Title: Quéda que as Mulheres Têm para os Tolos
Author: Victor Hénaux
Translator: Machado de Assis
Release date: May 27, 2019 [eBook #59620]
Language: Portuguese
Credits: Produced by Laura Natal Rodrigues in memoriam of Marc
D'Hooghe at Free Literature (Images generously made
available by Biblioteca Brasiliana.)
ADVERTENCIA
CAPITULO I
CAPITULO II
CAPITULO III
CAPITULO IV
CAPITULO V
CAPITULO VI
CAPITULO VII
CAPITULO VIII
CAPITULO IX
CAPITULO X
CAPITULO XI
CAPITULO XII
CAPITULO XIII
Este livro é curto, e talvez devera sel-o mais.
Desejo que elle agrade, como me sahe das mãos; mas é com pezar que me vanglorio por esta obra.
Fallar do amor das mulheres pelos tolos, não é arriscar ter por inimigas a maioria de um e outro sexo?
Diz-se que a materia é rica e fecunda; eu accrescento que ella tem sido tratada por muitos. Se tenho, pois, a pretensão de ser breve, não tenho a de ser original.
Contento-me em repetir o que se disse antes de mim: minhas paginas conscienciosas são um resumo de muitos e valiosos escriptos. Propriamente fallando, é uma comparação scientifica, e eu obteria a mais doce recompensa de meus esforços, como dizem os eruditos, se inspirasse aos leitores a idéa do aprofundar um tão importante exemplo.
Quanto á imparcialidade que presidio a redacção deste trabalho, creio que ninguem a porá em duvida.
Exalto os tolos sem rancor, e se critico os homens de espirito, é com um desinteresse, cuja extenção facilmente se comprehenderá.
Passa em julgado que as mulheres lêem de cadeira em materia de fazendas, perolas e rendas, e que, desde que adoptam uma fita, deve-se crer que a essa escolha presidiram motivos plausiveis.
Partindo deste principio, entraram os philosophos a indagar se ellas mantinham o mesmo cuidado na escolha de um amante, ou de um marido.
Muitos duvidaram.
Alguns emittiram como axioma, que o que determinava as mulheres, neste ponto, não era, nem a razão, nem o amor, nem mesmo o capricho; que se um homem lhes agradava, era por se ter apresentado primeiro que os outros, e que sendo este substituido por outro, não tinha esse outro senão o merito de ter chegado antes do terceiro.
Permaneceo por muito tempo este systema irreverente.
Hoje, graças a Deus, a verdade se descobrio: veio a saber-se que as mulheres escolhem com pleno conhecimento do que fazem. Comparam, examinam, pesam, e só se decidem por um, depois de verificar nelle a preciosa qualidade que procuram.
Essa qualidade é... a toleima!
Desde a mais remota antiguidade, sempre as mulheres tiveram a sua queda para os tolos.
Alcibiades, Socrates e Platão foram sacrificados por ellas aos presumidos do tempo. Turenne, la Rochefoucauld, Racine e Molière, foram trahidos por suas amantes, que se entregaram a basbaques notorios. No seculo passado todas as boas fortunas foram reservadas aos pequenos abbades. Estribados nesses illustres exemplos, as nossas contemporaneas continuam a idolatrar os decendentes dos idolos das suas avós.
Não é nosso fim censurar uma tendencia, que parece invencivel; o que queremos é motival-a.
Por menos observador e menos experiente que seja, qualquer pessoa reconhece que a toleima é quasi sempre um penhor de triumpho. Desgraçadamente ninguem póde por sua propria vontade gozar das vantagens da toleima. A toleima é mais do que uma superioridade ordinaria: é um dom, é uma graça, é um sello divino.
«O tolo não se faz, nasce feito.»
Todavia, como o espirito e como o genio, a toleima natural fortifica-se e estende-se pelo uso que se faz della. É estaccionaria no pobre diabo que raramente póde applical-a; mas toma proporções desmarcadas nos homens a quem a fortuna, ou a posição social cedo leva á pratica do mundo. Este concurso da toleima innacta e da toleima adquirida é que produz a mais temivel especie de tolos, os tolos que o academico Trublet chamou «tolos completos, tolos integraes, tolos no apogêo da toleima.»
O tolo é abençoado do céo pelo facto de ser tolo, e é pelo facto de ser tolo, que lhe vem a certeza de que qualquer carreira que tome, hade chegar felizmente ao termo. Nunca solicita empregos, aceita-os em virtude do direito que lhe é proprio: Nominor leo. Ignora o que é ser corrido ou desdenhado; onde quer que chegue, é festejado como um cónviva que se espera.
O que oppor-lhe como obstaculo? É tão energico no choque, tão igual nos esforços e tão seguro no resultado! É a rocha despegada, que rola, corre, salta e avança caminho por si, precipitada pela sua propria massa.
Sorri-lhe a fortuna particularmente ao pé das mulheres. Mulher alguma resistio nunca a um tolo. Nenhum homem de espirito teve ainda impunemente um parvo como rival. Porque?... Ha necessidade de perguntar porque? Em questão de amor, o parallelo a estabelecer entre o tolo e o homem de siso, não é para confusão do ultimo?
Em materia de amor, deixa-se o homem de espirito embalar por extranhas illusões. As mulheres são para elle entes de mais elevada natureza que a sua, ou pelo menos elle empresta-lhes as proprias idéas, suppõe-lhes um coração como o seu, imagina-as capazes, como elle, de generosidade, nobreza e grandeza. Imagina que para agradar-lhes é preciso ter qualidades ácima do vulgar. Naturalmente tímido, exaggera mais ao pé dellas a sua insufficiencia; o sentimento de que lhe falta muito, o torna desconfiado, indeciso, atormentado. Respeitoso até a timidez, não ousa exprimir o seu amor em palavras; exhala-o por meio de uma não interrompida serie de meigos cuidados, ternos respeitos e attenções delicadas. Como nada quer á custa de uma indignidade, não se conserva continuamente ao pé d’aquella que ama, não a persegue, não a fatiga com a sua presença. Para interessal-a em suas magoas, não toma ares sombrios e tristes; pelo contrario, esforça-se por ser sempre bom, affectuoso e alegre junto della. Quando se retira da sua presença, é que mostra o que soffre, e derrama as suas lagrimas em segredo.
O tolo, porém, não tem desses escrupulos. A intrepida opinião que elle tem de si proprio, o reveste de sangue frio e segurança.
Satisfeito de si, nada lhe paralysa a audacia. Mostra a todos que ama, e solicita com instancia provas de amor. Para fazer-se notar d'aquella que ama, importuna-a, acompanha-a nas ruas, vigia-a nas igrejas e espia-a nos espectaculos. Arma-lhe laços grosseiros. Á mesa, offerece-lhe uma fructa para comerem ambos, ou passa-lhe mysteriosamente com muito geito um bilhete de amores. Aperta-lhe a mão a dançar e saca-lhe o ramalhete de flôres no fim do baile. N’uma noite de partida, diz-lhe dez vezes ao ouvido: «Como é bella»! porquanto revela-lhe o instincto, que pela adulação é que se alcançam as mulheres, bem como se as perde, tal qual como acontece com os reis. De resto, como nos tolos tudo é superficial e exterior, não é o amor um acontecimento que lhes mude a vida: continúa como antes a dissipal-a nos jogos, nos salões e nos passeios.
O amor, disse alguem, é uma jornada, cujo ponto de partida é o sentimento, e cujo termo inevitavel a sensação. Se é isto verdade, o que ha a fazer, é embelecer a estrada e chegar o mais tarde possivel ao fim. Ora, quem melhor que o homem de espirito sabe parolar á beira do caminho, parar e colher flôres, sentar-se ás sombras frescas, recitar aventuras e procurar desvios e delongas? Um caracol de cabellos mal arranjado, um comprimento menos apressado que de costume, um som de voz discordante, uma palavra mal escolhida, tudo lhe é pretexto para demorar os passos e prolongar os prazeres da viagem. Mas quantas mulheres apreciam esses castos manejos, e comprehendem o encanto dessas paradas á borda de uma veia limpida que reflecte o céo? Ellas querem amor, qualquer que seja a sua natureza, e o que o tolo lhes offerece é lhes bastante, por mais insipido que seja.
O homem de espirito quando, chega a fazer-se amar, não goza de uma felicidade completa. Atemorisado com a sua ventura, trata antes de saber porque é feliz. Pergunta porque e como é amado; se, para uma amante, é elle uma necessidade, ou um passatempo; se ella cedeu a um amor invencivel; emfim, se é elle amado por si mesmo. Crêa elle proprio e com engenho as suas magoas e cuidados; é como o Sibarita que, deitado em um leito de flôres, sentia-se incommodado pela dobra de uma folha de rosa. N'um olhar, n’uma palavra, n’um gesto, acha elle mil nuanças imperceptiveis, desde que se trata de interpretal-as contra si. Esquece os encomios que levemente o tocam, para lembrar-se sómente de uma observação feita ao menor dos seus defeitos e que bastante o tortura. Mas, em compensação desses tormentos, ha no seu amor tanto encanto e delicias! Como estuda, como extrahe, como saborêa as volupias mais fugitivas ate a ultima essencia! Como a sua sensibilidade especial sabe descobrir o encanto das criancices frivolas, dos invisiveis attractivos, dos nadas adoraveis!
O tolo é um amante sempre contente e tranquillo. Tem tão robusta confiança nos seus predicados, que antes de ter provas, já mostra a certeza de ser amado. É assim deve ser. Em sua opinião faz uma grande honra á mulher a quem dedica os seus effluvios. Não lhe deve felicidade; elle é que lh'a dá e como tudo o leva á exaggerar o beneficio, não lhe vem á idéa que se possa ter para com elle ingratidões. Assim, no meio das alegrias do amor, saborea ainda a embriaguez da fatuidade. Mas como, em definitivo, é elle proprio o objecto de seu culto, depressa o tolo se aborrece, e como o amor para elle não é mais que um entretenimento que passa, os ultimos favores, longe de o engrandecerem mais, desligam-n'o pela saciedade.
O homem de espirito vê no amor um grande e serio negocio, occupa-se delle como do mais grave interesse de sua vida, sem distracção, nem reserva. Póde perder nelle algumas das suas qualidades viris, mas é para crescer em abnegação, em dedicação, em bondade. Supporta tudo d'aquella que ama sem nada exigir della. Quando ella attende a alguns dos seus votos, quando previne alguns dos seus desejos, longe de ensoberbecer-se, agradece com uma effusão mesclada de sorpreza. Perdoa-lhe generosamente todos os males que lhe causa, porque, muito orgulhoso para enraivecer-se ou lastimar-se, não sabe provocar, nem a piedade que enternece, nem o medo que faz calar. Oh! que inferno, se a má ventura lhe depara uma mulher bella e má, uma namoradeira fria de sentidos, ou uma moça de rabugice precóce!
Soffre então vivamente com a perfidia da mulher amada, mas desculpa-a pela fragilidade do sexo. A sua indulgencia póde então conduzil-o á degradação. Elle segue a olhos fechados o declive que o arrasta ao abismo, sem que a queixa, a ambição, a fortuna possam retel-o.
O nescio escapa a estes perigos. Como não é elle quem ama, é elle quem domina. Para vencer uma mulher finge, por alguns momentos o excesso de desespero e da paixão; mas isso não passa de um meio de guerra, tatica de cerco para enganar e seduzir o inimigo. Logo depois recobra elle a tyrannia e não a abdica mais. Para entreter-se nisso, tem o tolo o seu methodo, as suas regras, a sua linha de conducta. É indiscreto por principio, porquanto divulgando os favores que recebe, compromette a que lhe concede e ao mesmo tempo afasta as rivalidades nascentes. É susceptivel pela razão, cioso por calculo, afim de promover esses proveitosos amúos, que lhe servem, a seu grado, para conduzir a uma ruptura definitiva, ou para exigir um novo sacrificio. Mostra uma cruel indifferença, indicando pouca confiança nas provas de sympatia que lhe dão. N'um baile, prohibindo á sua amante de dançar, não faz caso della de proposito. Afflige-a com apparencias de infidelidade, falta á hora marcada para se encontrarem, ou depois de se ter feito esperar, vem, dando desculpas equivocas de sua demora. Habil em semear a inquietação e o susto, faz-se obedecer á força de ser, e acaba por inspirar uma affeição sincera á força de promovel-a.
O homem de espirito, assustado com o vacuo immenso, que deixa no coração uma affeição que se perde, só rompe o laço que o prende á causa de dilacerações interiores.
Como bem se disse, sendo preciso um dia para conseguir, é preciso mil para se reconquistar.
Mesmo no momento em que volta a ser livre: quantas vezes um sorriso, um meneio de cabeça, uma maneira de puxar o vestido, ou de inclinar o chapellinho de sol, não o faz recahir no seu antigo captiveiro!
De resto, a mulher, a quem elle tiver revelado o segredo do seu coração, ficará sempre para elle como sêr aparte. Não a esquece nunca.
Morta, ou separado, nutre por aquella que a perdeu longas saudades. Perseguido pela lembrança que della conserva, descobre muitas vezes que as outras mulheres por quem se apaixona só têem o merito de se parecerem com ella. Dá-se elle então a comparações que o desvairam, que o irritam, que o põem fóra de si, exigindo no seu trajar, no seu andar e até no seu fallar, alguma cousa que lhe recorde o seu implacavel ideal.
E se é elle o abandonado, que de torturas que soffre!
Viver sem ser amado parece-lhe intoleravel. Nada póde consolal-o ou distrahil-o.
No caso de tornar a ver os sitios que foram testemunhas da sua felicidade, evoca á sua memoria mil circumstancias perseverantes e crueis. Alli está a cerca cheirosa, cujos espinhos rasgaram o véo da infiel; aqui, o rio que a medrosa só ousava atravessar amparada pela sua mão; além está a alameda, cuja arêa fina parece ter ainda o molde de seus ligeiros passos. Contempla na janella as longas e alvas cortinas, no peitoril os arbustos em flôr, na relva a mesa, o banco, as cadeiras em que outr’ora se sentaram.
É possivel que ella tenha mudado tão de repente? Pois não foi ainda hontem que de volta de um passeio ao bosque, lhe enxugou o suor da testa, e que se lhe prendia em doce e extranho amplexo?... Hoje, nem mais doçuras, nem mais apertos de mão, nem mais dessas horas ebrias em que todo o passado ficava esquecido! Elle está só, entregue a si mesmo, sem força, sem alvo: é o delyrio do desespero.
O tolo está ácima dessas miserias. Não o assusta um futuro prenhe de qualquer inquietação afflictiva. Sempre acobertado pela bandeira de inconstancia, desfaz-se de uma amante sem luta, nem remorso; utilisa uma traição para voar a novas aventuras. Para elle nada ha de terrivel em uma separação, porque nunca suppõe que se possa collocar a vida n'uma vida alheia, e que fazendo-se um habito dessa communidade de existencia, faz-se pouco novamente soffrer, quando ella tiver de quebrar-se.
Da mulher, que deixa de amar, elle só conserva o nome, como o veterano conserva o nome de uma batalha para glorificar-se, ajuntando-o ao numero das suas campanhas.
Ha uma época em que custa-se muito a amar. Tendo visto e estudado um pouco a mulher, adquire-se uma certa dureza que permitte approximar-se sem perigo das mais bellas e seductoras. Confessa-se sem rebuço a admiração que ellas inspiram, mas é uma admiração de artista, um enthusiasmo sem ternura. Além disso ganha-se uma penetração cruel para ver, atravez de todos os artificios de casquilha, o que vale a submissão que ellas ostentam, a doçura que affectam, a ignorancia que fingem. E prenda-se um homem nessas condições!
De ordinario é entre trinta a trinta e cinco annos, que o coração do homem de espirito fecha-se assim á sympatia e começa a petrificar-se. É entretanto possivel que nelle tornem a apparecer os fogos da mocidade, e que elle venha a sentir um amor tão puro, tão fervente, tão ingenuo, como nos frescos annos da adolescencia; longe de ter perdido as perturbações, as aprehensões, os transportes da alma amorosa, sente-os elle de novo com emoção mais profunda e dá-lhes um preço tanto mais elevado, quanto elle está certo de não os ver renascer.
Oh! então lastima-se o pobre insensato! Eil-o obrigado a ajoelhar-se aos pés de uma mulher para quem é nada o merito de caminhar pouco a pouco atraz de sua sombra, de fazer exercicio em torno aos seus vestidos, de se extasiar diante de seus bordados, de lisonjear os seus enfeites. Ai, triste! esses longos supplicios o revoltam, e, Pygmalião desesperado, afasta-se de Galatéa, cujo amor se não póde reanimar.
Esses symptomas de idade são desconhecidos ao tolo, porquanto cada dia que passa não lhe faz achar no amor um bem mais caro, ou mais difficil a conquistar. Não tendo sido, nem melhorado, nem endurecido pelos revezes da vida, continuando a ver as mulheres com o mesmo olhar, exprime-lhes os seus amores com as mesmas lagrimas e os mesmos suspiros que lhes reserva para pintar os antigos tormentos. E como elle só exigio sempre dellas apparencias de paixão, vem facilmente a persuadir-se que é amado. Longe de fugir, persevera e—triumpha.
O homem de espirito é o menos habil para escrever a uma mulher.
Quando se arrisca a escrever uma carta, sente difficuldades incriveis. Desprezando o vasconço da galanteria, não sabe como se hade faze entender. Quer ser reservado e parece frio; quer dizer o que espera e indica receio; confessa que nada tem para agradar, e é apanhado pela palavra. Commette o crime de não ser commum ou vulgar. As suas cartas sahem do coração e não da cabeça; têem o estylo simples, claro e limpido, contendo apenas alguns detalhes tocantes. Mas é exactamente o que faz com que ellas não sejam lidas, nem comprehendidas. São cartas decentes, quando as pedem estupidas.
O tolo é fortissimo em correspondencia amorosa e tem consciencia disso. Longe de recuar diante da remessa de uma carta, é muitas vezes por ahi que elle começa. Tem uma collecção de cartas promptas para todos os grãos de paixão. Allega nellas em linguagem brusca o ardor de sua chamma; a cada palavra repete: meu anjo, eu vos adoro. As suas formulas são emphaticas e chatas; nada que indique uma personalidade. Não faz suspeitar excentricidade ou poesia; é quanto basta; é mediocre e ridiculo, tanto melhor. Effectivamente o extranho que ler as suas missivas, nada tem a dizer; na mocidade o pai da menina escrevia assim; a propria menina não esperava outra cousa. Todos estão satisfeitos, até os amigos. Que querem mais?
Emfim, o homem de espirito, em vista do que é, inspira ás mulheres uma secreta repulsa. Ellas se admiram com o ver timido, acanham-se com o ver delicado, humilham-se com vel-o distincto.
Por muito que elle faça para descer até ellas, nunca consegue fazel-as perder o acanhamento; choca-as, incommoda-as, e esse acanhamento, de que elle é causa, torna frias as conversações mais indifferentes, afasta a familiaridade e assusta a inclinação prestes a nascer.
Mas o tolo não atrapalha, nem offusca as mulheres. Desde a primeira entrevista, elle as anima e fraternisa-se com ellas. Eleva-se sem acanhamento nas conversas mais insulsas, paira e requebra-se como ellas. Comprehende-as e ellas o comprehendem. Longe de se sentirem deslocadas na sua companhia, ellas a procuram, porque brilham nella. Podem diante delle absorver todos os assumptos e conversar sobre tudo, innocentemente, sem consequencia. Na persuasão de que elle não pensa melhor, nem contrario a ellas, auxiliam o triste, quando a idéa lhe falta, suprem-lhe a indigencia. Como se fazem valer por elle, é justo que lhes paguem, e por isso consentem em ouvil-o em tudo. Entregam-lhe assim os seus ouvidos, que é o caminho do seu coração, e um bello dia admiram-se de ter encontrado no amigo complacente um senhor imperioso!
Comprehende-se, por este curto esboço, como e quanto differem os tolos e os homens de espirito nos seus meios de seducção. A conclusão final é, que os tolos triumpham, e os homens de espirito falham, resultado importante e deploravel, nesta materia sobre tudo.
Depois de ter indagado as causas da felicidade dos tolos, e da desgraça dos homens de espirito: perderemos tempo precioso em accusar as mulheres? Não hesitamos em deitar as culpas sobre os homens de espirito, como fez o profundo Champcenets.
Porque não estudam os tolos, diz-lhes este autor, para conseguir imital-os? Hade custar-vos muito fazer um tal papel: mas ha proveito sem dezar? E depois, quando assim sois a isso obrigado, visto como não vos dão outro meio de solução, querer subtrahir o bello sexo ao imperio dos tolos, descortinando-lhe a perversidade do seu gosto, é cousa em que ninguem deve pensar, é uma loucura; fôra o mesmo que querer mudar a natureza, ou contrariar a fatalidade.
Por quanto, ficai sabendo, continúa Campcenets, que as mulheres não são senhoras de si proprias; que nellas tudo é instincto ou temperamento, e que portanto ellas não podem ser culpadas de suas preferencias. Só respondemos pelo que praticamos com intenção e discernimento. Ora, qual dellas póde dizer que predilecção a impelle, que paixão a obriga, que sentimento a faz ingrata, ou que vingança lhe dicta as malignidades? Debalde procurareis nellas tão cruel prodigio; nenhuma é cumplice do mal que cansa; a este respeito, o seu estouvamento attesta-lhes a candura.
Porque vos obstinaes em pedir-lhes o que a Providencia não lhes deu? Ellas se apresentam bellas, appetitosas e cégas: não vos basta isto? Querel-as com juizo, penetrantes e sensiveis, é não conhecel-as.
Procurai as mulheres nas mulheres, admirai-lhes a figura elegante e flexivel, affagai-lhes os cabellos, beijai-lhes as mãos mimosas; mas tomai como um brinquedo o seu desdem, aceitai os seus ultrages sem azedume, e ás suas coleras mostrai indifferença. Para conquistar esses entes frageis e ligeiros, é preciso atordoal-os pelo rumor dos vossos louvores, pelo fasto do vosso vestuario, pela publicidade das vossas homenagens.
Sim, sim, é de mister ousar tudo para com as mulheres.
FIM