando apparecem em publico com trabalhos seus, são [175] estes tão banaes e tão simples que passam perfeitamente desapercebidos entre os trabalhos dos artistas, sem lhe fazerem mossa, ou sem lhe provocarem confrontos.

Com Alberto Ayres, porém, não se dava isso, apparecia pela primeira vez, mas tão desassombradamente e com trabalhos de tal folego, que até houve quem não quizesse acreditar que eram d'elle. Mas eram e tão bons que poderiam entrar com gloria em qualquer concurso, pois tenho a certeza que ao seu auctor seria dada uma primeira classificação.

Christo morto―Alberto Ayres de Gouveia
Christo morto―alberto ayres de gouveia


Então é que mais e mais se me encasquetou na cabeça a ideia de observar toda a sua obra, conhecel-o no seu intimo, na sua maneira de vêr e de pintar, e depois de um assedio em forma consegui que elle me desse a honra de permittir-me uma visita d'Arte. E visitei então a sua formosissima casa, onde se espalham artisticos bibelots e bellos trabalhos de muito valor artistico. Fiz esta visita cheio d'uma suave uncção que se deve aos templos onde se sacrifica a um Deus. N'aquella casa sacrificava-se a Deusa Arte e por isso reverente alli me conservei.

Conversando durante algum tempo contou-me a sua iniciação na arte de pintar, e como, sob a competente e abalisada inspecção do grande Marques d'Oliveira, pôde conseguir o que fazia.

[176] Desenhou muito, e quando lançava os seus vôos para mais alto, sob indicações do professor, foi em viagem artistica pela Europa, aos paizes onde mais afincadamente se rende culto á Arte e alli estudou nos museus e nas escolas de pintura alguma coisa que lhe désse conhecimentos uteis. E assim, analysando e estudando os quadros geniaes dos mestres e acompanhando os adeantamentos e os progressos das novas escolas, percorreu os muzeus de Madrid, Paris, Londres e Italia, não com a despreoccupação de um touriste, mas com a observação religiosa d'um crente, sob a indicação e a companhia de Marques de Oliveira, seu professor e que é entre os que pontificam na Pintura, um dos que mais sabiamente sabem vêr, porque é dotado d'um espirito critico especial e finissimo.

Da visita que fiz ao atelier d'este distincto amador, ficou a mais grata e a melhor das impressões.

D'entre as telas que vi, as que mais fundamente me impressionaram foram a Leitura das prophecias, Retrato do Ex.mo e Rev.mo Snr. Arcebispo de Calcedonia, A palavra do Mestre, Retrato do proprio auctor, Retrato de A. Burnay, Estudo, Baixo imperio, Appolo e Cabeça d'estudo (carvão), que são admiraveis.

S. João lendo as prophecias―Alberto Ayres de Gouveia
S. João lendo as prophecias―alberto ayres de gouveia


D'alguns d'estes trabalhos, apresento as gravuras, que [177] pude conseguir, quebrando quasi á força a modestia do meu biographado.

El-Rei D. Carlos, n'uma visita que fez á Exposição de Bellas-Artes em Lisboa, fez menção especial dos seus quadros, chamando-lhe pintor notavel e de pulso.

E de facto El-Rei não se enganou porque Alberto Ayres de Gouveia está na galeria dos artistas de pintura portuguezes mais distinctos.

Paisagem―Candido da Cunha
Paisagem―candido da cunha




Estudo―João Augusto Ribeiro
Estudo―joão augusto ribeiro





XXIV

Uma Exposição de Estatuetas


FRANCISCO GOUVEIA


Já era tempo de dedicar algumas palavras de justiça, ao distincto artista Francisco Gouveia, ácerca da visita que fiz á sua magnifica exposição de esculptura, aberta aqui no Porto, no Salão da Photographia Guedes, e cumprir o dever gratissimo de corresponder á galanteria e ao modo penhorante como elle me acolheu.

Francisco Gouveia
Francisco Gouveia

E faço-o, porque nunca antepuz á manifestação de admiração pelos trabalhos de qualquer artista de valor, outra qualquer manifestação.

A Arte, para mim a mais sublime das cousas, a mais insinuante das manifestações, tem um logar tão alto, tão deslumbrante, tão culminante que em frente d'ella eu julgo-me insignificantemente pequeno, e curvando-me reverente, fico depois extatico, cheio d'uncção na mais santa e na melhor das adorações.

Por isso, ao abalançar-me ao cumprimento d'um dever sagrado, eu commetteria um crime de lesa-religião artistica se não dedicasse algumas paginas á deliciosa exposição, que ha tempos tive o prazer de visitar.

Já o tenho dito varias vezes e hoje o repito: eu sempre que tenho ensejo de admirar uma obra de arte, pintura, esculptura, musica, ou seja o que fôr, nunca falto; sou dos que vou primeiro, e, quasi sempre, dos que sahem no fim.

[180] É facil ficar perfeitamente embasbacado em frente d'um quadro, ou d'uma esculptura, durante horas, alheio a tudo quanto se passa em volta de mim, tal me tem succedido ante as obras de Malhôa, Salgado, Carlos Reis, Marques de Olivieira, etc., e como em nenhumas outras, ante as extraordinarias creações do sublime Teixeira Lopes.

Teixeira Lopes―F. Gouveia
Teixeira Lopes
f. gouveia

Por isso, como um fanatico pela Arte eu accorri ao Salão da Photographia Guedes a vêr os trabalhos, já para mim conhecidos de nome, do nosso querido concidadão Francisco Gouveia.

Que este artista, como todos os bons esculptores portuguezes, tambem é filho do Porto.

Francisco Gouveia, era um nome que se impunha já de ha muito á consideração e á admiração de todos nós, porque lá fóra, no estrangeiro, affirmava exhuberantemente, com os seus trabalhos, que nós os portuguezes tambem somos capazes de dar provas evidentes e definidas de intellectualidade e aptidão artisticas.

Entre muitos dos seus bellos trabalhos destacarei, para fazer notar aqui, o seu Beatriz de Portugal, que marcou d'uma fórma confirmativa e energica o seu saber e o seu modo de esculpir.

Este trabalho ao apparecer em Paris, de tal nomeada foi cercado, que mereceu a honra de ser reproduzido em diversas illustrações estrangeiras, onde se fizeram referencias honrosamente dignas ao nome do nosso artista.

Mas, como diz Xavier de Carvalho n'um pequeno esboço critico a respeito de Francisco Gouveia: «quiz ser o artista naturalista no minucioso detalhe, começando por nos dar um Eça de Queiroz apanhado n'uma pose verdadeiramente natural e sincera. Depois temos a serie das suas esplendidas estatuetas, tão cheias de vida plastica, d'um correctissimo desenho, mesmo quando o esculptor passa da maneira emocional do seu mestre querido Injabert á larga ébauche de Rodin que mesmo chegou a attingir na silhueta do grande artista rebelde».

[181] E de facto assim é. Francisco Gouveia realisou este desideratum e ao abrir ao publico indifferente e á critica honrada e honesta d'uns, venenosa e malsinada d'outros, a sua exposição, fel-o, sem aspirar as louvaminhiches dos primeiros nem temer boas ou más apreciações dos segundos. Fel-o como affirmação publica do seu talento artistico e da sua persistencia do trabalho, fel-o como era justo que o fizesse.

Para isso traz-nos 78 trabalhos qual d'elles o mais fino, qual d'elles o mais correcto, qual o mais bem estudado, e mais bem executado.

Desde a estatueta séria á estatueta caricatural, desde os medalhões graves ás mascarasitas patinados, nada ha alli que não seja correcto e que não seja perfeito.

Estudos regularmente anatomisados, dando o individuo em todo o seu ser, em todo o seu aspecto, com todo o ar natural, parecendo mover-se regular e compassadamente, vivificados, com movimentações naturaes, expressão definida no rosto. E tudo isto em estatuetas que variam entre 40 e 60 centimetros d'alto.

Eça de Queiroz―F. Gouveia
Eça de Queiroz
f. gouveia

Mas, ha para mim, entre todos os trabalhos expostos, um, que é dos mais extraordinarios―a caricatura psychologica do grande morto Eça de Queiroz!―Fulgurantissima de genio. Vemos n'ella, n'aquelle bronze, atravez da esgrouviada figura do romancista que nos assesta o monoculo n'uma persistente meticulosidade de observador a sua alma analysta, com um quê de sarcastico, como sorrindo-se interiormente de toda esta nossa sociedade, que elle olha atravez da sua impertinente lente. É simplesmente assombroso.

A minha vontade era fazer notar uma a uma as estatuetas, as composições, as caricaturas, as medalhas, mas isso é impossivel e portanto, em mais duas palhetadas vou fechar este artigo.

Entre os trabalhos estatueta-retratos, muitos d'elles de pessoas nossas conhecidas, ha alguns com quem appetece conversar um pouco. A do Marcos Guedes, a do Pae Ramos, (ambos estes collegas do Janeiro), a do Snr. Caetano Pinho da [182] Silva, a do nosso querido Teixeira Lopes, a de Guedes d'Oliveira são magnificas. Ha tambem um retrato do grande poeta Guerra Junqueiro (phantasia), que é muito interessante. Guerra Junqueiro é apresentado com uma tunica que lhe cae sumptuosamente como a um propheta, tendo o braço direito levantado em menção de quem préga o Evangelho, e no braço esquerdo as taboas da lei. É delicioso de concepção e de execução.

Marcos Guedes―Guedes d'Oliveira―Guerra Junqueiro―Pae Ramos―Francisco Gouveia
Marcos Guedes―Guedes d'Oliveira―Guerra
Junqueiro―Pae Ramos― francisco gouveia

Na estatueta-composição destacarei: A viajante, A primeira esculptura, A parisiense, A tristeza, Meditações, Grupo de leitoras, Saudades e Ama parisiense (do jardim de Luxemburgo).

Mas que estou eu aqui a destacar, se todas ellas são boas, se todas ellas me encantaram?!...

As outras, terras-cotas, bronzes, etc., são, como estas, deliciosas obras, que merecem ser vistas e apreciadas devida e detalhadamente.

Não é esta exposição de molde a ser visitada como uma exposição de quadros, onde as côres nos venham de longe em varias tonalidades, á vista. Não, aqui precisamos de parar, analysar feições, expressões, linhas, tudo, emfim. É preciso deixar a vista pousar durante um pouco, para examinar toda aquella perfeição, toda aquella correcção, que não se póde vêr á vol d'oiseau. É preciso fazer como eu fiz, estar lá horas e voltar lá mais vezes, que de cada vez que se lá volta novas cousas se descobrem nos trabalhos expostos. Quem vê só uma vez, quasi sempre não vê nada.

Vou acabar por aqui, antes, porém, devo dizer que Francisco Gouveia é um d'estes rapazes insinuantes, com quem se sympathisa logo que se falle com elle uma vez.

[183] Modesto em extremo, é um trabalhador de verdadeiro merito, e um espirito lucidissimo. E eu, ao fechar o meu artigo para as Notas d'Arte, aqui lhe deixo significadas, ainda que muito pallidamente, a minha admiração ao seu grande talento artistico e a convicção de que o seu nome tem o direito indiscutivel de figurar a par do dos nossos primeiros artistas, pois exuberantemente conquistou um dos primeiros logares, como sacerdote magno, no templo da sublime Arte Portugueza.

Paisagem―Lucilia Aranha Grave
Paisagem―lucilia aranha grave



Teixeira Lopes
Teixeira Lopes


















Caim―Teixeira Lopes
Caim―teixeira lopes




























XXV

MANUEL MONTERROSO


Tenho para mim este modo de pensar, talvez exotico, mas convicto, de que a caricatura é um maravilhoso remedio para muitas doenças sociaes.

Bem sei que nem sempre a cura se faz e a caricatura é applicada sem resultados praticos.

Manuel Monterroso
Manuel Monterroso

Mas, muitas vezes, a maior parte d'ellas, a applicação adquada, d'uma caricatura, no momento psychologico, produz tal revolução no meio onde é lançada, que a doença social desapparece como por encanto.

Com todos os remedios acontece a mesma coisa. Quantas vezes um illustre clinico applica um caustico, cheio de confiança, convencido que dentro de duas horas a pelle do doente estará levantada e suppurante, e apesar do medicamento estar em pleno effeito, o caustico falha, ou porque o doente já não dá reacção para que o resultado seja satisfatorio, e n'esse caso está morto, ou então por que a pelle é de tal fórma grossa e callejada que não ha nada que a possa atravessar e remover!

As doenças da sociedade são tal qual as doenças dos homens. E ella propria tambem tem anomalias como qualquer doente.

Uma sociedade morta, ou quasi a dar o ultimo suspiro, póde ser causticada com caricaturas, que não resurgirá. E o mesmo succederá se ella pela desfarçatez dos seus caracteres [186] fôr uma sociedade estanhada, endurecida e callejada. Mas se entre essa sociedade alguma coisa houver ainda que vitalmente sinta as picadas ardentes da caricatura, então ella resaltará e viverá pondonorosamente espurgada do mal que a amortecia e definhava.

Dr Leopoldo Mourão
Dr Leopoldo Mourão
Caricatura
de manuel monterroso
Publicada na Voz Publica

A mesma revolução se faz na vida social dos homens isoladamente. Caricaturados por um lapis mordaz, mas fino, que os apresente á irrisão publica, sob qualquer dos seus aspectos ridiculos, elles remorder-se-hão na sua vaidade intima e, procurarão, embora disfarçadamente, curar-se dos seus defeitos, se é que o mal da desfarçatez os não contaminou tão intimamente, que os tenha posto por completo fóra da acção benefica, embora torturante do medicamento.

Muitos, muitissimos factos poderiam ser apontados como provas indiscutiveis e irrefutaveis, se quizessemos d'um modo affirmativo e terminante impôr a nossa opinião. Mas, não, não temos nem esse desejo, nem essa vaidade. Ao delinear estas linhas, simplesmente o fazemos como o avant-propos á apresentação que tentamos fazer d'um dos mais distinctos medicos portuenses, e no momento presente o primeiro caricaturista portuguez.

Hoje que infelizmente perdemos o maior de todos os nossos caricaturistas―o grande, o incomparavel mestre―Bordalo Pinheiro, posso dizer abertamente que Manuel Monterroso é entre nós o unico capaz de seguir tão gloriosamente como o Mestre, as suas deslumbrantes pisadas e seu genio fulgurante e radioso.

Uma pagina da Parodia―Manuel Monterroso
Uma pagina da Parodia―manuel monterroso


E, não quero que Monterroso me agradeça estas verdades sinceras que me saltam da penna, ditadas pelo pensamento, espontaneamente, lealmente, taes como as sinto. Não, nem o meu fim é esse. Se lhe dedico algumas palavras é porque na minha pequenez de insignificante amador de Arte, tenho por [188] elle, pelo seu lapis fino e caustico e pelo seu muito talento artistico, uma profunda admiração.

Extasiava-me diante das caricaturas de Bordalo com a veneração adoravel de verdadeiro admirador, do engraçado, do mordaz, do bello e do correcto.

Hoje ante o traço fino, seguro, preciso e mordaz de Monterroso tambem me permitto ficar extasiado. E tudo isto porque o considero um optimo caricaturista, um perfeito desenhista.

Incapaz, como sou, de faltar á verdade, não escrevia que o achava grande, nem o diria tão afoitamente, se não estivesse, como estou, convencido de tal.

Não digo isto, é bom que se saiba, para me dar ares; digo-o porque rebuscando e procurando na pequena galeria dos caricaturistas portuguezes, não encontro nenhum que possa passar-lhe adiante.

João Oliveira Ramos
João Oliveira Ramos
Caricatura de manuel monterroso
Publicada na Voz Publica

Nem mesmo o Manuel Gustavo, que ainda assim, para, mim, é um dos melhores.

Pois, nem mesmo esse, que tão intimamente conviveu com o Mestre, que tão de perto recebeu as suas lições, póde dizer ousadamente a Manuel Monterroso:―eu valho mais do que tu... o primeiro logar pertence-me...

Por que de facto não vale. Manuel Monterroso tendo a intuição natural de fazer bonecos, (como elle diz), conhecendo anatomicamente o homem (ou elle não tivesse sido um dos bons discipulos do terrivel Lebre[1], possuidor d'uma retentiva verdadeiramente photographica, elle, vendo uma vez um individuo, apanha-lhe immediatamente, não só [189] as linhas geraes, mas os mais pequenos detalhes caricaturaes: e, n'estas condições, com estes predicados e alem de tudo isto uma boa dóse de talento, realisa desenhando verdadeiras obras primas.

Raphael Bordallo Pinheiro
Raphael Bordallo Pinheiro
Caricatura em barro
de manuel monterroso

Fulgurantissimas de graça são as varias paginas, que muitas vezes, de collaboração com os litteratos Campos Monteiro e Guedes d'Oliveira, viram a luz na Parodia.

Notavel como trabalho de verve fina e delicadissima a caricatura que foi offerecida ao Dr. João Pereira Dias Lebre, professor de anatomia da Escola Medica do Porto, no anno em que elle se jubilou.

Notaveis os seus trabalhos, que tem distribuidos por amigos, em amistosas dadivas.

Caricaturas avulsas de typos conhecidos feitas em intimas camaradagens e que o grande publico nunca teve o prazer de vêr, mas que eu conheço perfeitamente bem. Não fallando nas caricaturas que a largos traços de carvão elle lança rapidamente sobre o papel branco que friamente apparece ao publico, quando em algum concerto de caridade elle vem tambem coadjuvar o luzimento d'essa festa, com a irradiação do seu genio repentista e correcto.

N'essas occasiões é que elle tem mostrado mais publicamente a facilidade com que retem e executa o desenho caricatural dos typos apresentados.

A todos quantos tenho visto fazer este genero de trabalho, tenho notado uma coisa: elles ao apresentarem-se em publico trazem já no seu cerebro estudados e desenhados os typos a executar, e assim invariavelmente nos atiram com o José Luciano, o Hintze Ribeiro, o Burnay, o Zé Povinho, o Rei de Inglaterra, o Rei de Portugal e outros personagens, cujo perfil está de ha muito conhecido e estudado, perfis que, a maior parte das vezes, eu mesmo, leigo em desenho e em caricatura, ia desenhar depois de uma leve recordação.

[190] Manuel Monterroso, não faz assim. Uma vez no palco ou estrado, lança a vista por sobre a plateia, e com aquelles olhinhos vivos e penetrantes fóca um individuo. Olha-o duas vezes e em seguida, costas voltadas ao publico elle ahi vae, carvão em punho, traçando, rapida e precisamente o typo que escolheu. É assim que elle faz; nunca trouxe de casa, no seu caderno de apontamento, as notas typicas dos individuos a desenhar.

Mas, não só como desenhista e caricaturista a lapis ou a aguarella, elle é notavel. Ha alguma coisa mais a notar no meu artista.

Como ceramista tambem é para ser notado e muito.

O Rei da Peça―Caricatura de Manuel MonterrosoO Rei da Peça―Caricatura de Manuel Monterroso
O Rei da Peça―Caricatura de manuel monterroso
Publicada no Primeiro de Janeiro


―Ora? dirá o leitor! Como ceramista? Pois não lhe conhecia essa prenda?!

―Nem eu! Mas ha tempos em conversa, a rirmos sobre mil coisas diversas e muito especialmente sobre bonecos, Manuel Monterroso disse-me á queima roupa: Sabe, vou fazer bonecos em barro, caricaturas de outra especie.

―Você está a brincar, disse-lhe eu.

―Não estou, não, verá. E a primeira ha-de ser a do Bordalo (ainda elle era vivo). Dito isto, despediu-se de mim, e, bem contra minha vontade, não o tornei a vêr durante uns poucos de dias.

Nem mais me tinha lembrado d'isso, quando uma bella manhã vejo entrar o Monterroso pela porta dentro com um embrulhosito na mão, dizendo:―Cá está a obra.


Os Donos da Casa―Caricatura de Manuel Monterroso
Os Donos da Casa―Caricatura de manuel monterroso
Publicada no Primeiro de Janeiro



[192] Corri apressado ao seu encontro, obrigo-o a mostrar-me o embrulhito e... ante a apparição que se fazia deante dos meus olhos eu ficava estasiado.

Uma delicada, uma fina maquete da figura em corpo inteiro do grande mestre da Caricatura, apparecia diante de mim, admiravelmente lançada, sabiamente estudada e medida, bellamente executada. Não parecia o primeiro trabalho de um amador, não. Era o trabalho de quem sabe e muito, como o barro se espalma e se contorna, como se modela e como se vivifica.

José Ribeiro―Caricatura em barro de Manuel Monterroso
José Ribeiro―Caricatura
em barro de
manuel monterroso

Não penseis que faço o elogio balofo d'uma insignificancia. Faço simplesmente a resenha verdadeiramente sincera de uma das mais notaveis manifestações do talento do meu querido caricaturista.

Não resisti, abracei-o, felicitando-o e pedi-lhe que continuasse n'aquelle novo systema de caricaturar os homens notaveis do nosso tempo, e do nosso conhecimento. Prometteu-me continuar mas, a sua medicina e os seus muitos afazeres, não tem consentido que os meus olhos possam vêr mais d'aquellas deliciosas obras.

A reproducção em bronze da maquete, em que fallei foi elle, como manifestação da sua muita admiração e amizade pelo grande mestre, levar-lh'a a Lisboa, onde Bordalo, como eu, se extasiou ante a disposição artistica de Monterroso e a execução d'aquelle trabalho.

E, posto isto, posso fechar o artigo porque já provei bem á evidencia que Manuel Monterroso é innegavelmente um rapaz de indiscutivel talento.

Mas, perguntará o leitor: a que veiu aquelle prologo em que se fez jogar a medicina e a caricatura como meios curativos da sociedade e das gentes?!

Eu explico. É que se não tivesse gasto tanto tempo ainda vos havia de dizer como é que o Manuel Monterroso póde ser ao mesmo tempo um grande caricaturista e um bello medico. Isso porém fica para segundas leituras.



XXVI

A BAIXELLA BARAHONA


Venho cheio d'um sincero enthusiasmo fallar-vos agora exclusivamente d'um dos maiores acontecimentos para a arte de ourivezaria portugueza, e não só para ella como para a Arte, na verdadeira accepção da palavra; da Baixella Barahona!

Columbano Bordallo Pinheiro
Columbano Bordallo Pinheiro

É esta já bem conhecida em todo o Portugal, pelo que d'ella tem dito os jornaes de Lisboa, mas um brado mais, d'um sincero amador, nunca faz mal para engrossar o côro de hossanas, que em volta de tão magnificente obra, se tem levantado por todos quantos a tem visto.

A casa Leitão & Irmão, innegavelmente os primeiros joelheiros e ourives portuguezes, levaram a cabo a execução da obra mais monumental e mais artistica no seu genero, que se tem feito em Portugal ha cem annos para cá. E estou bem certo que será preciso passar um incalculavel numero de annos para que se faça uma outra obra assim.

Dous são os motivos, que me levam a acreditar n'esta profecia: «A falta de homens de gosto e de dinheiro, como o [194] dr. Francisco Barahona; e a falta de comprehensão da maior parte da gente, de que a Arte é a manifestação mais bella e mais brilhante do desenvolvimento espiritual e intellectual d'uma nação».

Serpentina da Baixella Barahona
Serpentina da Baixella Barahona

Mas, como não me julgo com competencia para divagações philosophicas sobre Arte, Dinheiro e Gosto, vou entrar no meu assumpto―A Baixella Barahona―da qual estão em exposição o Centro de meza, e as Duas serpentinas.

São estes tres monumentos, deixem-me assim chamar-lhe, uma coisa phantastica. Delineados sobre motivos esculpturaes do tempo de D. João V, harmonisou-se n'uma contextura brilhante, encantadora, fazendo-nos passar, como que em revista as decorações architectonicas dos monumentos da epocha, os escudos d'armas da casa real de D. João V, as talhas douradas dos conventos, as conchas nacaradas dos mares, que nós portuguezes dominamos nos nossos tempos de navegadores, e as aguas espraindo-se nas nossas formosissimas praias onde o mar bate altisonante, cantando ainda restos das nossas passadas glorias.

É como que a orquestração muda d'uma epopeia de deslumbramento e de luxo. Mereciam um poema, tal é o seu primor e a sua riqueza.

Por ambas as vezes, que fui vêr estas deslumbrantes obras de arte, fiquei estasiado algumas horas, na contemplação d'ellas, e cada vez que as olhava novos encantos lhe achava; aqui eram os festões de flores que pareciam baloiçar ao sopro da aragem, pendentes das mãos torneadamente papudas dos deliciosos amores; mais em baixo, os golphinhos com as suas fauces escancaradas d'onde jorram torrentes d'agua que se espraiam pelo enconchado da base; de todos os lados, as nacaradas conchas encurvadas caprichosamente n'um anichamento sublime de preciosidades do fundo [195] do mar, e contornando tudo isto n'uma justeza de fórma, n'um carocolar de serpente, d'um brunido admiravel, como que uma fita de seda que mãos delicadas de fadas se entretivessem a dispôr alli, como cercando aquella serie de deliciosas coisas.

Alguem que tenha visto a Baixella, dirá: e as figuras que alli existem onde as deixará ficar o chronista?

As figuras essas são deslumbrantes de contextura, e se me deixei ficar para o fim a fallar n'ellas, é, que tão fundo me feriram no espirito que lhe reservo um logar mais ao fim do artigo para que quem me ler nunca se esqueça d'ellas.

Centro de meza da Baixella Barahona
Centro de meza da Baixella Barahona


O centro, como muito bem diz o nosso amigo M. Oliveira Ramos, na memoria escripta expressamente para ser distribuida pela casa Leitão aos seus convidados, compõe-se d'uma taça oblonga de amplo bojo, enfunada para a base e recordando talvez na sua fórma, o casco dos nossos galeões do periodo aureo.

De cada lado d'esta taça e como sentados no rebordo, ha duas figuras; um Fauno e uma Bachante.

O Fauno, tendo n'uma das mãos uma frauta de Pan, ri brejeiramente para um amor que parece ter-se deitado na base a analysar aquelle typo tão caracteristico e tão bem delineado. E a Bachante com um exhuberante cacho d'uvas, tenta o outro amor que, deitado tambem, nos dá a impressão suave d'um delicioso bébé a quem uma nympha estivesse fazendo negaças com em brinquedo.

Mas, é tal o deslumbrante das fórmas e o rigor da anatomia [196] d'estas figuras, tão primorosamente modeladas e tão assombrosamente executadas que parece que aquella fria prata, de que são feitas, se anima e palpita. Todo o conjuncto é bello, mas as figuras extasiaram-me.

Columbano Bordallo Pinheiro, ao modelar aquelles primores de arte, (talvez isto seja uma heresia), fez, a meu vêr, um dos seus trabalhos mais geniaes, a manifestação mais ampla do seu muito talento.

Magdalena―Columbano Bordallo Pinheiro
Magdalena
columbano bordallo pinheiro

Porque é preciso ter-se muito talento para se realisarem obras d'aquellas.

Ficarei por aqui, se bem que não era esse o meu desejo, mas a falta d'espaço e de tempo, a isso me obrigam. Antes porém de fechar cumpre-me fazer, por este meio, o que já fiz pessoalmente, dar um aperto de mão, a quem se abalançou a uma empreza como esta e saudar enthusiasticamente com o meu fraco appoiado os grandes collaboradores d'esta manifestação de arte portugueza,―o dr. Francisco Barahona, o verdadeiro patriota que sabe como ninguem comprehender para que serve o dinheiro,―Columbano Bordallo Pinheiro, que para essa obra deu parte do seu eu artistico―Augusto Luiz de Sousa e Francisco Ignacio Cardoso os dois artistas ourives sob a direcção dos quaes se executou tal obra.

Aos snr. Leitão & Irmão um bravo! Um bravo enthusiastico d'um humilde admirador.

E para fechar, folgarei immenso ouvindo dizer que esses tres monumentos vão mostrar ao mundo inteiro, na Exposição de Paris, que em Portugal ha verdadeiros artistas e homens de arte.


Lisboa, 31-4-900.




XXVII

CONCLUSÃO


Fechando este volumesito despretencioso e vago, que fiz publicar, não com a vaidade de escriptor ou critico d'Arte,

O Desterrado―Soares dos Reis
O Desterrado―soares dos reis

mas simplesmente para reunir n'um mólho, pequenos e insignificantes artigos, que escrevi em dias socegados e alegres, e que appareceram em revistas e jornaes diarios após visitas feitas a Ateliers, Escolas e Exposições d'Arte, onde tive o superior prazer de passar algumas horas boas e distrahidas, julgo ter prestado um pequenissimo serviço ao meu paiz e á sua Arte.

São estas paginas simples notas de um amador. Nem ellas desejaram nunca ser mais do que isso. Escrevi-as sincera e desapaixonadamente sem interesses ligados aos artistas, nem o desejo de ser amavel para com elles.

Fil-o como conversador inveterado que sou, [198] e que, no desejo constante de conversa, escolhi o grande publico para lhe expôr as minhas impressões pessoaes e quem sabe, faltas de sciencia e talvez de criterio.

Tenho dito mil vezes, n'essas paginas atraz o digo, e não ficará mal ao ir-me embora, repetil-o mais uma vez:―eu não sou um critico d'Arte, nem tenho pretenções a isso.

E, n'essas condições, sob uma tal ordem de ideias, interessando-me pelas exposições d'Arte, pelo desenvolvimento pintural dos discipulos e pelo engrandecimento dos professores, excitando os que começam para que breve se ponham ao lado dos que já vão na vanguarda, animando o publico e creando-lhe aos poucos o gosto pela Arte, dando noticias resumidas d'algumas exposições, destacando alguns artistas e amadores dos que mais em fóco tenho encontrado, embora sem aquelle tino especial de critica hors ligne, como convinha para tal emprehendimento, julgo no entanto, que contribuo dentro das minhas forças, para o desenvolvimento do gosto pela pintura e pela esculptura entre os meus compatriotas, com estes artigos.

N'um paiz como o nosso tão cheio de poesia, tão cheio de sol, tão cheio de côr, com costumes tão typicos e figuras tão accentuadamente caracteristicas, com pedaços de natureza (paisagem e marinha) tão cheia d'um extraordinario encanto, d'um collorido tão nosso, tão genuinamente bello, necessario se torna que elle seja sabiamente estudado e proficientemente transplantado á tela e vá mundo em fóra, fazer esta grande affirmação: que no nosso paiz, caracteristicamente pittoresco, que como poucos é dotado de bellezas naturaes dignas de serem admiradas por todo quanto em tourismo dá a volta ao mundo, ha uma pleiade de artistas, verdadeiramente grandes, e que valem tanto como os que ha bons lá pelo estrangeiro.

Se eu, debaixo d'este ponto de vista, apontando, notando, frizando, destacando e elevando, entre os que trabalham n'esta bella obra, aquelles que a meu vêr mais dignos são de menção, conseguir excitar os outros para que trabalhando honradamente, gloriosamente se possam collocar ao lado d'elles, darei por bem empregado o meu tempo.

E como não quero que se diga que esqueci os que mais gloriosamente teem batalhado n'esse combate da Arte, aquelles, que emquanto vivos produziram genialissimas obras, e [199] seriam assombrosamente grandes em qualquer parte do mundo, aqui deixo ficar, nas ultimas paginas do meu livro, tres copias de tres trabalhos sublimes dos sublimes mestres, d'esse trio sagrado de sacerdotes magnos do templo da Arte―Soares dos Reis, Silva Porto e Raphael Bordallo Pinheiro.

E nada vos direi de taes genios artisticos porque para isso seria preciso escrever tres volumes, e acho que quem é tão pequeno como eu não se deve abalançar a empreza tão ardua e tão difficil, pois que para fazer o elogio d'estes sublimes mestres, exige-se pelo menos ser tão grande como elles na litteratura e na critica.

Conduzindo o rebanho―Silva Porto
Conduzindo o rebanho―silva porto


Por isso simplesmente, como significação de respeito e muita admiração ao seu grande talento, aqui lhe deixo significado o sentimento da minha muito grande veneração.

Havereis de ter notado n'este meu livro faltas extraordinariamente grandes, bem sei. Mas, que quereis, quem dá o que tem não é obrigado a mais.

Desejaria ainda fazer um catalogo, biographico e artistico dos nossos melhores artistas e das suas obras com sabias notas descriptivas, mas isso era trabalho largo de mais [200] para quem tão fracamente maneja a penna e tão leves conhecimentos tem em tal assumpto.

Vinte annos depois―Raphael Bordallo Pinheiro
Vinte annos depois
raphael bordallo pinheiro

Se um dia, porem, lá para o futuro, me achar com coragem de emprehender empreza de tal bojo e tanta responsabilidade prometto-vos que o farei o mais larga e o mais desenvolvidamente possivel.

E os artistas que me perdoem então tal arrojo e tal atrevimento.

Por hoje apenas estas leves notas reportivas d'um insignificante amador de Arte.



Como estou em maré de desabafos, não será de todo mau que antes de terminar o mandato que a mim proprio impuz não deixe de dizer alguma coisa a respeito d'alguns erros que apparecem nas Notas d'Arte. Por isso, com a maior franqueza declaro que, não querendo seguir as pisadas d'uma grande parte dos nossos litteratos, imputando aos pobres typographos erros que só cabem aos auctores como maus revisores d'aquillo que escrevem, dou o seu ao seu dono affirmando que todos os erros que surgem pelo volume fóra só podem ser attribuidos á ligeireza com que tracei todas essas rapidas Notas d'Arte que, a meu vêr, apesar dos seus defeitos tem a grande vantagem de mostrar o grande amor que tenho á arte sublime do Bello e o desejo ardente de vêr galardoados os meritos dos artistas e dos amadores portuenses.

A illustração e a benevolencia do leitor, pesando bem a senceridade das minhas palavras, supprirá todos os erros remediando assim o velho costume de finalisar com emendas. É certo que ninguem vae ao céo sem emenda, mas uma vez que se faz uma confissão expontanea o penitente fica perdoado dos seus peccados.

30 de Novembro de 1906.




INDICE


dos artigos Pag.
No Limiar 1
Impressões d'uma Exposição 5
Pintores Portuenses.―Julio Costa 9
Pintores Portuenses.―Antonio Carneiro Junior 17
Thadeu Maria d'Almeida Furtado 21
Pintores Portuenses.―Arthur Loureiro 25
Esculptores Portuenses.―Fernandes de Sá 31
Exposição da Sociedade de Bellas-Artes de Lisboa 39
Pintores Portuenses.―Manuel San Romão 67
A Mulher Artista 73
Novas Exposições d'Arte 81
Uma Exposição de Aguarellas organisada por Amadores 89
Pintores Portuenses.―Thomaz de Moura 93
Amadores Portuenses.―D. Joanna Andressen Silva 97
Pintores Portuenses.―Antonio José da Costa 105
Em frente d'um Cartaz!... 113
Na Cruz 117
Amadores Portuenses.―D. Margarida Ramalho 119
Novos quadros de Arthur Loureiro:
I No Atelier do Palacio de Crystal 127
II Arthur Loureiro e os seus discipulos 131
III Arthur Loureiro e a Academia de Bellas Artes 135
IV Mais uma visita ao Atelier de Arthur Loureiro 141
Amadores Portuenses.―Manuel Maria Lucio Junior 145
Uma Exposição de quadros do Instituto de Estudos e Conferencias 151
Uma Exposição de Carneiro Junior 159
Notas ligeiras d'uma Exposição 163
Amadores Portuenses.―Alberto Ayres de Gouveia 171
Uma Exposição de Estatuetas.―Francisco Gouveia 179
Amadores Portuenses.―Manuel Monterroso 185
A Baixella Barahona 193
Conclusão 197



INDICE


Retratos Pág. Quadros Pág.
S. M. a Rainha 73 Estudo de creança (aguarella) 75
El-Rei 39 Paisagem (pastel) 40
Guarda arabe (pastel) 66
Alberto Ayres de Gouveia 171 A Palavra do Mestre 173
Christo Morto 175
S. João lendo as Profecias 176
Adelina Barros (D.) 144
Alfredo Keill A chegada da deligencia aos Valles em Ferreira do Zezere 61
Alice Grillo Lima (D.) 79 Orchideas 80
Antonio José da Costa 105 Chrysanthemos 7
Guarda Fiel 103
Rosas e Pionias 106
Outros tempos 107
No Pinhal 108
Camelias 109
Junquilhos e Camelias 110
Junto do Cruzeiro 111
Arthur Loureiro 25-127 Barra―Foz do Douro 26
Frontal d'uma arca 27
O Passado 28
Não voltará mais 29
Retrato de Sá de Albergaria 129
Retrato do Dr. Francisco Anthero 132

Tigres 134
Só no Mundo 136
De aldeia em aldeia 138
Paisagem 139
Flora 140
Pinheiros 142
Aurelia de Sousa (D.) 74 Paisagem 164
Branca Assis (D.) Tia Bertha 76
[203]
Candido da Cunha 7-88 Impressão de Paris 125
Crepusculo Matutino 153
A Procissão 162
Paisagem 165
Paisagem 177
Carlos Reis Mendiga 44
Retrato de El-Rei 55
Olaia em flor 57
Carneiro Junior 17 Retrato 18
Entrega de Evora 160
Columbano Bordallo Pinheiro 193 Tomando chá 53
Candelabro 194
Centro de meza 195
Magdalena 196
Condeixa Cabeça d'estudo 41
Condessa d'Alto Mearim 78 Poveretta 169
Duqueza de Palmella Cabeça de negra 4
Eduardo Moura 88 Guardando vaccas 155
Fernandes de Sá 31 Desafio 32
Camões 33
Beijo Materno 35
Busto de Antonio Cano 37
Rapto de Ganymedes 63
Francisco Gouveia 179 Teixeira Lopes 180
Eça de Queiroz 181
Marcos Guedes, Guedes d'Oliveira, Guerrra Junqueiro, Pae Ramos 182
Joanna Andressen Silva (D.) 97 Salão do Palacete de D. Joanna 98
Canto do Atelier 99
Busto de Mademoiselle Elisa Andressen 100
Busto de Mademoiselle Ramos Pinto 101
Busto de Mademoiselle Joanna Andressen 102
João Augusto Ribeiro 8 Estudo 178
João Vaz Marinha 45
Joaquim Marinho 89
José de Brito 6-152 Vaga 47
Cabeça de estudo (pastel) 91
José Malhôa 5 Que grande calamidade 6
Barbeiro d'aldeia 42
José Romão Junior 168
José Teixeira Lopes 88 Paisagem (aguarella) 90
Julião Machado Cartaz 114
Julio Costa 9 Retrato do Conselheiro João Franco 10
Retrato de Oliveira Martins 11
O Calvario 14
A Ti Anna 15
Na Cruz 118
[204]
Julio Ramos 88-156 Aos Grillos 164
Barcos de Pesca 170
Leopoldina Pinto (D.) Flores 84
Lucilia Aranha Grave (D.) 163 Na Eira 30
Paisagem 183
Manuel Maria Lucio Junior 145 Marinha 147
Barra―Foz do Douro 149
Manuel Monterroso 185 Caricatura do auctor das Notas d'Arte 1
Cartaz 115
Dr. Leopoldo Mourão 186
Uma pagina da Parodia 187
João Oliveira Ramos 188
Estatueta de Raphael Bordallo Pinheiro 189
O Rei da Peça 190
Os donos da Casa 191
Estatueta de José Ribeiro 192
Manuel San Romão 67 Na espectativa 68
Paisagem 69
Paisagem 70
Uma sevilhana 71
Margarida Costa Romão (D.) 166
Margarida Ramalho (D.) 119 Castanheira 122
Cabeça de velho 123
Maria Afflalo (D.) 168
Maria Augusta Bordallo Pinheiro (D.) Um lenço de rendas 23
Marques d'Oliveira 83 Paisagem 43


Entre o almoço e o jantar 59
Paisagem 154
Raphael Bordallo Pinheiro Vinte annos depois 200
Silva Porto Conduzindo o rebanho 199
Soares dos Reis O Desterrado 197
Sophia de Sousa (D.) 82 Ao Sol 197
Sousa Pinto 151
Teixeira Lopes 184 Busto de inglesa 51
Santo Isidoro 65
A Caridade 85
Baixo relevo (Saudade) 161
Caim 184
Thadeu Maria de Almeida Furtado 21
Thomaz de Moura 93
Torquato Pinheiro 156 Retrato de minha Mãe 8


Retrato de Bernardino Reaes 157
Lavadeiras na levada 166
Velloso Salgado 49 Panneaux para o Palacio da Bolsa 87
Panneaux para o Palacio da Bolsa 95
Zéo Wanthelet Batalha Reis Quem espera desespera 77


Notas:

[1] Um dos mais distinctos professores da Escola Medico-Cirurgica do Porto, já fallecido.



Lista de erros corrigidos

Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos:


Original Correcção
#pág. 6 o educação ... a educação
#pág. 37 fificar ... ficar
#pág. 45 destestaveis ... detestaveis
#pág. 47 52 ... 62
#pág. 54 312 ... 212
#pág. 82 fezendo-nos ... fazendo-nos
#pág. 90 medesto ... modesto
#pág. 106 devido ... devida
#pág. 111 tratados ... tratadas
#pág. 133 delicamente ... delicadamente
#pág. 134 professsor ... professor
#pág. 141 granda lucta ... grande lucta
#pág. 147 interressante ... interessante
#pág. 164 centamen ... certamen
#pág. 188 Eatasiava-me ... Extasiava-me
#pág. 190 carderno ... caderno
#pág. 192 modela o como ... modela e como
#pág. 192 elogie ... elogio
#pág. 194 ddivagações ... divagações
#pág. 202 Adelina Barros ... Adelia Ramos*
#pág. 202 Zerere ... Zezere
#pág. 203 Tomanho ... Tomando

* Índice alterado de acordo com legendas das imagens da obra.

As variações de nomes próprios foram mantidas de acordo com o original.