The Project Gutenberg eBook of Chronica de el-rei D. Pedro I This ebook is for the use of anyone anywhere in the United States and most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this ebook or online at www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you will have to check the laws of the country where you are located before using this eBook. Title: Chronica de el-rei D. Pedro I Author: Fernão Lopes Release date: September 3, 2005 [eBook #16633] Most recently updated: December 12, 2020 Language: Portuguese Credits: Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net. Produced from page images provided by Biblioteca Nacional Digital (http://bnd.bn.pt) *** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK CHRONICA DE EL-REI D. PEDRO I *** Produced by Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net. Produced from page images provided by Biblioteca Nacional Digital (http://bnd.bn.pt). BIBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES * * * * * Director litterario _LUCIANO CORDEIRO_ * * * * * Proprietario e fundador _MELLO D'AZEVEDO_ BIBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES *Director litterario--LUCIANO CORDEIRO* _Proprietario e fundador--MELLO D'AZEVEDO_ * * * * * CHRONICA DE EL-REI D. PEDRO I POR _Fernão Lopes_ ESCRIPTORIO _147, Rua dos Retrozeiros, 147_ LISBOA 1895 LISBOA Impresso na Typ. do «Commercio de Portugal» _35, Rua Ivens, 41_ 1895 *DUAS PALAVRAS* Realisando corajosamente a boa, a piedosa idea de republicar as chronicas impressas do--Pae da Historia Nacional,--como Herculano apellidou Fernão Lopes, Mello d'Azevedo, o editor d'esta modesta e patriotica bibliotheca podera, hoje, ainda! suprir qualquer explicação prefacial com as palavras do nosso grande historiador moderno, quando ha mais de meio seculo tracejava o perfil do encantador--«escripvam»--do bom Rei Dom Duarte: --«Tão raros, ou tão pouco lidos andam os antigos escriptores portuguezes que muitas pessoas ha, não de todo hospedes nas letras, que apenas de nome os conheçam, _e frequentes vezes nem de nome_.» Hoje, ainda!... Fernão Lopes é quasi exclusivamente conhecido de nome, e já agora arejemos toda a nossa idea, mais exactamente toda a nossa observação positiva e directa: nem de nome o conhece muito litterato gloriosamente emproado pelas novas camarilhas do elogio mutuo na fama e na faina da renovação da Historia e da Arte nacional... por estampilha francelha. Uma das causas da mingua, a bem dizer, absoluta, de vulgarisação dos nossos antigos escriptores, dos nossos melhores monumentos litterarios, da nossa historia, até, indicamol-a já n'outra publicação d'esta bibliotheca: é o espirito estreitamente, inconsequentemente monopolista dos eruditos ou dos que se querem dar ares de taes; é a superstição das reproducções mais ou menos arbitrariamente chamadas fieis, conservadoras de uma ortographia, de uma disposição typographica até, obsoleta, indigesta, inacessivel á leitura corrente, á assimilação immediata, actual, affectiva da multidão. Em volta d'esta causa ou concorrendo e emparelhando com ella, muitas outras se teem accumulado e subsistem, por tal maneira renitentes e acrescentadas, que póde affirmar-se, como facto incontestavel, que as palavras doridas de Herculano teem hoje, mais do que quando elle as escreveu,--ha 56 annos!--uma applicação perfeitamente exacta e justa. Conhecia-se mais, muito mais, então, Fernão Lopes, ou qualquer outro dos nossos antigos escriptores, do que hoje se conhecem e leem. Basta citar ou vêr o trabalho litterario d'esse tempo, comparando-o com o do nosso. Quando eu, e certamente muitos dos leitores, iniciámos a nossa vida intellectual, lia-se, estudava-se, explicava-se o Camões nas escolas. Naturalmente, insensivelmente iam penetrando nos nossos corações e nos nossos cerebros em formação as ideas e os sentimentos de honra, de intrepidez, de amor da Patria, com tantas outras lições generosas, estimulantes, grandes, que as bellas estrophes transvasam nos espiritos sãos e frescos. Lia-se tambem o Freire d'Andrade, um massador de grandes discursos e de grandes bombardadas rhetoricas, d'accordo, mas que nos encantava, que nos ensinava muitas cousas interessantes, que nos enlevava, que nos fazia pensar em grandes cousas: nas terriveis batalhas da vida, nos sacrificios e nos esforços valentes com que ellas se vencem. Um dia, era eu ainda um rapaselho, apanhei entre os velhos livros de meu pae:--que sabia de cór o Virgilio, o Camões, e que me recomendava o Tito Livio, o João de Barros, etc,--apanhei, pois, um volume, que nunca mais vi, e que era uma edição em 8.° da _Chronica de Dom Pedro_ por Fernão Lopes, exactamente a que vamos lêr agora. Devia ser a edição do Padre Pereira Bayão, do seculo 18.°, inferior á chamada da Academia sobre a qual é feita a nossa. Como eu li sofregamente, deliciosamente, o velho livro! Como me soube bem aquella prosa simples, ampla, forte--permittam-me a expressão;--aquelle _contar_ ingenuo, vivo, e ao mesmo tempo tão magestoso pela sincera e nobre lealdade do chronista--que não era um adulador Real, nem um _fingidor_ litterario! Chronista! Historiador é que póde francamente chamar-se-lhe. Foi a primeira revelação que tive de Fernão Lopes e só desejo que tão agradavel seja a dos que pela primeira vez travarem agora conhecimento com elle. Poderia dizer que a vão travar simultaneamente com outros escriptores, de que Fernão Lopes se serviu ou que se serviram d'elle, mas como já disse n'outra publicação, a nossa _Bibliotheca_ não pôde ainda entrar na tentativa das edições criticas e por isso estes pequenos prefacios não devem ensaiar essa feição que os levariam longe. Nem mesmo podemos dar do author mais do que uns breves traços dispersos que aliás se encontram facilmente em publicações muito accessiveis. Fernão Lopes nasceu não se sabe onde, ainda no seculo 14.°, parece, como diz Herculano, que pouco antes ou durante--«a gloriosa revolução de 1380,»--sendo collocado por Dom João I, juncto d'algum ou d'alguns dos filhos. Em 1418 confiou-lhe o Rei de Boa Memoria, a guarda e serviço,--constituido então independente,--da--«torre do castello da cidade de Lisboa,»--a primitiva Torre do Tombo. Ali começou a fazer-se entre as--«escripturas»--dos velhos e modernos tempos, o grande historiador, a quem Dom Duarte por carta de 19 de março de 1434,--isto é por uma das suas primeiras iniciativas de Rei, dava--«carrego de poer em caronyca as estorias dos reys que antigamente em Portugal foram»,--com 6$000 reis de tença annual, uns escassos 60$000 de hoje. No cargo o confirmou o cavalleiroso Affonso V por Carta de 5 de junho de 1449. Teve uma longa vida Fernão Lopes, sendo em 1455 substituido por Gomes Eannes de Azurara que, briosamente e sem favor, lhe chama:--homem de communal (descomunhal) sciencia e authoridade.» Fez-se a substituição--«por seu prazimento e por fazer a elle mercê como é rasom de se dar aos boõs servidores,»--sendo--«já tão velho e fraco que por si non podia bem servir»--e sobrevivendo ainda, 5 annos, pelo menos. Andaria nos 80. É uma complicada questão, a de ter Fernão Lopes escripto outras chronicas além das que teem logrado chegar, sob o seu nome, até nós, e a de se terem outros escriptores apropriado, mais ou menos de trabalhos d'elle. As conhecidas são a de Pedro I que vamos republicar, a de Dom Fernando, e a de João I. Como diz, justamente, Herculano:--«para a gloria de Fernão Lopes são monumentos sobejos»--estes tres monumentos. Mas que pena que não tenhamos d'elle a historia d'aquelle--«grande desvayro»--dos amores de Ignez de Castro e que a gentil figura nos apareça apenas como uma obsessão cruel do extraordinario monarcha que procurara já distrahir-se um pouco nos braços de Theresa Lourenço, a bemaventura mãe de Dom João I. _L. C_. Chronica do senhor rei D. Pedro I oitavo rei de Portugal *PROLOGO* Deixados os modos e definições da justiça, que, por desvairadas guisas, muitos em seus livros escrevem, sómente d'aquella para que o real poderio foi estabelecido, que é por serem os maus castigados e os bons viverem em paz, é nossa intenção, n'este prologo, muito curtamente falar, não como buscador de novas razões, por propria invenção achadas, mas como ajuntador, em um breve mólho, dos ditos de alguns que nos aprouveram. Á uma, por espertar os que ouvirem, que entendam parte do que fala a historia; á outra, por seguirmos inteiramente a ordem do nosso arrazoado, no primeiro prologo já tangida. E porquanto el-rei Dom Pedro, cujo reinado se segue, usou da justiça, de que a Deus mais praz que cousa boa que o rei possa fazer, segundo os santos escrevem, e alguns desejam saber que virtude é esta, e pois é necessaria ao rei, se o é assim ao povo: vós, n'aquelle estilo que o simplesmente apanhámos, o podeis lêr por esta maneira. Justiça é uma virtude, que é chamada toda virtude; assim que qualquer que é justo, este cumpre toda virtude; porque a justiça, assim como lei de Deus, defende que não forniques nem sejas gargantão, e isto guardando, se cumpre a virtude da castidade e da temperança, e assim podeis entender dos outros vicios e virtudes. Esta virtude é mui necessaria ao rei, e isso mesmo aos seus sujeitos, porque, havendo no rei virtude de justiça, fará leis por que todos vivam direitamente e em paz, e os seus sujeitos sendo justos, cumprirão as leis que elle puzer, e cumprindo-as não farão cousa injusta contra nenhum. E tal virtude, como esta, póde cada um ganhar por obra de bom entendimento, e ás vezes nascem alguns assim naturalmente a ella dispostos, que com grande zelo a executam, posto que a alguns vicios sejam inclinados. A razão por que esta virtude é necessaria nos subditos, é por cumprirem as leis do principe, que sempre devem de ser ordenadas para todo bem, e quem taes leis cumprir sempre bem obrará, cá as leis são regra do que os sujeitos hão de fazer, e são chamadas principe não animado, e o rei é principe animado, porque ellas representam, com vozes mortas, o que o rei diz por sua voz viva: e porém a justiça é muito necessaria, assim no povo como no rei, porque sem ella nenhuma cidade nem reino pode estar em socego. Assim, que o reino, onde todo o povo é mau, não se pode supportar muito tempo, porque, como a alma supporta o corpo e partindo-se d'elle, o corpo se perde, assim a justiça supporta os reinos e partindo-se d'elles perecem de todo. Ora, se a virtude da justiça é necessaria ao povo, muito mais o é ao rei; porque se a lei é regra do que se ha de fazer, muito mais o deve de ser o rei que a põe e o juiz que a ha de encaminhar, porque a lei é principe sem alma, como dissemos, e o principe é lei e regra da justiça com alma. Pois quanto a cousa com alma tem melhoria sobre outra sem alma, tanto o rei deve ter excellencia sobre as leis: cá o rei deve de ser de tanta justiça e direito, que cumpridamente dê ás leis a execução; de outra guisa, mostrar-se-hia seu reino cheio de boas leis e maus costumes, que era cousa torpe de vêr. Pois duvidar se o rei ha de ser justiçoso, não é outra cousa senão duvidar se a regra ha de ser direita, a qual, se em direitura desfalece, nenhuma cousa direita se pode por ella fazer. Outra razão por que a justiça é muito necessaria ao rei, assim é porque a justiça não tão sómente aformoseia os reis de virtude corporal, mas ainda espiritual, pois quanto a formosura do espirito tem avantagem da do corpo, tanta a justiça no rei é mais necessaria que outra formosura. A terceira razão se mostra da perfeição da bondade, porque então dizemos alguma cousa ser perfeita, quando fazer pode alguma semelhante a si, e portanto se chama uma cousa boa, quando sua bondade se pode estender a outros, ao menos, sequer por exemplo, e então se mostra, por pratica, quanto cada um é bom, quando é posto em senhorio. Porém, cumpre aos reis ser justiçosos por a todos seus sujeitos poder vir bem, e a nenhum o contrario, trabalhando que a justiça seja guardada, não sómente aos naturaes de seu reino, mas ainda aos de fóra d'elle, porque, negada a justiça a alguma pessoa, grande injuria é feita ao principe e a toda sua terra. D'esta virtude da justiça, que poucos acha que a queiram por hospeda, posto que rainha e senhora seja das outras virtudes, segundo diz Tullio, usou muito el-rei Dom Pedro, segundo vêr podem os que desejam de o saber, lendo parte de sua historia. E pois que elle, com bom desejo, por natural inclinação, refreou os males, regendo bem seu reino, ainda que outras minguas por elle passassem, de que penitencia podia fazer, de cuidar é, que houve o galardão da justiça, cuja folha e fructo é honrada fama n'este mundo e perduravel folgança no outro. *CAPITULO I* _Do reinado de el-rei Dom Pedro, oitavo rei de Portugal, e das condições que n'elle havia_. Morto el-rei D. Affonso, como haveis ouvido, reinou seu filho, o infante Dom Pedro, havendo então de sua idade trinta e sete annos e um mez e dezoito dias. E porque dos filhos que houve, e de quem, e por que guisa, já compridamente havemos falado, não cumpre aqui arrazoar outra vez; mas das manhas, e condições, e estados de cada um, diremos adiante, muito brevemente, onde convier falar de seus feitos. Este rei Dom Pedro era muito gago, e foi sempre grande caçador e monteiro, em sendo infante e depois que foi rei, trazendo grande casa de caçadores e moços de monte e de aves, e cães, de todas maneiras que para taes jogos eram pertencentes. Elle era muito viandeiro, sem ser comedor mais que outro homem, que suas salas eram de praça em todos logares por onde andava, fartas de vianda, em grande abastança. Elle foi grande criador de fidalgos de linhagem, porque n'aquelle tempo não se costumava ser vassalo, se não filho e neto ou bisneto de fidalgo de linhagem; e por usança haviam então a quantia que ora chamam maravidis, dar-se no berço, logo que o filho do fidalgo nascia, e a outro nenhum não. Este rei accrescentou muito nas quantias dos fidalgos, depois da morte de el-rei seu padre, cá não embargando que el-rei D. Affonso fosse comprido de ardimento e muitas bondades, tachavam-no, porém, de ser escasso, e apertamento de grandeza. E el-rei Dom Pedro era em dar mui ledo, em tanto, que muitas vezes dizia que lhe afrouxassem a cinta, que então usavam não mui apertada, porque se lhe alargasse o corpo por mais espaçosamente poder dar; dizendo que o dia que o rei não dava, não devia ser havido por rei. Era ainda de bom desembargo aos que lhe requeriam bem e mercê, e tal ordenança tinha n'isto, que nenhum era detido em sua casa por cousa que lhe requeresse. Amava muito de fazer justiça com direito. E assim como quem faz correição, andava pelo reino, e visitada uma parte não lhe esquecia de ir vêr a outra, em guisa que poucas vezes acabava um mez em cada logar de estada. Foi muito mantenedor de suas leis e grande executor das sentenças julgadas, e trabalhava-se quanto, podia das gentes não serem gastadas por azo de demandas e prolongados pleitos. E se a Escriptura affirma que, por o rei não fazer justiça, vem as tempestades e tribulações sobre o povo, não se póde assim dizer d'este, cá não achamos, em quanto reinou, que a nenhum perdoasse morte de alguma pessoa, nem que a merecesse por outra guisa, nem lh'a mudasse em tal pena por que pudesse escapar a vida. A toda gente era galardoador dos serviços que lhe fizessem, e não sómente dos que faziam a elle, mas dos que haviam feitos a seu padre, e nunca colheu a nenhum cousa que lhe seu padre desse, mas mantinha-a e accrescentava n'ella. Este rei não quiz casar: depois da morte de Dona Ignez, em sendo infante, nem depois que reinou, lhe prove receber mulher; mas houve amigas com que dormiu, e de nenhuma houve filhos, salvo de uma dona, natural de Galliza, que chamaram Dona Thereza, que pariu um filho que houve nome Dom João, que foi mestre de Aviz em Portugal e depois rei, como adiante ouvireis, o qual nasceu em Lisboa onze dias do mez de abril, ás tres horas depois do meio dia, no primeiro anno do seu reinado. E mandou o el-rei criar, em quanto foi pequeno, a Lourenço Martins da Praça, um dos honrados cidadãos d'essa cidade, que morava junto com a igreja cathedral onde chamam a praça dos Canos, e depois o deu, que o criasse, a Dom Nuno Freire de Andrade, mestre da Cavallaria da ordem de Christo. *CAPITULO II* _Como el rei de Castella mandou pelo corpo da rainha Dona Maria, sua madre, e da carta que enviou a el-rei de Portugal, seu tio_. N'esta sezão que el rei Dom Pedro começou de reinar, ordenou el-rei de Castella de enviar pelo corpo da rainha Dona Maria, sua madre, que se finara em Portugal vivendo ainda el-rei Dom Affonso, seu padre, como em alguns logares d'este livro faz menção; e fez saber por sua carta a el-rei Dom Pedro, seu tio, como havia vontade de a trasladar, para a pôr em Sevilha, na capella dos reis, com el-rei Dom Affonso, seu padre; e ordenou, para irem com o corpo da rainha, o arcebispo de Sevilha e outros prelados de seu reino, e dês-ahi mandou diante, para correger todas as cousas que cumpriam para o corpo ir honradamente, Gomes Peres, seu dispenseiro mór, ao qual o corpo havia de ser entregue, para ordenar tudo o que mister fazia á sua trasladacão, para quando os prelados viessem, que achassem tudo prestes e se partissem logo. A el-rei Dom Pedro prouve d'isto muito, e escreveu-lhe que mandasse por elle, quando por bem tivesse: e el-rei de Castella enviou logo aquelle seu dispenseiro, e foi-lhe entregue o corpo, na cidade de Evora onde jazia, para ordenar seus corregimentos, segundo a ordenança que lhe era dada. E quando o arcebispo, e os outros prelados e gentes vieram pelo corpo da rainha, trouxeram a el-rei Dom Pedro uma carta de el-rei de Castella, seu sobrinho, que dizia n'esta guisa. «Rei, tio. Nós, el-rei de Castella e de Leão, vos enviamos muito saudar como aquelle que muito prezamos e para que queriamos tanta vida e saude, com honra, como para nós mesmo. «Rei, fazemos-vos saber que vimos uma carta de crença que nos enviastes por Martim Vasques e Gonçalo Annes de Beja, vossos vassalos, e disseram-nos de vossa parte a crença que lhes mandastes. «E rei, tio, nossa tenção é de vos amar, e guardar sempre os bons dividos que comvosco havemos, e fazer sempre por vossa honra como por nossa mesma. «E porquanto a nosso serviço e vosso cumpria haverem de ser declaradas algumas cousas conteudas nas posturas que entre nós havemos de pôr, assim sobre casamentos de vossos filhos com nossas filhas, nós falámos com o dito Martim Vasques e Gonçalo Annes toda nossa tenção, e enviamos allá sobre isto João Fernandes de Melgarejo, chanceller do nosso sêllo da puridade, e rogamos-vos que o creaes do que vos da nossa parte disser. «Outro sim enviamos, para trazer o corpo da rainha, nossa madre, para a enterrar aqui em Sevilha, o arcebispo d'esta cidade e outros prelados de nossos reinos, e rogamos-vos que essas joias que ella deixou, que as mandeis dar ao dito João Fernandes, e nós agradecer-vol-o-hemos. Dada, etc.» El-rei Dom Pedro fez outorgar o corpo da rainha Dona Maria, sua irmã, áquelle embaixador de el-rei de Castella; e foi-lhe feita grande honra, assim por el-rei, como pelos prelados que por ella vinham. E muito acompanhada até ao extremo, e d'ahi até á cidade de Sevilha, a saiu el-rei seu filho a receber com muita clerezia e grandes senhores e fidalgos que ahi eram com el-rei. E feitas suas exequias mui honradamente, foi posto o seu corpo na capella dos reis, a cerca de el-rei Dom Affonso, seu marido, onde ora jaz. Sobre os casamentos dos filhos de el-rei Dom Pedro com as filhas de el-rei de Castella, por que João Fernandes era enviado, foram faladas muitas cousas com el-rei de Portugal, e não se accordando por então em algumas d'ellas, depois acertaram todas suas avenças, como adiante ouvireis. *CAPITULO III* _Das cartas que o papa, e el-rei da Aragão enviaram a el-rei de Portugal sobre a morte de el-rei, seu padre_. El-rei Dom Pedro escrevera ao papa, e a el-rei de Aragão, por novas, quando el-rei Dom Affonso morreu, como seu padre era morto, e elle alçado por rei em Portugal. E tendo cada um cuidado de lhe responder, chegaram lhe n'esta sezão suas respostas. E a letra do papa dizia assim: «Innocencio, bispo, servo dos servos de Deus, ao muito amado, em Christo, filho Dom Pedro, mui nobre rei de Portugal, saude e apostolical benção. Porquanto, muito amado filho, por tuas letras, e fama, fomos certificado como o mui claro, de nobre memoria, el-rei Dom Affonso teu padre, se finou d'este mundo, sua morte foi a nós, e é, mui grande nojo e tristeza. E não sem razão o devemos ser, quando em nosso coração cuidamos nas bondades e virtudes de que sua real alteza era muito ennobrecida, por cuja razão o muito amavamos, desejando-lhe que, entre todos os principes do mundo, o Senhor o accrescentasse, e estendesse seu real estado, com prolongamento de bem aventurados dias, nos quaes, acabando sua honrada velhice, a ti, seu primogenito filho, deixasse o regimento e successão do reino em firme concordia com teus visinhos. E pois assim é que o Senhor Deus, em cuja mão é o poderio de dar a cada um vida e morte, lhe prouve de piedosamente o levar d'este mundo, nós pômos fim e acabamento á nossa dôr e tristeza, consolando-nos n'este Senhor que dá e priva e tolhe, quando quer que lhe praz, no qual havemos firme esperança que nos altos ceus dará bom galardão e gloria á alma de el-rei, teu padre, pois, emquanto n'este mundo viveu, se trabalhou de o servir com bons merecimentos, e lhe aprouve com dignas virtudes. E assim, muito amado filho, piedosamente te consolamos, que te consoles no Senhor Deus, e consideres em tua vontade como succedes no regimento de teu padre, o qual, por exemplo da vida, se mostrou sempre ser fiel catholico. Porém, requeremos á tua real clareza, que sempre, com firme desejo, vivas em temor do Senhor Deus, honrando a sua santa igreja, e, sendo favoravel ás ecclesiasticas pessoas, as mantenhas sempre em seus direitos e liberdades; e que sejas amador e defensor das viuvas e dos orfãos, alçando os aggravos aos teus subditos, que lhes não seja feita injuria; e que, sem recebimento de alguma pessoa, sempre sejas honrador e amador da justiça, de guisa que, por tuas obras, sejas chamado por nome de rei que bem rege: e sei certo, se o assim fizeres, que sempre em teus dias viverás em paz e folgança, havendo Deus em tua ajuda, e a sua santa igreja te haverá em sua encommenda, sendo prestes para toda a tua honra e cumprimento de justas petições. Diante em Avinhão, etc.» N'outra carta, de el-rei de Aragão, eram conteudas estas razões: «Muito alto e mui nobre Dom Pedro, pela graça de Deus, rei de Portugal e do Algarve: Dom Pedro, por essa mesma graça, rei de Aragão, e de Valencia, e de Mayorca, e de Sardenha, e de Corsega, e conde de Barcelona e de Rossilhão, saude, como a rei que temos em logar de irmão, que muito amamos e prezamos, e de que muito fiamos, e para que queriamos muita honra e boa ventura, com tanta vida e saude como para nós mesmo. «Rei, irmão. Recebemos vossa letra, pela qual nos significastes a morte do mui alto e mui honrado el-rei Dom Affonso de Portugal, vosso padre, a que Deus perdoe. E por essa mesma nos fizestes saber que vós, assim como seu primogenito e herdeiro dos ditos reinos, ereis levantado por rei de Portugal. Das quaes novas, em verdade, Rei irmão, houvemos desprazer e prazer juntamente: desprazer da morte do dito rei, o qual sabiamos que nos amava como seu filho e nós a elle como a nosso muito amado padre; mas como da morte nenhuma pessoa seja isenta, e o dito rei seja saido da miseria d'este mundo, doendo-nos d'ella, se por nós alguma cousa pudesse ser feita, muito prestes eramos de o fazer, porém rogamos a Deus, em cuja mão é vida e morte de cada um, que receba sua alma com os seus santos no paraiso, fiando n'elle que o ha feito. Prazer outro sim houvemos mui grande, Rei irmão, quando soubemos que ereis alçado em rei de Portugal e do Algarve, pela successão herdeira a vós por direito pertencente, e crendo saber que, assim como nós tinhamos o dito rei em conta e logar de padre, assim entendemos de ter a vós em conta de nosso irmão, e fazer por vós toda cousa que seja honra e prazer vosso, e proveito de vosso senhorio, esperando certamente, de vós, que fareis semelhante por nós, e por nossos reinos e terras. E porquanto, irmão Rei, segundo é conteudo em vossa letra, vós desejaes saber o bom estado de nossa pessoa, e da rainha, e de nossos filhos, a prazer vosso vos significamos que somos todos sãos e em boa disposição de nossas pessoas, mercês a Deus: rogando-vos, mui caramente, que de vosso bom estado e real casa, nos certifiqueis por vossa carta, e sêde certo que nos fareis assignado prazer. D'ante em Saragoça, etc.» *CAPITULO IV* _Da maneira que el-rei D. Pedro tinha nos desembargos de sua casa_. Pois d'este rei achamos escripto que era muito amado de seu povo, pelo manter em direito e justiça, dês-ahi boa governança que em seu reino tinha, bem é que digamos de cada cousa um pouco, por vêrdes parte dos modos antigos. Na ordenança de todos os desembargos, tinha el-rei esta maneira: quantas petições lhe a elle davam, iam á mão de Gonçalo Vasques de Goes, escrivão da puridade, e elle as dava a um escrivão, qual lhe prazia, o qual tinha encargo de as repartir, e dar cada uma aos desembargadores a que pertenciam; e as petições que eram desembargos de commum curso, aquelles, por que deviam passar, mandavam logo fazer as cartas a seus escrivães, de guisa que n'aquelle dia, ou no outro seguinte, eram as partes desembargadas, e o escrivão que o assim não fazia, perdia a mercê de el-rei por ello. As outras petições, que eram de graça e mercê, que pertenciam á sua fazenda, fazia-as pôr em ementa a seu escrivão, e este escrevia por sua mão as petições que assim levava, cujas eram, e de que cousa, e este escripto ficava na mão do desembargador; e quando as depois desembargava com el-rei, se achava mais petições postas na ementa, que aquellas que lhe elle mandara pôr, visto o escripto que em seu poder ficava, por tal erro perdia a mercê de el-rei; e como aquella ementa era desembargada com el-rei, diziam os desembargadores a cada uma pessoa a mercê que lhe el-rei fazia, e mandavam a seus escrivães que lhe fizessem logo as cartas, e n'esse dia haviam de ser feitas, ou no outro o mais tardar, sob a pena que dissemos. E se ahi havia taes porfiosos que andavam mais após el-rei, afincando-o com outras petições depois que haviam desembargo de sim ou de não, ou moravam mais tempo na côrte, se era honrado pagava certa pena de dinheiro, e se pessoa refece davam-lhe vinte açoutes na praça, e mandavam-no para casa; e trazia el-rei inculcas que lhe soubessem parte de taes homens, por se cumprir n'elles sua ordenação. Por el-rei não ser annojado de vêr duas vezes as mercês que fazia, uma por ementa e outra por cartas, e por aquelles que o requeriam haverem mais toste seu desembargo, fazia-se d'esta guisa: quando el-rei outorgava algumas mercês a alguem, os que lhe haviam de dar desembargo escreviam logo na ementa, perante el-rei, a maneira como lh'as dava, e em cada um desembargo punha el-rei seu signal, e o chanceller estava presente, quando podia, para vêr como as el-rei desembargava. E tanto que os desembargadores tinham as cartas feitas e assignadas, mandavam-nas ao chanceller com o rol da ementa que el-rei assignara, por não pôr duvida em alguma d'ellas, e logo n'esse dia haviam de ser selladas, ou no outro até ao jantar. Se el-rei ia a monte ou á caça, em que durasse mais de quatro dias, por nenhuns serem detidos por elle, juntavam-se os que tinham as petições das graças e viam aquillo que cada um pedia, e se lhe parecia que não era bem de lh'o el-rei fazer, escreviam-lhe pelo meudo por qual razão, e as que viam que devia outorgar, punham-lhe isso mesmo por quê, e assignavam todos a ementa, e levava-a um d'elles a el-rei, por lhe dizer a razão que os movera a fazer ou não cada uma cousa; e d'esta guisa haviam as gentes bom desembargo, e el-rei era fóra de muito nojo e afincamento. Se alguns concelhos haviam de recadar com elle, mandava-lhe que enviassem em escripto cerrado e sellado, por um porteiro, tudo o que mister haviam, e logo lhe el-rei taxava que houvesse por dia quatro soldos, e mais não, e el-rei, visto o que lhe pediam, livrava-o logo, sem outra detença, como achava que era direito. E se tal cousa era que cumpria de esse concelho enviar a elle alguns bons homens, e entendidos, mandava el-rei que não enviassem mais de um, por fazer o concelho mais pouca despeza; e mandava que tal como este não houvesse por dia mais que vinte soldos. *CAPITULO V* _De algumas cousas que el-rei Dom Pedro ordenou por bem de justiça e prol de seu povo_. Assim como este rei Dom Pedro era amador de trigosa justiça n'aquelles que achado era que o mereciam, assim trabalhava que os feitos civeis não fossem prolongados, guardando a cada um seu direito cumpridamente. E porque achou que os procuradores prolongavam os feitos como não deviam, e davam azo de haver hi maliciosas demandas, e o peior, e muito de estranhar, que levavam de ambas as partes, ajudando um contra o outro, mandou que em sua casa, e todo o seu reino, não houvesse advogados nenhuns; e encommendou aos juizes e ouvidores que não fossem mais em favor de uma parte que outra; nem se movessem por nenhuma cobiça a tomar serviços alguns por que a justiça fosse vendida, mas que se trabalhassem cedo de livrar os feitos, de guisa que brevemente, e com direito, fossem desembargados, como cumpria. E sabendo que eram a ello negligentes, que lh'o estranharia nos corpos e haveres, e lhe faria pagar ás partes toda perda que por ello houvessem. Isto assim ordenado, soube el-rei, a cabo de pouco tempo, que um seu desembargador, de que elle muito fiava, chamado por nome mestre Gonçalo das Decretaes, levara peita de uma das partes que perante elle andavam a feito, pela qual julgou e deu sentença. E el-rei, sabendo isto, houve mui grande pezar, e deitou-o logo fora de sua mercê por sempre, e degradou elle e os filhos a dez leguas de onde quer que elle fosse: porém, diziam todos os que isto viram, que aquelle de que elle levara a peita tinha direito n'aquelle pleito. Então ordenou el-rei, e pôz defeza em sua casa e todo seu senhorio, que nenhum que tivesse poderio de fazer justiça, não filhasse peita nenhuma dos que houvessem pleitos perante elles; e se lhe fosse provado que a tomára, que morresse por ello, e perdesse os bens para a corôa do reino. E se taes juizes e officiaes tomassem serviços de quaesquer outros que perante elles não houvessem pleitos, que perdessem a sua mercê, salvo se fosse de homem que não houvesse demanda em todo seu senhorio, que aduz poderia ser achado. E mandou, ao corregedor da côrte e ouvidores, que não conhecessem de feitos nenhuns, salvo se fossem entre taes pessoas de que os juizes das terras não podessem fazer direito, senão quando lhe viessem por appellação ou aggravo. Sabendo, outrosim, el-rei, como alguns, que eram casados, deixavam suas mulheres e filhos que tinham, e tomavam barregãs, com que áparte faziam vivenda, e outros taes que com suas mulheres as tinham em casa: mandou, e pôz por lei, que qualquer casado que com barregã vivesse, ou a tivesse dentro em sua casa, se fosse fidalgo ou vassalo, que d'elle ou de outrem tivesse maravidis, que os perdesse, e segundo os estados das pessoas, assim ordenou as penas do dinheiro e degredo, até mandar que publicamente, pela terceira vez, elles e ellas por isto fossem açoutados. E quando diziam a el-rei que se aggravavam muitos de tal ordenança como esta, respondia elle que assim o entendia por serviço de Deus e seu, e prol d'elles todos. E esta ordenança mesma, e penas, pôz nas mulheres que barregãs fossem de clerigos de ordens sacras. Elle defendeu e mandou, em Lisboa, que nenhuma mulher de qualquer estado que fosse, não entrasse dentro no arrabalde dos mouros, de dia nem de noite, sob pena de ser enforcada. E mandou que qualquer judeu ou mouro, que depois de sol posto, fosse achado pela cidade, que com pregão publicamente fosse açoutado por ella. Falando el-rei um dia nos feitos da justiça, disse que vontade era, e fôra sempre de manter os povos de seu reino n'ella, e estremadamente fazer direito de si mesmo. E porquanto elle sentia que o mór aggravo que elle e seus filhos, e outros alguns de seu senhorio, faziam aos povos de sua terra, assim no tomar das viandas por preço mais baixo do que se vendiam, que porém elle mandava que nenhum de sua casa, nem dos infantes, nem d'outro nenhum que em sua mercê e reinos vivesse, que cargo tivesse de tomar aves, que não tomasse gallinhas, nem patos, nem cabritos, nem leitões, nem outras nenhumas cousas acostumadas de tomar, salvo compradas á vontade de seu dono; e sobre isto pôz pena de prisão, e dinheiros, ás honradas pessoas, e aos gallinheiros e pessoas vis, açoutados pelo logar hu as tomassem, e deitados fóra de sua mercê. Mandou mais aos estribeiros seus e de seus filhos, e a todos os de sua terra, que não mandassem a nenhum logar por palha doada, salvo se a houvesse de haver de fôro; mas que pelo azemel, que fosse por ella, mandasse pagar pela carga cavallar de palha, ou de restolho empalhado, três soldos e pela carga asnal, dois. E o azemel que por ella fosse, e a d'esta guisa não pagasse, que pela primeira vez fosse açoutado e talhadas as orelhas, e pela segunda fosse enforcado: e outra tal pena mandava dar ao lavrador que não empalhasse toda a palha que houvesse. E quando lhe diziam que punha mui grandes penas por mui pequenos excessos, dava resposta dizendo assim, que a pena que os homens mais receavam era a morte, e que se por esta se não cavidassem de mal fazer, que ás outras davam passada, e que boa cousa era enforcar um ou dois, pelos outros todos serem castigados, e que assim o entendia por serviço de Deus e prol de seu povo. Elle corregeu as medidas de pão de todo Portugal, e ordenou outras cousas por bom paramento e proveito de sua terra, das quaes não fazemos mais longo processo por não saber quanto prazeriam aos que as ouvissem. *CAPITULO VI* _Como el-rei mandou degolar dois seus criados, porque roubaram um judeu e o mataram_. Este rei Dom Pedro, emquanto viveu, usou muito de justiça sem affeição, tendo tal igualdade em fazer direito, que a nenhum perdoava os erros que fazia, por criação nem bem querença que com elle houvesse. E se dizem que aquelle é bem aventurado rei que por si esquadrinha os males e forças que fazem aos pobres, e bem é este do conto de taes, cá elle era ledo de os ouvir, e folgava em lhes fazer direito, de guisa que todos viviam em paz. E era ainda tão zeloso de fazer justiça, especialmente dos que travessos eram, que perante si os mandava metter a tormento, e se confessar não queriam, elle se desvestia de seus reaes pannos, e por sua mão açoutava os malfeitores; e pelo que d'ello muito pasmavam seus conselheiros e outros alguns, annojava-se de os ouvir, e não o podiam, quitar d'ello por nenhuma guisa. Nenhum feito crime mandava que se desembargasse salvo perante elle, e se ouvia novas de algum ladrão ou malfeitor, alongado muito d'onde elle fosse, falava com algum seu de que se fiava, promettendo-lhe mercês por lh'o ir buscar, e mandava-lhe que não viesse ante elle até que todavia lh'o trouxesse á mão. E assim lh'os traziam presos do cabo do reino, e lh'os apresentavam hu quer que estava. E da mesa se levantava, se chegavam a tempo que elle comesse, por os fazer logo metter a tormento, e elle mesmo punha n'elles mão quando via que confessar não queriam, ferindo-os cruelmente até que confessavam. A todo logar onde el-rei ia, sempre acharieis prestes com um açoute o que de tal officio tinha encargo, em guisa que como a el-rei traziam algum malfeitor, e elle dizia:--chamem-me foão, que traga o açoute,--logo elle era prestes, sem outra tardança. E pois que escrevemos que foi justiçoso, por fazer direito em reger seu povo, bem é que ouçaes duas ou três cousas, por vêrdes o geito que n'isto tinha. Assim adveiu que pousando elle nos paços de Bellas, que elle fizera, dois seus escudeiros que gram tempo havia que com elle viviam, sendo ambos parceiros, houveram conselho que fossem roubar um judeu que pelos montes andava vendendo especiaria e outras cousas. E foi assim, de feito, que foram buscar aquella suja préa, e roubaram-no de tudo, e, o peior d'isto, foi morto por elles. Sua ventura, que lhe foi contraria, azou de tal guisa que foram logo presos e trazidos a el rei, alli hu pousava. El-rei, como os viu, tomou gram prazer por serem filhados, e começou-os de perguntar como fôra aquillo. Elles, pensando que longa criação e serviço que lhe feito haviam, o demovesse a ter algum geito com elles, não tal como tinha com outras pessoas, começaram de negar, dizendo que de tal cousa não sabiam parte. Elle, que sabia já de que guisa fôra, disse que não haviam por que mais negar, que ou confessassem como o mataram, senão, que a poder de crueis açoutes lhe faria dizer a verdade. Elles em negando viram que el-rei queria pôr em obra o que lhe por palavra dizia, confessaram tudo assim como fôra; e el-rei, sorrindo-se, disse que fizeram bem, que tomar queriam mister de ladrões e matar homens pelos caminhos, de se ensinarem primeiro nos judeus, e depois viriam aos christãos. E em dizendo estas e outras palavras, passeava perante elles de uma parte á outra, e parece que lembrando-lhe a criação que n'elles fizera, e como os queria mandar matar, vinham-lhe as lagrimas aos olhos, por vezes. Depois, tornava asperamente contra elles, reprehendendo-os muito do que feito haviam. E assim andou por um grande espaço. Os que hi estavam, que aquesto viam, suspeitando mal de suas razões, afincavam-se muito a pedir mercê por elles, dizendo que por um judeu astroso não era bem morrerem taes homens, e que bem era de os castigar por degredo ou outra alguma pena, mas não mostrar contra aquelles que criara, pelo primeiro erro, tão grande crueza. El-rei, ouvindo todos, respondia sempre que dos judeus viriam depois aos christãos. Em fim d'estas e outras razões, mandou que os degolassem. E foi assim feito. *CAPITULO VII* _Como el-rei quizera metter um bispo a tormento porque dormia com uma mulher casada_. Não sómente usava el-rei de justiça contra aquelles que razão tinha, assim como leigos e semelhantes pessoas, mas assim ardia o coração d'elle de fazer justiça dos maus, que não queriam guardar sua jurisdicção, aos clerigos tambem, de ordens pequenas, como de maiores. E se lhe pediam que o mandasse entregar a seu vigario, dizia que o puzessem na forca e que assim o entregassem a Jesus Christo, que era seu Vigario, que fizesse d'elle direito no outro mundo. E elle por seu corpo os queria punir e atormentar, assim como quizera fazer a um bispo do Porto, na maneira que vos contaremos. Certo foi, e não o ponhaes em duvida, que el-rei, partindo de entre Douro e Minho, por vir á cidade do Porto, foi informado que o bispo d'esse lugar, que então tinha gram fama de fazenda e honra, dormia com uma mulher de um cidadão, dos bons que havia na dita cidade, e que elle não era ousado de tornar a ello, com espanto de ameaças de morte que lhe o bispo mandava pôr. El-rei, quando isto ouviu, por saber de que guisa era, não via o dia que estivesse com elle, para lh'o haver de perguntar. E logo, sem muita tardança, depois que chegou ao logar, e houve comido, mandou dizer ao bispo que fosse ao paço, que o havia mister por cousas de seu serviço. Falou com seus porteiros, que depois que o bispo entrasse na camara, lançassem todos fóra do paço, tambem os do bispo como quaesquer outros, e que ainda que alguns do conselho viessem, que não deixassem entrar nenhum dentro, mas que lhe dissessem que se fossem para as pousadas, cá elle tinha de fazer uma cousa em que não queria que fossem presentes. O bispo, como veiu, entrou na camara onde el-rei estava, e os porteiros fizeram logo ir todos os seus e os outros, em guisa que no paço não ficou nenhum, e foi livre de toda a gente. El-rei, como foi áparte com o bispo, desvestiu-se logo e ficou em uma saia de escarlata, e por sua mão tirou ao bispo todas as suas vestiduras, e começou de o requerer que lhe confessasse a verdade d'aquelle maleficio em que assim era culpado: e em lhe dizendo isto, tinha na mão um grande açoute para o brandir com elle. Os criados do bispo, quando no começo viram que os deitavam fóra, e isso mesmo os outros todos, e que nenhum não ousava lá de ir, pelo que sabiam que o bispo fazia, dês ahi juntando a isto a condição de el-rei e a maneira que em taes feitos tinha, logo suspeitaram que el-rei lhe queria jogar de algum mau jogo, e foram-se á pressa ao conde velho, e ao mestre de Christo Dom Nuno Freire, e a outros privados de seu conselho, que accorressem asinha ao bispo. E logo tostemente vieram a el-rei, e não ousaram de entrar na camara, por a defeza que el-rei tinha posta, se não fôra Gonçalo Vasques de Goes, seu escrivão da puridade, que disse que queria entrar por lhe mostrar cartas que sobrevieram de el-rei de Castella a gram pressa. E por tal azo e fingimento houveram entrada dentro na camara, e acharam el-rei com o bispo em rasões, da guisa que havemos dito, e não lh'o podiam já tirar das mãos. E começaram de dizer que fosse sua mercê de não pôr mão n'elle, cá por tal feito, não lhe guardando sua jurisdicção, haveria o papa sanha d'elle; demais, que o seu povo lhe chamava algoz, que por seu corpo justiçava os homens, o que não convinha a elle de fazer, por muito malfeitores que fossem. Com estas e outras rasões, arrefeceu el-rei de sua mui brava sanha, e o bispo se partiu de ante elle, com semblante triste e turvado coração. *CAPITULO VIII* _Como el-rei mandou capar um seu escudeiro, porque dormiu com uma mulher casada_. Era ainda el-rei Dom Pedro muito cioso, assim de mulheres de sua casa, como de seus officiaes e das outras todas do povo, e fazia grandes justiças em quaesquer que dormiam com mulheres casadas ou virgens, e isso mesmo com freiras. Onde aqueeceu que em sua casa havia um corregedor da côrte a que chamavam Lourenço Gonçalves, homem mui entendido e bem razoado cumpridor de todas as cousas que lhe el-rei mandava fazer, e não corrompido por nenhuns falsos offerecimentos que trasmudam os juizos dos homens. E porque o el-rei achava leal e bem verdadeiro, fiava d'elle muito, e queria-lhe grande bem. E era este corregedor muito honrado de sua casa e estado, e muito praceiro e de boa conversação, e seria então em meia idade. Sua mulher havia nome Catharina Tosse, briosa, louçã e muito aposta, de graciosas manhas e bem acostumada. Em esta sesão vivia com el-rei um bom escudeiro, e para muito, mancebo, e homem de prole, e n'aquelle tempo estremado em assignadas bondades, grande justador e cavalgador, grande monteiro e caçador, luctador e travador de grandes ligeirices, e de todas as manhas que se a bons homens requerem,--chamado por nome Affonso Madeira,--por a qual rasão o el-rei amava muito e lhe fazia bem gradas mercês. Este escudeiro se veiu a namorar de Catharina Tosse, e mal cuidados os perigos que lhe advir podiam de tal feito, tão ardentemente se lançou a lhe querer bem, que não podia perder d'ella vista e desejo: assim era traspassado do seu amor. Mas, porque lugar e tempo não concorriam para lhe fallar como elle queria, e por ter aso de a requerer ameude de seus deshonestos amores, firmou com o aposentador tão grande amisade que para onde quer que el-rei partia, ora fosse villa ou qualquer aldeia, sempre Affonso Madeira havia de ser aposentado junto, ou muito perto do corregedor. E havia já tempo que durava este aposentamento, sempre cerca um do outro; tendo bom geito e conversação com seu marido, por carecer de toda suspeita. Affonso Madeira tangia e cantava, afóra sua apostura e manhas boas já recontadas, de guisa que por aso de tal achegamento, com longa affeição e falas ameude, se gerou entre elles tal fructo, que veiu elle a acabamento de seus prolongados desejos. E porque semelhante feito não é da geração das cousas que se muito encobram, houve el-rei de saber parte de toda sua fazenda, e não houve d'ello menos sentido que se ella fora sua mulher ou filha. E como quer que o el-rei muito amasse, mais que se deve aqui de dizer, posta de parte toda bemquerença, mandou-o tomar dentro em sua camara, e mandou-lhe cortar aquelles membros que os homens em mór preço tem: de guisa que não ficou carne até aos ossos, que tudo não fosse corto. E pensaram Affonso Madeira, e guareceu, e engrossou em pernas e corpo, e viveu alguns annos engelhado do rosto e sem barbas, e morreu depois de sua natural morte. *CAPITULO IX* _Como el-rei mandou queimar a mulher de Affonso André, e de outras justiças que mandou fazer_. Quem ouviu semelhante justiça, do que el-rei fez na mulher de Affonso André, mercador honrado, morador em Lisboa, andando justando na rua nova, como era costume, quando os reis vinham ás cidades, que os mercadores e cidadãos justavam com os da côrte, por festa? Estando el-rei presente, e havendo informação certa que sua mulher lhe fazia maldade, entendeu que então era tempo de a achar e tomar em tal obra; e, por inculcas, muito escusamente foi ella tomada com quem a culpavam, e mandou-a queimar, e degolar a elle. E o marido, continuando a justa, quando cessou, soube d'isto parte, e foi-se a el-rei por se queixar do que lhe feito haviam. E el-rei, como o viu, antes que lhe elle fallasse, pediu-lhe a alviçara do que mandara fazer, dizendo que já o tinha vingado da aleivosa de sua mulher e do que lhe punha as cornas, e que melhor sabia elle quem ella era, que elle. Que diremos de Maria Roussada, mulher casada com seu marido, que dormira com ella por força (a que então chamavam roussar), por a qual cousa elle merecia morte? E tendo já d'ella filhos e filhas, viviam ambos em gram bemquerença, e ouvindo-a el-rei chamar por tal nome, perguntou por que lh'o chamavam, e soube da guisa como tudo fôra, e que se avieram que casassem ambos por tal feito não vir mais á praça: e el-rei, por cumprir justiça, mandou-o enforcar, e ia a mulher e os filhos carpindo traz elle. Não valeu, estando el-rei em Braga, rogo de quantos com elle andavam, que pudesse escapar a vida a Alvaro Rodrigues de Grade, um dos bons escudeiros de entre Douro e Minho, e bem aparentado, porque cortou os arcos de uma cuba de vinho a um pobre lavrador, que lhe logo el-rei não mandou cortar a cabeça, tanto que o soube. E porque o seu escrivão do thesouro recebeu onze libras e meia sem o thesoureiro, mandou-o enforcar, que lhe não poude valer o conde, nem Beatriz Dias, manceba d'el-rei, nem outro nenhum. E foram aquelle dia, com estes dois, onze mortos por justiça, entre ladroes e malfeitores. Não fique por dizer de um bom escudeiro, sobrinho de João Lourenco Bubal, privado d'el-rei e do seu conselho, alcaide mór de Lisboa, o qual escudeiro vivia em Aviz, honradamente e bem acompanhado. E foi a sua casa, por mandado do juiz, um porteiro, para o penhorar, e elle, por cumprir vontade, depenou-lhe a barba e deu-lhe uma punhada. O porteiro veiu-se a Abrantes, onde el-rei estava, e contou-lhe tudo como lhe adviera. El-rei, que o áparte ouvia, como acabou de falar, começou de dizer contra o corregedor que ahi estava: --Accorrei-me aqui, Lourenço Gonçalves, cá um homem me deu uma punhada no rosto, e me depennou a barba! O corregedor, e os que o ouviram, ficaram espantados por que o dizia. E mandou á pressa que lh'o trouxessem preso, e não lhe valesse nenhuma egreja. E foi assim feito, e trouxeram-lh'o a Abrantes, e alli o mandou degolar, e disse:--Dês que me este homem deu uma punhada e me depennou a barba, sempre me temi d'elle que me désse uma cutelada, mas já agora sou seguro que nunca m'a dará! Assim, que bem podem dizer d'este rei Dom Pedro, que não saíram em seu tempo certos os ditos de Solon, philosopho, e d'outros alguns, os quaes disseram que as leis e justiça eram taes como a teia da aranha, na qual os mosquitos pequenos, caindo, são retidos e morrem n'ella, e as moscas grandes e que são mais rijas, jazendo n'ella, rompem-n'a e vão-se: e assim diziam elles que as leis e justiça se não cumpriam senão nos pobres, mas os outros que tinham ajuda e accorro, caindo n'ella, rompiam n'a e escapavam. El-rei Dom Pedro era muito pelo contrario, cá nenhum, por rogo nem poderio, havia de escapar da pena merecida; de guisa que todos receiavam de passar seu mandado. *CAPITULO X* _Como el-rei mandava matar o almirante; e da carta que lhe enviou o duque e commum de Genova, rogando por elle_. El-Rei Dom Pedro queria gram mal a alcoviteiras e feiticeiras, de guisa que por as justiças que n'ellas fazia, mui poucas usavam de taes officios. E sendo elle na Beira, soube que uma, chamada por nome Helena, alcovitara ao almirante uma mulher, com que elle dormira, a que diziam Violante Vasques. E mandou logo el-rei queimar a alcoviteira, e ao almirante, Lançarote Pessanho, mandava cortar a cabeça. E pero os do seu conselho trabalhassem muito por o livrar de sua sanha, nunca o puderam com elle postar, emtanto que o almirante fugiu, e foi amorado, e partiu d'elle por longos tempos, perdidas suas contias e todo seu bem fazer e officio. E não sabendo remedio que sobre isto ter, houve accordo de mandar pedir ao duque e commum de Genova que escrevessem por elle a el rei, que fosse sua mercê de lhe perdoar. Os genovezes, vendo o recado do almirante, escreveram a el-rei que perdesse d'elle sanha, e a carta de Gabriel Adorno, duque de Genova, e dos anciãos do conselho d'essa cidade, dizia n'esta guisa: «Principe e senhor mui claro, de grande e real magestade. Esguardada a benignidade, muitas vezes se tempéra por mansidão o modo e rigor da justiça, e a piedosa consideração trabalha sempre de renovar as boas amisades antigas. E se boa cousa é tomar amisades e novas conhecenças, muito melhor é, segundo diz o sabedor, renovar e conservar as velhas, dizendo que o amigo novo não é egual nem semelhante ao de longo tempo. As quaes razões nos fazem haver fiusa na vossa grande alteza, que graciosamente haja de ouvir nossa humildosa supplicacão, a qual é esta, que a nós foi notificado como o nobre cavalleiro Dom Lançarote Pessanho, vosso almirante, filho em outro tempo do nobre barão Dom Manuel Pessanho, digno de boa memoria, nosso amigo e cidadão, haja caido em sanha da vossa real magestade, mais por inveja de alguns que d'elle bem não disseram, que por outras graves maldades que n'elle sejam achadas, segundo corre a commum fama que por razão bem parece; cá não é de querer que saia de regra de bons feitos quem é gerado e descende de padres que sempre foram ennobrecidos por virtuosos e bons costumes. E posto que errasse em alguma cousa, muito deve vossa discreta mansidão temperar o rigor da justiça, renovando por nobres beneficios a lealdade dos seus antecessores: a qual cousa nós esperando da vossa grande alteza, a ella humildosamente pedimos que, pelo que dito é, e nossos afincados rogos, tenhaes por bem tornar o dito almirante á graça primeira de seu bom estado. E por isto vossa real magestade haverá nós e nosso commum apparelhados, de ledo coração, a todas as cousas que lhe forem praziveis. Data, etc.» Não embargando esta carta, não podiam com el-rei que perdesse sanha do almirante; porém depois a alguns tempos, lhe perdoou el-rei, e foi tornado a sua mercê. *CAPITULO XI* _Das moedas que el-rei Dom Pedro fez, e da valia do oiro e da prata n'aquelle tempo_. Não se podem tão temperadamente dizer os louvoures de alguma pessoa, que aquelles, cujas linguas sempre têm costume de reprehender, não achem lugares a elles dispostos, em que ameude bem possam prasmar: e nós, porque dissemos d'este rei Dom Pedro que era grado e lêdo em dar, e não dizemos de algumas grandezas que dignas sejam de tanto louvor, poderá ser que nos prasmaram alguns, dizendo que não historiamos direitamente. E isto não é por nós bem não vermos que para autoridade de tão grande gabo não se acham ditos em sua igualdança; mas, por não desviar d'aquelles louvores que os antigos em suas obras encommendaram, contamol-o da guisa que o elles disseram. Bem achamos que nunca se anojava por lhe pedirem, e que mandava lavrar até cem marcos de prata, em taças e copas, para dar em janeiras, e dava-as cada anno, com outras joias, a quem lhe prazia. Accrescentou nas contias aos fidalgos e vassalos, como dissemos; cá o vassallo não havia antes de sua contia mais de setenta e cinco libras, e el-rei Dom Pedro lhe poz cento, que eram quinze dobras cruzadas, dobras mouriscas. E por esta contia havia de ter o vassalo cavallo recebondo e loriga com seu almofre, e á sua morte ficava o cavallo e loriga a el-rei, de luctuosa, e dava-o el-rei a quem sua mercê era: em guisa que com aquelle cavallo e armas, posta contia a outro vassalo, ficava sempre o conto dos vassalos certo, e não minguado. No tempo d'este rei, valia o marco da prata de liga dezenove libras, e a dobra mourisca tres libras e quinze soldos, e o escudo tres libras e dezesete soldos, e o moutão tres libras e dezenove soldos. Este rei Dom Pedro não mudou moeda por cubiça de temporal ganho; mas lavrou-se em seu tempo mui nobre moeda de oiro e prata sem outra mistura, a saber, dobras de bom oiro fino, de tamanho peso como as dobras cruzadas que faziam em Sevilha, que chamavam de Dona Branca. E estas dobras que el-rei Dom Pedro mandava lavrar, cincoenta d'ellas faziam um marco: e d'outras que lavravam, mais pequenas, levava o marco, cento; e de uma parte tinham quinas e da outra figura de homem com barbas nas faces e corôa na cabeça, assentado em uma cadeira, com uma espada na mão direita, e havia letras ao redor, por latim, que em linguagem diziam: _Pedro, rei de Portugal e do Algarve_, e da outra parte: _Deus, ajuda-me e faze-me excellente vencedor sobre meus inimigos_. E a maior dobra d'estas valia quatro libras e dois soldos, e a mais pequena quarenta e um soldo. Lavravam outra moeda de prata, que chamavam tornezes, que sessenta e cinco faziam um marco, de liga e peso dos reaes d'el-rei Dom Pedro de Castella, e outro tornez faziam, mais pequeno, de que o marco levava cento e trinta, e de um cabo tinha quinas, e do outro cabeça de homem com barbas grandes e corôa n'ella, e as letras, de ambas as partes, eram taes como as das dobras, e valia o tornez grande sete soldos e o pequeno tres soldos e meio, e chamavam a estas moedas dobra e meia dobra, e tornez e meio tornez. A outra moeda miuda eram dinheiros affonsins, da liga e valor que fizera el-rei Dom Affonso seu padre. E com estas moedas era o reino rico e abastado, e posto em grande abundancia. E os reis faziam grandes thesouros do que lhes sobejava de suas rendas, e, para os fazer e accrescentar n'elles, tinham esta maneira. *CAPITULO XII* _Da maneira que os reis tinham para fazer thesouros, e accrescentar n'elles_. Já vós ouvistes bem quanto os réis antigos fizeram por encurtar nas despezas suas e do reino, pondo ordenações em si e nos seus, por terem thesouros e serem abastados. Porque sendo o povo rico, diziam elles que o rei era rico, e o rei que thesouro tinha, sempre era prestes para defender seu reino e fazer guerra quando lhe cumprisse, sem aggravo e damno de seu povo, dizendo que nenhum era tão seguro de paz que pudesse carecer de fortuna não esperada. E para encaminharem de fazer thesouro, tinham todos esta maneira: em cada um anno eram os reis certificados, pelos védores de sua fazenda, das despezas todas que feitas haviam, assim em embaixadas como em todas as outras coisas, que lhe necessariamente convinham fazer, e diziam-lhe o que além d'isto sobejava de suas rendas e direitos, assim em dinheiros como em quaesquer coisas, e logo era ordenado que se comprasse d'elles certo oiro e prata para se pôr no castello de Lisboa, em uma torre, que para isto fôra feita, que chamavam a torre albarrã. Esta torre era mui forte, e não foi porém acabada. Estava em cima da porta do castelo, e alli punham o mais do thesouro que os reis juntavam em oiro e prata e moedas, e tinham as chaves d'ella, um guardião de São Francisco, e outra o prior de São Domingos, e a terceira um beneficiado da Sé d'essa cidade. E para juntarem este oiro e prata, tinham este modo: em todas as cidades e villas do reino que para isto eram azadas, tinham os reis seus cambadores, que compravam prata e oiro áquelles que o vender queriam, o qual não havia de comprar outrem senão elles, e acabado o anno, trazia cada um quanto comprara áquelles lugares onde havia de ser posto em thesouro: e haviam estes cambadores certa cousa de cada peça de oiro que compravam, e o que sobejava em moeda punham-no isso mesmo em deposito. Outra torre havia no castello de Santarem, em que outrosim estava mui gran thesouro de moeda e d'outras cousas, em tamanha quantidade, que ante a pontavam fortemente por não cair com o muito haver que n'ella punham. E d'esta guisa estava no Porto, e em Coimbra, e n'outros lugares. E posto alli, em cada um anno aquelle oiro, e prata, e moedas que assim ficavam, e que os reis mandavam comprar, quando o rei vinha a morrer, e prégavam d'elle e dos bens que fizera, dizendo como o reinara tantos annos e mantivera em direito e justiça, contavam-lhe mais por grande bondade, e louvando-o muito, diziam:--este rei, em tantos annos que reinou, poz nas torres do thesouro tanto oiro, e prata, e moedas. E quanto cada um rei n'ellas punha, tanto lh'o contavam por muito mór bondade. El-rei Dom Pedro, como reinou, pareceu a alguns que não tinha sentido de ordenar que accrescentassem no thesouro, que os antigos com grande cuidado começaram de guardar. E vendo isto um seu privado, que chamavam João Esteves, houve-o por grande mal, e propoz de lh'o dizer, e fallando el-rei com elle uma vez, em coisas de sabor, disse elle a el-rei em esta guisa:--Senhor, a mim parece, se vossa mercê fosse, que seria bem de proverdes vossa fazenda, e vêr o que se dispender póde, e, do que sobejar, encaminhardes como accrescenteis alguma cousa nos thesouros que vos ficaram de vosso padre e de vossos avós, para fazerdes o que os outros reis fizeram, e para terdes que dispender mais abundosamente se vos alguma necessidade viesse á mão, cá muito mais com vossa honra dispendereis vós accrescentando no thesouro que tendes, que gastar o que os outros reis deixaram, sem pôr n'elle nenhuma coisa. A estas e outras razões respondeu el-rei que dizia bem, e que lhe puzesse em escripto quanto era o que renderiam seus direitos, e a despeza que se d'ello fazia. A poucos dias trouxe o privado, em escripto, tudo aquillo que lhe el-rei dissera, e visto por ambos apartadamente, acharam que tiradas as despezas que os reis em costume tinham de fazer, que sómente no seu thesouro de Lisboa podia cada anno pôr na torre do castello até quinze mil dobras. E ordenou logo, como se puzesse cada anno, em oiro, e prata, e moedas, tudo o que sobejasse de suas rendas, nos lugares acostumados onde os reis punham seu haver; porém que dizia el-rei que não fazia pouco quem guardava o thesouro que lhe ficava de outrem e se mantinha nos direitos que havia de seu reino, sem fazendo aggravo ao povo, nem lhe tomando do seu nenhuma coisa. E ficaram todos por sua morte a el-rei Dom Fernando, seu filho, que os depois gastou como lhe prouve, segundo adiante ouvireis. *CAPITULO XIII* _Por que guisa el-rei Dom Pedro de Castella começou de juntar thesouro_. Por outra maneira juntou el-rei Dom Pedro de Castella mui grão thesouro, sem mudar moeda, nem lançar peitas ao povo: e vêde de que guisa foi, posto que fallemos dos feitos alheios. Assim, adverti que el-rei Dom Pedro estando na aldeia de Morales, que é uma legua de Toro, jogava um dia os dados com alguns de seus cavalleiros, e tinha-lhe um seu reposteiro-mór, a cerca d'elle, uns huchotes pequenos com alguma prata e dobras, que seria por todo até vinte mil: el-rei disse que aquelle era todo seu thesouro, e que mais não tinha. Aquelle dia, logo á noite, estando el-rei em sua camara, Dom Samuel Levi, seu thesoureiro-mór, lhe disse:--Senhor, hoje foi vossa mercê dizer, perante aquelles que aqui estavam, que vós não tinheis mais thesouro que vinte mil dobras, de que jogaveis, e com que tomaveis sabor. E isto, senhor, entendo que o dissestes contra mim, por me avergonhar, pois que sou vosso thesoureiro-mór, e não ponho melhor recado em vossa fazenda. Porém, senhor, vós sabeis bem que, posto que fosse eu vosso thesoureiro depois que vós reinastes até ora, que póde haver uns sete annos, sempre em vosso reino houve taes boliços por os quaes os recadadores de vossas rendas se atreveram a fazer coisas que não deviam, por guisa que eu não pude tomar d'ello conta socegadamente como era razão; mas ora se vossa mercê fôr de me mandardes entregar dois castellos, quaes eu disser, eu vos quero pôr n'elles, antes de muito tempo, thesouro com que bem possaes dizer que mais tendes juntas de vinte mil dobras. A el-rei prouve muito d'isto, e foram lhe entregues o alcaçar de Torjillo e o de Fita. Dom Samuel poz logo alli homens de que se fiava, e mandou cartas por todo o reino, a todos os que foram e eram recadadores das rendas de el-rei, des que elle começara de reinar até então, que viessem logo dar conta; e tomava-lh'a d'esta guisa. Por el-rei eram livrados a um cavalleiro, ou outro qualquer, certos mil maravedis de seu poimento, ou d'outra maneira, e Dom Samuel fazia vir perante si todos aquelles a que alguns dinheiros foram desembargados por aquelle a que tomava conta, e dava a cada um juramento, aos Evangelhos, quantos dinheiros receberam d'aquelle recadador por cada uma vez, e quantos lhe deixara por haver d'elle desembargo e não ser detido, e aquelle a que taes dinheiros foram livrados dizia que não houvera mais de tantos, e que os outros lhe déra, de peita, pelo desembargar, porque lhe faziam entender que d'outra guisa não poderia haver pagamento. Então, se o recadador não mostrasse lugar certo onde lhe todo fôra pagado, mandava Dom Samuel que a metade de quanto assim levara fosse para o thesouro d'el-rei, e a metade para aquelle que recebera tal engano. E todos os que taes livramentos houveram, eram mui contentes de dizer a verdade, por cobrar o que tinham perdido. E elle juntou, por esta guisa, antes de um anno, n'aquelles castellos, tão grande thesouro, que era estranha cousa de vêr. E este foi o começo do mui grão thesouro que el-rei Dom Pedro depois teve junto, segundo adiante contaremos. *CAPITULO XIV* _Como el-rei fez conde e armou cavalleiro João Affonso Tello, e da grão festa que lhe fez_. Em tres coisas assignadamente achamos, pela mór parte, que el-rei Dom Pedro de Portugal gastava seu tempo, a saber: em fazer justiça e desembargos do reino, e em monte e caça de que era mui querençoso, e em danças e festas segundo aquelle tempo, em que tomava grande sabor, que adur é agora para ser crido. E estas danças era a som de umas longas que então usavam, sem curando de outro instrumento posto que o hi houvesse: e se alguma vez lh'o queriam tanger, logo se enfadava d'elle e dizia que o dessem ao démo, e que lhe chamassem os trombeiros. Ora deixemos os jogos e festas que el-rei ordenava por desenfadamento, nas quaes, de dia e de noite, andava dançando por mui grande espaço; mas vêde se era bem saboroso jogo. Vinha el-rei em bateis de Almada para Lisboa, e saiam-no a receber os cidadãos, e todos os dos misteres, com danças e trebelhos, segundo então usavam, e elle saia dos bateis, e mettia-se na dança com elles, e assim ia até ao paço. Paraementes se foi bom sabor. Jazia el-rei em Lisboa uma noite na cama, e não lhe vinha somno para dormir, e fez levantar os mocos e quantos dormiam no paço, e mandou chamar João Matheus e Lourenço Palos, que trouxessem as trombas de prata, e fez accender tochas, e metteu-se pela villa em dança com os outros. As gentes que dormiam, saiam ás janellas, a vêr que festa era aquella, ou por que se fazia, e quando viram d'aquella guisa el-rei, tomaram prazer de o vêr assim lêdo. E andou el-rei assim grão parte da noite, e tornou-se ao paço em dança, e pediu vinho e fructa, e lancou-se a dormir. E não curando mais falar de taes jogos: ordenou el-rei de fazer conde e armar cavalleiro João Affonso Tello, irmão de Martim Affonso Tello, e fez-lhe a mór honra, em sua festa, que até áquelle tempo fora visto que rei nenhum fizesse a semelhante pessoa; cá el-rei mandou lavrar seiscentas arrobas de cêra, de que fizeram cinco mil cirios e tochas, e vieram de termo de Lisboa, onde el-rei então estava, cinco mil homens das vintenas para terem os ditos cirios. E quando o conde houve de velar suas armas, no mosteiro de São Domingos d'essa cidade, ordenou el-rei que dês aquelle mosteiro até aos seus paços, que é assaz grande espaço, estivessem quedos aquelles homens todos, cada um com seu cirio accesso, que davam todos mui grande lume, e el-rei, com muitos fidalgos e cavalleiros, andavam por entre elles dançando e tomando sabor, e assim dispenderam grão parte da noite. Em outro dia, estavam mui grandes tendas armadas no rocio, a cerca d'aquelle mosteiro, em que havia grandes montes de pão cosido, e, assáz de tinas cheias de vinho, e logo prestes por que bebessem, e fòra estavam ao fogo vaccas inteiras em espetos a assar, e quantos comer queriam d'aquella vianda, tinham-na muito prestes, e a nenhum não era vedada. E assim estiveram sempre em quanto durou a festa, na qual foram armados outros cavalleiros, cujos nomes não curamos dizer. *CAPITULO XV* _Das avenças que el-rei de Castella e el-rei Dom Pedro de Portugal firmaram entre si, e como lhe el-rei de Portugal prometteu de fazer ajuda contra Aragão_. Escrevem alguns louvando este rei Dom Pedro, dizendo que reinou em paz em quanto viveu, e fortuna não fez sem-razão de encaminhar o começo, e meio, e fim de seu mando, de viver em socego e folgada paz; cá elle, por morte de el-rei seu padre, achou o reino sem nenhuma briga por que houvesse de haver contenda com nenhum rei da Espanha, nem de outra provincia mais alongada. Dês ahi, como elle reinou, mandou logo Ayres Gomes da Silva e Gonçalo Annes de Beja, a el-rei de Castella, seu sobrinho, com recado, e de Castella veiu a elle, da parte de el-rei Dom Pedro, um cavalleiro, que chamavam Fernão Lopez de Estuñega. E tratou-se então, entre os reis, que fossem ambos verdadeiros e leaes amigos, e firmaram d'aquella vez suas amisades. Depois d'isto, a cabo de um anno, estando el-rei Dom Pedro em Evora, chegaram mensageiros de el-rei de Castella, a saber, Dom Samuel Levi, seu thesoureiro-mór, e Garcia Guterrez Tello, alguazil mór de Sevilha, e Gomes Fernandez de Soria, seu alcaide, e trataram, entre os reis ambos, muito mais perfeitas amisades que antes. E foi mais ordenado, entre elles, que o infante Dom Fernando, seu primogenito filho, e herdeiro em Portugal, casasse com Dona Beatriz, filha do dito rei de Castella, e que se fizessem os desposorios, por seus procuradores, dês fevereiro meiado seguinte até ao primeiro dia de março que vinha, e as bodas logo no postumeiro dia de abril, e que el-rei de Castella desse á dita sua filha, em casamento, outro tanto haver quanto el-rei Dom Affonso de Portugal dera, com sua filha Dona Maria, a el-rei Dom Affonso seu padre, e que el-rei de Portugal desse á dita Dona Beatriz, em arrhas e doação, outro tanto quanto seu padre, el-rei Dom Affonso, déra a Dona Constança, quando com elle casára, e mais, que casasse Dona Constança, filha do dito rei Dom Pedro de Castella, com o infante Dom João, e a outra filha, que chamavam Dona Izabel, casasse com o infante Dom Diniz, e que os desposorios e casamentos d'estes fossem acabados d'ahi a seis annos, e que el-rei de Castella desse taes lugares a cada uma d'ellas, de que houvessem de renda noventa mil maravedis, e el-rei de Portugal, a cada um dos infantes, lugares que lhe rendessem cada anno dez mil libras de portuguezes; e que el-rei de Castella fosse seu amigo, e imigo de imigo, e que se ajudassem um ao outro por mar e por terra, cada vez que requerido fosse, e que el-rei de Castella não fizesse paz com el-rei de Aragão, contra quem lhe elle então requeria ajuda, sem lh'o fazer saber primeiro, nem com outro nenhum rei e senhor. Onde sabei, que esta ajuda, que el rei de Castella então pediu a el-rei Dom Pedro de Portugal, fôra já antes pedida por elle a el-rei Dom Affonso, seu padre, quando este rei Dom Pedro de Castella começou a guerra contra el-rei Dom Pedro de Aragão, que foi no postumeiro anno do reinado do dito rei Dom Affonso, segundo adiante vereis; a qual ajuda havia de ser gentes de cavallo por terra, e certas galés pelo mar. El-rei Dom Affonso respondeu a seu neto, que elle sabia bem e era certo das posturas e firmidões que foram feitas entre el-rei Dom Diniz, seu padre, e el-rei Dom Fernando, seu avó, e el-rei Dom Jayme de Aragão, as quaes todos tres firmaram por si e por todos seus successores, e havido accordo com todos os bons da casa de Portugal, que para ello foram juntos em conselho, achou el-rei Dom Affonso que lhe não podia fazer a dita ajuda, com aguisada razão: e vista tal resposta por el rei de Castella, cessou de lh'a mais requerer. Morto el-rei Dom Affonso de Portugal, e começando de reinar este rei Dom Pedro, seu filho, enviou-lhe o dito rei de Castella rogar que lhe quizesse fazer ajuda por mar e por terra em aquella guerra que então havia contra el-rei de Aragão; cá isso mesmo tinha elle em vontade de fazer a elle quando lhe cumpridoiro fosse. El-rei de Portugal respondeu a isto, que bem certo devia elle de ser dos bons e grandes dividos que sempre houvera entre os reis de Portugal e de Aragão, pelos quaes elle com razão aguisada poderia ser bem escusado de fazer nem dizer cousa que a elle e a sua terra fosse prejuizo, mórmente, que entre el-rei Dom Affonso, seu padre, e el-rei Dom Pedro de Aragão, que então era, foram firmadas posturas e amisades para se amarem e ajudarem, especialmente contra el-rei Dom Affonso, padre d'elle rei de Castella, e que isso mesmo fôra já a elle tratado, por vezes, depois que entre elles recrescera aquella discordia; mas, que não embargando estas rasões todas, que entendia que entre elles ambos havia tantos e tão bons dividos, e assim aguisadas rasões, por que cada um d'elles devia fazer, por honra e prol do outro, toda coisa que pudesse, e que elle assim o entendia de fazer, tambem em aquelle mister que então havia, como em todos os outros. E que para accrescentar na amisade e dividos que ambos haviam, que lhe prazia de o ajudar n'aquella guerra, que começada tinha, mas porquanto, a Deus graças, elle era abastante de muitas gentes, muito mais que el-rei de Aragão, e parte de suas galés eram perdidas, que melhor podia escusar a ajuda por terra que a do mar: e como quer que lhe esta mais custosa fosse, que lhe prazia de o ajudar com dez galés grossas, pagas por trez mezes, as quaes lhe faria bem prestes quando lh'as mandasse requerer. E foi assim de feito, que lhe fez ajuda por mar duas vezes, e duas por terra, de bons cavalleiros e bem corregidos, durando por longos tempos grande guerra, e muito crua, entre el-rei Dom Pedro de Castella e el-rei Dom Pedro de Aragão. Mas porque alguns, ouvindo aquisto, desejarão saber que guerra foi esta, ou porque se começou e durou tanto tempo, e nós falar d'isto podiamos bem escusar, por taes coisas serem feitos de Castella e não de Portugal, pero, não embargando isto, por satisfazer ao desejo d'estes, dês ahi porque nos parece que não havendo alguma noticia das crueldades e obras d'este rei Dom Pedro de Castella não podem bem vir em conhecimento, qual foi a razão porque elle depois fugiu de seu reino e se vinha a Portugal buscar ajuda e accorro, e como depois de sua morte muitos lugares de Castella se deram a el-rei Dom Fernando, e tomaram voz por elle: porém faremos de tudo um breve falamento, começando primeiro nas cousas que advieram em começo de seu reinado, vivendo ainda el-rei Dom Affonso de Portugal, seu avô, com as outras que se seguiram depois que reinou el-rei Dom Pedro, seu tio, das quaes nos parece que se em outro lugar melhor contar não podem que todas aqui juntamente, entremettendo seus feitos com a guerra, e primeiro, das cousas que fez antes que a começasse, por saberdes tudo, em certo, de que guisa foi. *CAPITULO XVI* _De algumas pessoas que el-rei D. Pedro de Castella mandou matar, e como casou com a rainha Dona Branca e a deixou_. Segundo testemunho de alguns, que seus feitos d'este rei de Castella escreveram, elle foi muito cumpridor de toda cousa que lhe sua natural e desordenada vontade requeria: em tanto que dizendo nós, pelo miudo, tudo o que feiamente se poderia ouvir de seus feitos, caíriamos em reprehensão, que não eramos escasso de contar os males alheios, mormente taes que são pregoeiros de má e vergonhosa fama, porém muito menos d'aquelles que achamos escriptos, dos principaes diremos, e mais não. Este rei foi muito arredado das manhas e condições que aos bons reis cumpre de haver, cá elle dizem que foi mui luxurioso, de guisa que quaesquer mulheres que lhe bem pareciam, posto que filhas-d'algo e mulheres de cavalleiros fossem, e isso mesmo donas de ordem ou de outro estado que não guardava mais umas que outras. Era muito cubiçoso do alheio por má e desordenada maneira, e não queria homem em seu conselho, salvo que lhe louvasse sua razão e quanto fazia. Matou muitas honradas pessoas, d'ellas sem razão por lhe darem bom conselho, e outras sem porque, e por ligeiras suspeitas, em tanto que muitos bons se afastavam d'elle muito anojados, por temor da morte: cá nenhum não era com elle seguro, posto que o bem servisse, e lhe elle muita mercê e honra fizesse. E deixados os achaques que a cada um punha por os matar, sómente, em breve, das mortes digamos, e mais não. No segundo anno de seu reinado foi morta D. Leonor Nunez de Gusman, manceba que fôra de el-rei seu padre, e madre do conde Dom Henrique, que depois foi rei; e posto que alguns digam que foi por mandado da rainha Dona Maria, sua madre, certo é que ella não mandaria fazer tal cousa sem consentimento de el-rei seu filho. E deu el-rei a sua madre todos os bens de Leonor Nunez. Mandou el-rei matar Garcia Lasso da Veiga, um grande fidalgo de Gastella e muito aparentado de genros e parentes e amigos, por suspeita que d'elle houve. Mandou matar tres homens bons da cidade de Burgos, a saber, Pero Fernandez de Medina, e João Fernandez, escrivão, e Affonso Garcia de Camargo. Idem, cercou Dom Affonso Fernandez Coronel, na villa de Aguilar, e entrou-o por força, e mandou-o matar, e Pero Coronel seu sobrinho, e João Gonçalvez d'Eça, e Pero Dias de Quesada, e Rodrigo Annes de Beema, e João Affonso Carrilho, mui bom cavalleiro. Mandou el-rei pedir a el-rei de França que lhe desse por mulher uma das filhas do duque de Bourbon seu primo, e de seis filhas que elle tinha, escolheram os mensageiros uma, que chamavam Dona Branca, moça de 18 annos e bem formosa, e receberam-na em seu nome. E como el-rei Dom Pedro isto soube, mandou que lh'a trouxessem logo, e enviou el-rei de França com ella o visconde de Cardona e outros grandes cavalleiros de sua terra, que lh'a trouxeram mui honradamente; e deu-lhe com ella mui grão casamento em oiro e prata e outras riquezas, e foram então feitas as dobras que chamaram de Dona Branca, e os reaes de Castella de el-rei Dom Pedro. E emquanto os mensageiros foram tratar este casamento, tomou elle por manceba Maria de Padilha, que andava por donzella em casa de Dona Isabel de Menezes, filha de Dom Tello de Menezes, mulher de Dom João Affonso de Albuquerque, que a criava. E tal vontade poz el-rei n'ella, que já não curava de casar com Dona Branca quando veiu, tendo já da outra uma filha que chamavam Dona Beatriz. E por conselho de Dom João Affonso de Albuquerque, pero muito contra vontade d'el-rei, ordenou de fazer suas bôdas em Valhadolid, e foram feitas uma segunda feira. E logo á terça seguinte, como el-rei comeu, a cabo de uma hora, deixou sua mulher, que não valeu rogo nem lagrimas da rainha Dona Maria sua madre, nem da rainha de Aragão sua tia, que o pudessem ter que se não partisse, e levou tal andar que foi essa noite dormir á aldeia de Pajares, que são dezeseis leguas de Valhadolid, e em outro dia chegou a Montalban, onde estava Dona Maria de Padilha. E tinha el-rei, quando partiu, e alguns dos que com elle iam, mulas em certos lugares, pero não chegaram com elle mais de tres; e foi por isto grande alvoroço entre os senhores e fidalgos do reino que alli eram, e alguns foram logo partidos d'el-rei. Depois, por afincado conselho, tornou el-rei a Valhadolid e esteve com sua mulher dois dias, e nunca mais puderam com elle que alli assocegasse; e partiu-se e nunca a mais quiz vêr. E o visconde e cavalleiros, que com ella vieram, se partiram sem mais falar a el-rei. Sendo viva esta rainha Dona Branca, não havendo mais de um anno que el-rei com ella casara, pareceu-lhe bem Dona Joanna de Castro, filha de Dom Pedro de Castro, que chamaram da Guerra, mulher que fôra de Dom Dïego de Alfaro, e commetteu-lhe por outrem que casasse com elle. E ella não querendo, porque el-rei era casado, disse elle que tinha razões por que o não era: e mandou aos bispos de Avila e de Salamanca que pronunciassem que podia casar. E elles, com medo, disseram-no assim, e foram recebidos na villa de Qualhar, dentro na igreja, solemnemente, pelo bispo de Salamanca que os recebeu ambos. Em o outro dia partiu el-rei d'alli, e nunca mais viu esta Dona Joanna: e ella chamou-se sempre rainha, pero não prazia a el-rei d'ello. A rainha Dona Maria tomou comsigo sua nora e foi-se para Outerdesilhas, e dês-ahi mandou-a el-rei levar guardada a Revollo, que a não visse sua madre nem outro nenhum, e depois a teve presa em Medina-Sidonia e alli a mandou matar, sendo então a rainha com idade de vinte e cinco annos, muito sisuda e bem acostumada. E elle teve ordenado de mandar matar Alvaro Gonçalves Mourão, e Dom Alvaro Perez de Castro, irmão de Dona Ignez, madre de Dom João e de Dom Diniz, filhos de el-rei Dom Pedro de Portugal, sendo então infante; e foram percebidos por Dona Maria de Padilha, que lh'o mandou dizer, e assim escaparam de morte. Mandou matar em Medina del Campo, um dia pela festa, em seu paço, Pero Rodriguez de Vilhegas, adiantado mór de Castella, e Sancho Rodriguez de Rojas; e foi morto um escudeiro de Pero Rodriguez. Mandou matar, em Toledo, vinte e dois homens bons, do commum, porque foram em conselho de se alçar a cidade de Toledo, por não matarem n'ella a rainha Dona Branca, segundo todos d'aquella vez cuidaram, entre os quaes mandava matar um ourives velho de oitenta annos; e um seu filho de dezoito annos, tendo-o para o matar, disse a el-rei que lhe pedia por mercê que antes mandasse matar a elle que seu padre, e el-rei mandou-o assim fazer: pero mais prouvera a todos que el-rei não mandara matar nem um nem outro. E mandou matar quatro cavalleiros bons d'essa cidade, a saber, Gonçalo Mendes, e Lopo de Vellasco, e Tello Gonçalves Palomeque, e Lopo Rodrigues, seu irmão. Quando entrou a villa de Toro, onde estava a rainha sua madre, saiu a rainha a elle, do alcaçar, por seu mandado, e mandou matar Dom Pero Esteves, que se chamava mestre de Calatrava, alli onde vinha junto com ella, e Rui Gonçalves de Castanheda que a trazia de braço, e Affonso Telles Giron, e Martim Affonso Tello, todos quatro a redor da rainha. E ella, quando os viu matar, tão a cerca de si, caiu em terra como morta, e levantaram-na, bradando e maldizendo seu filho, e a poucos dias lhe pediu que a mandasse a Portugal para el-rei seu padre, e assim o fez: e ahi morreu depois, segundo tendes ouvido. Mandou el-rei mais matar Gomes Manrique de Hornamella, e outros; e ordenou um torneio em Outerdesilhas, de cincoenta por cincoenta, por matar n'elle o mestre de São Thiago Dom Fradarique, seu irmão, que era no torneio. E el-rei não quiz descobrir este segredo a outrem, e porem não se fez aquelle dia. *CAPITULO XVII* _Como se começou o desvairo entre el-rei Dom Pedro de Castella e o conde Dom Henrique, seu irmão, o qual foi aso porque se o conde foi fóra do reino_. Pois havemos de fazer menção, ao diante, da guerra e grande desvairo que depois houve entre o conde Dom Henrique e el-rei Dom Pedro, seu irmão, necessario é que contemos primeiro como se começou sua desavença e de que guisa se elle partiu do reino: e isto, antes que entremos na guerra de Castella com el-rei de Aragão, em cuja ajuda elle depois veiu. Onde sabei que morto el-rei Dom Affonso sobre o cerco de Gibraltar, que foi na era de mil e trezentos e oitenta e oito annos, no mez de março, e tomando todos por seu rei o infante Dom Pedro seu primogenito filho, sendo então em idade de quinze annos, e estando na cidade de Sevilha,--partiram do arrayal com o corpo de el-rei, para o virem soterrar a Castella, muitos dos senhores e fidalgos que eram alli com elle, assim como o infante Dom Fernando, filho de el-rei de Aragão, marquez de Tortosa, sobrinho do dito rei Dom Affonso, filho da rainha Dona Leonor sua irmã, e Dom Henrique conde de Trastamara, e Dom Fradarique mestre de São Thiago, seu irmão, filhos de Leonor Nunez, e do dito rei Dom Affonso, e Dom João Affonso de Albuquerque, e outros senhores, e mestres, e ricos-homens. E passando o corpo de el-rei perante a villa de Medina Sidonia, que era de Leonor Nunez, ella se foi dentro ao lugar; porquanto Affonso Fernandez Coronel, que a tinha por ella, lhe disse que a não queria mais ter. E foi por esta entrada, que Leonor Nunez fez n'aquelle logar, mui grande murmurio entre os senhores e cavalleiros que levavam o corpo d'el-rei, cuidando que ella se punha alli em esforço dos filhos e parentes seus, que alli vinham. E Dom João Affonso de Albuquerque, quando viu aquella ficada que os filhos e parentes de Leonor Nunez faziam com ella n'aquelle logar, que era bem forte, tratou com alguns que o conde Dom Henrique e Dom Fradarique seu irmão, estivessem n'aquella villa como presos. E soube-o Leonor Nunez, e tomou mui grão medo. E trataram com ella, segurando-a Dom João Nunez de Lara que tinha sua filha esposada com Dom Tello, seu filho d'ella, cuidando ella que tal segurança fosse firme. E saiu-se do logar ella e seus filhos, e Dom Pedro Ponce de Leon, e Dom Fernão Perez Ponce seu irmão, mestre de Alcantara, e Dom Alvaro Perez de Guzman, e outros seus parentes, e houveram todos accordo de se apartar de el-rei, receando-se muito de irem a Sevilha, onde el-rei Dom Pedro estava, e serem presos. E logo n'esse dia que partiram de Medina, se foram a Moram, que é uma villa e castello bem forte a cerca de terra de mouros, e não segurando ainda de estar alli, foram-se para Aljazira, que tinha Dom Pero Ponce, e Dom Fradarique se tornou para a terra da ordem de São Thiago. A rainha Dona Maria, com seu filho el-rei Dom Pedro e todos os que eram em Sevilha, saíram fóra da cidade receber o corpo de el-rei, e foi-lhe feito mui honradamente tudo aquillo que cumpria, e soterrado na egreja de Santa Maria, na capella dos Reis. El-rei D. Pedro, sabendo a partida de seus irmãos e dos outros fidalgos, e como estavam em Aljazira, mandou saber secretariamente que maneira tinham, e achou que se apoderavam do logar o mais que podiam; e mandou lá galés armadas, e Guterre Fernandez de Toledo por capitão: e o conde D. Henrique, e os outros vendo que lhes não cumpria estar alli, tornaram-se para Moram, onde estava Dom Fernão Rodriguez Ponce. Em isto foi-se Dona Leonor Nunez a Sevilha, e posta de parte a segurança que lhe feita tinha, mandou-a el-rei guardar mui bem no alcaçar, e trataram depois, por parte de el-rei, com o conde Dom Henrique, e com os outros senhores, de guisa que se vieram todos a Sevilha para el-rei. E o conde ia vêr cada dia sua madre, com a qual estava Dona Joanna, filha de Dom João Manuel, sua esposa. E houveram accordo, a madre com o filho, que houvesse ajuntamento com sua esposa, por se não desfazer o casamento segundo rugiam; e fel-o assim, e pezou d'isto muito a el-rei, e á rainha sua madre, e a outros muitos, e por isto defendeu el-rei que a não fosse nenhum mais vêr: e levaram-na d'alli para Carmona, e o conde Dom Henrique fugiu para as Asturias, por quanto lhe disseram que o mandava el-rei prender. Depois foi levada Dona Leonor, sua mãe, a Talavera, e alli a mandou matar a rainha Dona Maria por Affonso Fernandez de Olmedo, seu escrivão, como já tendes ouvido. O conde Dom Henrique estando nas Asturias, ouviu como el-rei mandara matar sua madre, e depois Garcia Lasso, adiantado de Castella, e não ousou de estar alli, e foi-se a Portugal para el-rei Dom Affonso: e quando el-rei Dom Pedro fez vistas com seu avô em Cidade Rodrigo, como dissemos, rogou el-rei Dom Affonso a seu neto que perdoasse ao conde, e elle perdoou-lhe, e tornou-se o conde para as Asturias, cá não ousou de se ir para el-rei. E elle nas Asturias, soube el-rei como abastecia Gijon, e foi-se lá, e cercou o lugar, onde estava sua mulher Dona Joanna, cá elle não se atreveu de o esperar alli, e foi-se em tanto a uma montanha mui forte que dizem Montojo, e os de Gijon pleitearam com el-rei que perdoasse ao conde, e a el-rei prouve, e tornou-se. E quando el-rei houve de fazer suas bôdas em Valhadolid com Dona Branca, segundo contámos, chegou o conde Dom Henrique e Dom Tello seu irmão, e trazia o conde seiscentos homens de cavallo e mil e quinhentos de pé; e sendo em Cijalles, duas leguas d'onde el-rei estava, mandou-lhe dizer que não ousaria de entrar na villa, salvo com toda sua gente, porquanto se receava de alguns que eram na côrte. E el-rei mandou-o segurar: não se fiaram do seguro, e houveram de pelejar com el-rei, que sahiu a elles. Depois, foram de accordo com elle, e ficaram em sua mercê. Casou el-rei com Dona Branca, e deixou-a em outro dia, e foi-se para Dona Maria de Padilha. E d'essa idéia foi desavindo d'elle Dom João Affonso de Albuquerque que governava a casa d'el-rei. E tratou-se depois que Dom João Affonso estivesse em Portugal, se quizesse, e que seus castellos e bens, que havia em Castella, fossem seguros: prometteu-lh'o el-rei assim, e depois que Dom João Affonso foi em Portugal, cercou-lhe el-rei Medelin, e cobrou-o, e fel-o derribar, e depois cercou Albuquerque, e não o podendo tomar, partiu-se d'alli, e deixou por fronteiros, em Badalhouce, o conde Dom Henrique e o mestre de São Thiago Dom Fradarique, seu irmão. Partido el-rei d'alli, enviou o conde seu recado a Dom João Affonso, que fossem todos trez amigos, e entrassem por Castella, e a elle prouve muito, e firmaram seu preito de ser assim; e houveram Dom Fernando de Castro em sua ajuda, que estava em Galliza, e começaram de entrar por Castella, fazendo n'ella grande estrago. N'isto mandou el-rei Dom Pedro João Affonso de Henestrosa, seu camareiro-mór, a Arevalo onde estava a rainha Dona Branca, sua mulher, que a trouxesse ao alcançar de Toledo, e elle trazendo-a pela cidade, disse ella que queria ir primeiro fazer oração á igreja de Santa Maria, e dês-que foi dentro na igreja, não quiz mais sahir d'ella, receando-se de ser morta ou presa. João Affonso não se atreveu de a fazer sahir da igreja contra sua vontade, e tornou-se para el-rei. Os moradores de Toledo falando sobre isto, houveram piedade da rainha, e accordaram de a não deixar prender nem matar n'aquella cidade, e determinaram de pôr por ella os corpos, e quanto haviam. E mandaram primeiro por Dom Fradarique mestre de São Thiago, e colheram-no dentro com suas companhas, e mais enviaram suas cartas ao conde Dom Henrique, e a Dom João Affonso d'Abuquerque, e a Dom Fernando de Castro, fazendo-lhe saber sua intenção; e tiveram com Toledo, por parte da rainha, a cidade de Cardona, e Cuenca, e o bispado de Jaen e Talavera. Que cumpre dizer mais: os infantes Dom Fernando e Dom João, primos d'el-rei, e muitos senhores e cavalleiros, se partiram d'elle por ajudar a tenção dos outros, em guisa que não ficaram com el-rei mais de seiscentos de cavallo. E todos aquelles senhores lhe mandavam dizer que prestes eram para o servir e fazer seu mandado, com tanto que tomasse sua mulher, e vivesse com ella e não regesse o reino pelos parentes de Dona Maria de Padilha, nem os fizesse seus privados: e el-rei não quiz cair em tal preitesia. N'isto adoeceu Dom João Affonso de Albuquerque, e el-rei mandou encobertamente tratar com o physico, que pensava d'elle, que lhe faria mercês e que lhe desse com que morresse; e elle fel-o assim, segundo depois foi sabido; e os vassalos de Dom João Affonso prometteram de não enterrar o seu corpo até que esta demanda fosse acabada, e elle assim o mandou em seu testamento. E quando aquelles senhores ordenavam conselho sobre aquillo que lhes convinha fazer, falava em lugar de Dom João Affonso, Ruy Dias Cabeça-de-Vacca, que fôra seu mordomo-mór. E eram as gentes d'estes senhores todos até cinco mil de cavallo, e muita gente de pé. Acima vendo el-rei como perdia as gentes por esta guisa, houve conselho de se pôr em poder d'elles, na villa de Toro, e alli partiram elles logo os officios do reino e da casa d'el-rei entre si, de guisa que a el-rei não prouve; e então foram enterrar o corpo de Dom João Affonso, tendo que sua demanda era já acabada. El-rei sentindo-se como preso, segundo a maneira que com elle tinham, fingiu que queria ir á caça, e uma grande manhã cavalgou, e foi-se para Segovia, e foram-se os infantes para el-rei por suas preitesias, e começou-se de desfazer a companhia que se antes juntara. E o conde Dom Henrique, e Dom Tello e Dom Fradarique, seus irmãos, ficaram a uma parte, e seriam por todos até mil e duzentos de cavallo, e muitos homens de pé. E houveram entrada em Toledo, e foi el-rei á cidade, e cobrou-a, e elles deixaram-na, e foram-se. Depois lhes enviou rogar a rainha Dona Maria que se fossem para Toro, onde ella estava, receando-se del-rei, seu filho; e foram-se allá, e chegou ahi el-rei com suas gentes, e pelejaram nas barreiras, e não poude el-rei ahi assocegar por mingua d'agua, e partiu-se d'ahi. E depois que se el-rei foi, partiu-se o conde Dom Henrique para Galliza, uns diziam que para se ajuntar com Dom Fernando de Castro, outros affirmavam que o fazia o conde por não ser cercado. E quizera el-rei partir empoz elle, e depois houve em conselho de tomar primeiro a villa de Toro; e cercou-a outra vez, e tratou com Dom Fradarique, seu irmão, e do conde Dom Henrique, que ficava na villa por guarda, que se fosse para elle: e elle fel-o assim. E em outro dia cobrou el-rei a villa, por uma porta que lhe deram, e prendeu Dona Joanna, mulher do conde Dom Henrique, e fez matar alguns do lugar, e mais aquelles cavalleiros que foram mortos acerca da rainha sua madre, como dissemos. Quando o conde Dom Henrique soube como el-rei cobrara a villa de Toro, e matara aquelles cavalleiros que tinha por sua parte, e que o mestre Dom Fradarique, seu irmão, era já com el-rei de accordo, entendeu que lhe não cumpria mais aporfiar na guerra, nem estar mais tempo no reino e preitejou com el-rei, que lhe desse cartas de seguro para se ir para França: e a el-rei prouve disto, e deu-lh'as. E soube o conde como el-rei mandara ao infante Dom João e a Diego Perez Sarmento seu adiantado-mor, e a todos os outros cavalleiros e officiaes das comarcas por onde elle cuidava que o conde fosse, que lhe tivessem o caminho e o matassem; assim como depois matou todos os senhores e homens de estado que foram na companhia da demanda que se levantou contra elle por razão da rainha Dona Branca. E o conde partiu de Galliza, e foi pelas Asturias, por quanto por aquella comarca não havia mandamento d'el-rei, pensando elle pouco que fosse por alli, e passou trigosamente, e foi-se pela Biscaia, onde estava Dom Tello seu irmão, e d'ahi se passou por mar á Rochella, onde achou el-rei de França, que havia guerra com os inglezes, e tomou d'elle soldo. E d'esta guisa foi sua desavença com el-rei Dom Pedro seu irmão, e partida do reino de Castella, durando n'estas desavenças, todas que ouvistes n'este capitulo, passados de sete annos. *CAPITULO XVIII* _Como e por qual aso se começou a guerra entre Castella e Aragão_. Andando em sete annos que el-rei Dom Pedro de Castella reinava, na era de mil e trezentos e noventa e quatro, estando el-rei em Sevilha, mandou armar uma galé para ir folgar e vêr a pescaria que faziam nas covas das almadravas. E foi em uma galé a São Lucas de Barrameda, e achou ahi, no porto, dez galés de catalães e um lenho de que era capitão um cavalleiro aragonez, que diziam Mosse Frances de Emperellores, as quaes iam, por mandado de el-rei de Aragão, em ajuda de el-rei de França contra el-rei de Inglaterra. E entrando elle capitão n'aquelle porto por tomar refresco, achou ahi dois baixeis de plazentinos carregados de azeites, que iam para Alexandria, e tomou os, dizendo que eram navios de genovezes, com que os catalães haviam guerra então. El-rei lhe mandou dizer que pois aquelles baixeis estavam em seu porto, que os não quizesse tomar, ao menos por sua honra d'elle, pois estava de presente. E elle respondeu que aquellas gentes eram inimigos d'el-rei d'Aragão, e que os podia tomar de boa guerra. E el-rei lhe mandou dizer, outra vez, que fosse certo, se os deixar não quizesse, que mandaria prender em Sevilha todos os mercadores catalães que ahi eram, e tomar-lhes todos seus bens. O capitão das galés por tudo isto não o quiz fazer, e vendeu logo alli os baixeis por setecentas dobras, e foi-se seu caminho, sem mais falar a el-rei. E el-rei houve d'isto grande melancolia, e não sem razão, mas a vingança foi desarrazoada; porque assim como de pequena faisca se accende grande fogo, achando coisa disposta em que obre, assim el-rei Dom Pedro com destemperada sanha, por tomar d'aquillo vingança, moveu crua guerra contra Aragão, de sangue e fogo, por muitos annos, como ora brevemente ouvireis; cá elle mandou logo prender em Sevilha todos os mercadores catalães que ahi eram, e escrever lhes todos seus bens, e outro dia partiu-se á pressa por terra, e fel-os todos pôr em cadeias, e vender quanto lhes acharam. E mandou logo a el-rei de Aragão fazer-lhe queixume de Mosse Frances, da pouca honra e cortezia que n'elle achara, mandando-lh'o rogar por duas vezes, e que porém lhe requeria que lh'o entregasse para d'elle haver emenda, e anadiu mais que tirasse uma commenda que dera a Dom Pedro Moniz de Godoi, que era homem a que bem não queria, e se estas cousas fazer não quizesse, que fosse certo que lhe faria guerra. E el-rei de Aragão deu sua resposta, que lhe pesava do nojo que a el-rei fôra feito, e que como aquelle cavalleiro tornasse para seu reino, que elle o ouviria e faria justiça, de guisa que el-rei de Castella fosse contente; e que a commenda que havia dada a Dom Pedro Moniz, pois a el-rei não prazia d'ello, que cataria outra cousa de que lhe fizesse mercê, mas que até que al lhe désse, que lh'a não podia tirar sem grande sua mingua. O mensageiro, que bem sabia a vontade de el-rei Dom Pedro, não foi contente d'esta resposta, e desafiou o logo, e seu reino. El-rei de Aragão disse que el-rei de Castella não havia justa razão para fazer isto, e que o deixava em juizo de Deus, e mandou logo aperceber sua terra. *CAPITULO XIX* _Como el-rei de Castella entrou por Aragão e das cousas que fez n'este anno_. El-rei de Castella, emquanto mandou a Aragão o recado que haveis ouvido, antes que a resposta de lá viesse, com desejo de tomar vingança, mandou á pressa armar sete galés e seis naus; e metteu-se el-rei n'ellas, cuidando de achar na costa de Portugal aquelle cavalleiro, e chegou até Tavira, e soube que era passado, e tornou-se para Sevilha; e mandou el-rei as galés á ilha de Iviça, e começou-se a guerra por todas as partes. N'isto começou-se a era de mil trezentos e noventa e cinco, em cuja sesão morreu el-rei Dom Affonso de Portugal, a que este rei Dom Pedro, seu neto, mandara pedir ajuda para esta guerra, segundo antes havemos contado; e vendo el-rei de Aragão a não boa maneira que el-rei de Castella com elle queria ter, fel-o saber ao conde Dom Henrique e a alguns cavalleiros castelhanos que andavam em França por medo de el-rei Dom Pedro, e o conde com elles vieram-se para elle, e el-rei os recebeu mui bem e deu ao conde certos castellos em que tivesse suas gentes, e soldo para oitocentos de cavallo. El-rei de Castella, como isto soube, partiu de Sevilha e entrou por Aragão, e tomou alguns castellos, e tornou-se para Deça, uma sua villa na fronteira de Aragão; e acendia-se a guerra cada vez mais. E alli chegou a elle o cardeal Dom Guilhem, legado do papa Innocencio, para pôr avença entre elles, e não podendo fazer que cessasse a guerra de todo, por as cousas mui graves de outorgar que el-rei Dom Pedro requeria a el-rei de Aragão, fez entanto uma tregua de quinze dias, os quaes durando, tomou el-rei Dom Pedro a cidade de Taraçona. E o cardeal se aggravou contra el-rei, dizendo que emquanto elle fôra falar a el-rei de Aragão, durando ainda os dias da tregoa, tomara elle aquella cidade, e el-rei dizendo que já eram passados, e o cardeal dizendo que não, ficou o lugar por el-rei bem fornecido de gentes. E d'esta segunda vez que el-rei entrou em Aragão e tomou a cidade de Taraçona, se vieram para elle muitas gentes de seus reinos e alguns inglezes, em guisa que eram sete mil de cavallo e dois mil ginetes e muita gente de pé. E vendo o cardeal que não podia entre os reis tratar firme paz, ordenou que houvessem tregua por um anno, e foi apregoada uma segunda-feira, dez dias de maio d'esta era, e el-rei veiu-se então a Sevilha por mandar fazer galés, e encaminhar de fazer armada no anno seguinte, tanto que as treguas fossem saidas. N'este comenos, durando a tregua, tratou Pero Carrilho, que vivia com o conde Dom Henrique, suas avenças com el-rei Dom Pedro, que o herdasse em seu reino e que se viria para elle; e a el-rei prouve, e fel-o assim. E Pero Carrilho, desde que segurou por alguns dias, guisou como pudesse levar a condessa Dona Joanna, que estivera presa desde que el-rei tomara a villa de Toro, para o conde seu marido, e foi assim de feito que a levou. E d'esta guisa cobrou o conde sua mulher, e pesou muito a el-rei Dom Pedro quando soube que a assim levaram. *CAPITULO XX* _Como el-rei Dom Pedro fez matar o mestre de São Thiago Dom Fradarique, seu irmão, no alcaçar de Sevilha_. Se dizem que o que faz nojo a outrem escreve o que faz no pó, e o injuriado em pedra marmore, bem se cumpriu isto em el-rei Dom Pedro; cá elle movido por sobejo queixume contra seus irmãos e outros do reino, por aso da tenção que tomaram em favor da rainha Dona Branca e contra os parentes de Dona Maria de Padilha, segundo ouvistes (que já em tempo havia mais de trez annos, andando então a era em mil e trezentos e noventa e seis,) ordenou em Sevilha, alli onde estava, de matar o mestre de São Thiago Dom Fradarique, seu irmão, e mandou-o chamar onde vinha da guerra que fôra tomar a villa de Jumilha, que é no reino de Murcia, por lhe fazer serviço. E no dia que o mestre havia de chegar á cidade, chamou el-rei em sua camara o infante Dom João, seu primo, e tomou-lhe juramento sobre a Cruz e os Evangelhos, e descobriu-lhe como o queria matar, rogando-lhe que o ajudasse a fazer tal obra, e ter-lh'o-hia em serviço, e como fosse morto, que logo entendia de ir a Biscaia matar o outro irmão Dom Tello, e dar-lhe a elle as suas terras. O infante Dom João respondeu que lhe tinha em grande mercê querer fiar d'elle seus segredos, e que lhe prazia muito do que tinha ordenado, e era contente de o fazer assim. N'isto chegou Dom Fradarique, antes de comer, uma terça-feira, vinte e nove dias de maio, e como chegou de caminho foi logo vêr el-rei, que estava no alcaçar da cidade jogando as tabolas, e beijou-lhe a mão e muitos cavalleiros com elle. E el-rei o recebeu mui bem, mostrando-lhe boa vontade, e perguntou-lhe d'onde partira, e que pousadas tinha. O mestre disse que partira de Santilhana, que são d'alli cinco leguas, e que as pousadas cuidava que seriam boas. E el-rei, porque entraram muitos com o mestre, disse que se fosse aposentar, e depois se viria para elle. O mestre partiu-se, e foi vêr Dona Maria de Padilha e as sobrinhas, que estavam em outra parte dos paços, e d'alli se veiu ao curral onde deixara as bestas, e não achou ahi nenhuma, cá assim fora mandado aos porteiros. O mestre não sabendo se tornasse a el-rei, ou que fizesse, disse-lhe um seu cavalleiro, suspeitando mal de tal feito, que se saisse pelo postigo do curral, que estava aberto, cá lhe não minguaria besta se fosse fóra. Elle cuidando se o faria, vieram-lhe dizer que o chamava el-rei, e elle começou de tornar para el-rei, pero espantado, receando-se muito. E como ia entrando pelas portas dos paços e das camaras, assim ia cada vez mais desacompanhado, em guisa que quando chegou onde el-rei estava, não ia com elle salvo o mestre de Calatrava. E estiveram á porta ambos, e não lhes abriram; e pero lhe todas estas cousas apresentavam mensagem de morte, vendo-se sem culpa, tomava já em si quanto de esforço. N'isto abriram o postigo do paço onde el-rei estava, e el-rei disse a Pero Lopez de Padilha, seu bésteiro-mór, que prendesse o mestre.--Senhor, disse elle,--qual d'elles?--O mestre de São Thiago,--disse el-rei. E elle travou d'elle, dizendo:--Sêde preso! O mestre ficou espantado, e quando ouviu outra vez que el-rei dizia aos bésteiros da maça que o matassem, desenvolveu-se de Pero Lopez, que o tinha preso, e houve-se no curral; e quiz tirar a espada que tinha na cinta, e foi sua ventura que não poude, por aso do tabardo que tinha vestido, e andando muito rijo de uma parte á outra, não o podiam ferir os bésteiros com as maças, até que o houveram de ferir, e caiu em terra morto. El-rei, quando viu o mestre jazer em terra, saiu pelo alcaçar cuidando achar alguns dos seus para os matar, e não os achou, cá eram fugidos e escondidos. E achou no paço onde estava Dona Maria de Padilha, Sancho Diaz de Vilhegas, camareiro-mór do mestre, que se acolhera alli quando ouviu dizer que o matavam, e tomou Dona Beatriz, filha de el-rei, nos braços, cuidando por ella escapar da morte, e el-rei fez-lh'a tirar das mãos, e deu-lhe com uma brocha que trazia, e matou-o. E tornou-se onde jazia o mestre, e achou que não era bem morto, e fel-o matar a um seu moço da camara: d'ahi, foi-se assentar a comer. E mandou logo n'esse dia, pelo reino, que matassem estas pessoas, a saber: em Cordova, a Pero Cabrera, um cavalleiro que ahi morava, e um jurado que diziam Fernando Affonso de Gachete; e mandou matar Dom Lopo Sanchez de Vendano, commendador-mór de Castella; e mataram, em Salamanca, Affonso Jofre Tenorio; e em Toro, Affonso Perez Fermosilhe; e mataram, em Mora, Gonçalo Mendez de Toledo. E estes dizia el-rei que mandava matar porque foram da parte da rainha Dona Branca; e pero lhes el-rei havia já perdoado, não curando do que promettera, mandou a todos cortar as cabeças. *CAPITULO XXI* _Como el-rei partiu de Sevilha por tomar Dom Tello, seu irmão, para o matar; e como matou o infante Dom João, seu primo_. Estando el-rei ainda comendo, mandou chamar logo o infante Dom João, seu primo, e disse-lhe em segredo como, tanto que comesse, queria partir para Biscaia, por ir matar Dom Tello, seu irmão, e que se fosse com elle, e dar-lhe-ia o senhorio d'aquella terra. O infante, não embargando que estivesse casado com Dona Isabel, irmã da mulher do conde Dom Tello, prouve-lhe muito com taes novas, e beijou as mãos a el-rei por ello, cuidando pouco no que lhe elle tinha ordenado: e el rei partiu logo, e o infante com elle, e foi em sete dias em Aguilar do Campo, onde Dom Tello estava. E Dom Tello andava aquelle dia ao monte, e um seu escudeiro, quando viu el-rei foi-lh'o logo dizer, tossemente. E elle fugiu á pressa, e chegou a Bermeto uma sua villa ribeira do mar, e entrou em pinaças de pescadores, e foi-se para Bayona de Inglaterra. El-rei, cuidando de o tomar, seguiu o caminho por onde elle fôra, e aquelle dia que Dom Tello chegou a Bermeo e entrou no mar, esse dia chegou el-rei, e entrou em outros navios, cuidando de o alcançar. O mar era um pouco buliçoso, e el-rei anojou-se, e deixou de o seguir porque ia mui longe, e tornou-se em terra, e prendeu Dona Joanna, sua mulher. O infante Dom João, quando viu Dom Tello por esta guisa partido, disse a el-rei que bem sabia sua mercê como lhe dissera em Sevilha que queria matar Dom Tello, e dar-lhe a terra de Biscaia, que era sua, e que pois Dom Tello era fóra do reino sem sua graça, que fosse sua mercê de lh'a dar como lhe promettera. E el-rei disse que mandaria aos biscainhos que se ajuntassem, como haviam de costume, e que elle iria lá, e lhe mandaria que o tomassem por senhor. E o infante, com leda esperança de cobrar a terra, lhe beijou as mãos por isto, tendo-lh'o em grande mercê. Os biscainhos indo para se ajuntar onde haviam de costume, falou el-rei com os maiores d'elles, dizendo-lhes em segredo que respondessem, quando elle propuzesse para dar a terra a Dom João, que não queriam outro senhor salvo el-rei; e elles disseram que assim o fariam. Elles juntos, bem dez mil, propoz el-rei muitas razões por parte do infante seu primo, como a terra de Biscaia lhe pertencia por direito, por aso do casamento de sua mulher, e que lhes rogava e mandava que o tomassem por senhor: elles responderam que nunca tomariam outro senhor salvo el-rei de Castella, e que nenhum lhes fallasse em outra cousa. E el-rei disse então ao infante, que bem via as vontades d'aquelles homens, que o não queriam haver por senhor, porém, que elle iria a Bilbao, e que ainda tornaria outra vez a falar com elles que o tomassem por senhor. O infante começou de entender que isto era encoberta que el rei fazia, e teve-se por mal contente. El-rei em Bilbao, mandou em outro dia chamar o infante, e elle veiu, e entrou só na camara, e ficaram dois seus á porta; e os que sabiam parte de sua morte começaram de joguetear com elle, por lhe tomarem um pequeno cutello que trazia, e assim o fizeram; e Martim Lopez, camareiro-mór de el-rei, abraçou-se então com o infante, e um bésteiro deu-lhe com uma maça na cabeça, e dês-ahi outros, e caiu o infante morto: e foi isto uma terça-feira, havendo quinze dias que o mestre Dom Fradarique fôra morto em Sevilha. E el-rei mandou-o deitar na rua por uma janella da casa onde pousava, e disse aos biscainhos que estavam ahi juntos:--Vêdes ahi o vosso senhor de Biscaia, que vos demandava por seus? Isto feito, mandou logo el-rei João Fernandes de Hinestrosa que se fosse a Roa, onde estavam a rainha de Aragão, sua tia, madre do dito infante, e Dona Isabel, sua mulher, e que as prendesse ambas, não sabendo parte a madre do filho, nem a mulher do marido. E foram presas em um dia, e el-rei chegou no outro, e fez-lhes tomar quando tinham, e mandou-as presas a Castro Exariz; e d'alli partiu-se, e veiu-se a Burgos, onde esteve uns oito dias, e alli lhe trouxeram as cabeças d'aquelles que ouvistes que mandara matar pelo reino, quando o mestre Dom Fradarique foi morto. *CAPITULO XXII* _Como foi quebrada a tregua de um anno que havia entre os reis, e como el-rei Dom Pedro juntou armada por fazer guerra a Aragão_. Nós não dissemos a morte do mestre Dom Fradarique e do infante Dom João, da guisa que ora ouvistes, por nos prazer contar crueldades, mas puzemol-as um pouco assim compridas, mais que dos outros, porque eram notaveis pessoas, e vêrdes o geito que el-rei teve em os matar. Onde sabei, que por este aso não embargando que ainda durasse a tregua de um anno, que o cardeal puzera entre el-rei Dom Pedro e el-rei de Aragão, que tanto que o conde Dom Henrique soube como Dom Fradarique, seu irmão, era morto, e isso mesmo disseram ao infante Dom Fernando, marquez de Tortosa, da morte do infante Dom João, seu irmão, juntaram logo suas gentes, e entraram por Castella. E o conde entrou por terra de Soria, e chegou á villa de Seiron, e a rombou, e combateu o castello e alcaçar cuidando de o tomar, e tornou-se para Aragão; e o infante Dom Fernando entrou pelo reino de Murcia, e fez muito damno n'aquella terra. El-rei soube isto em Valhadolid, e pôz logo fronteiros contra Aragão, e veiu-se a Sevilha, e fez armar á pressa doze galés; e em as armando, chegaram seis galés de genovezes, que então haviam guerra com os catalães, e prouve muito a el-rei com ellas, e tomou-as a soldo, dando por mez a cada uma mil dobras cruzadas. E com estas dezoite galés chegou a uma villa, que chamam Guadamar, que era do infante Dom Fernando, e fez el-rei uma manhã, que eram dezesete dias de agosto, sair muita gente de todas as galés para combater a villa, e pero fosse bem cercada, tomou-a por força, e acolheram-se muitos ao castello. E estando o combatendo, á hora do meio dia, alçou-se um vento mui forte, que é travessia n'aquella terra, e como as galés estavam sem gente, deu com todas a travez á costa, que não escaparam mais de duas que jaziam dentro no mar, uma d'el-rei e outra dos genovezes. E ás dezeseis mandou el-rei pôr o fogo, porque se não podiam reparar: e dos remos, e outros apparelhos, não se salvou senão mui pouco, que pozeram em uma nau de Laredo, que ahi estava. E houve el-rei, e os patrões dos galés, bestas em que partiram d'alli, das gentes de Guterre Gomez de Toledo, que chegara ahi, elle e outros, com seiscentos de cavallo; e foi-se el-rei mui triste com este acontecimento, e todos os das galés de pé com elle, mui nojosos. E chegou el-rei a Murcia, e foram-se os genovezes para sua terra em navios de Cartagena, e el-rei mandou logo a Sevilha que fizessem á pressa galés. E em oito mezes foram feitas doze galés novas, e reparadas quinze d'outras que estavam nas tercenas; e fez fazer muitas armas e grande almazem, e mandou perceber todos os navios do reino que não fretassem para nenhuma parte. E partiu el-rei de Murcia, e foi-se á fronteira de Aragão, e ganhou alguns castellos, e tornou-se para Sevilha: e foi esta a quarta vez que el-rei Dom Pedre entrou em Aragão. *CAPITULO XXIII* _Como veiu o cardeal de Bolonha para fazer paz entre el-rei de Castella e el-rei de Aragão, e os não poude pôr de accordo_. Estando el-rei Dom Pedro assim em Sevilha, soube como Dom Guilhem, cardeal de Bolonha, era na villa de Almaçan, por tratar paz entre elle e el-rei de Aragão. E fez saber o cardeal a el-rei se lhe prazia de ir a Sevilha, onde elle estava, ou se aguardaria alli por elle, havendo de ir para aquella comarca. E el-rei era já partido de Sevilha para a fronteira de Aragão, quando lhe chegou este recado em Villa Real, e disse que lhe prazia muito com sua vinda, e que o aguardasse n'aquella villa, cá elle ia direitamente para ella. E foi assim que chegou ahi el-rei a poucos dias, e falou o cardeal a el-rei, presentes os do seu conselho, tudo o que lhe o papa enviava dizer, assim do nojo que tomava pela guerra em que eram elle e el-rei de Aragão, como do grão prazer que haveria se os visse postos em paz. El-rei respondeu que a guerra que elle havia com el-rei de Aragão era muito por sua culpa, e contou ao cardeal o que lhe adviera com o capitão de suas galés na foz de Barrameda de San Lucar, como já ouvistes, e como fizera saber tudo a el-rei de Aragão, e que nunca quizera tornar a ello como devia, e demais, que mandara a França por todos seus inimigos, para lhe fazer com elles guerra. O cardeal disse que queria ir falar a el-rei de Aragão sobre isto, e el-rei disse que lhe prazia, e que de boamente haveria com elle paz, fazendo el-rei de Aragão estas cousas: primeiramente, que lhe entregasse aquelle cavalleiro, para d'elle fazer justiça onde elle quizesse, e que lançasse fóra do reino o infante Dom Fernando, marquez de Tortosa, seu irmão, e mais D. Henrique, conde de Trastamara, e todos os outros que vieram em ajuda da guerra, e que lhe desse os castellos de Oriola e Alicante, e outros logares que foram de Castella antigamente, e mais pelas despezas que fizera na guerra lhe tornasse quinhentos mil florins. O cardeal, pero lhe isto parecessem cousas desarrazoadas, disse que lhe prazia de tomar cargo de ir falar a el-rei de Aragão sobre ello; e chegou a Aragão e contou a el-rei, por miudo, todas as cousas que lhe el-rei dissera. El-rei de Aragão respondeu, dizendo assim:--Cardeal amigo, bem vêdes vós que se elle houvesse vontade de haver comigo paz, que me não demandaria taes cousas como me envia requerer; cá o cavalleiro não é direito que lh'o entregue para o matar, pois não fez por quê; mas isto quero fazer, mande-o accusar por direito, e se for achado que merece morte, eu lh'o quero entregar preso, que o mande matar em seu reino. Ao que diz que envie eu fóra de meu reino Dom Henrique, Dom Tello, e Dom Sancho, seus irmãos, pois são seus inimigos, digo que me praz, se ficar com elle de accordo, mas desterrar fóra do reino o infante Dom Fernando, meu legitimo irmão, isto me parece estranho de pedir. Os logares que me requere que lhe entregue, não tenho razão por quê, cá foram julgados a este reino por sentença de el-rei Dom Diniz de Portugal, e pelo infante Dom João de Castella, presentes muitos fidalgos de seu reino, e elle e eu temos cartas de como foram partidos. As despezas que fez na guerra não sou tido de lhe pagar, cá se não começou por minha vontade, antes me pezou muito, e peza, de haver entre mim e elle tal desvairo; mas tanto lhe farei, se houvermos paz, que havendo elle guerra com el-rei de Granada ou de Bellamarin, que o quero ajudar seis annos com dez galés armadas á minha custa quatro mezes cumpridos, e se mouros passarem, e lhe convier pôr a praça, que o ajude com meu corpo e gentes, e ser com elle no dia da batalha. De outra guisa, dizei que lhe requeiro, da parte de Deus, que me não queira fazer guerra, pois justa razão não tem, e se o de outra guisa fizer, deixo tudo na ordenança e justiça de Deus. Tornou o cardeal a el-rei de Castella, e contou-lhe isto que ouvistes, e el-rei começou-se de queixar, dizendo que el-rei de Aragão não prezava a guerra, nem se queria chegar para haver avença com elle, mas que d'esta vez provaria cada um para quanto era, porém, por elle entender que lhe prazia de haver paz, que elle se partia das outras cousas que demandava, e que lhe desse os cinco logares que lhe requeria, e que lançasse de seu reino seus irmãos e as gentes que eram com elles. O cardeal foi d'isto mui lêdo, tendo que pois se el-rei D. Pedro descia do que á primeira dissera, que poderia aproveitar n'este tratamento, e foi-se a Calatayud, onde el-rei de Aragão estava, e contou-lhe como el-rei, por bem de paz, requeria sómente estas duas cousas. El-rei de Aragão houve accordo com os do seu conselho, e disse que as gentes todas lançaria fóra mas que nenhuma villa nem castello não entendia de dar de seu reino, e que el-rei de Castella devia ser bem contente da primeira resposta. Quando o cardeal tornou com este recado, foi el-rei Dom Pedro mui sanhudo, dizendo que tudo eram razões, pelo estorvar da armada que fazer queria, e porém disse ao cardeal que lhe perdoasse, cá não entendia de falar mais n'isto, mas continuar sua guerra o mais que pudesse. Ao cardeal pezou muito de tal resposta, e não podendo mais fazer, cessou de falar em ello. El-rei Dom Pedro mui sanhudo, por tomar logo alguma vingança, passou por sentença contra o infante Dom Fernando, seu primo, e contra o conde Dom Henrique, e outros cavalleiros muitos, por a qual razão os perdeu então de todo ponto, e o peior d'isto: mandou matar a rainha Dona Leonor, sua tia, madre do dito infante Dom Fernando, e Dona Joanna de Lara, mulher de Dom Tello, seu irmão; nas quaes cousas cumpriu sua vontade, e não fez muito de seu serviço. E depois que mandou fazer estas e outras cousas, pôz seus fronteiros contra Aragão, e partiu de Almaçan, e veiu-se a Sevilha. *CAPITULO XXIV* _Como el-rei de Castella enviou pedir ajuda de galés a el-rei de Portugal, e como partiu com sua frota por fazer guerra a Aragão_. Sendo el-rei de Castella em tal desaccordo com el-rei de Aragão, e tendo vontade de fazer grande armada contra seu reino em este anno de mil e trezentos e noventa e sete, pero assaz de frota tivesse, assim de naus como de galés, não foi d'isto ainda contente, e mandou dizer a el-rei de Portugal, seu tio, por João Fernandez de Hinestrosa, seu camareiro-mór, que lhe rogava que as dez galés, que lhe promettidas havia de dar em ajuda contra Aragão, que as mandasse fazer prestes, cá lhe eram muito cumpridoras. A el-rei prouve muito d'ello, e mandou logo armar de boas gentes dez galés e uma galeota, e o seu almirante Misser Lançarote em ellas. El-rei como soube que as dez galés de Portugal eram prestes, partiu de Sevilha no mez de abril meiado, com toda sua armada junta, a qual eram oitenta naus de castello d'avante, e vinte e oito galés suas, e duas galeotas e quatro lenhos, e mais tres galés d'el-rei de Granada, que lhe enviara em ajuda a seu requerimento. E esteve el-rei em Aljazira quinze dias, aguardando pelas galés de Portugal, e quando viu que não vinham, partiu para Cartagena, e alli esperou todas suas naus; e foi sobre Guadamar, e tomou a villa e o castello, e d'alli foi pela costa, combatendo alguns logares que tomar não poude, e chegou ao rio de Ebro, a cerca de Tortosa, cidade de Aragão, e alli chegaram as dez galés de Portugal, que lhe el-rei seu tio enviava em ajuda. E prouve muito a el-rei com ellas, e a todos os da frota, e tinha el-rei então, por todas, quarenta e uma galés, afóra as fustas pequenas. E partiu el-rei d'alli com toda armada e chegou a Barcelona, uma vespera de paschoa, onde estava el-rei de Aragão; e achou doze galés armadas, e não as poude tomar, cá se puzeram todas a travez, junto com a cidade, e d'alli as defendiam com muita bésteria e trons. E esteve el-rei ante Barcelona, com toda sua frota, tres dias, e d'alli se foi á ilha de Iviça, e cercou uma boa villa que ha assim nome; e tendo-a afincada com engenhos e bastidas, soube como el-rei de Aragão tinha armadas quarenta galés com que estava na ilha de Mayorca, e queria pelejar com elle. E el-rei de Castella, como isto soube, disse que lhe não cumpria estar mais em terra, nem curar de cerco d'aquelle logar, pois todo o feito da guerra havia de haver fim por aquella batalha, em que os reis haviam de ser por seus corpos. E fez logo recolher toda sua gente á frota, e metteu-se el-rei n'uma grande galé, que fôra dos mouros, que passava quarenta cavallos sob sota, e mandou fazer n'ella tres castellos de madeira, um na pôpa e outro na prôa, e um na metade, e pôz n'ella cento e sessenta homens d'armas e cento e vinte bésteiros. E partiu el-rei, de Iviça, com toda sua frota, e veiu-se a um logar que dizem Calpe, e alli ancoraram as naus e galés a cerca de terra, traz uma alta penha que ahi ha, de guisa que se não podiam ver, salvo de perto. As galés de Aragão appareceram d'alli á vella até duas leguas, pouco mais ou menos, dentro no mar, e eram quarenta sem outros navios, e não vinha el-rei n'ellas, cá os seus não quizeram, e ficou em Mayorca. Ellas não haviam vista da frota de Castella, por aso d'aquella grande penha que as amparava; e vinham todas á vella, n'esta ordenança: em meio d'ellas eram duas galés grossas, com castellos feitos de que pelejassem, e n'uma vinha o conde de Cardona, e n'outra Dom Bernardo de Cabrera, almirante de Aragão; e duas galés de guarda vinham diante por grão espaço das outras; e muitas gentes de pé e de cavallo, por terra, para as ajudarem se mister fizesse. As duas galés, que vinham diante, como houveram vista das naus e frota de Castella, calaram as vellas e tomaram os remos; as outras todas, como isto viram, fizeram logo por aquella guisa por se ordenarem á sua vontade; e sabendo parte das naus que ahi eram, de que houveram mui grande receio, não as ousaram de attender no mar, e logo essa tarde, á hora de vespera, se metteram todas no rio de Denia. El-rei Dom Pedro fez logo fazer todos os seus prestes, cuidando outro dia de haver batalha; e o mar era tão sem vento que se não podia aproveitar das naus; e havido seu conselho, em que eram desvairados accordos, determinou que pois a armada dos imigos jazia em tal rio, que por sua estreitura não podia pelejar com elles, que se fossem entanto para Alicante, por vêr se quereriam depois pelejar. E el-rei como d'alli partiu com a sua frota, e as galés de Aragão vieram-se lançar em Calpe, onde a frota de Castella jazera primeiro. *CAPITULO XXV* _Como se partiu o almirante de Portugal com as dez galés, e como el-rei Dom Pedro desarmou a frota; e de outras cousas_. Havendo seis dias que el-rei de Castella estava em Alicante, e vendo que a armada de Aragão não apparecia, partiu d'aquelle logar e veiu-se para Cartagena. E alli disse o almirante de Portugal a el-rei, que seu senhor, el-rei de Portugal, lhe mandára que estivesse com aquellas suas dez galés tres mezes, onde quer que o elle mandasse, e que pois os tres mezes eram já passados, que não ousaria mais de estar alli, nem passaria mandado de seu senhor. El-rei Dom Pedro, quando isto ouviu, pezou-lhe muito, cá não quizera que tão asinha partira, e não podendo fazer que se tivesse alli mais, deu-lhe licença que se fosse. E como se as galés de Portugal partiram, accordou el-rei de deixar a frota e ir-se por terra para Castella, e mandou as galés todas a Sevilha, e deu logar ás náus que se partissem, e elle veiu-se para Outerdesilhas, onde estava Dona Maria de Padilha, madre de seus filhos. As galés de Aragão, como souberam que el-rei de Castella desarmara a frota, desarmaram elles trinta galés suas, e deixaram dez que andassem pelo mar, por fazer damno a alguns navios de Portugal ou de Castella: e foi assim que o fizeram a alguns, mas poucos porém, e em pequenos navios. N'esta sesão, no mez de setembro, o conde Dom Henrique, e Dom Tello, seu irmão, e alguns fidalgos e cavalleiros de Aragão até oitocentos de cavallo, entraram por Castella por terra de Agreda, e Dom Fernando de Castro e João Fernandez de Hinestrosa, e outros, que estavam na fronteira da comarca de Almaçan, com uns mil e quinhentos de cavallo, sairam a elles. E foi de tal guisa que pelejaram a cerca de Moncayo. E foi vencido Dom Fernando de Castro, e morto João Fernandez de Hinestrosa, e outros bons fidalgos, e preso Inigo Lopez de Orosco, e outros. A el-rei Dom Pedro pezou d'isto muito, e seus inimigos cobraram grande esforço; e mandou n'este anno matar em Carmona, onde estavam presos, Dom João e Dom Pedro, seus irmãos, filhos d'el-rei Dom Affonso seu padre, e de Dona Leonor Nunez de Guzman: era Dom Pedro de quartoze annos, e Dom João de dezenove, moços innocentes que nunca lhe mal mereceram. E por aso d'estas mortes, e outras muitas que tendes ouvido, era el-rei Dom Pedro tão mal quisto de todos, e havendo d'elle tamanho medo, que por ligeira cousa se partiam d'elle, e se iam a Aragão para o conde Dom Henrique. Assim como fez Diego Perez Sarmento, e Pero Fernandez de Velasco, e outros, com muitas gentes que comsigo levaram; em tanto, que o conde disse a el-rei de Aragão que se quizesse ordenar uma boa companhia de gente, que elle entraria com elles por Castella, e que entendia de não achar quem lhe puzesse a praça: e quizera el-rei, de boamente, que se fizera, mas que levara o infante Dom Fernando, seu irmão, a capitania d'elles, e o conde Dom Henrique não quiz, e por tanto se não fez d'aquella vezada. *CAPITULO XXVI* _Como o cardeal de Bolonha quizera tratar paz entre os reis e não poude, e como as gentes d'el-rei Dom Pedro pelejaram com o conde e o desbarataram_. Tendo o cardeal de Bolonha, que andava em Aragão por avir estes reis, como el-rei Dom Pedro havia perdida parte de sua gente n'aquella batalha que houvera o conde Dom Henrique com Dom Fernando de Castro, e como se alguns cavalleiros partiam d'elle, e se iam para Aragão, teve que, por estas e outras razões, elle se chegaria a alguma boa avença para haver paz com el-rei de Aragão, e fez saber a ambos os reis se lhes prazeria de falar mais n'isto, e outorgou cada um que sim. O cardeal se veiu então para Tudella, que é do reino de Navarra, e chegou ahi Guterre Fernandez de Toledo por procurador d'el-rei de Castella, e Dom Bernardo de Cabrera, procurador d'el-rei de Aragão, e estiveram por dias, e não se avieram. El-rei Dom Pedro, como isto soube, partiu de Sevilha para Leon, por quanto lhe disseram que o conde Dom Henrique, e Dom Tello, e outros senhores de Aragão, se juntavam para entrar por Castella; e d'alli partiu, e veiu a Valhadolid, sabendo como já eram entradas aquellas gentes em seu reino, e mataram os judeus de Najara e d'outros logares, e roubavam as judiarias. E o conde chegou a Pancorvo e assocegou ahi alguns dias, e depois se partiu para Najara, e el-rei foi allá com seu poder, e pousou em um logar que chamam Acofra. E alli chegou a elle um clerigo de missa, natural de São Domingos da Calçada, e contou-lhe que São Domingos lhe dissera, em sonhos, que viesse a elle e lhe dissessé que fosse certo que não se guardando do conde Dom Henrique, que elle o havia de matar por sua mão. E el-rei cuidou que o clerigo lh'o dizia por induzimento, pero o clerigo dizia que não, e mandou-o queimar ante si. E partiu el-rei uma sexta-feira para Najara, onde o conde estava, e elle era fóra da villa com oitocentos de cavallo e dois mil homens de pé. E mandara pôr o conde, ante a villa, n'um outeiro, uma tenda e um pendão; e os d'el-rei que iam diante pelejaram com o conde e venceram-no, e tomaram a tenda e o pendão, e morreram ahi parte dos seus. E partiu-se el-rei, á tarde, para Acofra, onde tinha seu arrayal. E em outro dia, vindo para combater Najára, onde ficara o conde, achou no caminho um escudeiro que vinha fazendo pranto por um seu tio que lhe mataram, e el-rei houve-o por forte signal e não quiz lá ir, e tornou-se para São Domingos da Calçada. E d'ahi a dois dias lhe disseram que era partido o conde para Aragão, levando caminho de Navarra, e quizera-o el-rei seguir, e o cardeal lhe conselhou que o não fizesse, cá assaz abundava deixarem-lhe suas villas e irem-se. E el-rei mandou aos seus que estivessem quedos, e d'aquelle logar ordenou seus fronteiros para os logares onde cumpria, e veiu-se para Sevilha. Elle alli soube como um cavalleiro de Aragão, que chamavam Mateo Mercedi, andava no mar com quatro galés fazendo damno a castelhanos e a portuguezes, e fez armar cinco galés, e mandou n'ellas um seu bésteiro, que diziam Zorzo, natural de Tartaria, que fosse em busca d'aquelle corsario; e foi assim que o achou na costa da Berberia, onde pelejou com elle, e desbaratou-o e trouxe as galés e elle preso a Sevilha: e el-rei mandou-o matar, e muitos dos que vinham com elle. Mas ora deixemos el-rei em Sevilha, matando e prendendo quaes vos depois contaremos, e digamos algumas outras cousas que este anno aconteceram em Portugal, que nos parece que é bem que saibaes. *CAPITULO XXVII* _Como el-rei Dom Pedro de Portugal disse por Dona Ignez que fora sua mulher recebida, e da maneira que em ello teve_. Já tendes ouvido compridamente, onde falamos da morte de D. Ignez, a razão por que a el-rei Dom Affonso matou, e o grande desvairo que entre elle e este rei Dom Pedro, sendo então infante, houve por este aso. Ora, assim é, que emquanto Dona Ignez foi viva, nem depois da morte d'ella emquanto el-rei seu padre viveu, nem depois que elle reinou até este presente tempo, nunca el-rei Dom Pedro a nomeou por sua mulher; antes dizem que muitas vezes lhe enviava el-rei Dom Affonso perguntar se a recebera, e honral-a-ia como sua mulher, e elle respondia sempre que a não recebera, nem o era. E pousando el-rei, n'esta sesão, no logar de Cantanhede, no mez de junho, havendo já uns quatro annos que reinava, tendo ordenado de a publicar por mulher, estando ante elle Dom João Affonso conde de Barcellos, seu mordomo-mór, e Vasco Martins de Sousa, seu chanceller, e mestre Affonso das leis e João Esteves, privados, e Martim Vasques, senhor de Goes, e Gonçalo Mendes de Vasconcellos, e João Mendes, seu irmão, e Alvaro Pereira, e Gonçalo Pereira, e Diego Gomes, e Vasco Gomes de Abreu, e outros muitos que dizer não curamos, fez el-rei chamar um tabellião, e presentes todos, jurou aos Evangelhos, por elle corporalmente tangidos, que sendo elle infante, vivendo ainda el-rei seu padre, que estando elle em Bragança, podia haver uns sete annos, pouco mais ou menos, não se accordando do dia e mez, que elle recebera por sua mulher lidima, por palavras de presente, como manda a santa igreja, Dona Ignez de Castro, filha que foi de D. Pedro Fernandez de Castro, e que essa Dona Ignez recebera a elle por seu marido, por semelhaveis palavras, e que depois do dito recebimento a tivera sempre por sua mulher, até ao tempo de sua morte, vivendo ambos de commum, e fazendo-se maridança qual deviam. E disse então el-rei Dom Pedro, que porquanto este recebimento não fôra exemplado nem claramente sabido a todos os de seu senhorio, em vida do dito seu padre, por temor e receio que d'elle havia, que porém elle, por descarregar sua consciencia e dizer verdade, e não ser duvida a alguns, que do dito recebimento tinham não boa suspeita se fôra assim ou não: que elle dava de si fé e testemunho de verdade, que assim se passara de feito como dito havia, e mandou áquelle tabellião, que presente estava, que désse d'ello instrumentos a quaesquer pessoas que lh'os requeressem. E por então não se fez mais. *CAPITULO XXVIII* _Do testemunho que alguns deram no casamento de Dona Ignez, e das razões que sobre ello propoz o conde Dom João Affonso_. Passados trez dias que isto foi, chegaram a Coimbra Dom João Affonso conde de Barcellos, e Vasco Martins de Sousa, e mestre Affonso das leis, e no paço onde então liam de decretaes, sendo o estudo n'essa cidade, presente um tabellião, chamaram duas testemunhas, a saber, Dom Gil, que então era bispo da Guarda, e Estevam Lobato, criado d'el-rei, aos quaes disseram que, por juramento dos Evangelhos, dissessem a verdade do que sabiam em feito do casamento d'el-rei Dom Pedro com Dona Ignez. E perguntado cada um per si áparte, o bispo disse primeiramente, que andando elle com o dito senhor, e sendo então deão da Guarda, que n'aquelle tempo, sendo el-rei infante, e Dona Ignez com elle, pousavam na villa de Bragança, e que esse senhor o mandara chamar um dia á sua camara, sendo Dona Ignez presente, e que lhe dissera que a queria receber por sua mulher, e que logo, sem mais detença, o dito senhor puzera a mão nas suas d'elle, e isso mesmo a dita Dona Ignez, e que os recebera ambos por palavras de presente, como manda a santa igreja de Roma, e que os vira viver de commum até á morte d'essa Dona Ignez; e que isto poderia haver sete annos, pouco mais ou menos, mas que não se accordava do dia e mez em que fôra: e d'este feito não disse mais. Semelhavelmente foi perguntado Estevam Lobato, e disse que sendo el-rei infante e pousando em Bragança, que o mandara chamar á sua camara, e que lhe dissera que o mandara chamar porque sua vontade era de receber Dona Ignez, que presente estava, e que queria que fosse d'ello testemunha: e que o deão da Guarda, que já ahi estava, e outrem não, tomara o dito senhor por uma mão e ella por outra, e que então os recebera ambos por aquellas palavras que se costumam dizer em taes desposorios, e que os vira viver juntamente até ao tempo da morte d'ella; e que isto fôra em um primeiro dia de janeiro, podia haver sete annos, pouco mais ou menos. Tanto que estes foram perguntados e escripto seu dito, segundo ouvistes, fizeram logo juntar, que para isto já estavam presentes, Dom Lourenço, bispo de Lisboa, e Dom Affonso, bispo do Porto, e Dom João, bispo de Vizeu, e Dom Affonso, prior de Santa Cruz d'esse logar, e todos os fidalgos antes nomeados, com outros muitos que não dizemos, e os vigarios, e clerezia, e muito outro povo assim ecclesiastico como secular, que se para isto alli juntou. E feito silencio, a bem escutar, começou a dizer o conde Dom João Affonso: Amigos, deveis de saber que el-rei, nosso senhor que ora é, sendo infante, passa já de uns sete annos, estando então na villa de Bragança, sendo el-rei Dom Affonso, seu padre, vivo, recebeu por sua mulher lidima, por palavras de presente, Dona Ignez de Castro, filha que foi de Dom Pedro Fernandez de Castro, e ella isso mesmo recebeu a elle, e sempre a o dito senhor teve depois por sua mulher, fazendo-se maridança um ao outro, qual deviam, até ao tempo da sua morte. E porquanto estes recebimentos e casamento não foi exemplado a todos os do reino em vida do dito rei Dom Affonso, por medo e receio que seu filho d'elle havia, casando de tal guisa sem seu mandado e consentimento, porém agora el-rei, nosso senhor, por desencarregar sua alma e dizer verdade e não ser duvida a alguns que d'este casamento parte não sabiam se fôra assim ou não, fez juramento sobre os santos Evangelhos e deu de si fé e testemunho de verdade, que foi d'esta guisa que o eu digo, segundo vereis por um instrumento que d'isto tem feito Gonçalo Peres, tabellião, que aqui está; e mais vereis o dito do bispo da Guarda e de Estevam Lobato, que aqui estão, que foram presentes no dito casamento. Então lhe fez cumpridamente lêr todo o testemunho que ambos sobre ello deram. «E porque vontade d'el-rei, nosso senhor (disse elle) é que isto não seja mais encoberto, antes lhe praz que o saibam todos, por ser arredada grande duvida que sobre ello adiante poderia recrescer, porém me mandou que vos notificasse tudo isto, por tirar suspeita de vossos corações, e ser a todos claramente sabido. Mas porque não embargando tudo o que eu disse, e vos ora aqui foi lido e declarado, alguns poderão dizer que tudo isto não bastava se ahi dispensação não houve, por o grão divido que entre elles havia, sendo ella sobrinha d'el-rei nosso senhor, filha de seu primo coirmão, porém me mandou que vos certificasse de tudo, e vos mostrasse esta bulla que houve em sendo infante, em que o papa dispensou com elle, que pudesse casar com toda mulher, posto que lhe chegada fosse em parentesco, tanto e mais como Dona Ignez era a elle». Então publicaram perante todos uma letra do papa João XXII, que dizia em esta guisa: «João, bispo, servo dos servos de Deus. Ao muito amado, em Christo, filho infante Dom Pedro, primogenito do muito amado, em Christo nosso filho mui claro rei de Portugal e do Algarve Affonso, saude e apostolical benção. Se o rigor dos santos canones põe defeza e interdicto sobre a copula do matrimonial ajuntamento, querendo que se não faça entre aquelles que por algum divido de parentesco são conjunctos, por guarda da publica honestidade; aquelle porém que é ás vezes bispo de Roma, de poderio absoluto, em lugar de Deus dispensando, pode por especial graça pôr temperança sobre tal rigor. E porém nós, demovido ácerca de tua pessoa com especial favor, por algumas razões, de que ao diante esperamos paz e folgança n'esses reinos, querendo condescender a tuas preces e de el-rei Dom Affonso, teu padre, que por suas letras por ti a nós humildosamente supplicou, para casares com qualquer nobre mulher, devota á santa igreja de Roma, ainda que por linha transversa de uma parte no segundo grau e d'outra no terceiro, sejaes dividos e parentes, e isso mesmo ainda, que por razão de outras duas linhas collateraes, seja embargo de parentesco ou cunhadia entre vós no quarto grau, licitamente por matrimonio vos podeis ajuntar: nós, por apostolica auctoridade, de especial graça, tudo tiramos e removemos, dispensando comtigo e com aquella com que assim casares, de nosso apostolico poderio, que a geração que de vós ambos nascer ser legitima sem outro impedimento. Porém, nenhum homem seja ousado presumpçosamente contra esta nossa dispensasão ir, de outra guisa seja certo na ira e sanha do todo poderoso Deus, e dos bem aventurados São Pedro e São Paulo, apostolos, incorrer. D'ante em Avinhão, duodecimo Kalendas de março, do nosso pontificado anno nono.» Acabada de lêr assim esta letra, disse então o conde, presente elles todos, que elle por guarda e em nome dos infantes Dom João, e Dom Diniz, e Dona Beatriz, filhos que eram dos ditos senhores, queria tomar sendos instrumentos para cada um d'elles, e requereu ao tabellião que assim lh'os desse. Partiram-se então todos para as pousadas, não minguando a cada um razões, que fossem entre si falando sobre esta historia. *CAPITULO XXIX* _Razões contra isto, de alguns que ahi estavam, duvidando muito neste casamento_. Acabadas razões que ouvistes, ditas, presentes letrados e outro muito povo, aquelles que, de chão e simples entender eram, não esquadrinhando bem o tecimento de taes cousas, ligeiramente lhe deram fé, outorgando ser verdade tudo aquillo que alli ouviram. Outros, mais subtis de entender, letrados e bem discretos, que os termos de tal feito mui delgado investigaram, buscando se aquillo que ouviam podia ser verdade, ou pelo contrario, não receberam isto em seus entendimentos parecendo-lhe de tudo ser muito contra razão. Cá porque o crêr da cousa ouvida está na razão e não na vontade, porende o prudente homem que tal cousa ouve, que sua razão não quer conceber, logo se maravilha, duvidando muito. E porém, foram assaz, dos que alli estiveram, de tal historia não mui contentes, vendo que aquillo que lhe fôra proposto nenhum alicerce tinha de razão. E se alguns perguntar quizerem por que taes presumiam ser tudo fingido, as razões d'elles, que nos bem claras parecem, sejam resposta á sua pergunta, dizendo os que tinham a parte contraria, contra aquelles que defendiam ser tudo verdade, suas razões, n'esta maneira. Não quizeram consentir os antigos que nenhum razoado homem, sendo em sua saude e inteiro siso, se pudesse d'elle tanto assenhorear o esquecimento, que toda a cousa notavel passada, sempre d'ella não houvesse relembrança. Allegando, aquelle claro lume da philosophia, Aristoteles, em um breve tratado que d'isto compoz, o porque de todas causas presentes, ou que são por vir, não cumpre haver nenhuma memoria; ergo, das causas passadas, que já aconteceram, era necessaria a relembrança: dizendo que a memoria é dita, quando a imagem vista, ou ouvida, de alguma causa do homem, é sempre presente na virtude memorativa, e reminiscencia é, quando alguma causa, feita ou ouvida, saiu da virtude memorativa e depois torna a lembrar, por vêr outra semelhante causa. Assim como, se eu casei, ou me foi feita uma gram mercê, ou fui chamado a um gram conselho em um dia de paschoa ou janeiro, ou outro dia assignado do anno, e depois me vem a esquecer, não o tendo sempre presente na memoria:--vendo depois outra bôda, ou alguma das causas que me advieram, em semelhante dia, lembrar-me-ha então que casei em dia de paschoa, ou outra qualquer cousa que me adveiu, se vejo alguma cousa semelhante, ou m'a perguntarem. Porque convém que me lembre o dia e a cousa, posto que me esqueça o conto dos annos ou dos dias em que foi. Ou diziam que tornava ainda a lembrar por outra contraria maneira, assim como, se eu casei em dia de paschoa e depois de alguns annos morreu-me a mulher em outro dia tal,--ou houve gram prazer em dia de natal, e depois gram nojo em semelhante dia,--necesario é que me lembre o prazer primeiro, posto que me o conto dos dias esqueça, porque é cousa que não causa disposição na memoria. Porém, o dia assignado em que me tal cousa adveiu, nunca se tira, de todo o ponto, que depois não torne a lembrar cumpridamente, porque tal dia é da essencia da relembrança, e o processo do tempo, não. E porém, não é cousa que possa ser, estando homem em sua saude, que lhe cousa notavel esqueça, posto que lhe o conto dos dias esqueça, que é transitorio, e não da essencia do lembramento. Pois como pode cahir em entendimento de homem, diziam elles, que um casamento tão notavel como este, e que tantas razões tinha para ser lembrado, houvesse, em tão pequeno espaço, de esquecer, assim áquelle que o fez, como os que foram presentes, não lhe lembrando o dia nem o mez? Certamente, buscada a verdade d'este feito, a razão n'isto não consente; cá, deixadas as razões, que ahi havia, para se el-rei lembrar bem quando fôra, assim como a tomada de Dona Ignez e o grande desvairo que por tal azo houve com seu padre, dês-ahi o grande tempo que tardou antes que o fizesse, e a gram deliberação com que se moveu a o fazer, e o segredo em que o poz áquelles que dizem que foram presentes; deixando tudo isto, sómente por ser feito em dia de janeiro que é primeiro dia do anno, segundo disse Estevão Lobato, demais, festa tão assignada no paço do infante e por todo o reino, isto só era bastante assaz para ser lembrado o dia em que a recebera, posto que longo processo de annos houvesse. Outra razão notavam ainda a tudo o que ouviram parecer fingido, dizendo que, se el-rei dava em seu testemunho que, com temor e receio de seu padre, não ousara descobrir este casamento em sua vida d'elle, quem lhe tolhera, depois que el-rei morreu, que o logo não notificara, sendo em seu livre poder, pois lhe tanto prazia de ser sabido? E mais diziam, que este feito queria parecer semelhante a el-rei Dom Pedro de Castella, que posto que, elle mandasse matar Dona Branca, sua mulher, em quanto Dona Maria de Padilha foi viva, que elle tinha por sua manceba, nunca lhe nenhum ouviu dizer que ella fosse sua mulher, e depois que ella morreu, em umas côrtes que fez em Sevilha, alli declarou, perante todos, que primeiro casára com ella que com Dona Branca, nomeando quatro testemunhas que foram presentes, os quaes por juramento certificaram logo que assim fôra como elle dizia, e desde então mandou elle que lhe chamassem rainha, posto que já fosse morta, e aos filhos infantes; e fez logo a todos fazer menagem, a um filho que d'ella houvera, que chamavam Dom Affonso, que o tomassem por rei depoz sua morte. E porém diziam os que estas e outras razões secretamente entre si falavam, que a verdade não busca cantos, muito encoberta andava em taes feitos. Assim que, porque o entender é disposto sempre para obedecer á razão, muitos que então isto ouviram deixaram de crer o que antes criam, e pegaram-se a este arrazoado; mas nós, que não por determinar se foi assim ou não, como elles disseram, mas sómente por ajuntar em breve o que os antigos notaram em escripto, puzemos aqui parte de seu arrazoado, deixamos cargo, ao que isto lêr, que d'estas opiniões escolha qual quizer. *CAPITULO XXX* _Como os reis de Portugal e de Castella fizeram entre si avença, que entregassem, um ao outro, alguns que andavam seguros em seus reinos_. Porque o fructo principal da alma, que é a verdade, pela qual todas as cousas estão em sua firmeza,--e ella ha de ser clara, e não fingida, mórmente nos reis e senhores, em que mais resplandece qualquer virtude ou é feio o seu contrario,--houveram as gentes por mui grão mal, um muito de aborrecer escambo que este anno entre os reis de Portugal e Castella foi feito: em tanto que, posto que escripto achemos, de el-rei de Portugal, que a toda a gente era mantenedor de verdade, nossa tenção é não o louvar mais, pois contra seu juramento foi consentidor em tão feia cousa como esta. Onde assim adveiu, segundo dissemos, que na morte de Dona Ignez, que el-rei Dom Affonso pae de el-rei Dom Pedro de Portugal, sendo então infante, mandou matar em Coimbra, foram mui culpados pelo infante, Diogo Lopes Pacheco, e Pero Coelho, e Alvaro Gonçalves, seu meirinho-mór, e outros muitos que elle culpou; mas assignadamente contra estes tres teve o infante mui grande rancura. E fallando verdade, Alvaro Gonçalves e Pero Coelho eram n'isto assaz de culpados, mas Diogo Lopes, não, porque muitas vezes mandara perceber o infante, por Gonçalo Vasques, seu privado, que guardasse aquella mulher da sanha d'el-rei seu padre. Pero, depois de tudo isto, foi el-rei de accordo com o infante seu filho, e perdoou o infante a estes e a outros em que suspeitava, e isso mesmo perdoou el-rei, aos do infante, todo o queixume que d'elles havia, e foram, sobre isto, grandes juramentos e promessas feitas, como cumpridamente tendes ouvido: e viviam assim seguros, Diogo Lopes e os outros, no reino, em quanto el-rei Dom Affonso viveu. E sendo el-rei doente, em Lisboa, da dôr de que se então finou, fez chamar Diogo Lopes Pacheco e outros, e disse-lhe que elle sabia bem que o infante Dom Pedro, seu filho, lhe tinha má vontade, não embargando as juras e perdão que fizera, da guisa que elles bem sabiam; e que, porquanto se elle sentia mais chegado á morte que á vida, que lhes cumpria, de se pôrem em salvo fóra do reino, porque elle não estava já em tempo de os poder defender d'elle, se lhe algum nojo quizesse fazer. E elles se partiram logo de Lisboa, e se foram para Castella, andando então o infante Dom Pedro ao monte, além do Tejo, em uma ribeira que chamam de Canha, que são oito leguas da cidade: e el-rei de Castella os recebeu de bom geito, e haviam d'elle bem fazer, e mercê, vivendo em seu reino seguros e sem receio. E depois que o infante Dom Pedro reinou, deu sentença de traição contra elles, dizendo que fizeram contra elle, e contra seu estado, cousas que não deviam de fazer; e deu os bens de Pero Coelho a Vasco Martins de Sousa, rico-homem, e seu chanceller-mór, e os de Alvaro Gonçalves e Diogo Lopes a outras pessoas, como lhe prouve. E fez el-rei, em alguns d'estes bens, tantas e taes bemfeitorias, e outras repartio em tantas partes, que depois que elle morresse nunca os mais podessem haver aquelles cujos foram, nem tirar áquelles a que os assim dava. Semelhavelmente, fugiram de Castella, n'esta sesão, com temor de el-rei, que os mandava matar, Dom Pedro Nunez de Guzman, adeantado-mór da terra de Leão, e Mem Rodrigues Tenorio, e Fernão Godiel de Toledo, e Fernão Sanchez Calderon, e viviam em Portugal, na mercê de el-rei Dom Pedro, crendo não receber damno, tambem os portuguezes como os castelhanos, porque razoada fé lhes dera ousado acoutamento nas fraldas da segurança, a qual--não bem guardada pelos reis--fizeram calladamente uma tal avença, que el-rei de Portugal entregasse presos, a el-rei de Castella, os fidalgos que em seu reino viviam, e que elle, outrosim, lhe entregaria Diogo Lopes Pacheco, e os outros ambos que em Castella andavam. E ordenaram que fossem todos presos em um dia, por que a prisão de uns não fosse avisamento dos outros, e que aquelles que levassem presos os castelhanos até ao extremo do reino, recebessem os portuguezes que trouxessem de Castella. *CAPITULO XXXI* _Como Diogo Lopes Pacheco escapou de ser preso, e foram entregues os outros, e logo mortos cruelmente_. Feito aquelle tracto d'esta maneira, foram em Portugal presos os fidalgos que dissemos. E n'aquelle dia que o recado de el-rei de Castella chegou ao lugar, onde Diogo Lopes e os outros estavam, para haverem de ser presos, aconteceu que essa manhã muito cedo fôra Diogo Lopes á caça dos perdigões. E presos Pero Coelho e Alvaro Gonçalves, quando foram buscar Diogo Lopes, acharam que não era no logar, e que se fôra pela manhã á caça. Cerraram então as portas da villa, que nenhum lhe levasse recado para o perceber, e attendiam-no assim, estando para o tomar á vinda. Um pobre manco, que sempre em sua casa havia esmola quando Diogo Lopes comia, e com quem algumas vezes jogueteava, viu estas cousas como se passaram, e cuidou de o avisar no caminho antes que chegasse ao logar, e soube escusadamente contra qual parte Diogo Lopes fôra, e chegou ás guardas da porta que o deixassem sair fôra, e elles, de tal homem nenhuma cousa suspeitando, abrindo a porta o deixaram ir. Andou elle, quanto poude, por onde entendeu que Diogo Lopes viria, e achou-o já vir com seus escudeiros, mui desegurado das novas que lhe elle levava. E dizendo o pobre a Diogo Lopes que lhe queria falar, quizera-se elle escusar de o ouvir, como quem pouco suspeitava que lhe trazia tal recado. Afincando-se o pobre que o ouvisse, contou-lhe então áparte como uma guarda de el-rei de Castella, com muitas gentes, chegaram a seu paço para o prender, depois que os outros foram presos, e isso mesmo de que guisa as portas eram guardadas, por que nenhum saisse para o avisar. Diogo Lopes, como isto ouviu, bem lhe deu a vontade o que era, e medo de morte o fez torvar todo, e pôr em grão pensamento. E o pobre lhe disse, quando o assim viu:--Crê-de-me de conselho, e ser-vos-ha proveitoso: apartae-vos dos vossos, e vamos a um valle não longe d'aqui, e alli vos direi a maneira como vos ponhaes em salvo. Então disse Diogo Lopes aos seus que andassem por alli a perto caçando, cá elle só queria ir com aquelle pobre a um valle, onde lhe dizia que havia muitos perdigões. Fizeram-no assim, e foram-se ambos áquelle logar, e alli lhe disse o pobre, se escapar queria, que vestisse os seus saios rotos, e assim, de pé, andasse quanto podesse até á entrada que ia para Aragão, e que com os primeiros almocreves que achasse, se mettesse de soldada, e assim, com elles de volta, andasse seu caminho, e por esta guisa, ou em um habito de frade, se o depois haver pudesse, se puzesse em salvo no reino de Aragão, cá por força havia de ser buscado pela terra. Diogo Lopes tornou seu conselho, e foi-se de pé, d'aquella maneira, e o pobre não tornou logo para a villa. Os seus aguardaram por mui grande espaço; e vendo que não vinha, foram-no buscar contra onde elle fôra: e andando em sua busca, acharam a besta andar só, e cuidaram que caira d'ella, ou lhe fugira, e buscaram-no com maior cuidado. Foi a detença, em isto, tão grande, que se fazia já muito tarde, e vendo como o achar não podiam, levaram a besta e foram-se ao lugar, não sabendo que cuidassem em tal feito. E quando chegaram, e viram de que guisa o aguardavam, e souberam da prisão dos outros, ficaram mui espantados, e logo cuidaram que era fugido: e perguntados por elle, disseram que caçando só, se perdera d'elles, e que buscando-o acharam a besta e não a elle, e que n'aquillo foram detidos até áquellas horas, e que não sabiam que cuidassem, senão que jazia em algum logar morto. Os que cuidado tinham de o prender, foram-no buscar por desvairadas partes. E do que lhe adveiu no caminho, e como passou por Aragão, e se foi a França para o conde Dom Henrique, e de que guisa lhe fez roubar os campos de Avinhão, e de outras cousas que lhe advieram, não curamos de dizer mais, por não sair fóra de proposito. Quando el-rei de Castella soube que Diogo Lopes não fôra tomado, houve grão queixume e não poude mais fazer: então enviou Alvaro Gonçalves e Pero Coelho, bem presos e arrecadados, a el-rei de Portugal, seu tio, segundo era ordenado entres elles. E quando chegaram ao extremo, acharam ahi Mem Rodriguez Tenorio, e os outros castelhanos, que lhe el-rei Dom Pedro enviava. E alli dizia depois Diogo Lopes, falando n'esta historia, que se fizera o troco de burros por burros. E foram levados a Sevilha, onde el-rei então estava, aquelles fidalgos que já nomeámos, e alli os mandou el-rei matar a todos. A Portugal foram trazidos Alvaro Gonçalves e Pero Coelho, e chegaram a Santarem, onde el-rei era. El-rei, com prazer de sua vinda, porém mal magoado porque Diogo Lopes fugira, os saiu fóra a receber, e, sanha cruel, sem piedade os fez por sua mão metter a tormento, querendo que lhe confessassem quaes foram na morte de Dona Ignez culpados, e que era que seu padre tratava contra elle, quando andavam desavindos por azo da morte d'ella. E nenhum d'elles respondeu a taes perguntas cousa que a el-rei prouvesse. E el-rei, com queixume, dizem que deu um açoute no rosto a Pero Coelho, e elle se soltou então contra el-rei em deshonestas e feias palavras, chamando-lhe traidor, á fé perjuro, algoz e carniceiro dos homens. E el-rei, dizendo que lhe trouxessem cebola, vinagre, e azeite para o coelho, enfadou-se d'elles, e mandou-os matar. A maneira de sua morte, sendo dita pelo miudo, seria mui estranha e crua de contar, cá mandou tirar o coração pelos peitos a Pero Coelho, e a Alvaro Gonçalves pelas espaduas. E quaes palavras houve e aquelle que lh'o tirava, que tal officio havia pouco em costume, seria bem dorida cousa de ouvir. Emfim, mandou-os queimar. E tudo feito ante os paços onde elle pousava, de guisa que comendo olhava quanto mandava fazer. Muito perdeu el-rei de sua boa fama por tal escambo como este, o qual foi havido, em Portugal e em Castella, por mui grande mal, dizendo todos os bons que o ouviam, que os reis erravam mui muito indo contra suas verdades, pois que estes cavalleiros estavam, sobre segurança, acoutados em seus reinos. *CAPITULO XXXII* _De algumas cousas que el-rei Dom Pedro de Castella mandou fazer, e como fez paz com el-rei de Aragão entrando em seu reino_. Nós deixámos, antes d'isto, el-rei Dom Pedro de Castella em Sevilha, prendendo e matando como lhe vinha á vontade, e contámos a morte de alguns que depois matou, com outras cousas que se, em Portugal, em esta sesão passaram, no anno de trezentos e noventa e oito. E depois que se fez aquelle feio escambo dos cavalleiros de um reino ao outro, segundo ouvistes em seu logar, mandou el-rei Dom Pedro matar de mui cruel morte Dom Pero Nunez de Guzman, adiantado-mór da terra de Leão, que era um d'elles; e mandou matar Guterre Fernandez de Toledo, seu reposteiro-mór, e trouxeram-lhe a cabeça d'elle. E Gomez Carrilho, filho de Pero Rodriguez Carrilho, indo mui ledo em uma galé, em que el-rei fingiu que o mandava para lhe entregarem a villa de Aljazira, para estar ahi por fronteiro, e o patrão cortou-lhe a cabeça, que mandou a el-rei, e deitou-lhe o corpo ao mar, e foi presa a mulher e os filhos d'este Gomez Carrilho. E mandou matar um cavalleiro de Castella, que chamavam Diego Guterrez de Ceballos. E deitou fóra do reino Dom Vasco, arcebispo de Toledo, depois que matou seu irmão Guterre Fernandez, e mandou-lhe tomar quanto tinha, que sómente um livro não levou comsigo, nem outra roupa senão a que tinha vestida, e foi-se para Portugal, e morreu em Coimbra. Mandou prender Dom Samuel Levi, seu thesoureiro-mór, e grão privado do seu conselho, e quantos parentes tinha pelo reino, em um dia; e tomou a elle, e aos outros todos, quanta riqueza lhe achou, e foram-lhe dados grandes tormentos, e nas taracenas de Sevilha preso morreu. Em este anno, cuidou el-rei Dom Pedro haver guerra com el-rei Vermelho de Granada, que diziam que tinha a parte de el-rei de Aragão. Este rei Vermelho lançara rei Mafoma fóra do reino, mas logo fez preitesia com el-rei Dom Pedro, que o não turvasse com el-rei Mafoma seu inimigo, pero que houvesse el-rei gram sanha d'elle, porque lhe em tal tempo quizera fazer guerra. E isto assocegado, no mez de janeiro de tresentos e noventa e nove, foi-se el-rei a Almançan, com muitas companhas que comsigo levava, para entrar no reino de Aragão. E foram d'esta vez em sua ajuda seiscentos portuguezes, e ia por capitão d'elles o mestre de Aviz, Dom Martim de Avelal, bom fidalgo e muito honrado, e de que se todos tiveram por contentes. E ganhou el-rei de Castella, em Aragão, d'esta vez, alguns logares. E o cardeal de Bolonha, legado do papa, falou com el-rei que desse logar a se não espargir tanto sangue como estava prestes, cá el-rei de Aragão, com todo seu poder, estava disposto para pelejar com el-rei de Castella, cá via que por guerra guerreada não podia igualar com elle. E tinha el-rei de Castella, então, seis mil de cavallo e muita gente de pé. E receiando-se de el-rei Vermelho de Granada, que lhe diziam que tinha feito liga com el-rei de Aragão para lhe fazer guerra, se mais durasse aquella contenda, pela qual se desencaminharam muito seus feitos, fez paz com el-rei de Aragão, fingida e contra sua vontade; e foi que el-rei de Aragão enviasse fóra do reino o conde Dom Henrique, e Dom Tello, e Dom Sancho, seus irmãos, e os cavalleiros e escudeiros de Castella que com elles estavam em Aragão,--e que el-rei de Castella lhe tornasse todos os logares que lhe tomados tinha de seu reino, e d'ahi em diante fossem amigos. E foram d'isto feitas escripturas, e apregoada a paz no arrayal, e prouve d'isto muito a quantos alli eram, porque a guerra que faziam era muito contra sua vontade. *CAPITULO XXXIII* _De algumas entradas que el-rei este anno fez no reino de Granada, e como el-rei Vermelho se veiu pôr em seu poder, cuidando de ser seguro, e el-rei o mandou matar_. Como el-rei veiu de Aragão e chegou a Sevilha, juntou suas gentes por fazer guerra a el-rei Vermelho de Granada, dizendo que queria ajudar el-rei Mafoma, e que por seu azo fizera paz com Aragão contra sua vontade. E veiu-se para elle el-rei Mafoma, com quatrocentos de cavallo, e entrou em companha de el-rei. E chegou el-rei a Antequera e não a poude tomar, e tornou-se, e mandou entrar os seus na veiga de Granada, que eram seis mil de cavallo, e venceram os christãos duas pelejas, e foram dos mouros mortos e captivos, e foi preso o mestre de Calatrava, e Sancho Perez d'Ayala, e outros. E cuidando el-rei Vermelho que faria prazer a el-rei Dom Pedro, fez grande gasalhado ao mestre e aos outros, cuidando de amansar a vontade de el-rei; e soltou o mestre, e alguns cavalleiros dos outros, e deu-lhe de suas joias, e enviou-os a el-rei. Elle agradeceu-lhe mui pouco tão grande presente, mas a poucos dias fez outra entrada, e ganhou quatro logares de mouros, e pôz recado em elles, e tornou-se a Sevilha. Os mouros combateram um d'estes logares, que chamam Sagra, e furando o muro e entrando-o por força, preitejou-se Fernão del Gadilho, que o tinha, e foi posto em salvo, e veiu-se para el-rei: e el-rei mandou-o matar. E deu el-rei volta, outra vez, em Granada, e ganhou outros logares, e tornou-se a Sevilha. Os mouros aggravaram-se todos, dizendo a el-rei Vermelho que, por a contenda que elle havia com el-rei Mafoma, entrára já el-rei trez vezes na terra, e que se perdia o reino de Granada. El-rei houve d'isto receio, e vendo que não podia levar adiante aquillo que começara, houve conselho de se vir pôr em poder e mercê d'el-rei de Castella, e que el-rei, dês que o visse, haveria piedade d'elle, e teria com elle alguma boa maneira. E partiu logo de Granada, com quatro centos de cavallo e duzentos de pé, e chegaram ao alcaçar de Sevilha, onde el-rei estava, e fizeram-lhe grandes referencias, e el-rei os recebeu mui bem. Então lhe fallou um mouro por el-rei de Granada, dizendo entre outras cousas, que bem se poderia defender de el-rei Mafoma, que era seu contrario, mas d'elle, que era seu rei e senhor, não se podia defender, e que, havido conselho sobre isto, o melhor accordo que achara era pôr-se em seu poder e mercê, á qual pedia que tomasse aquelle feito em sua mão, e que o punha em seu juizo, e que, se sua vontade era de outra guisa, fosse sua mercê de mandar pôr, elle e os seus, além mar em terra de mouros. El-rei respondeu ao mouro que lhe prazia muito da vinda de el-rei e dos seus, e que, sobre a contenda d'el-rei Mafoma, elle teria em ello boa maneira como se livrasse. El-rei Vermelho, e os outros fizeram por isto grão reverencia a el-rei, tendo que seu feito estava bem, e foram-se mui alegres para as pousadas que lhe el-rei mandou dar na judiaria da cidade. A cubiça, que é raiz de todo mal, fez logo saber a el-rei como el-rei Vermelho trazia muito haver, em aljofar e pedras e joias, e houve grão desejo de cobrar tudo. E mandou ao mestre de São Thiago que o convidasse n'outro dia para a ceia, e os maiores honrados que com elle vinham: e foram cear com elle até cincoenta. Acabada a ceia, estando seguros e nenhum ainda levantado, chegou Martim Lopez, com homens armados, e prendeu el-rei e todos os outros. E foi logo buscado el-rei, e acharam-lhe tres pedras balaches mui nobres e mui grandes, e acharam a um mouro pequeno, em um correio, setecentas e trinta pedras balaches, e a um seu pagem cincoenta grãos de aljofar, grossos como avelãs esburgadas, e a outro moço, tanto aljofar, grado como hervanços, em que poderia haver uma oitava de alqueire, e aos outros, a quem achavam aljofar, a quem pedras, e tudo levaram a el-rei. E n'essa hora foram outros homens de armas á judiaria, e prenderam todos os outros mouros; e todas as dobras e joias, que lhe acharam, tudo levaram a el-rei. E foi el-rei levado preso, e todos os seus á taracena, e d'ahi a dois dias foi tirado a um campo, que dizem Tablada, elle e trinta e sete cavalleiros mouros, e alli os mandou el-rei matar todos. E foi el-rei Dom Pedro o primeiro que deu uma lançada a el-rei Vermelho, que estava em cima de um asno, vestido em uma saia de escarlata, e disse:--Toma, porque me fizeste fazer má preitesia com el-rei de Aragão.--E o mouro respondeu por sua aravia, dizendo:--Pequena cavalgada fizestes. E enviou el-rei Dom Pedro a cabeça de el-rei Vermelho, e dos outros trinta e sete, a el-rei Mafoma de Granada, e elle enviou-lhe alguns captivos. E posto que el-rei Dom Pedro dissesse muitas razões a colorar este feito, por mostrar que o fizera sem encargo de sua consciencia, todos os seus o tiveram por mui grão mal, e lhes prouvera muito de não ser assim. *CAPITULO XXXIV* _Das avenças que el-rei de Castella fez com el-rei de Aragão, entrando em seu reino, e como as depois não quiz guardar_. El-rei Dom Pedro, que vontade tinha de tornar outra vez á guerra de Aragão, dizendo que a paz que fizera fôra contra sua vontade, por receio de el-rei Vermelho, fez liga com el-rei de Navarra, que fossem amigos e se ajudassem, e mandou aos seus que se percebessem: e nenhum não pensava que fosse contra Aragão, com que havia paz. E encobertamente, antes que o el-rei soubesse, por lhe tomar algumas villas, em tanto entrou em Aragão, e tomou logo seis castellos, e cercou a villa de Calatayud. E tendo o cerco sobre ella, ganhou treze castellos d'essa comarca. El-rei de Aragão, que estava em cabo de seu reino, quando isto soube, ficou espantado, e mandou a Provença, onde andava o conde D. Henrique e seus irmãos e os outros fidalgos de Castella desterrados do reino, fazendo guerra, que o viessem ajudar, e que lhes daria grandes soldos e os herdadaria em seu reino. Em tanto foi assim afincada a villa de Calatayud, que a tomou el-rei Dom Pedro por preitesia, e deixou recado em ella, e tornou-se a Sevilha. E receiando-se d'el-rei de França, por a morte da rainha Dona Branca sua mulher, que mandara matar, fez então sua mui firme amisade com el-rei Duarte de Inglaterra, e com o principe de Galles, seu filho, que se ajudassem contra quaesquer outros. E entrou logo em Aragão, e chegou a Calatayud, que estava já por elle, e ganhou por ahi derredor sete logares. E quando entrou por força Carinana, mandou matar quantos no logar havia, que não ficou sómente um. E a razão por que dizem que os assim mandou todos matar, foi porque elle tendo-a cercada e não a podendo tomar, alçou o cerco de sobre ella, e os da villa, quando os viram assim partir, começaram de bradar do muro dizendo seus doestos e maldições, cada um como lhe prazia; e el-rei teve d'isto grande melancolia, e mandou tornar suas gentes sobre o logar, e tão rijamente lhe deu o combate que a entrou logo por força; e por isto mandou fazer aquella grande mortandade. E cercou mais a cidade de Tarraçona e tomou-a. E tendo-a cercada, chegou o mestre de São Thiago de Portugal, Dom Gil Fernandes de Carvalho, com quinhentos cavalleiros e escudeiros mui bem guisados, em sua ajuda, que lhe enviára el-rei Dom Pedro, seu tio. Entre os quaes ia Martim Vasques de de Goes, e Gonçalo Mendes de Vasconcellos, e Martim Affonso de Mello, e Alvaro Gonçalves de Moura, e Nuno Viegas, o velho, e Rui Vasques Ribeiro, e outros muitos e bons fidalgos. E d'alli partiu el-rei, e tomou Turiel e onze logares outros, e tomou mais a cidade de Segorbe, e a villa de Monvedro, e veiu-se á cidade de Valencia. E havendo uns oito dias que el-rei estava sobre ella, soube que el-rei de Aragão e o infante Dom Fernando, seu irmão, e o conde Dom Henrique, e Dom Tello, e Dom Sancho, e as outras gentes por que el-rei de Aragão mandara, eram todos juntos para vir pelejar com elle, e que seriam trez mil de cavallo. El-rei Dom Pedro, que vontade não havia de pelejar com elles, partiu-se de Valencia, e foi-se para Monvedro. E el-rei de Aragão chegou até duas leguas do logar, e poz sua batalha e não achou com quem pelejar, e tornou-se. E da ribeira de Monvedro viu el-rei Dom Pedro levar quatro galés suas a seis de Aragão, que as tomaram, e pesou-lhe muito d'ello. Alli se começaram de tratar avenças entre os reis de Aragão e de Castella, a saber, que casasse el-rei Dom Pedro com Dona Joanna, filha de el-rei de Aragão, e Dom João, primogenito de Aragão com Dona Beatriz, filha de el-rei Dom Pedro, e isto com certas condições. E alli onde se juntaram para firmar as avenças, foi requerido el-rei Dom Pedro, e disse que se não achava n'aquella preitesia, e que o não requeressem mais, e d'alli se veiu para Sevilha. E dizia el-rei Dom Pedro que, n'estes tractos, fôra fallado secretamente, que pois elle casava com filha de el-rei de Aragão, e tomava com elle tal divido, que matasse ou prendesse primeiro o infante Dom Fernando, seu irmão, e o conde Dom Henrique, que eram seus inimigos, e que pois o não fizera, que não curava de suas preitesias. E bem parece isto ser verdade, porque el-rei de Aragão, a poucos dias, mandava prender, depois que comeu, o infante Dom Fernando, seu irmão, que tivera convidado esse dia, porque diziam que se queria ir, com as gentes que tinha, para a guerra de França. E porque se não deu á prisão, foi logo morto, e Luiz Manuel, e Diogo Perez Sarmento com elle. E todos os do reino lh'o tiveram a mui grão mal, por ser seu irmão, e mui nobre senhor como era. E depois fez fala el-rei de Aragão com el-rei de Navarra, que matassem o conde Dom Henrique, e fingiram que falassem em um castello todos tres sobre outra cousa. E porque Dom João Ramires d'Arellano, camareiro de el-rei de Aragão, que o conde escolhera que tivesse o castello emquanto elles fallassem, não quiz consentir em ser feita tal morte, escapou o conde aquelle dia de não ser morto. *CAPITULO XXXV* _Como el-rei Dom Pedro entrou outra vez em Aragão, com sua frota de naus e galés, e das cousas que alli fez_. Partiu el-rei outra vez de Sevilha, em começo do anno de quatro centos e dois, aos quinze annos do seu reinado, e entrou em Aragão pelo reino de Valencia, e ganhou Alicante e outros logares. E chegando a cerca de Burriana, viu galés, e outros navios, que traziam mantimento a Valencia, de que estava mui minguada, e tornou-se do caminho por lhes dar torva, e poz seu arrayal onde chamam o Grao, na ribeira do mar, que é meia legua da cidade, e esperava cada dia sua frota, e galés de Portugal que lhe haviam de vir em ajuda, e todas estavam já em Cartagena, não havendo tempo com que partir. El-rei Dom Pedro, não sabendo novas de el-rei de Aragão, chegou um escudeiro a elle, e disse que el-rei de Aragão e o conde Dom Henrique, com todos os outros senhores e gentes, que poderiam ser tres mil de cavallo, afóra muitos homens de pé, vinham mui encobertamente por pelejar com elle, antes que d'alli partisse; e que vinham pelo mar, a geito d'elles, doze galés e outros navios com mantimentos, e que tres noites havia que não faziam fogo, por não serem descobertos, e que ao outro dia seriam com elle. El-rei, ouvindo isto, partiu logo d'alli e foi-se a Monvedro, que eram quatro leguas. Outro dia, grande manhã, chegou el-rei de Aragão, e pousaram todos entre Monvedro e o mar, uma legua da villa, e suas galés e naves a cerca, e foi acorrida a cidade por mar e por terra. E a cabo de doze dias chegou a frota de el-rei de Castella, que eram vinte galés suas e quarenta naus, e dez galés de Portugal, que lhe enviava seu tio em ajuda. A frota de Aragão, quando viu a de Castella, houve receio, e metteu-se no rio de Culhera. El-rei Dom Pedro entrou logo na frota, e foi-se pôr na bôca do rio, cuidando tomar as galés de Aragão. E estando alli, começou de ventar o levante, que é travessia n'aquelle logar, e mostrando o mar sua grande braveza, cuidaram todos que quebrassem suas galés em terra: e el-rei de Aragão, com todas suas gentes, aguardavam em terra por ellas, crendo todavia, por o vento que se esforçava cada vez mais, que de todo ponto eram perdidas. E a galé de el-rei perdera já tres calabres com suas ancoras, e sobre o quarto estava seu feito. Ao sol posto cessou a tormenta, e foi el-rei em mui grão perigo, e partiu d'alli deixando seus fronteiros, e tornou-se para Castella. El-rei de Aragão cercou Monvedro e não o poude tomar, e partiu d'alli, e foi-se andar por seu reino em tanto. E deu outra vez volta el-rei de Castella, e partiu de Sevilha, e entrou por Aragão, e tomou alguns logares. E os da villa de Orihuela, cuidando de ser cercados, fizeram-no saber a el-rei de Aragão, e veiu logo com seu poder, a duas leguas de onde el-rei de Castella estava, e abasteceu-a de viandas de que era minguada. E el-rei Dom Pedro não quiz pelejar com elle, mas esteve alguns dias por aquella terra, e tornou-se para Sevilha, e achou novas como as suas galés, que andavam pelo mar, tomaram cinco galés de Aragão, e foi-se logo a Cartagena, onde estavam, e mandou matar toda a gente d'ellas, que não escapou sómente um, salvo os que sabiam fazer remos, porque os houve mister. D'alli partiu el-rei Dom Pedro para Murcia, sabendo como el-rei de Aragão cercara Monvedro, e foi cercar a villa de Orihuela que dissemos, e ganhou a villa e o castello, e tornou-se para Sevilha. Os de Monvedro, afincados do cerco e sendo minguados muito de viandas, requeriam muito a mercê de el-rei que lhes accorresse; e el-rei, porque lhes não podia accorrer senão por batalha, não era ousado de o fazer, cá elle não queria pelejar com el-rei de Aragão, receiando-se dos seus, de que muito não fiava. E porém buscava outras maneiras de guerra e não por batalha, cá el-rei Dom Pedro por muitos que mandara matar, e pelos do reino que sabia que eram d'elle mal contentes e o desamavam, não se atrevia a pôr o campo. Os de Monvedro minguados de viandas, em guisa que já comiam as bestas e ratos, deram a el-rei de Aragão o logar por preitesia. E eram dentro, para o defender seiscentos homens de armas, afóra peões e bésteiros, e os mais d'elles ficaram com o conde Dom Henrique, por grande receio que haviam de el-rei, não embargando o accorrimento que d'elle haver não puderam. *CAPITULO XXXVI* _Como o conde Dom Henrique entrou por Castella com muitas companhas, e foi alçado por rei; e como el-rei Dom Pedro mandou desamparar todos os logares que em Aragão tinha filhados_. Monvedro ganhado por el-rei de Aragão, foi-se para Barcelona, e vieram alli alguns capitães das companhias por que elle mandava, e firmaram com elle de ser alli no fevereiro seguinte, para entrar em Castella com o conde Dom Henrique. El-rei Dom Pedro soube d'isto parte e foi-se a Burgos, onde mandára juntar suas gentes. Entanto aquelle e os capitães das companhias, eram juntos, e partiram de Saragoça para entrar em Castella. E vinham ahi capitães de Aragão, a saber, o conde de Denia, e Dom Filippe de Castro, e outros cavalleiros; e de França, Mosse Beltrão de Claquin, e o conde das Marchas, e o sr. de Bain, e o marechal de Andemar, marechal de França, e outros cavalleiros. E de Inglaterra, Mosse Boitro de Carvabai, Mosse Estacio, e Mosse Martim de Gorimai, e Mosse Guilhem Allinante, e Mosse João de Obrens, e muitos outros cavalleiros e homens de armas de Inglaterra, e de Guiana, e de Gasconha, e d'outras nações. E chegaram todos á viila de Alfaro, e não curaram d'ella, e foram outro dia a Calahorra, cidade não forte, e preitejaram-se os do logar com o conde, e acolheram-no dentro com aquellas gentes, as quaes alli foram certificadas como el-rei Dom Pedro estava em Burgos, e que não havia vontade de pelejar com elles. E houveram accordo, dizendo ao conde Dom Henrique que pois tanta boa gente era contente de o aguardar em esta cavalgada, que se chamasse rei de Castella. E elle, á primeira, começou-se de escusar de o fazer; dês-ahi, como é doce cousa reinar, antes de muitas palavras outorgou que lhe prazia, e foi alçado então por rei: e pediram-lhe, os que com elle vinham, grandes mercês e officios no reino, e elle mui de grado lhe outorgava tudo, dando o que ganhado tinha, e promettendo o que era por ganhar; cá em tal tempo assim lhe cumpria de o fazer. E foi isto no anno de mil e quatrocentos e quatro. Partiu d'alli el-rei Dom Henrique caminho de Burgos, onde era el-rei Dom Pedro, e chegou a Navarrete, o qual se lhe deu nem ousando de esperar combate, e foi combatida Briviesca, e tomou-a. El-rei Dom Pedro, sabendo tudo isto, sabbado de Ramos, bem pela manhã, mandou matar João Fernandez de Tovar, por queixume que houve de seu irmão, e, sem dizer cousa nenhuma aos seus, cavalgou por se partir logo. E vieram a elle os maiores da cidade, dizendo que os não deixasse, cá o conde era oito leguas d'alli: e não prestando nenhuma cousa suas razões, quitou-lhe a menagem, e partiu-se logo, e foram com elle alguns cavalleiros, e seiscentos mouros de cavallo, que andavam na guerra em sua ajuda, que lhe dava el-rei de Granada. E muitos dos seus ficaram em Burgos, a que prazia de tudo isto, e quem se d'elle partia não ousava de tornar mais a elle. E aquelle dia que el-rei d'alli partiu, mandou suas cartas a todos os que por elle tinham as fortalezas que em Aragão ganhara, que as desamparassem, e destruissem se pudessem, e se viessem para elle. E elles fizeram-no assim, mas muitos d'elles se foram para el-rei Dom Henrique, e aqui cessou então de todo a guerra de Aragão, a qual ia em onze annos que durava. Certamente perdera-se o reino de Aragão todo, se fortuna tão cedo não abreviara os annos da vida d'este rei Dom Pedro, cá onze vezes que elle em Aragão fez entrada, ganhou cincoenta e dois logares aqui contidos, afóra outros muitos que aqui não são nomeados. E chegou el-rei Dom Pedro a Toledo, e poz recado na cidade, e d'ahi partiu para Sevilha. Os de Burgos, vendo que se não poderiam defender de el-rei Dom Henrique, mandaram-lhe seus recados e receberam-no na cidade, e coroou-se alli por rei, e vieram a elle muitos procuradores das villas e cidades do reino, e receberam-no por senhor, em guisa que do dia da coroação a vinte e cinco dias, foi todo o reino a seu mandado: e elle recebia todos graciosamente, e a nenhum era negado cousa que pedisse. E deu el-rei Dom Henrique alli muitas terras áquelles senhores e cavalleiros que vinham com elle, assim estrangeiros como seus naturaes, e mandou a Aragão por sua mulher e filhos, e foi recebida honradamente. D'alli partiu e veiu-se a Toledo, e foi na cidade grande revolta se o receberiam ou não, porque a uns prazia que o recebessem, outros eram de todo em contrario; pero finalmente houveram accordo de o acolher em ella, e foi recebido com grande prazer. *CAPITULO XXXVII* _Como el-rei Dom Pedro de Castella enviara uma sua filha a Portugal, e como elle partiu de Sevilha com temor que houve dos da cidade_. El-rei Dom Pedro estando em Sevilha, soube novas d'estas cousas todas, e posto em grão pensamento, accordou com os seus de enviar pedir ajuda a el-rei de Portugal, seu tio. E por lhe dar mór cargo de se mover a lhe fazer tal ajuda, enviou-lhe dizer que bem sabia como era posto casamento da infante Dona Beatriz, sua filha, com o infante Dom Fernando seu primogenito filho, e que porém lhe mandava a dita infante e toda a quantia do haver que era posto de lhe dar ao tempo do casamento, e que essa Dona Beatriz ficasse herdeira dos reinos de Castella, e de Leão. E mandou-a logo de Sevilha, e com ella Martim Lopez de Trujillo, um homem de que elle muito fiava, e mais certa quantia de dobras que deixara a esta infante Dona Maria de Padilha, sua madre, com joias, e aljofar, e outras cousas. E partida Dona Beatriz de Sevilha para Portugal houve el-rei Dom Pedro novas como el-rei Dom Henrique caminhava de Toledo para Sevilha, e accordou de enviar pelo thesouro que tinha no castello de Almodovar, que era todo em moedas de prata e de oiro, e fez armar uma galé em que o poz, com todo o haver que tinha na cidade, e entregou a galé a Martim Yanhez, seu thesoureiro, e mandou-lhe que se fosse a Tavira, villa de Portugal no reino do Algarve, e que alli attendesse a galé, até que elle fosse. E tambem mandou carregar muitas azemolas de seus thesouros, e levou comsigo mui grande haver de oiro, e pedras, e aljofar assim do que tomara a el-rei Vermelho e aos seus, como de outro muito que tinha junto, e isso mesmo da prata toda a que poude levar. E el-rei estando assim para partir de Sevilha, disseram-lhe como os da cidade se alvoroçavam contra elle, e o queriam roubar alli onde estava: e com grão temor que houve, partiu-se logo para Portugal. E levou comsigo Dona Constança, e Dona Isabel, suas filhas, cá Dona Beatriz, a maior, havia já mandada, como dissemos. E iam com el-rei Dom Pedro, Martim Lopes de Cordova, mestre d'Alcantara, e Diogo Gomes de Catanheda, e Pero Fernandez Cabeça-de-vacca, e outros. E segundo alguns escrevem, como el-rei partiu de Sevilha, taes ahi houve, dos que iam com as azemolas do haver, que vendo como el-rei fugia do reino por aquella guisa, se tornavam para a cidade com o que levavam, e outras saiam do logar e lhe roubaram parte d'aquelle haver. E Misser Gil Boca-negra, seu almirante, que era genovez, armou em Sevilha uma galé e outros navios, e foi tomar a galé do haver, em que ia Martim Yanhez para Tavira, no rio Guadalquivir, cá ainda não era mais arredado. E era o haver, que ia em ella, trinta e seis quintaes de oiro, e outras muitas joias, de que el-rei Dom Henrique depois houve a maior parte. *CAPITULO XXXVIII* _De como el-rei Dom Pedro de Castella fez saber a seu tio que era em seu reino, e como se el-rei escusou de o vêr, e lhe fazer ajuda_. El Rei de Portugal, em esta sesão, pousava nos paços de Vallada, que são a cerca de uma villa que chamam Santarem, e era isto no mez de maio. E quando el-rei Dom Pedro, mandou sua filha Dona Beatriz, como anteagora ouvistes, para casar com o infante D. Fernando, por azo de haver melhor ajuda de el-rei seu tio, soaram primeiro novas em Vallada, onde pousava el-rei, que el-rei de Castella lhe mandava duas suas filhas, que estavam já nas Alcaçovas, que são d'alli vinte leguas; mas não sabiam dizer certamente porque as mandava a el-rei, nem em que intenção. El-rei de Portugal, que parte não sabia que el-rei seu sobrinho era em tal pressa posto, cuidando que as infantes vinham por outra maneira, porém que não era mais que aquella uma, mandava correger casas e camaras em seus paços, em que ellas bem podessem pousar. El-rei de Castella partiu de seu reino, e tão trigoso andar poz no caminho, sem se detendo em nenhum logar, que antes que sua filha chegasse onde el-rei de Portugal estava, a achou elle no caminho em que vinha. E chegou el-rei Dom Pedro a Serpa, e d'alli a Beja, e dês-ahi a Coruche, que eram vinte e uma leguas d'onde el-rei seu tio estava, e d'alli lhe fez saber como vinha, e a ajuda e accorrimento que lhe d'elle cumpria, e isso mesmo o casamento de sua filha com o infante Dom Fernando, seu filho. El-rei de Portugal, como isto soube, teve bem assaz em que cuidar, e mandou-lhe dizer que não fosse mais adiante, mas que estivesse alli até que visse seu recado. E mandou chamar o infante Dom Fernando seu filho, que não era ahi, e com elle e com seus privados houve conselho sobre este feito, e foi falado por alguns que o visse e acolhesse em seu reino, e que o ajudasse a cobrar sua terra. Dês-ahi, cuidando bem n'isto, acharam que o não podia el-rei fazer sem grandes trabalhos, e gasto, e mui grão damno de seu reino, e, o peior de tudo, não ter nenhumas azadas razões como tal feito podesse vir a acabamento, quejando cumpria, porque, el-rei Dom Henrique, seu irmão, tinha já toda Castella a seu mandar, salvo alguns logares, tão poucos, de que não era de fazer conta; e com isto haviam lhe grande odio todos os do reino, assim grandes como pequenos. De guisa que bem era de cuidar quanto todos fariam por cobrar em elle; pois quem houvesse de lançar fóra de Castella el-rei Dom Henrique e todos os da sua parte, assim por batalha como por guerra guerreada, grão poderio lhe convinha ter, e, não se fazendo segundo seu desejo, ficava ao depois em grande homisio e guerra com elle. Recebel-o outrosim em seu reino, e não trabalhar de o ajudar, era-lhe grande vergonha e prasmo; dês-ahi, vendo-o e falando-lhe, não se poderia escusar d'elle. Porém accordaram que o mais são conselho era que o não visse elle nem o infante seu filho, buscando algumas rasões coloradas por que parecesse que direitamente se escusava. Então foi a Coruche o conde Dom João Affonso Tello, onde el-rei de Castella estava esperando a resposta de seu tio, cuidando de ser aposentado em Santarem, e disse-lhe como el-rei vira seu recado, e soubera parte da sua vinda de que guisa era, e que elle de boa mente o recebera em seu reino e o ajudara a cobrar sua terra, como era razão e direito, mas que por então não estava em ponto de o poder fazer como cumpria, porque d'aquellas vezes que lhe elle fizera ajuda, assim por mar como por terra, os fidalgos de seu reino vieram d'elle e de suas gentes mui mal contentes e escandalisados; e que vinham em sua companha taes, com que alguns houveram razões, e que era por força haver entre elles grandes bandos e arruidos, o que a serviço d'ambos pouco cumpria. Além d'isto, que sabia bem como o infante Dom Fernando, seu filho, era sobrinho da rainha Dona Joanna, que então novamente entrara em Castella, irmã de sua madre Dona Constança, filha de Dom João Manuel, e que não entendia de postar com elle que lhe muito prouvesse de tal ajuda. E foi assim certamente, segundo alguns escrevem, que o infante deu grão torva, porém razoada, em este feito. Com estas e outras razões escusou o conde el-rei seu senhor, que elle áquelle tempo o não podia vêr, nem lhe fazer mais ajuda da que feita havia; e despediu-se d'elle, e foi-se para a pousada. *CAPITULO XXXIX* _Como el-rei de Castlla partiu de Coruche, e se foi de Portugal; e quaes enviaram em sua companha_. Não embargando as razões que dissemos, e outras muitas que faladas foram entre el-rei de Castella e o conde sobre o feito de seu negocio, bem entendeu el-rei Dom Pedro que o fim de todos seus ditos era não haver el-rei seu tio vontade de lhe dar acolhimento em seu reino, nem lhe fazer ajuda por nenhuma guisa: e houve d'isto tão grande queixume, que não poude com sua vontade que o logo não desse a entender por algum modo. E depois que o conde com elle falou, e se despediu e se foi para a pousada, ficou el-rei triste e melancolioso, e com torvado gesto tomou dobras, que tinha na mão, e deitou-as por cima de um alpendre das casas onde pousava. Um cavalleiro de sua companha, vendo isto que el-rei fazia, disse-lhe, como sorrindo, por que deitara assim aquellas dobras, cá melhor fôra dal-as a alguns dos seus, a que prestassem; e el-rei lhe respondeu dizendo: «não cureis d'isso, cá quem as semeia as virá depois colher»; dando a entender, se seus annos tão poucos não foram, que elle lhe fizera de bom talante guerra, por não achar então em elle ajuda nem acolhimento nenhum. E houve seu accordo de se ir a Albuquerque e deixar ahi as filhas e todas suas cargas; e chegando ao logar não o quizeram em elle acolher, antes se lançaram dentro alguns dos que iam em sua companha. E el-rei, vendo como seus feitos iam cada vez peior, mandou dizer a el-rei de Portugal, seu tio, que pois lhe outra ajuda fazer não queria, que lhe enviasse carta de seguro, por que podesse passar por seu reino: e isto fazia elle temendo-se do infante Dom Fernando de Portugal, por ser sobrinho da mulher de el-rei Dom Henrique, como dissemos. A el-rei de Portugal prouve muito, e enviou a elle o conde de Barcellos, que ouvistes, e Alvaro Peres de Castro, que se fossem com elle pelo reino, e o puzessem em salvo em Galliza. E elles se foram por elle, e começaram de andar seu caminho, e quando chegaram á Guarda, segundo alguns contam, disseram elles alli a el-rei que se queriam tornar e não podiam ir mais com elle, porquanto se receiavam do infante Dom Fernando, que os enviara ameaçar por irem assim em sua companha, e que el-rei lhes deu então seis mil dobras, e duas cintas de prata, e dois estoques, que se fossem com elle até Galliza. E se assim adveio por esta guisa, isto foi fingido que elles disseram, cá o infante não tinha razão de lhes tal cousa mandar dizer, pois, com seu accordo, fôra ordenado em conselho que o acompanhassem até fóra do reino. E dizem que chegaram com elle até Lamego, e mais não. E á partida lhe furtou o conde uma filha de el-rei Dom Henrique, seu irmão, que el-rei levava presa comsigo, de idade de quatorze annos, que chamavam Dona Leonor dos leões, porque el-rei Dom Pedro, por queixume que de seu padre havia, sendo esta moça em poder de sua ama, nada de mui poucos mezes, com grão crueldade a mandou tomar, e, esfaimados os leões que criava antes por um dia, no curral onde andavam mandou que lh'a lançassem em camisa, e foi assim feito como elle mandou. E os leões vieram, e chegaram-se a ella, e prouve a Deus que lhe não fizeram nenhum nojo, mas assim como se d'ella houvessem piedade, se chegavam a ella sem lhe fazerem outro mal. Foi isto dito a el-rei por alguns seus, e mandou-a el-rei tirar d'alli, e entregar áquelles que a criavam, e poz-se porém em ella tal guarda, que nunca seu padre a poude haver. E levava-a el-rei então comsigo, e o conde a trouxe a el-rei de Portugal, e depois foi entregue a el-rei Dom Henrique, seu padre. *CAPITULO XL* _Como el-rei Dom Pedro chegou a Galliza, e matou o arcebispo de São Thiago, e se foi para Inglaterra_. Partiu de Lamego el-rei de Castella, assaz desamparado e com mui pouca gente, cá não iam com elle mais que até duzentos de cavallo, e chegou a Monte-rei, uma villa de Galliza, e d'alli escreveu a Logronho, e a Soria, e a Samora, que tinham sua voz, que se esforçassem, cá elle lhes accorreria. E fez saber a el-rei de Navarra, e ao principe de Galles, como era em Galliza, e queria saber que esforço tinha em elles, e esperou alli o arcebispo de São Thiago, e Dom Fernando de Castro, seu alferes-mór e adiantado em terra de Leão e das Asturias, o qual antes d'isto viera a Galliza por seu mandado, e falou com todos os prelados, e cavalleiros, e escudeiros, e cidades, e villas, e fortalezas, de guisa que todos tiveram sua voz. E estiveram tres somanas, havendo conselho se era melhor ir-se a Samora, e d'ahi caminho de Logronho, pois el-rei Dom Henrique, com suas companhas, estava em Sevilha; ou ir-se a Bayona de Inglaterra catar seus accorros com o principe de Galles. E teve-se el-rei antes ao conselho da ida de Inglaterra, que tornar outra vez a seu reino, porque tão pouco se fiava nos que tinham voz por elle, como nos outros que não eram da sua parte. E partiu de Monte-rei, e foi ter o São João a São Thiago de Galliza, e alli houve accordo com os seus de matar o arcebispo, e tomar-lhe as fortalezas. E onde Dom Sueiro vinha seguro, a seu mandado, dia de São Pedro, que lhe mandara el-rei dizer que viesse ao conselho, entrando pela cidade foi morto á porta da igreja de São Thiago, por Fernão Perez Turrichão, e Gonçalo Gomez Gallinhato, e dois cavalleiros que lhe mal queriam, a que el-rei mandara que o matassem, e mataram mais Pero Alvarez, deão de São Thiago, homem mui letrado e bem sisudo, e el-rei o olhava de cima da igreja, como se tudo isto fazia. E tomou el-rei quanto haver o arcebispo tinha no castello da rocha, e deu as fortalezas a Dom Fernando de Castro, e fel-o conde de Trastamara, e de Lemos, e de Sarria, d'onde soía ser conde el-rei Dom Henrique, para elle e para todos seus herdeiros lidimamente nascidos. E Dom Alvaro Perez, seu irmão, e André Sanchez de Gres, que vinham vêr el-rei, quando souberam a morte do arcebispo, tornaram-se para suas terras com medo, e tomaram voz d'el-rei Dom Henrique. El-rei partiu d'alli, e foi-se para a Corunha, e n'aquelle logar lhe chegou recado do principe de Galles, que se fosse para o senhorio de Inglaterra, e que elle lhe ajudaria a cobrar o reino. E partiu el-rei da Corunha, e levou comsigo vinte e duas naus, e uma galé, e uma carraca, e deixou Dom Fernando de Castro em Galliza, e commetteu-lhe todo seu poderio, e el-rei ia na carraca com suas filhas todas tres, e o thesouro todo que comsigo levava, que eram trinta e seis mil dobras em oiro amoedado, porque todo o outro thesouro deixara na galé que Martim Yanhez havia de levar a Tavira, e levava muitas joias de oiro, e de aljofar, e de pedras de grão valor. E passou o mar, e chegou a Bayona, onde ia corregendo seus feitos, de que mais por ora dizer não queremos. *CAPITULO XLI* _Como el-rei Dom Henrique chegou a Sevilha, e da alliança que fez com el-rei de Portugal_. El-rei Dom Henrique partiu de Toledo, sabendo tudo o que adviera a el-rei Dom Pedro em Sevilha, e isso mesmo em Portugal, e como se fôra depois a Galliza. E chegou a Cordova, onde o receberam com grão prazer, e d'ahi levou caminho de Sevilha, sabendo que tinha voz por elle, onde foi recebido com tão grão festa que, pero el-rei chegou pela manhã a cerca do logar, passava de meio dia quando entrou em seu paço. E partiu el-rei com os seus, e com aquellas companhas que com elle vinham, em guisa que todos foram mui contentes, e mandou-os para suas terras; pero ficaram com elle Mosse Beltrão de Claquin, e outros senhores, com alguns inglezes e bretões, que eram todos companhias, até mil e quinhentas lanças. E esteve el-rei em Sevilha quatro mezes, e antes que d'alli partisse, escreveu a el-rei Dom Pedro de Portugal, como queria haver paz e amisade com elle, e que elle enviaria taes, ao extremo, de que fiava por seus procuradores, para tratarem avença entre elles, e que el-rei Dom Pedro mandasse ahi outros, que com seus feitos fossem concordados. E foi assim de feito, que enviou el-rei Dom Henrique Dom João, bispo de Badalhouce, e Diego Gomez de Toledo, cavalleiro, e el-rei de Portugal enviou Dom João, bispo de Evora, e Dom Alvaro Gonçalves, prior do Hospital; e juntaram-se todos na ribeira de Caya, no extremo dos reinos. E alli trataram, pelos ditos reis, que fossem fieis amigos um do outro, e houvessem paz e concordia, e que el-rei de Castella trabalhasse, a todo seu poder, que el-rei de Aragão fosse amigo de el-rei de Portugal pela guisa que o elle era, e que el-rei de Aragão deixasse vir para Portugal a infanta Dona Maria, filha do dito rei Dom Pedro, mulher que fôra do infante Dom Fernando, marquez de Tortosa, com todo o seu, ou viver na terra qual ella antes quizesse; e louvaram e approvaram as avenças que em outro tempo foram feitas em Agreda, entre el rei Dom Fernando e el-rei Dom Diniz, seus avós. Outrosim, Mafamede, rei de Granada, tratou logo amisade com el-rei Dom Henrique, e ficou por seu amigo. E partiu el-rei de Sevilha, e foi-se a Galliza, e cercou em Lugo Dom Fernando de Castro, que tinha voz de el-rei Dom Pedro, e não o poude tomar, e preitejou com el-rei, que se lhe el-rei Dom Pedro não accorresse até cinco mezes, que deixasse o reino e lhe entregasse todas as fortalezas, e se quizesse ficar em sua mercê, que lhe desse a villa de Castro Exarez, d'onde sua linhagem se chamava de Castro, e elle conde, depois que lh'a el-rei Dom Pedro dera, e que em este tempo não se fizesse guerra de uma parte á outra, a qual cousa lhe Dom Fernando mui mal teve. A el-rei Dom Henrique prouve d'isto, e tornou-se para Burgos, e alli ordenou côrtes, nas quaes foram juntos os maiores do reino; e certos da vinda que el-rei Dom Pedro queria fazer, lhe foi promettida ajuda para despeza da guerra, e offerecidos os corpos a seu serviço, como bem podia vêr. E el-rei, em tanto, mandava por gentes que lhe cada dia vinha, com que partia grandemente, e lhe fazia muita honra. E porque dos feitos d'estes reis ambos, mais não adveiu em tempo de el-rei Dom Pedro de Portugal, cessaremos de mais dizer d'elles, e em quanto elles juntam suas gentes para a batalha que depois ouvireis, contaremos nós outras cousas, segundo requer a ordenança d'esta obra. Mas antes que as digamos, ouvi isto que achamos escripto, a saber, que féria quinta, vinte e dois dias do mez de outubro d'esta presente era de Cesar de mil e quatrocentos e quatro annos, foi feito um movimento no céo, desde a meia noite para adiante, o qual foi por esta guisa: correram todas as estrellas do levante para o poente, e depois que todas foram juntas, começaram de correr umas cá e outras lá; dês-ahi deixaram-se estalar do céo tantas e tão espessas, que, depois que foram baixas no ar, pareciam grandes fogueiras, e que o céo e o ar ardia, e que a terra queria arder; e o céo parecia partido por muitas partes alli onde estrellas não estavam; e não havia homem que isto visse, que não fosse fortemente espantado; e era tamanho o medo, que quantos isto viam todos cuidavam de serem mortos, durando isto por mui grande espaço. E isto escrevemos por não haverdes por nova cousa quando outra tal acontecer, dês-ahi por relembrança das maravilhas que Deus faz. *CAPITULO XLII* _Como el-rei de Portugal enviou seus embaixadores a casa do principe de Galles, por se desculpar do que el-rei Dom Pedro dizia_. A grão melancolia que levou el-rei Dom Pedro de Castella do mau gasalhado que em Portugal achara, lhe fez que ás vezes não podia, em falando, que o não desse a entender com sanha, e algumas horas, estando com o principe, presente muitos, fazia queixume do mau acolhimento que achara em seu tio el-rei de Portugal, esperando d'elle receber o contrario, dizendo que o não havia tanto pelo seu, como das infantes suas filhas, as quaes lhe devera de agasalhar e receber em sua encommenda: e fallando em ello muito largamente, mostrava com isto geitos e semblante que de o vingar tinha grão desejo. E foi isto assim falado, e por taes palavras, que não minguou quem o escrevesse a el-rei de Portugal, o qual, conhecendo sua preversa condição, e prevendo o que advir podia, ordenou de se enviar desculpar presente o principe, mostrando que a culpa não fôra em elle, assim em seu recebimento, como em agasalhar suas filhas; e mandou allá o bispo de Evora, e Gomez Lourenço do Avelal, os quaes chegaram a Gasconha, onde el-rei e o principe por então estavam. Elles alli, ordenou o principe o dia e hora para dizerem sua embaixada, a qual, proposta ante elle, sendo el-rei presente, começaram de contar pelo miudo tudo o que em Portugal diziam alguns de que se ei-rei Dom Pedro agravava, fazendo queixume de el-rei seu tio, e que elles eram alli vindos para o mostrarem sem culpa, como a sua mercê bem podia vêr. El-rei de Castella respondeu a isto dizendo, que assim era como elles diziam, que elle se sentia por mui agravado d'elle, pelo não receber em seu reino e lhe dar acolhimento como era razão, sendo seu tio, irmão de sua madre, e que mór melancolia havia não dar gasalhado ás infantes suas filhas, que da aspereza que contra elle mostrara, porque se as el-rei seu tio tomara e lh'as tivera em sua terra guardadas, com alguns haveres que elle levava, onde era certo que estariam seguras, que elle ficara desempachado d'ellas, e então tornara a recobrar seu reino. Dizendo que muitos se alçaram contra elle, que o não fizeram se o viram presente, mas pelo empacho que tinha, das filhas, que lhe conviera de fugir com ellas, não tendo logar seguro onde as deixasse; porque áquelle tempo que as deixar quizera em algum castello de sua terra, em nenhum havia tanta fiusa por que ousasse de o fazer. Sobre isto correram tantas palavras entre el-rei Dom Pedro e os embaixadores, até que pediram por mercê, ao principe, que fizesse pergunta a el-rei, se áquelle tempo que elle escrevera a seu tio que era em seu reino, se lhe fizera saber por sua carta que lhe queria deixar suas filhas e o thesouro que comsigo trazia, segundo elle arrazoava presente elle. E o principe lh'o perguntou então, e elle disse que não ementara nenhuma cousa das filhas, nem do haver que levava comsigo. --Pois, disse o principe, nem vosso tio não era adivinho do que vós tinheis na vontade. Então fizeram recontamento ao principe das ajudas que de Portugal recebera, assim por mar como por terra, e como todos os senhores e fidalgos, que allá foram, vieram d'elle e dos seus mui mal contentes e escandalisados, e que esta fôra uma das razões por que o el-rei seu tio não quizera ter em sua terra, por se não levantarem, entre uns e os outros, bandos, e arruidos, e mortes. Arrazoaram tanto até que se enfadaram, e o principe, conhecendo de razão, disse que o não havia por culpado como antes; e na parte da nau e haveres, que lhe el-rei de Portugal enviava dizer que em Inglaterra eram retidos contra razão, que elle os faria logo desembargar, como seu amigo que era e queria ser. E assim o fez de feito, que em breves dias foram despachados. *CAPITULO XLIII* _Como Dom João, filho de el-rei Dom Pedro de Portugal, foi feito mestre de Aviz_. Vós ouvistes, no primeiro capitulo d'esta historia, como depois da morte de Dona Ignez, ei-rei sendo infante, nunca mais quiz casar, nem depois que reinou quiz receber mulher, mas houve um filho de uma dona, a que chamaram Dom João. D'este moço deu el-rei cargo a Dom Nuno Freire, mestre de Christus, que o criava e tinha em seu poder, e que criando-o elle assim, sendo em idade até sete annos, veiu-se a finar o mestre de Aviz, Dom Martim do Avelal. O mestre de Christus, como isto soube, foi-se logo a el-rei Dom Pedro, que então pousava na Chamusca, e pediu-lhe aquelle mestrado para o dito seu filho, que levava em sua companha, e el-rei foi mui ledo do requerimento, e muito mais ledo de lh'o outorgar. Então tomou o moço o mestre nos braços, e tendo-o em elles, lhe cingiu el-rei a espada e o armou cavalleiro, e beijou-o na boca, lançando-lhe a benção, dizendo que Deus o accrescentasse de bem em melhor, e lhe desse tanta honra em feitos de cavallaria, como déra a seus avós: a qual benção foi em elle bem cumprida, como adiante ouvireis. E disse então el-rei contra o mestre: --Tenha este moço isto por agora, cá sei que mais alto ha de montar, se este é o meu filho João de que me a mim algumas vezes falaram, como quer que eu queira antes que se cumprisse no infante Dom João, meu filho, que n'elle; cá a mim disseram que eu tenho um filho João, que ha de montar muito alto, e por que o reino de Portugal ha de haver mui grande honra. E porque eu não sei qual d'estes Joões ha de ser, nem o podem saber em certo, eu azarei como sempre acompanhem ambos estes meus filhos, pois que ambos são de um nome, e escolha Deus um d'elles para isto, qual sua mercê fôr. Como quer que muito me suspeita a vontade que este ha de ser, e outro nenhum não, porque eu sonhava uma noite o mais estranho sonho que vós vistes: a mim parecia, em dormindo, que eu via todo Portugal arder em fogo, de guisa que todo o reino parecia uma fogueira, e estando assim espantado vendo tal cousa, vinha este meu filho João, com uma vara na mão, e com ella apagava aquelle fogo todo. E eu contei isto a alguns que razão teem de entender em taes cousas, e disseram-me que não podia ser, salvo que alguns grandes feitos lhe haviam de sair de entre as mãos. Ora, assim adveiu depois, como dizemos, que, isto feito, tornou-se o mestre de Christus para a villa, e mandou seu recado aos commendadores da ordem de Aviz, que viessem logo alli, por haver de falar com elles cousas que eram de serviço de Deus e prol de sua ordem (e isto fazia o dito mestre porquanto a ordem de Aviz e a de Christus são ambas da ordem de São Bento), os quaes, por suas cartas e requerimento, vieram logo áquelle logar. O mestre falou então com o commendador-mór, e com Fernão Soares, e Vasco Peres, todo o que era vontade de el-rei, dês-ahi entrou com elles em cabido, segundo costume de sua ordem, e o commendador propoz ao mestre, em nome seu e dos commendadores, dizendo que elle bem sabia como seu senhor, o mestre de Aviz Dom Martim do Avelal, era finado, e que elles não tinham mestre que os houvesse de reger como cumpria a serviço de Deus, segundo sua ordem mandava, nem entendiam de eleger outro, senão aquelle que lhes elle desse; e que pois elle era de sua regra e o fazer podia, que lhe pediam por mercê, que por serviço de Deus e bem da dita ordem, lhes desse mestre que os houvesse de reger segundo sua regra mandava. O mestre respondeu que diziam mui bem, como bons cavalleiros e bem sisudos, e porque elle era tido de fazer e requerer toda causa que fosse serviço de Deus e prol de sua ordem, que porém queria tomar cargo de lhes dar mestre que os houvesse de reger segundo sua regra mandava, e que para ser seu mestre lhes dava Dom João, filho de el-rei Dom Pedro, que elle criava, que entendia que era tal senhor que os regeria como cumpria a serviço de Deus e prol de sua ordem. O commendador-mór, e os outros disseram então, que lhe tinham em grande mercê de lhes dar tão honrado senhor por seu mestre: e logo o dito Dom João foi chamado, e foram-lhe tirados os vestidos seculares, e lançado o habito da ordem de Aviz, e como lhe foi vestido, o commendador-mór e os outros lhe beijaram o mão por seu mestre e senhor. E isto assim feito, foi elle levado para a ordem de Aviz, de onde era mestre, e alli se criou alguns annos, até que começou de florescer em manhas, e bondades, e autos de cavallaria, segundo a historia adiante dirá, contando cada umas em seu logar. E se alguns quizerem dizer que os poucos annos de sua idade e não legitima nascença embargavam de não poder ser mestre, a taes se responde que o Papa dispensou com elle, que posto que provido fosse antes do tempo, e nado de não legitimo matrimonio, que seus bons costumes e honroso proveito que d'elle vinha á ordem, corrigia tudo isto, e que o confirmava em elle. *CAPITULO XLIV* _Como foi trasladada Dona Ignez para o mosteiro de Alcobaça, e da morte d'el-rei Dom Pedro_. Porque semelhante amor, qual el-rei Dom Pedro houve a Dona Ignez, raramente é achado em alguma pessoa, porém disseram os antigos que nenhum é tão verdadeiramente achado, como aquelle cuja morte não tira da memoria o grande espaço do tempo. E se algum disser que muitos foram já, que tanto e mais que elle amaram, assim como Adriana, e Dido, e outras que não nomeamos, segundo se lê em suas epistolas, responde-se que não falamos em amores compostos, os quaes alguns autores abastados de eloquencia, e florescentes em bem ditar, ordenaram segundo lhes prouve, dizendo em nome de taes pessoas razões que nunca nenhuma d'ellas cuidou; mas falamos d'aquelles amores que se contam e lêem nas historias, que seu fundamento teem sobre verdade. Esse verdadeiro amor houve el-rei Dom Pedro a Dona Ignez, como se d'ella namorou sendo casado e ainda infante, de guisa que, pero d'ella no começo perdesse vista e fala, sendo alongado, como ouvistes, que é o principal azo de se perder o amor, nunca cessava de lhe enviar recados, como em seu logar tendes ouvido. Quanto depois trabalhou pela haver, e o que fez por sua morte, e quaes justiças n'aquelles que em ella foram culpados, indo contra seu juramento, bem é testemunho do que nós dizemos. E sendo lembrado de lhe honrar seus ossos, pois lhe já mais fazer não podia, mandou fazer um moimento de alva pedra, todo mui subtilmente obrado, pondo elevada sobre a campa de cima a imagem d'ella, com corôa na cabeça, como se fôra rainha. E este moimento mandou pôr no mosteiro de Alcobaça, não á entrada, onde jazem os reis, mas dentro na egreja, á mão direita, a cerca da capella-mór. E fez trazer o seu corpo do mosteiro de Santa Clara de Coimbra, onde jazia, o mais honradamente que se fazer pode, cá ella vinha em umas andas, muito bem corrigidas para tal tempo, as quaes traziam grandes cavalleiros, acompanhadas de grandes fidalgos, e muita outra gente, e donas, e donzellas e muita clerezia. Pelo caminho estavam muitos homens com cirios nas mãos, de tal guisa ordenados, que sempre o seu corpo foi, por todo o caminho, por entre cirios accesos; e assim chegaram até ao dito mosteiro, que eram d'alli dezesete leguas, onde com muitas missas e grão solemnidade foi posto seu corpo n'aquelle moimento. E foi esta a mais honrada trasladação que até áquelle tempo em Portugal fôra vista. Semelhavelmente mandou el-rei fazer outro tal moimento, e tambem obrado, para si, e fêl-o pôr a cerca do seu d'ella, para quando acontecesse de morrer o deitarem n'elle. E estando el-rei em Estremoz, adoeceu de sua postremeira dôr, e jazendo doente, lembrou-se como, depois da morte de Alvaro Gonçalves e Pero Coelho, elle fôra certo que Diogo Lopes Pacheco não fôra em culpa da morte de Dona Ignez, e perdoou-lhe todo queixume que d'elle havia, e mandou que lhe entregassem todos seus bens: e assim o fez depois el-rei Dom Fernando, seu filho, que lh'os mandou entregar todos, e lhe alçou a sentença, que el-rei seu padre contra elle passára, quanto com direito poude. E mandou el-rei em seu testamento, que lhe tivessem em cada um anno, para sempre, no dito mosteiro, seis capellães que cantassem por elle cada dia uma missa officiada, e sairem sobre ella com cruz e agua benta. E el-rei Dom Fernando, seu filho, por se isto melhor cumprir, e se cantarem as ditas missas, deu depois ao dito mosteiro, em doação por sempre, o logar que chamam as Paredes, termo de Leiria, com todas as rendas e senhorio que n'elle havia. E deixou el-rei Dom Pedro, em seu testamento, certos legados, a saber: á infante Dona Beatriz, sua filha, para casamento, cem mil libras; e ao infante Dom João, seu filho, vinte mil libras; e ao infante Dom Diniz, outras vinte mil; e assim a outras pessoas. E morreu el-rei Dom Pedro uma segunda-feira de madrugada, dezoito dias de janeiro da era de mil e quatrocentos e cinco annos, havendo dez annos e sete mezes e vinte dias, que reinava, e quarenta e sete annos e nove mezes e oito dias de sua idade. E mandou-se levar áquelle mosteiro que dissemos, e lançar em seu moimento, que está junto com o de Dona Ignez. E porquanto o infante Dom Fernando, seu primogenito filho, não era então ahi, foi el-rei detido e não levado logo, até que o infante veiu; e á quarta-feira foi posto no moimento. E diziam as gentes, que taes dez annos nunca houve em Portugal, como estes que reinára el-rei Dom Pedro. * * * * * Fim da Chronica de El-rei D. Pedro I *INDEX* Duas palavras Chronica do Senhor Rei D. Pedro I, oitavo Rei de Portugal, Prologo Capitulo I--Do reinado de el-rei Dom Pedro, oitavo rei de Portugal, e das condições que n'elle havia. Capitulo II--Como el-rei de Castella mandou pelo corpo da rainha Dona Maria, sua madre, e da carta que enviou a el-rei de Portugal, seu tio. Capitulo III--Das cartas que o papa, e el-rei de Aragão enviaram a el-rei de Portugal sobre a morte de el-rei, seu padre. Capitulo IV--Da maneira que el-rei Dom Pedro tinha nos desembargos de sua casa. Capitulo V--De algumas cousas que el-rei Dom Pedro ordenou por bem de justiça e prol de seu povo. Capitulo VI--Como el-rei mandou degolar dois seus criados, porque roubaram um judeu e o mataram. Capitulo VII--Como el-rei quizera metter um bispo a tormento, porque dormia com uma mulher casada. Capitulo VIII--Como el-rei mandou capar um seu escudeiro, porque dormiu com uma mulher casada. Capitulo IX--Como el-rei mandou queimar a mulher de Affonso André, e de outras justiças que mandou fazer. Capitulo X--Como el-rei mandava matar o almirante; e da carta que lhe enviou o duque e commum de Genova, rogando por elle. Capitulo XI--Das moedas que el-rei Dom Pedro fez, e da valia do oiro e da prata n'aquelle tempo. Capitulo XII--Da maneira que os reis tinham para fazer thesouros, e accrescentar n'elles. Capitulo XIII--Por que guisa el-rei Dom Pedro de Castella começou de juntar thesouro. Capitulo XIV--Como el-rei fez conde e armou cavalleiro João Affonso Tello, e da grão festa que lhe fez. Capitulo XV--Das avenças que el-rei de Castella e el-rei Dom Pedro de Portugal firmaram entre si, e como lhe el-rei de Portugal prometteu de fazer ajuda contra Aragão. Capitulo XVI--De algumas pessoas que el-rei Dom Pedro de Castella mandou matar, e como casou com a rainha Dona Branca e a deixou. Capitulo XVII--Como se começou o desvairo entre el-rei Dom Pedro de Castella e o conde Dom Henrique, seu irmão, o qual foi aso porque se o conde foi fóra do reino. Capitulo XVIII--Como e por qual aso se começou a guerra entre Castella e Aragão. Capitulo XIX--Como el-rei de Castella entrou por Aragão e das cousas que fez n'este anno. Capitulo XX--Como el-rei Dom Pedro fez matar o mestre de São Thiago Dom Fradarique, seu irmão, no alcaçar de Sevilha. Capitulo XXI--Como el-rei partiu de Sevilha por tomar Dom Tello, seu irmão, para o matar; e como matou o infante Dom João, seu primo. Capitulo XXII--Como foi quebrada a tregua de um anno que havia entre os reis, e como el-rei Dom Pedro juntou armada por fazer guerra a Aragão. Capitulo XXIII--Como veiu o cardeal de Bolonha para fazer paz entre el-rei de Castella e el-rei de Aragão, e os não poude pôr de accordo. Capitulo XXIV--Como el-rei de Castella enviou pedir ajuda de galés a el-rei de Portugal, e como partiu com sua frota por fazer guerra a Aragão. Capitulo XXV--Como se partiu o almirante de Portugal com as dez galés, e como el-rei Dom Pedro desarmou a frota; e de outras cousas. Capitulo XXVI--Como o cardeal de Bolonha quizera tratar paz entre os reis e não poude, e como as gentes d'el-rei Dom Pedro pelejaram com o conde e o desbarataram. Capitulo XXVII--Como el-rei Dom Pedro de Portugal disse por Dona Ignez que fora sua mulher recebida, e da maneira que em ello teve. Capitulo XXVIII--Do testemunho que alguns deram no casamento de Dona Ignez, e das razões que sobre ello propoz o conde Dom João Affonso. Capitulo XXIX--Razões contra isto, de alguns que ahi estavam, duvidando muito n'este casamento. Capitulo XXX--Como os reis de Portugal e de Castella fizeram entre si avença, que entregassem, um ao outro, alguns que andavam seguros em seus reinos. Capitulo XXXI--Como Diogo Lopes Pacheco escapou de ser preso, e foram entregues os outros, e logo mortos cruelmente. Capitulo XXXII--De algumas cousas que el-rei Dom Pedro de Castella mandou fazer, e como fez paz com el-rei de Aragão entrando em seu reino. Capitulo XXXIII--De algumas entradas que el-rei este anno fez no reino de Granada, e como el-rei Vermelho se veiu pôr em seu poder, cuidando de ser seguro, e el-rei o mandou matar. Capitulo XXXIV--Das avenças que el-rei de Castella fez com el-rei de Aragão, entrando em seu reino, e como as depois não quiz guardar. Capitulo XXXV--Como el-rei Dom Pedro entrou outra vez em Aragão, com sua frota de naus e galés, e das cousas que alli fez. Capitulo XXXVI--Como o conde Dom Henrique entrou por Castella com muitas companhas, e foi alçado por rei; e como el-rei Dom Pedro mandou desamparar todos os logares que em Aragão tinha filhados. Capitulo XXXVII--Como el-rei Dom Pedro de Castella enviava uma sua filha a Portugal, e como elle partiu de Sevilha com temor que houve dos da cidade. Capitulo XXXVIII--De como el-rei Dom Pedro de Castella fez saber a seu tio que era em seu reino, e como se el-rei escusou de o vêr, e lhe fazer ajuda. Capitulo XXXIX--Como el-rei de Castella partiu de Coruche, e se foi de Portugal; e quaes enviaram em sua companha. Capitulo XL--Como el-rei Dom Pedro chegou a Galliza, e matou o arcebispo de São Thiago, e se foi para Inglaterra. Capitulo XLI--Como el-rei Dom Henrique chegou a Sevilha, e da alliança que fez com el-rei de Portugal. Capitulo XLII--Como el-rei de Portugal enviou seus embaixadores a casa do principe de Galles, por se desculpar do que el-rei Dom Pedro dizia. Capitulo XLIII--Como Dom João, filho de el-rei Dom Pedro de Portugal, foi feito mestre de Aviz. Capitulo XLIV--Como foi trasladada Dona Ignez para o mosteiro de Alcobaça, e da morte d'el-rei Dom Pedro. End of Project Gutenberg's Chronica de el-rei D. Pedro I, by Fernão Lopes *** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK CHRONICA DE EL-REI D. PEDRO I *** Updated editions will replace the previous one—the old editions will be renamed. 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