Nota de editor:
Devido à
quantidade de erros tipográficos existentes neste texto,
foram tomadas várias decisões quanto à
versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi
mantida de acordo com o original. No final deste livro
encontrará a lista de erros corrigidos.
Rita
Farinha (Junho 2011)
MEMORIA HYDROGRAFICA
DAS
ILHAS DE CABO VERDE,
PARA SERVIR DE INSTRUCÇÃO
Á CARTA DAS MESMAS ILHAS,
PUBLICADA EM O ANNO DE 1790.
POR
FRANCISCO ANTONIO CABRAL.
Agora novamente reimpressa, e augmentada com
a presente Memoria pelo mesmo Author.
Lisboa. M. DCCCIV.
NA OFFICINA DE
SIMÃO THADDEO
FERREIRA.
Com
Licença da Meza do
Desembargo do
Paço.
[3]
Esta Memoria só tem por fim mostrar ao
Público o conceito, que da minha Carta se póde
fazer; e por isso eu desde já começo com este
objecto.
Não me tem sido possivel encontrar Carta,
ou Roteiro, de que podesse tirar algumas
instrucções,
para corrigir esta Carta; e antes me assegurão
os Pilotos, e mais pessoas, que navegão para
as mesmas Ilhas, que a minha Carta he a mais
correcta: e com effeito parece que só estes he
que podem decidir da sua exacção.
Parece-me ouvir o Leitor dizer: «Esta Carta
foi declarada por menos exacta, que a de
Mr. d'Aprés em 1799 por huns Academicos
Portuguezes, se me não engano: cujas razões
frivolas erão, 1.º porque ella differia muito nas
configurações de algumas Ilhas, da Carta
d'Aprés;
2.º porque os meios usados pelo Author
não erão bem entendidos; 3.º porque a
derrota
aconselhada na mesma Carta era differente
da que seguio d'Aprés, &c.»
He verdade que assim foi, com pouca differença;
mas tambem he verdade, que foi daquellas
noticias de Gazeta, que requerem confirmação.
[1]
[4]
O Leitor prudente, e imparcial verá que eu
demostro com toda a evidencia, em como a minha
Carta he mais correcta, que a de Mr. d'Aprés:
e a derrota, que aconselho, a mais segura, e a que
seguem os Práticos daquellas Ilhas; e por consequencia,
que os taes Academicos se enganárão
miseravelmente,
ou então entendião muito pouco desta
materia.
Começamos por hum ponto principal, e que
logo dá nos olhos dos que sabem a Geografia daquellas
Ilhas. Pergunto, quantos ancoradouros, ou
pórtos dá a Carta de d'Aprés na Ilha
brava? nenhum,
como se póde vêr. Quando elle ha tres, que
são, o da Furna da banda de Leste na cabeça do
Norte da Ilha; e he hum excellente porto para oito,
ou dez Navios pequenos no tempo das brisas,
ou da monção. O porto do Feijão da
agua
da banda de Oeste tambem na cabeça do Norte;
O porto do Ferreiro, que fica para o Sul deste:
nestes dous pórtos costumão varios Navios
Estrangeiros
fundear no tempo das aguas, ou de
inverno; e no do Ferreiro até se póde ancorar no
tempo das brisas, e com Navios maiores; e não
he necessaria tanta prática para entrarem nestes
dous pórtos, como para entrarem na furna.
Ora parece não ser pequena emenda o augmento
de tres pórtos, dois dos quaes podem ser de
[5]
de grande utilidade pata arribarem alguns Navios
por occasião de necessidade, taes são o do
Ferreiro,
e de Feijão da agua.
Não fica só nisto a emenda da Ilha brava:
esta Ilha na Carta de Mr. d'Aprés he comprida,
e lançada do Noroeste ao Sueste, e rodeada de
perigos, sendo ella quasi redonda, e o maior
comprimento do Norte ao Sul, e livre de perigos:
pois só tem os Ilheos chamados de cima, e
de baixo, como se vê na minha Carta; e estes
mesmos não são cercados de perigos, e
só tem
algumas restingas de arêa com pouco fundo. Em
quanto aos meios de que me servi para tirar a
planta desta Ilha, são mais que sufficientes para
o uso da Navegação: e até me atrevo
presentemente
a propôr hum bom premio para os que
repugnárão
os ditos meios, se me mostrarem outro
methodo mais exacto, e mais simples, usando dos
mesmos aprestimos, e em iguaes circumstancias:
eu os omitto aqui por me livrar de maior despeza.
[2]
Mas posso affirmar que se eu podesse
tirar a planta das outras Ilhas, como tirei a
desta, a minha Carta seria huma das mais exactas.
E em quanto ás outras, que tambem emendei,
[6]
servi-me dos meios, de que se servem todos
os Navegadores, andando á véla: e talvez os
Mathematicos,
que notárão a minha Carta por menos
exacta, que a de d'Aprés, não fizessem com huns
poucos de mil cruzados de despeza, o que eu fiz por
patriotismo, e curiosidade (e a experiencia o tem
mostrado): o Leitor Sabio dirá, sendo isto assim,
como
na verdade o he; porque
senão hão
de louvar os trabalhos, que varios homens de genio
offerecem gratuitamente? eu lhe respondo sem
talvez me enganar muito; porque algumas vezes
succede dar-se o premio ao que critíca huma Obra,
em lugar de dar-se ao que a fez sem tenção
de interesse, e como he incomparavelmente
mais facil dizer mal de huma Obra, do que
fazer outra tão boa, ou melhor, sempre ha de
ser muito maior o número dos zoilos, do que o
dos homens úteis: mas vamos ao nosso objecto.
Tem visto o Leitor, que a Ilha brava pintada
na minha Carta, he a bem dizer huma nova
Ilha comparada com a que vem na Carta de
d'Aprés; sem que por isto se diminua o crédito de
d'Aprés, pois elle nunca foi a tal Ilha, e só a
veria de longe, bem como Mr. Fleurieu , e Verdum;
cujos Navegadores forão tão sómente
á Villa
da praia na Ilha de S. Tiago.
Passemos á Ilha do Fogo; esta só tem hum
porto na Carta de d'Aprés, quando ha dois;
hum de S. Filippe ao Norte para o tempo de Inverno;
e outro de Nossa Senhora para o tempo
de Verão, ou das brisas. Desta Ilha não direi
mais, por estar só dous dias nella, mas posso affirmar
ao Leitor, que a sua verdadeira figura he differente
[7]
da que se vê na Carta de d'Aprés,
mas não obstante eu a pintei por ella.
Na Ilha do Maio tambem lá estive hum dia
fundeado no porto do Inglez; porém como naveguei
á vista della, tanto da banda de Leste, como
de Oeste, e tirei informações dos
Práticos, a
deliniei da melhor fórma que me foi possivel,
em ponto tão pequeno.
Em quanto á Ilha de S. Tiago, parece-me
esta Ilha a mais bem collocada, e delineada (deixando
algumas pequenas differenças) das que se
achão na Carta de d'Aprés: talvez por ser a mais
frequentada de todos os Navegadores; e com effeito
o porto da Villa da Praia he hum dos mais
seguros de todas estas Ilhas no tempo das brisas,
e o mais proprio para refrescar. Poucas addições
tive que fazer, mas com tudo emendei a ponta
do Norte, e fiz menção do porto do mangue no
Tarrafal; e supprimi os Ilheos, que se achão pela
parte de Oeste na Carta de d'Aprés; porque os
não ha.
A Ilha da Boavista tambem foi emendada,
primeiro em notar-lhe a restinga de pedras, que
ha entre o Ilheo, e a Ilha no porto do Inglez,
cuja restinga se não vê na Carta de
d'Aprés, e
antes mostra huma passagem livre, e por consequencia
hum precipicio a qualquer Navio, que fosse
para entrar no porto, guiando-se pela dita Carta,
sem mais noticia, e esta infelicidade já tem
acontecido. E com effeito hum Piloto, que fosse
dar fundo no porto do Inglez só pelo socorro
da Carta, antes preferiria entrar por entre o Ilheo,
e a terra, do que por entre o Ilheo, e o baixo,
[8]
sendo esta ultima a entrada; porque entre o Ilheo,
e a terra ha hum recife de pedra, como se vê na
minha Carta. Notei mais o porto do Norte, que
serve no tempo das aguas; porém este porto he
muito arriscado, e os Navios, que não tiverem
bom Prático, devem fugir de lá ancorarem em
tempo algum. Alonguei os recifes de toda a parte
de Leste da Ilha, por não estarem notados com
segurança na Carta de d'Aprés: e tambem
não
estão ainda bem notados na minha, por me ser
muito perigoso o reconhecer as extremidades de
semelhantes recifes: e só direi, que esta Ilha he
a mais perigosa de todas ellas; porque estes recifes
da parte de Leste deitão muito para o
mar, de maneira que no tempo das brisas, e em
dias de neblina, hum Navio póde encalhar sem
vêr a terra, como já tem acontecido: e he esta
huma das principaes razões, porque os Praticos nunca
vão demandar esta Ilha.
A Ilha do Sal pela parte do Sul na Carta
de d'Aprés acaba por huma ponta redonda, cercada
por hum recife de arêa, porém não he
assim;
esta Ilha da parte do Sul finaliza por huma
ponta de arêa bem comprida, e muito raza, que
terá huma boa legoa de comprimento, a que chamão
a ponta da Madama; e da banda de Leste
ha hum ancoradoiro, como se vê na minha Carta.
Vendo-se a parte do Sul desta Ilha, parece finalizar
a terra, quando ainda ha a tal restinga, que
apenas se vê de meia legoa no tempo das brisas;
esta Ilha da parte do Norte não he perigosa, e
he hum pouco montanhosa.
Passando agora á Ilha de S. Nicoláo,
verá
[9]
o Leitor, que eu lhe dou huma figura muito differente
daquella, que se vê na Carta de d'Aprés;
porque na verdade assim he, pois eu a rodeei, e
tambem deliniei parte della por terra, e estou
muito bem certo, que os Navegadores acharáõ
(como tem achado) ser esta a figura mais aproximada
á verdadeira; tambem fiz menção do
porto
do Tarrafal.
A Ilha Branca foi mudada para perto do seu
verdadeiro lugar, e nesta mudança só
póde haver
differença de huma milha, por não ter
occasião
de tempo claro para fazer boas marcas.
Em quanto ás Ilhas de Santa Luzia, S. Vicente,
e Santo Antão, nada direi; porque só as
vi de longe, e por isso as copiei da Carta de
d'Aprés.
Tem o Leitor visto que as emendas forão
muitas, e que por consequencia a minha Carta
deve ser mais exacta, do que a de d'Aprés, e isto
mesmo he confirmado por aquelles, que para lá
tem navegado, e só o negou quem nunca navegou.
Vamos em fim a mostrar que a derrota prescripta
na mesma Carta, he a melhor, a mais segura,
e a geralmente recebida por todos os Praticos,
que para lá navegão.
Para decidir sobre a vantagem da minha derrota
á de d'Aprés, não he necessario ter
ido ás
Ilhas de Cabo Verde, nem tambem he necessario
ter navegado muito; porém he necessario entender
o que são monções, e correntes, e ter
lido
Viagens, e saber alguma cousa de Hydrografia.
Mas sempre devo advertir ao Leitor, que eu teria
pejo de explicar hum semelhante problema,
[10]
que por qualquer Navegante tem sido comprehendido,
a quem quer passar por Professor de
Hydrografia, se com effeito mo não tivessem duvidado
sem fundamento algum.
Antes que entre com esta demonstração, he
conveniente prevenir o Leitor, de que estas Ilhas
na maior parte do tempo das brisas se não podem
vêr de mais de duas, até tres leguas; e em
muitas occasiões se chega a vêr arrebentar o mar
nas Costas, e se não vê a terra alta; e isto he
sabido por todos os navegantes: além deste perigo
temos o das correntes para Oeste, e fortes
ventanias.
Mr. d'Aprés diz pag. 13 edição de
1775.
«Quando qualquer Navio não tiver destino
particular,
nem para o Senegal, nem para Goréa,
e que a necessidade de agua, e outros refrescos,
lhe fação preferir a escala por S. Tiago;
em lugar de irem reconhecer a Costa da Africa,
será mais conveniente, que partindo das
Canarias dirijão a sua derrota para o Sul, a fim
de se pôrem 25, ou 30 leguas a Leste da Ilha
da Boavista, e na Latitude de 16°, que he a do
meio desta Ilha, e navegar para Oeste até a
encontrar: eis-áqui a derrota que dá Mr.
d'Aprés.
Vejamos agora o quanto ella he perigosa.
Para qualquer Leitor bem entender o que vou
a dizer, será conveniente ter á vista a Carta
destas
Ilhas, ou ainda melhor, outra que as contenha.
O Sabio Navegador Mr. d'Aprés claramente
está dizendo, que os Navios da Companhia
das Indias costumavão ir ao Senegal, ou a Goréa
(e os que tem noticia deste Commercio muito
[11]
bem sabem isto), porém se para lá não
levarem destino,
e quizerem ir a S. Tiago, lhes aconselha
se mettão 25, ou 30 leguas a Leste da Ilha da
Boavista, e isto partindo das Canarias, que he
menos de meio, caminho partindo-se de Lisboa, e
menos de hum terço, partindo de Porto Luiz. Está
bem entendido, que partindo de Lisboa, ou
de outro qualquer porto da Europa, e não vendo
as Canarias, he necessario suppôrem-se mais de
30 leguas a Leste: por cuja razão temos huma
derrota mais longa; e de noite não se deve navegar
para a tal Ilha, segundo os perigos de que já
fallei.
Suppômos agora hum Piloto, que não esteja
habil em achar a Longitude pelos methodos Astronomicos.
Supponhamos tambem que mesmo sendo
habil, não tem occasião, ou por muita neblina,
como costuma haver das Canarias para Cabo Verde,
ou em fim por não ser conjunção destas
observações
nos dias de viagem da altura das Canarias
para Cabo Verde; pergunto, não póde ter hum
erro de Longitude, que o faça passar pelo Canal,
entre a Ilha do Sal, e a de S. Nicoláo, e não
vêr, nem huma, nem outra, seja de dia, ou de
noite? póde sem dúvida, e já tem
acontecido a
alguns Navios. Ora em semelhante caso navega
para Oeste, porém a Ilha fica-lhe a Leste eis-ahi
as Ilhas sotaventiadas, e a viagem perdida. Estes
perigos he que não conhecem alguns Mathematicos,
que nunca sahírão cá deste sitio, por
onde
anda a rapoza. Ainda aqui não fica só o perigo
de varar a Ilha da Boavista por erro de Longitude,
tambem se póde varar por erro de Latitude;
[12]
hum, ou dois dias que não hajão
observações das
alturas meridianas do Sol, estamos tambem no
caso da Ilha varada por erro de Latitude.
Querem vêr todos estes perigos desvanecidos,
vão demandar a Ilha do Sal pela banda do Norte,
e se as correntes, e outros obstaculos, que se
encontrão nestas, e outras navegações,
tiverem
deitado o Navio para Oeste do Meridiano da Ilha
do Sal, elle necessariamente irá encontrar com a
Ilha de S. Nicoláo, ou com: a de S. Luzia, se
navegar por maior Latitude. Em quanto ao erro
da Latitude, bem se vê que as quatro Ilhas de
S. Nicoláo, S. Luzia, S. Vicente, S. Antão,
occupão
hum intervallo de Latitude, que não póde
ser varado por falta de dois, ou ainda mais
dias de Sol. Por esta derrota até não he
necessaria
tanta segurança para Leste: por outra razão,
a Ilha do Sal he livre de perigos, quando a da
Boavista he perigosissima. Ora quem negar que
este modo de navegar não he mais seguro, e mais
breve, tambem nega, que 3 e mais 2 não fazem
5, e não he muito que negue a existencia das
Ilhas de Anadias, que ficão lá no cabo do Mundo.
Por esta derrota vai hum Navio directamente
para todas as Ilhas de Barlavento, e destas para
as de Sotavento. Supponhamos por exemplo, que
sahia hum Navio de Lisboa para as Ilhas de Cabo
Verde, e que levava destino para ir a S. Nicoláo;
que fazia este Navio em ir demandar a
Ilha da Boavista? fazia huma viagem maior, e
de mais perigo. E não obstante vêr-se na Carta,
que o rumo da Boavista para S. Nicoláo seria a
uma larga com Vento NE. ou NNE. não
[13]
succede assim; porque he necessario attender a
hum angulo de 4, ou 5 rumos para o Norte, a
fim de compensar a velocidade da corrente, que
vai para Oeste. As viagens por entre estas Ilhas
bem mostrão o quanto he perigoso sotaventíallas,
pois das Ilhas de Barlavento para as de Sotavento,
a viagem he pouco mais, ou menos de vinte
e quatro horas; porém destas para as de Barlavento,
se gastão muitas vezes 12, 15, 18 dias
com muito trabalho, e desassocego.
Por outra parte, a Ilha do Sal he livre de
baixos, quando a da Boavista he cercada delles,
como já tenho dito: nella se tem perdido varios
Navios desgraçadamente: no anno antecedente ao
da primeira viagem, que fiz para estas Ilhas, se
perdeo nos baixos desta Ilha, vindo-a demandar
segundo a derrota de Mr. d'Aprés, hum importante
Navio Inglez da Companhia das Indias, que
hia para a Asia, morreo a maior parte da gente,
e se perdeo todo o Navio, carga, e mais de
hum milhão de patacas; além deste ouvi fallar na
perdição de outros, cujas épocas
não erão muito
antigas.
A respeito da derrota, que seguio Fleurieu,
não me serve de exemplo, pois elle não foi de
Rochefort, em direitura ás Ilhas de Cabo Verde,
mas sim da Ilha Goréa na Costa da Africa, para
a Villa da Praia; e foi demandar a Ilha do Maio.
Outro tanto direi de Mr. Verdum, porque
fez a mesma viagem, e tambem foi demandar a
Ilha do Maio.
Em conclusão, quer o Leitor vêr hum facto
bem remarcavel, que authorisa os meus raciocinios,
[14]
e que decisivamente reprova a derrota de
d'Aprés, em mandar procurar a Ilha da Boavista,
como tambem a daquelles, que vindo do Norte
procurão a Ilha do Maio.
Torno a dizer, a Ilha da Boavista não deve
jámais ser demandada, porque ella hia sacrificando
nas suas ruinas o Principe dos Navegadores.
Sim, amigo Leitor, Cook o mais habil, o
mais célebre, em fim o mais feliz dos Navegadores
Inglezes, e de todas as Nações do Mundo,
alli hia sendo victima dos rochedos, que cercão
esta Ilha pela banda de Leste.
Na terceira viagem deste immortal Navegador,
Tomo I. Capitulo III. se vê o que agora
vou a descrever.
«Aos 10 de Agosto de 1776, ás nove horas
da noite vimos a Ilha da Boavista demorando
ao Sul, e a pouco mais de huma legoa:
nós pensavamos estar muito mais longe, porém
então reconhecemos o nosso engano. Tendo virado
a Rumo de Leste até á meia noite, a fim
de montar os baixos, que cercão a Ilha pela
parte do Sueste, e que deitão huma legoa pouco
mais, ou menos para o mar, nos achámos
tão perto delles, que viamos encapellar o mar
sobre os recifes. A nossa situação foi por alguns
minutos consternavel: eu não achei acertado
sondar, porque esta operação faria augmentar
o perigo, sem usar primeiro dos meios de nos
affastarmos, &c.»
Quando ao Capitão Cook lhe aconteceo hum
engano, que tão desgraçado hia sendo a todo o
Mundo, que diremos dos outros Navegadores em
[15]
geral? Isto muito bem confirma as minhas reflexões,
que acima ficão ditas; quero dizer, que
nem só ha risco de varar as Ilhas para Oeste,
mas tambem de se irem perder de noite na Ilha
do Sal, para completar a Latitude da Ilha da
Boavista, pensando que a Ilha do Sal lhe demora
para Oeste: aqui se vê quanto a derrota de ir
demandar a Ilha do Sal he segura; pois logo
que qualquer Navegante se acha proximo a completar
a Latitude desta Ilha, começa a navegar
com muita cautela, e só a verá de dia, e como
no seu caminho não ha Ilha, nem baixo, está
seguro
de não encontrar perigo algum.
Á primeira vista tambem parecerá a derrota,
que vou a descrever, muito boa. Vem a ser: hum
Navio, que vá da Europa, e só quizer ir refrescar
á Villa da Praia, metta-se no parallelo do meio
da Ilha do Maio, e tanto a Leste, quanto julgue
conveniente a segurança da sua derrota: depois
navegue para Oeste até vêr a Ilha, governando
então pela banda do Sul da Ilha, vá demandar a
Villa da Praia. Esta derrota, segundo as
indagações
que tenho feito, he muito usada pelos Navios
grandes, que só vão refrescar á Villa
da
Praia. Porém ella requer huma grande certeza de
Longitude, e Latitude, e a falta desta certeza faz
a viagem mais demorada além de duvidosa. Mas
como o reconhecimento da Ilha do Sal he muito
mais seguro, e fica no caminho da derrota,
não ha razão alguma para não seguir
esta derrota,
que por todos os lados he mais vantajosa,
principalmente para os que vão de proposito para
estas Ilhas.
[16]
Como nem só os bons arrazoamentos decidem
em materia de prática, eu além das vantagens,
que conheci na derrota que segui, tive, antes de
publicar a dita Carta, o cuidado de examinar,
se com effeito esta derrota era usada pelos Navegantes
daquellas Ilhas; e com a sua confirmação
então a publiquei: presentemente me assegurão,
que nem só os Portuguezes, porém todos os
Americanos,
e em geral todos os que conhecem a Navegação
destas Ilhas de Cabo Verde, seguem a
derrota de irem demandar a Ilha do Sal. Eu
tambem posso affirmar que os Americanos me tem
gasto huma boa porção destas Cartas, que mandei
para as ditas Ilhas. He necessário combinar a
Theorica com a experiencia, porque sem esta
combinação, tudo he palhada, e palanfrorios; e
se os Críticos da minha Carta usassem desta
combinação,
não produzirião razões frivolas para
negar
o certo, e confirmar o duvidoso, como por
exemplo, a publicação do baixo do Victo sem
escrupulo algum, e outras mais, &c.
FIM
Notas:
[1]
Não respondi logo ao tal Annuncio do Gazeta; 1.
porque eu sempre tratei esta Carta de bagatella; 2. porque
o mesmo Annuncio estava mostrando a fragilidade das suas
razões, e as pessoas de juizo claramente
conhecêrão, que
era intriga formada por alguns individuos, e por consequencia
a Carta ficou com o mesmo crédito; 3. porque ainda a
impressão não estava concluida, mas presentemente
como
está finalizada, era justo, que fazendo segunda
impressão,
lhe addiccionasse a presente Memoria.
[2]
Será bom responder agora ao Commentador desta Carta
sobre huma dúvida, com que elle fez alguma bulha entre
os seus Socios Academicos, e he que a maneira de como
me servi para tirar a planta da Ilha brava, era muito duvidosa,
em razão da determinação das bazes,
não se lembrando
que os alinhamentos só se podem fazer no mar alto,
por meio da bussola, ou agulha de marear, e que outros
quaesquer meios serão quimeras; porém merece toda
a
desculpa, visto que, nunca tenha navegado, nem emprehendido
semelhantes trabalhos.
Lista de erros corrigidos
Aqui encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
|
Original |
|
Correcção |
#pág.
6 |
naverdade |
... |
na verdade |