The Project Gutenberg eBook of A virtude laureada This ebook is for the use of anyone anywhere in the United States and most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this ebook or online at www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you will have to check the laws of the country where you are located before using this eBook. Title: A virtude laureada Author: Manuel Maria Barbosa du Bocage Release date: September 5, 2006 [eBook #19189] Language: Portuguese Credits: Produced by Pedro Saborano (Este ficheiro foi produzido a partir da digitalização do original, disponibilizada pela Biblioteca Nacional de Portugal - This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal) *** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK A VIRTUDE LAUREADA *** Produced by Pedro Saborano (Este ficheiro foi produzido a partir da digitalização do original, disponibilizada pela Biblioteca Nacional de Portugal - This file was produced from images generously made available by National Library of Portugal) *A VIRTUDE LAUREADA*, Drama Recitado no Theatro do Salitre, Composto, e Dirigido ao Reverendissimo Padre Mestre Fr. José Marianno Da Conceição Velloso, _Administrador da Impressão Regia, e Deputado da Junta Económica, Administrativa, e Litteraria da mesma Impressão, etc. etc._ Por seu muito devedor, e amigo Manoel Maria de Barbosa du Bocage Lisboa, Na Impressão Regia Anno M.DCCC.V. Por ordem superior. * * * * * ADVERTENCIA. Sería injustiça exigir o desempenho de todos os Preceitos Dramaticaes em huma composição deste genero, cujo merito essencial he aprazer aos olhos por meio do espectáculo, e variedade das Scenas. _Nudo... occurrit, per se pulcherrima, Virtus._ Cardos. Cant. de Tripol. * * * * * _Ao Reverendissimo Padre Mestre e Senhor Fr. José Marianno da Conceição Velloso._ *EPISTOLA.* Qual d'entre as rôtas, náufragas cavernas Do lenho que se abrio, desfez nas rochas, Colhe affanoso, deploravel Nauta Reliquias tenues, com que a vida estêe, Em erma, ignota praia, a que aboiárão, E onde a custo o remio propicia antenna: Tal eu, que da Existencia o Pégo, o Abysmo, (De que assomão, rebentão, rugem, fervem Rochedos, Escarcéos, Tufões, e Raios) Tal eu, que da Existencia o Mar sanhudo Vi romper meu Baixel, e arremessar-me A inhóspitos montões de estranha arêa, Triste recolho os míseros sobêjos, Com que esvaído alento instaure, esforce, E avive os dias, que amorteço em mágoas. Em ti, constante, desvelado Amigo, Demando contra a Sorte asylo, e sombra; Oh das Musas Fautor, de Flora Alumno! (Rasgado o véo da Alegoria) estende Ao Metro, que desvale, a Mão, que presta. Se azas lhe deres, em suave adêjo De Lysia ao seio, que a Virtude amima, Della Cultores, voárão meus Versos, E o Patrio, doce Amor ser-lhe-ha piedoso. _Bocage._ * * * * * *ACTORES.* A Sciencia. A Hospitalidade. A Indigencia. A Policia. A Libertinagem. O Genio Lusitano. * * * * * *ACTO UNICO.* Praça magnífica sobre as Margens do Téjo. *SCENA I.* _A Sciencia por hum lado, e a Indigencia por outro, com a Hospitalidade._ _Sciencia._ Eu, que elevo os Mortaes, e os esclarêço, Que méço a Lua, o Sol, que o Mundo abranjo, Que da vetusta Idade aclaro as sombras, Que entro por seus arcanos, e revóco D'entre o pó, d'entre a cinza, d'entre o Nada Ao Seculo vivente as Eras mortas; Que dócil fiz o indómito Oceano, Abysmo de pavor, de bôjo immenso, Que só por alta Lei não sorve a Terra; Eu, do grão Jove, Confidente e Imagem, Que do Fado os Mysterios desarreigo, E co'a Moral dos Ceos cultivo o Globo; Eu, a Sciencia, eu Fonte, eu Mãi das Artes, Que sei desirmanar na Intelligencia Entes, na fórma iguaes, na especie os mesmos, Tornando-os entre si tão desconformes, Qual dista do Selvagem bruto, e fero, Macio Cidadão, que as Léis polirão, Ah! não posso impetrar, colher dos Numes Para os Alumnos meus pavêz sagrado A teus golpes, Fortuna, inteiro, illeso! Sem que benigna mão lhe adoce os Fados, Sem que escaça piedade o chame á vida, De vigilias mirrado o Sabio morre. Almas corrompe do Egoismo a peste; Camões, Homeros na penuria cantão: Ei-los co'a gloria temperando a sorte; Sôão prodigios de hum, prodigios de outro; Férrea Caterva os ouve: admira, e foge. Só quando o Vate he cinza, o Muito he nada, Por elles se interéssa o Mundo ingrato; Na gloria estéril de Epitafio triste Solidos bens o Barbaro compensa: Contradictoria Humanidade insana! No insensivel sepulcro os Sabios honra, E os Sabios não remio na desventura! Quaes elles forão diz, não diz, qual fôra: Nas almas frias o remórso he mudo. Ai dos Alumnos meus! Soccorre-os, Fado, Risca do Livro eterno o duro artigo, Que ao Mérito, ao Saber seus premios veda; Aquece os Corações no ardor da Gloria, Fraterniza os Mortaes; onde suspirão, Os poucos Filhos meus co'a Mãi prosperem, E onde com seus innumeros sequazes Colhe triunfos, a Ignorancia gema. _Indigencia._ Mãi veneravel, teu queixume ouvindo. Amarga-me da vida o fel em dobro. A filha tua, a misera Indigencia, Que muda te escutou piedosas mágoas, Comtigo vem gemer, carpir comtigo A moral corrupção, que empesta o Globo. Plagas e Plagas, entre as Socias minhas, Entre as mansas Virtudes, hei vagado. Pela voz da Pureza (a que he de todas A mais formosa) deprequei o auxilio De inchado Cortezão, que hum Deos se cria. Melindre, Candidez, virginea Graça (Qual flor, em que era orvalho o doce pranto) Aos olhos do Soberbo expôz seus males. De gesto accezo, ovante, elle a contempla, Nem hum momento á dor constrange o vicio: Em vil proposição, que as Furias dictão, Profana da Innocencia o casto ouvido, E em cambio da virtude exige o crime. _Sciencia._ Ceos! Que infamia! Que horror! Prosegue, ó Filha, Sucumbio a Innocencia á vil proposta? _Indigencia._ Não, que nos olhos meus velavão Deoses, Fautores da Virtude: escuta e folga. O celeste rubor, que tinge a Aurora, Sóbe á face gentil, e as rosas brilhão, Mas súbito tremor branquê-as logo; Ei-la, d'olhos no Ceo, recúa e geme: Eu, porém, que no effeito observo a causa, Ao seductor pestifero arrebato O objecto divinal, que o torna hum Monstro. _Sciencia._ Olha o Ceo na Innocencia a imagem sua. _Indigencia._ Murchas no horror do abominavel caso, Inda comtudo as esperanças minhas Levei de lar em lar; devendo a poucos Piedade accidental, bati cem vezes Ás surdas portas de sumido Avaro, (Sumido em subterraneo abysmo de oiro) Fallára o Monstro, se fallasse a Morte, O silencio dos túmulos o abrange Ante o metal (seu Deos), que em férreos Cofres C'o a vista famalenta o Vil devora Servos delle (o poder he tal do exemplo!) Depois de longo espaço, e vans instancias, C'hum desabrido - Não - me affugentárão. _Sciencia._ De tudo ha Monstros mil na Especie humana, Mas todos vence da Avareza o Monstro. _Indigencia._ Attende ao mais, e adoçarás teu pranto. Do centro da Impiedade em fim retíro Os fatigados pés, e os guio aos Campos, Absorta nas imagens carinhosas, Com que affagais a idéa, oh aureos Tempos. _Sciencia._ Se alli não ha Virtude, onde he que existe! _Indigencia._ Pobre choupana, que forravão colmos, Humildes lares, que zelava hum Nume, Attrahem meus olhos, e meu passo animão. Chego, e curvo Ancião, que alli repousa, Grande em seu nada, na indigencia rico, Sorrindo-se, me acolhe, amima, e nutre. Santa Hospitalidade! Eras a Deosa, Que o rugoso Varão, madura Esposa, E imberbe Prole sua, abençoava! Com milagrosas mãos os parcos fructos Nas arvores fadadas avultando, Para os errantes, pálidos Mesquinhos, Que eterna Providencia lá dirige, Leda colhias saboroso alento, E qual outr'hora a hum Deos, incluso no Homem, Muito do pouco a teu querer surgia. _Hospitalidade._ Conferio-me esse dom quem té no insecto Provê, do que lhe cumpre, a tenue vida. Deixando influxos meus no casto alvergue, Onde Beneficencia e Paz convivem, Acompanhar-te quiz ao vasto Emporio De Lysia, do Universo, á Grão Cidade, Que espelha os Torreões no vitreo Téjo, Donde sagradas Leis despede ao Ganges. O Globo he puro aqui, e aqui parece Estar inda na Infancia a Natureza, Bella, serena, candida, innocente: Principe amado, imitador dos Numes, Ao Público Baixel menêa o leme; Numéra os dias seus por Dons, por Graças, E o Mérito sem susto encara o Throno: Se o gravame do Sceptro acaso inclina, He sobre os hombros de Ministros puros, Dignos do alto esplendor, que sahe da escolha. Hum delles, cujo nome he caro aos justos, Que tem, que exerce o Ministerio santo De velar sobre o público Repouso, Que encarcéra, agrilhôa, opprime o vicio, O contagio dos máos aos bons evita, E em piedoso Recinto abriga, instrue A Puericia, que em flor dispõe ao fructo, Luceno, o Zelador dos sãos costumes, Pai do Infortunio, da Sciencia amigo, Guarida vos promette, exponde, exponde Ao Ministro exemplar, meu claro Alumno, A vossa condição: vereis descer-lhe Dos olhos Paternaes amavel pranto, Proveitoso, efficaz, não pranto esteril, Que momentaneas sensações produzem, E o Mérito infeliz, qual vírão, deixão. Em Luceno o favor segue a piedade, Mortal, que os Immortaes sem custo imita, E o bem, só porque he bem, desenha, opéra. Eia, vinde: eu vos guio aos bem fazejos Lares seus, Lares meus; sereis ditosas, Oh Sciencia! Oh Penuria: os Ceos o ordenão. *SCENA II.* _O Genio da Nação, e as mesmas._ _O Genio da Nação._ Os Ceos o ordenão, sim, vai, guia, oh Deosa, Essa illustre Infeliz, e a mesma Prole Ao Magistrado eximio, ao Grande, ao Justo; Cessem queixumes, esperanças folguem. Ide, o Genio de Lysia, eu que dos Deoses Tive alta commissão de olhar por ella, De engrandecer-lhe, de affinar-lhe a Gloria, E honralla de opulencia incorruptivel; Eu, que espontaneo dera o gráo de Nume Por este, que exercito, augusto emprêgo De escudar Lysia co' pavêz dos Fados, Oh Penuria! oh Sciencia! Eu vos abono Do Ministro sem par, favor, e asylo. _Sciencia._ O Ceo por ti se exprime: o Ceo não mente; Oraculo de Jove, eu te obedeço: Vejo sorrir-se ao longe amigos Fados; Guia-me, ó Deosa. _Hospitalidade._ Guío-te á ventura. (_vão-se._) *SCENA III.* _O Genio só._ Tereis o galardão, tereis o loiro Que á virtude compete, immota, illésa Entre os duros vaivens de iniqua, sorte: Desgraçado o Mortal, se o chão não trilha Por onde a mão de Jove arreiga espinhos, Que súbito depois converte em flores!... Mas que ufano Baixel retalha o Téjo![1] Brincão no tópe flammulas cambiantes, E cambiante bandeira as ondas varre: Eis vôa, eis se aproxima!.. Hum quasi monstro, De aspecto feminil, tigrinas garras, De trage multicôr, lhe volve o leme! Que Turba enorme á sua voz marêa! E o ferro curvo, e negro ao fundo arroja! Desce a vaso menor a horrivel Furia, Recolheço-lhe o rosto, os fins lhe alcanço.... Lá vem, lá toca sobre a arêa e salta. Inimiga dos Ceos![2] és tu, profana! Sacrilega, fallás, blasfemadôra, Peste dos Corações, Orgão do Averno! Vens tambem macular com teus venenos, Com halito infernal, e atroz systema Campos, que meu bafejo Elysios torna! [1] _Apparece hum Baixel, donde pouco depois desembarca a Libertinagem com sequito numeroso._ [2] _Corre para ella._ _Libertinagem._ Orgão não sou do Averno, o Averno he sonho[1] Para mim, para os meus, não soffro o jugo, Que sobre Corações tão férreo péza. Fantasticos Deveres não me illudem; O sensivel me attrahe, do ideal não curo, Só de palpaveis bens fecundo a mente; O Bando, que allicio, e que prospéro, Vive em prazeres, em prazeres morre. Compleição dos Catões, Moral de ferro, Furia, Libertinagem me nomêa; Mas o carácter meu destroe meu nome. Delicias ao teu seio, ó Lysia, trago, Não crúas oppressões, nem agros males, Que o Fantasma Razão produz, maquina; Eu sou a Natureza: ella não manda, Que o gosto opprimas, que os desejos torças; As paixões contentar, não he loucura: Prestar-lhe attenção, vontade, assenso, He lei, necessidade, e jus dos Entes. Olha: com sceptro de oiro impéro, ó Lysia; Franquêa o pensamento a meu systema, Despe imagens quiméricas e approva, Que a posse do Universo em ti remate. [1] _Sentimentos abominosos da Libertinagem, refutados vigorosamente pelo Genio da Nação._ _Genio._ Enganas-te, Perversa, os Ceos a escudão; De Lysia puro Insenço aos Numes sóbe, arde em virtude, inflamma-se na Gloria; Moral, Religião, saudavel Jugo, Que péza aos Impios, que aos Iniquos péza, Nunca foi grave a Lysia, Heróe supremo, Que he na Terra, o que he Jupiter no Olympo, Aqui, não com violencia, e não com arte, Mas pelo exemplo morigéra os Lusos, Só menos, que as Deidades, venturosos. Não manches estes Ceos, Tartareo Monstro, Onde jaz da Virtude o trilho impresso. Eco da Magestade, a voz te aterre Do zeloso Ministro infatigavel, Luceno, ao Throno, ás Leis, aos Deoses curvo, Que, em vínculo fraterno atando os Póvos, Os vê curvos ao Throno, ás Leis, aos Deoses. Negreja, a teu pezar, o horror, que doiras, O Inferno, que não crês, de ti fuméga, E o Remorso tenaz te róe por dentro. Este Povo de Heróes, de Irmãos, de Justos, Teu carácter maldiz, teu nome odêa. Aparta-te daqui... mas tu repugnas! Guerreiros da Virtude, e flor da Patria,[1] Que limpais a Moral de intrusa escória, Eia, apurai o ardor contra esse Monstro; A vosso invicto Esforço a Furia cêda, Do Gremio da Innocencia o Vicio fuja. [1] _Sahe Tropa armada, que trava peleja com os sequazes da Libertinagem, e os vai destroçando._ _Libertinagem._ Não se alcança de mim victoria facil. _Genio_ Satéllites da Gloria: Avante, avante: A Pérfida franquêa, a Palma he vossa. _Libertinagem._ Colheste contra mim Triunfo inutil: Lysia perdi, mas senhoreo o Mundo.[1] [1] _Embarcão-se tumultuosametne, sempre acossados pela Tropa._ *SCENA IV.* _O Genio, e Tropa._ Graças, ó Numes, sucumbio a infame. Heróes, eu vos bemdigo o Marcio fogo, O rápido valor, que n'hum momento A melhor das Nações salvou do estrago...[1] Mas, Deoses, soffrereis, que n'outro clima, Talvez á infamia sua ignoto ainda, Sobre o lenho orgulhoso aporte a Fera, E tóxico respire, e peste exhale: O sacri1egio pune; hum raio, ó Jove, Hum raio a torne cinza, hum raio abysme O ligneo Torreão no equóreo centro[2] Annuiste-me, oh Deos: He chammas todo! Lá cabe, lá se desfaz, e o Tejo o sorve. Vai, Monstro , vai saber, desesperado, Se he fantasma a Razão, se he sonho o Inferno, Vai no horrendo tropel dos teus sequazes De momentanea flamma á flamma eterna; E eu, ministro dos Ceos, submisso aos Fados, Vou por mão de hum Mortal encher seus planos.[3] [1] _Vai-se a Tropa._ [2] _Cahe o raio sobre o Baixel da Libertinagem, e o abraza._ [3] _Vai-se._ *SCENA V.* Carcere subterraneo, onde estarão os Vicios, e os Crimes agrilhoados, exprimindo variamente nos géstos a sua desesperação. _A Policia com Guardas._ Contra os Vicios communs, que pouco empecem, Exercer correcções não só me he dado. Velai, Guardas fieis, sobre os Perversos, Que a Policia commette ao zello vosso, Até que o raio Némesis dispare Co'a férrea voz de Tribunal supremo. Eu dos crimes terror, dos crimes freio, A supplicio exemplar, que sare a Patria D'impia contagião, reservo aquelle De todos o mais duro, o mais funesto, Que, instrumento servil de atroz vingança, Tingio vendida mão no sangue alheio. Ao cutélo de Astréa em vão furtaste Colo rebelde ás Leis, ó tu, cruento, Lobo nocturno, que, vibrando as garras, A mansos Cidadãos oiro, existencia De mistura usurpavas, sem que ao menos Tremesse o coração, e as mãos tremessem. Estes, mais que nenhuns, velar se devem, Estes nas feias, subterraneas sombras Para o pavor da Morte a mente ensaiem. Eu, Luz do bom Luceno, eu Alma, eu Tudo, Corro, entre-tanto, a suggerir-lhe idéas, Com que os públicos Bens floreção, medrem. A Sciencia, e Penuria, antigas Socias, Em seus Lares por elle ha pouco ouvidas, O fertil patrocinio lhe implorárão. Em lagrimas lhes deo penhor singelo De firme protecção: vós, Indigentes, Seus effeitos vereis, vereis, ó Sabios, Que a Mente, e o Coração por vós divido.[1] [1] _Vai-se._ *SCENA VI.* Salão Magestoso da Policia, adornado das Estatuas de varias Virtudes. _O Genio, e a Hospitalidade._ Eis-me na Estancia da Policia Augusta, Cultora da Razão, das Leis, do Solio, A fitubante, a pávida Indigencia, Que já dos males seus alivio goza, Por mão do Bemfeitor, que os Ceos inspirão, Vem co'a Sabedoria honrar seu nome, De interna Gratidão, sagrar-lhe os cultos; Mas profundo respeito os pés lhe tolhe, E o Salão venerando entrar não ousão. *SCENA ULTIMA.* Os ditos, e a Policia, que, ouvindo as ultimas palavras, sahe de repente. _Policia._ Foi sempre este lugar franco á Virtude, Entrai. [1] [1] _Entrão as duas._ _Hospitalidade._ Longe de vós hum vão receio. _Policia._ Cumpri vosso dever, tecei contentes De Luceno o louvor. Materia summa As Virtudes vos dão, que resplandecem Em brilhantes Estatuas magestosas Neste brilhante, Magestoso Alcaçar. Aquella, que risonha os olhos firma, Como que rosto súpplice attentando, He a Benevolencia, e diz no affago, Que alguns, havendo a honra em mais que os lucros, Ante duro Ministro enfrêão preces, E só do Compassivo, e só do Affavel A presença demandão, que os conforte, Que ao rogo n'hum sorriso o effeito augure, E não de altiva injúria avilte o rogo. Esta he Exemplo, est'outra he a Inteireza; Alli Fidelidade o jaspe anima; Desinteresse além reluz, e avulta; Mais perto voluntaria Obediencia Curva o docil joelho: eis as Virtudes, Que fórmão, bom Luceno, o teu caracter, Todas egregias, necessarias todas. _Sciencia._ Verdade, e Gratidão nos lábios nossos, Approvão quanto sôa em honra delle. _Indigencia._ Oh Reinante feliz com taes Vassallos! _Policia._ Folga, Sciencia, e tu, Penuria, folga: Dado me he recrear-vos, ser-vos guia Ao Principe immortal, de quem reflectem Raios de luz para o Ministro excelso, Que o seu mór premio tem na Regia Gloria. Curvai-vos, e admirai o Heróe sublime, Que Lysia adora, e que adorára o Mundo, Se o Mundo todo merecesse olhallo.[1] Vêde a seus pés o Magistrado insigne, Que nelle se revê, que a bem da Patria A Grandeza Real submisso implora. [1] _Abre-se o fundo do Theatro, apparece o Retratro do Principe R. com o Magistrado a seus pés, offerecendo-lhe os Votos mais puros da Nação._ _Hospitalidade._ Quanto a Virtude altêa a Dignidade. _Sciencia._ Oh Júbilo: Oh Ventura! _Indigencia._ Eu pasmo, eu tremo. _Genio. (Dirigindo-se para o retrato do Principe R.)_ Heróe, sacro aos Mortaes, acceito aos Numes, Olympico Fulgor compõe teus dias; Os Ceos na minha voz mil dons te abonão, Com meus olhos teu Povo os Ceos vigião, O Commercio por ti de fé se nutre; As Artes, a Virtude, as Leis triunfão; No Solio, no Poder tens base eterna; Tua alma sobresahe aos teus Destinos; E de teu puro arbitrio esse orgão puro, He digna escolha tua, aos Astros vea No rasto de oiro, com que o Pólo esmaltas. Subditos de JOÃO, rendei mil cultos Ao grão Regente, ao inclyto Carácter, Que nelle diviniza a especie humana: A voz da Gratidão se alongue em Vivas, E cordeal ternura os labios honre. (CORO.) Oh Luso Heróe! Baixaste Da Estancia divinal! Tu és hum Deos visivel, Oh Principe immortal! FIM. * * * * * *SONETO.* Meu ser evaporei na lida insana Do tropel de paixões, que me arrastava, Ah! cégo eu cria, ah! mísero eu sonhava Em mim, quasi immortal, a essencia humana: De que innumeros sóes a mente ufana Existencia fallaz me não doirava! Mas eis succumbe a Natureza escrava, Ao mal, que a vida em sua origem damna. Prazeres, socios meus, e meus tyrannos, Esta alma, que sedenta em si não coube, No abysmo vos sumio dos Desenganos. Deos... oh Deos! quando a morte a luz me roube, Ganhe hum momento o que perdêrão annos, Saiba morrer o que viver não souve. _Bocage._ * * * * * *SONETO.* De peito impenetravel sempre ao susto, Lédo entre as armas, a folfar no p'rigo, Ó França, teu magnanimo inimigo, Por timbre teu não triunfou sem custo. Ardendo em gloria o coração robusto, Onde teve o troféo, teve o jazigo: Nelson venceo, venceo por uso antigo; Mas da victoria foi desconto injusto. Bem que nadante a Gallia em rubro lago, (Domando a morte quem seus brios doma) Crê reparar com isto immenso estrago! Ah! donde um Nelson cahe, logo outro assoma, Assim,de Heróes privando-te Carthago, Heróes fervião no teu seio, ó Roma. _Bocage._ * * * * * *SONETO.* Mãi de Chefes Heróes, de Heróes soldados A Gallia herdou de Roma o genio, a sorte; Seus filhos no igneo jogo da Mavorte Virão Marcios Leões tremer curvados. Mas alta Lei dos Penetraes Sagrados Baixou, que o fatal impeto reporte: Fervendo em raios no Oceano a morte, Te obedece, ó Britania, ao mando, aos Fados. No Continente o Gallo he Deus da guerra; O Anglo audaz sobre o pelago iracundo Da victoria os pendões, troando, afferra... Ah! nutrão sempre assim rancor profundo. Hum triunfa no mar, outro na terra: Se as mãos se derem, que será do Mundo! _Bocage._ * * * * * *SONETO.* C'hum Diadema de luz no Elysio entrava Envolto Nelson em sanguineo manto! Lavrou nos Manes desusado espanto, E a turba dos Heróes o rodeava. Grita Alexandre (e nelle os olhos crava) Quem hes, que entre immortaes fulguras tanto? Sou (lhes diz) quem remio de vil quebranto Europa curva, oppressa, e quasi escrava. Deixei de sangue o pégo rubicundo; Troféos em meu sepulcro a Patria arvora; Raio ardi sobre o Gallo furibundo... Nisto de novo o Macedonio chora: O que immensa extensão venceo do Mundo, Quem vencêra hum só povo inveja agora. _Bocage._ * * * * * _Á Memoria de Ulmia._ *SONETO.* Quando meu coração de Amor vivia, Ufana a liberdade em ver-se escrava, E quando para mim se variava O Ceo n'um riso, o Ceu n'um ai de Ulmia! Das escuras Irmans a mais sombria, E que mais com seu pêzo o Mundo aggrava, Na vista divinal, que me encantava, Roubou luz á minha alma, e luz ao dia. Não mais, Dor, Fado meu, Dor, meu costume, Cedo a paz gozarei, que o peito anhéla, Nos olhos do meu Bem, do Ceo já lume; Junto á Nynfa immortal, na Estancia bella, Os dias perennaes, que vive hum Nume, Irei (Nume em ser seu) viver com Ella. _Bocage._ * * * * * *SONETO.* _Il n'est de malheureux que les coeurs détrompés._ Voltaire. Merop. Trag. Em vão, para tecer-me hum ledo engano, Filosofo ostentoso industrias cança; Diz-me em vão, que exhalando-se a esperança, Repousa na apathía o peito humano. O nauta a soçobrar no Pégo insano Vê rir ao longe a cérula bonança; A mente esperançosa enfreia, amansa Os roncos, e as bravezas do Oceâno. Se nos míseros cahe da mão dos Fados O negro desengano, eillos anciosos, E á desesperação, e á furia dados. Doirai-nos o por-vir, oh Ceos piedosos! Justos Ceos! dêm sequer jardins sonhados As flores da ventura aos desditosos. _Bocage._ * * * * * _Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage, por occasião de se ter dito, que recebêra o Sagrado Viatico._ *SONETO.* Depois que a teus ouvidos grata vôa Mensagem pura, que ante os Ceos te expia, Por mil Sóes, Orbes mil, por Lactea Via Jove ao proprio teu lar desce em pessoa:[1] Colloquio amigo, que entre os Dois resôa, Par não soffre em ternura, em energia, He d'hum Cysne expirante a melodia, He a fraze efficaz d'hum Deos, que trôa: Consagrados eis são Mortal, e Immenso; Fogem subito ao pacto renovado Vã lida, torpe invéja, e morbo intenso! Rasgou-se o véo do nubilo teu Fado; Dás fragil myrrha por eterno incenso, D'Home és Nume, de Vate és invocado. _De Santos e Silva._ [1] Contracção de Jehova. * * * * * _Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage, achando-se o A. molesto._ *SONETO.* A Musa, que bebeo comtigo alento, Que ao lado teu paixões commerciava, Os sons, que alegre outr'hora derramava, São ais viuvos, que dirige ao vento. D'entre meus braços te apertar sedento, Por vingar o intervallo soluçava, Que a mal firme existencia me embargava, Sem que podésse olhar-te hum só momento. Se não pude fartar voraz saudade, Inda mádida a face, enternecida Chora males do amigo em soledade. Minha alma em tua dor toda embebida, Implora em ais, em pranto aos Ceos piedade, Ama doirar-te a tenebrosa vida. _De Pedro José Constancio._ * * * * * _Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage._ *SONETO.* Entre as flores, que as Graças bafejárão, Curvas d'Elmano á prepotente Lyra, Venus brincando com Adonis gyra, Dando-se beijos, que em rosaes cevárão. Assim contentes horas deslizárão, Ao som canoro, que o prazer inspira: O Ceo pendente extasiado admira!.. Té que os Numes d'inveja ao som raivárão. Dedos torpecem!.. arrebentão cordas!.. Cumprio-se a voz de hum Deos, cumprio-se a Sorte, Em quanto, Eco chorosa, os tons recordas. C'roai-o, ó Ninfas, pranteai-lhe a morte: E ao menos, Jove, que em prazer transbordas, Deixa vêllo de cá na etherea Corte. _Do mesmo._ * * * * * *SONETO.* Pungido pela dor, banhado em pranto, Desato, Elmano, minha voz truncada, Que de gemer, de suspirar cançada, Acha o rouquejo no lugar do canto. Debalde em pragas mil a voz levanto Contra o Cypreste, lúgubre morada, Que de funereas Aves carregada, Te condensa o pavor, o susto, o espanto. Para baldar o agoiro, em vão tentára Loiros dispôs em mimo esperançoso, Que na aridez não vinga a ténue vara. Rouba-me embora, ó Fado rigoroso, Esse que Lysia, o Mundo assoberbára, Que o pranto he meu, prantearei saudoso. _Do mesmo._ * * * * * _Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage._ *SONETO.* Embebido na sólida Verdade, Zombas dos Impios, que sem pejo ou mêdo, Decifrão de Mysterios o segrêdo; Trévas a nós, e Luz á Eternidade: Adoras a Suprema Divindade, (Teu futuro Juiz ou tarde ou cêdo) Na fé se adóça teu remórso azedo, Esp'rando a divinal Tranquillidade. Loucas Paixões, que fomentaste outr'hora, (Feiticeiro Manjar dos flóreos annos, Que o Juizo maduro não vigóra) Esses gostos fataes, gostos mundanos, Expiando na dor, que te devora, Ganhas hum Deos, e choras os Profanos. _Joaquim Antonio Soares de Carvalho._ * * * * * *ELOGIO AO PUBLICO* _Em nome de huma Actriz da Rua dos Condes._ A Musa, que nas Scenas de Ulysséa, Não sem gloria, ajustava o métro á Lyra, De Elmano o só thesoiro (a Sócia mésta Da quasi muda cinza, aérea sombra) Inda hum salvé tremente á luz envia, E dá versos á Patria, ou dá suspiros, Da nobre Gratidão pelo orgão puro. Oh Lysia! Escuta os sons, talvez extremos; Que do seio affanoso, a custo, exhála: (O Cysne diviniza os sons da Morte) Ouve, em métro não baixo, ouve alto affecto, Que me honra o coração, na voz me ferve, E no Patrio favor a ardencia nutre. Recente Arvoresinha em chão bravio, De humor celeste definhando á mingoa, (E mimosa jámais de hum Sol fágueiro) Eu para a Terra, para a Mãi pendia, Que os succos mesquinhava ao tenro Arbusto, Talvez de produzillo arrependida. Eis braço, a que apiedou meu ser já murcho, Me extráhe, propicio, do Terreno avaro, E em liberal torrão me põe, me arreiga. Súbito espérta, súbito enverdece A Planta moribunda, e qual sé, ó Lethes, Afferrasse a raiz nas margens tuas, Que das Furias o bafo esteriliza. Influxo animador me altêa, e fólha; Hálito ameno de vivaz Favónio Com macios vaivens me embala os ramos, Flores me adornão, fructos me atavião: Os sorrisos da Patria, os mimos della Estas boninas são, são estes fructos. Das trévas, e da Morte as Aves feias, (De atra voz, em que o Fado ás vezes sôa) Fogem d'entorno a mim, carpindo agouros, Nas agras, negras furnas vão summir-se; E na coma louçã gorgêa encantos Teu Cantor, Primavéra, o vosso, Amores. Quanto sou, quanto valho, á Lysia devo, E á Lysia o coração na voz consagro. Acólhe com ternura, acólhe, ó Patria, As Offrendas por mim do triste Vate, Que para te cantar surgio da Morte, E em ancias balbucía o tom dos Numes: Honra déste ao Cantor, dá honra ao canto. _Bocage_ * * * * * *ODE* _Ao Senhor Manoel Maria Barbosa du Bocage._ Do boto engenho a sequidão, e a mingoa Suppri, vós Amizade, e sentimento, E a frase ingenua, a Candidez saudosa, Tebêos thesouros valhão. Tinta sempre de negro a Fantasia, Em vão tactêa o viço dos Prazeres; As sombras medrão, desaparece o esmalte Dos Parnásidos sonhos. Anciado o coração, palpita, e pede Amenos quadros, que o vigor lhe abonem; Mas, o seu oppressor, o Pensamento, Se produz, produz lucto, E como affugentar, banir-lhe as trévas Se de hum, se de outro lado eu sinto, eu vejo Duros arremessões, pendentes golpes Do meu verdugo, o Fado. Daqui me aponta a pálida Amizade, O Amigo, o Vate, o Pensador, o Tudo (Socio nas ditas, e nas mágoas socio) Desviado, e penando. Dalli me punge o indomito Destino: Novo Tantalo eu sou! Vejo a Ventura, Cresce o desejo, esfórços se redobrão, Mas não posso abrangella. Impertinentes, faceis Conselheiros, Sizudo Aristocrata me pertendem Systema, e Genio me prohidem; soffro Affanoso contraste. Nos grilhões de hum dever, que me flagélla, Nem do meu coração disponho livre! Quantas vezes me vês, Amor, oh quantas! Cobiçar-te, e fugir-te Na varia compressão, no cerco infando De Pezar, e Pezar conheço o pouco, Que resiste a Razão, e quanto, e quanto Filosofia he futil! A Sensassão dispotica ensurdece Da sã Prudencia ao madurado Aviso, E contra a innata propensão dos Entes Politica o que avulta? Mente quem me disser, que em homens cabe Não gemer, se Afflicção irrita, e lacera: Não mais póde o Atilado, o Sapiente, Que evitar-se ao naufragio. Eu, que desde a bemvinda Primavera, Em que a Luz da Razão dourou meu clima, Tive sempre comigo, e meus Destinos Atinada pelêja. Votado desde então a Amor, e ás Musas, Filosofo, os espinhos acamando, Horas tenho, assim mesmo, em que a meus olhos A existencia negreja. Ditoso tempo aquelle, Elmano, o caro, Que em amiga união (volvendo a teia Do Porvir, do passado, e do presente,) Nos davamos constancia! Então (oh! tempos, que valeis saudades) Amizade interesses enlaçando, Delicias extrahia ás mãos da sorte, Que trovejava inutil. Então as Nynfas do Pierio esquivo, Com teus Olympios sons extasiadas, Folgavão de me ver medrado Alumno, Rastear-te, e com gloria. Ah! bem que nos separa occulta força, Inda te segue o socio Pensamento:[1] Se Poder, e Vontade condissessem, Moniz fôra comtigo. Menos agros talvez teus dias forão, E os turvos dias meus, que enlutão mágoas, Com doce languidez amenizára O Prazer fugidio. Matiz equivalente a Paraisos, Variado entre Amor, entre Amizade, Me enchera o vácuo da existencia ensôssa, Que se definha inerte. Eu amo, eu sou amado, eu lucro, eu gózo; Mas, aí! que a hum dia de prazer succedem Dias, e dias de Afflicção teimosa, Que o coração me azédão. Amas, como eu tambem, tambem amado, Mas avesso Poder te engelha os fructos, Que já colheste em tempos fortunosos De perpétua lembrança! Cumpria, que a Amizade suppridora Instantes affagasse amargurados, Mesmo d'entre os negrumes do Destino Tirasse hum riso a furto. Infelizes de nós, se não restasse No fundo d'alma, de sofrer cansada, Divino não sei que, que aos males todos Nos torna sobranceiros. Eia, pois ao porvir se appelle, Elmano, Fonte de gostos, ideaes amenos, O Fôlego alargando ao soffrimento, Leda Esperança ondêa. Ella espinhos crueis em flores torna, Sustenta o fio, e dá sabor á vida; Retem suicidas mãos, angustias doura,[2] Deve ser nosso Numen. Se dize com Ovidio: "Eu perdi forças,[3] Perdi côr, e mal cobre a pelle o osso," Tambem com elle eu digo: "Immensos males[4] A velhice me avanção." A Aurora do Prazer talvez que enflore, Ermo invernoso da existencia nossa, Á Fama vividoura, assombros novos Na Lyra então daremos. _Por Nuno Alvares Pereira Moniz._ [1] _Affectus que animi, qui fuit ante manet._ Ovid. Trist. lib. 5. Eleg. 2. [2] _Me quoque conantem gladio finire dolorem, Arguit, injectas continuit que manus._ Ovid. de Pont. lib. I. Eleg. 6. [3] _Nam neque sunt vires, nec qui color ante solebat, Vixque habeo tenuem, quae tegat ossa, cutem._ Ovid. Tris. lib. 4. Eleg. 6. [4] _Me quaque debilisat series immensa laborum, Ante meum tempus, cogor et esse senex. Ovid. de Pont. * * * * * _Carminibus quaero miserarum oblivia rerum._ Ovid. *ODE* _Ao Senhor Nuno Alvares Pereira Moniz_ Já meu estro, Moniz, apenas sólta Desmaiadas faiscas; Em que as frôxas idéas mas se aquecem; Elmano do que ha sido Qual no gésto desdiz, desdiz na mente; Diástole tardia Já da fonte vital me esparge a custo O licor circulante, Que he rosa entre os jasmins de virgem Face, Que outr'ora esperto, accezo De santa Agitação, de Ardor sagrado, No cérebro em tumulto (Estancia então de hum Deos!) me borbolhava. Respiração Divina, Enthusiasmo augusto, alma do Vate! Que rápidos portentos, Portentos em tropel, não déste á Fama, Não déste á Natureza, Á Patria, ao Mundo, a Amor na voz de Elmano! Ora, aplanando os sulcos, Com que a Saturnia mão semblantes lavra, A Razão pensadora Erguia aos graves sons o grave aspecto: Ora ao ver-se anteposto Por deleitosa insânia, a Ella, a Tudo, O grato, Cyprio Nume, Fadava docemente o doce canto No Coração de Anália. Oh extase! oh relampagos da Gloria! Faustos momentos de ouro, Com que meu gráo comprei na Eternidade! Do Tempo meu voando, Do Tempo que anuvião negros Males, Brilhais inda em minha alma, Entre sombrias, áridas Idéas, Qual entre Aves escuras, (Orgãos do Agouro, Interpretes da Morte) Requebros annulando, Das Aves de Cithéra o coro alveja...! Mas ah, saudosos Dias, Vós sois memoria só, não sois influxo! Não me reluz comvosco O Espirito, abysmado em funda trévas, Com gasto, debil fio Prêzo á Materia vil, que rálão Dores! Ante meus olhos tristes, (Que já d'amiga luz se despedírão) Sahe de eterna Voragem Vapor funéreo, que exhalais, oh Fados! Eis meu termo negreja, Eis no Marco fatal meu fim terreno!... Mas surgirei nos Astros Para nunca morrer: com riso impune Lá zombarei da sorte. Moniz! oh puro Amigo: oh Socio! oh Parte Do já ditoso Elmano! Ás Musas, como a mim, suave, e caro! De lagrimas, e flores Honra-me a cinza, o túmulo me adorna, Não só longa Amizade, Novo Sacro Dever te exige extremos: Da Lyra minha herdeiro Menu Nume Fébo, e teu te constitue; Fébo apôs mim te augura Vasto renome, que sobeje[1] aos Evos: (He dos Annos vantagem, Não vantagem do Engenho a precedencia) Teu metro magestoso, Que já, todo fulgor, zoilos deslumbra, Teu metro scintilante, Das virtudes mimoso, acceito ás Graças, Turvem saudades: canta Alguma vez de Elmano, e chora-o sempre, E Amor, e Anália o chorem: Amor, e Anália, meus piedosos Numes. Sem, por mim suspirem. _Bocage_ [1] Em Lucena, e em outros Quinhentistas de summo apreço, vem sobejar por exceder. * * * * * Por largo campo, indómito, e fremente, Corre o Nilo espumoso: Feroz alaga a rápida corrente O Egypto fabuloso: Mas se na grã carreira, ás ondas grato, Tributo de caudaes rios acceita, Soberbo não regeita Pobre feudo de incógnito regato. _Diniz._ Ode I. * * * * * *ODE* _Por occasião da noticia, que grassou no Porto, das melhoras do Senhor Bocage._ Cisne de immenso vôo! ave, que rója, A medo se abalança aos teus louvores. D'entre a que, eterna, lá no abysmo estala Immensa chamma, que accendeo o Immenso, Tôrva ullulando, á região do dia Surge a myrrhada Invéja. Seu hálito empestado a luz suffóca, E sécca, e mirra as arvores, as flores; Dragão, de linguas tres, na dextra arrôcha, Alça na outra o facho. Silvão-lhe horrendas na tostada fronte Viboras crespas, de que está coalhada; Nutre nos peitos ávida serpente, De insaciavel fome. Atro veneno a lingua lhe destilla, A lingua, que de vibora parece: Vós Górgonas, vós Furias, tu Medusa, Não sois mais horrorosas. De espaço meneando as azas longas, Demanda vagarosa a Estygia margem; E alli, prendendo o vôo, descendo á terra, Que, ao sentilla, estremece. Alli em subterranea, em ampla furna, Desde a infancia dos seculos formada, Dura, immutavel lei impondo a tudo, Reside a Morte horrenda. Montão enorme de esbulhados ossos, De crâneos seccos lhe compõem o throno, Assôma no alto o descarnado Monstro, A ferrea fouce em punho. Voão-lhe em roda Lémures, Espectros, Jazem-lhe aos pés as lividas Doenças: O silencio, o pavor, a escuridade Alli, perennes, mórão. Nos quatro cantos de horrorosa estancia Quatro cyprestes lúgubres se elevão; Aves sinistras, rouquejando agouros, Entre os ramos se aninhão. Para aqui se encaminha a Invéja tôrpe: Tremendo, aos pés do throno se apresenta; Frio terror os membros lhe entorpece Ao encarar o Nume: Mas, assanhando a roedora serpe, Que no peito lhe pásce, a dor vehemente Lhe esperta o coração, lhe volve o acôrdo; E assim troveja a Furia: "Deosa, dominadora do Universo, Cujo imperio vastissimo confina Co'a muralha da immensa Eternidade: Branda meu rogo affaga. Já vezes mil o tétrico veneno Das serpes, que me toucão, que alimento, Fêz em teus lares borbulhar o sangue De victimas sem conto, Serviço não vulgar, que te hei prestado, Jús me confere a não vulgar indulto: Vinga-me, ó Deosa, de hum Mortal soberbo, Que ousa affrontar-me impune. Elmano, o caro a Febo, e caro a Lysia, C'roado ha muito de immurchavel louro, Sobre o ludibrio meus alçou ufano Troféo de eterna dura. Com pé robusto esmigalhou valente (Da peçonha mortal nem foi tocado) Viboras, que arranquei da trança horrenda, Para arrojar-lhe ao seio. Tentei vãmente ennegrecer-lhe a Fama, Que nivea, e pura os Orbes divagava! Meus baldados projectos só servirão De aviventar-lhe o lustre. Chusmas de Zoilos, meus fieis Ministros, Em vão em meu favor as armas tomão: Relampaguêa o Vate, e nos abysmos Baqueão, aterrados. Myrrhada de pezar, baixei ao Orco, E alli fui prantear a injúria minha: Gritos, que então soltei de dor, de raiva, Inda nelle retumbão. Foi-me comtudo balsamo suave Á dor cruel, que me ralava o peito, O grato annúncio, de que o Vate odioso Roçava o ponto extremo. Mortifero aneurisma promettia Romper-lhe antes de muito os nós da vida! Meu coração folgou, desaffrontado, Co'a proxima ventura. Já com soffregas mãos, tintas em sangue, No Báratro compunha atróz peçonha, Para ensopar-lhe as socegadas cinzas No tácito jazigo. Porém, ó Deosa, se, exercendo a Fouce, O demorado golpe não desfechas, As, que alimento, gratas esperanças, Qual fumo, se esvaecem. Sim, ás contínuas súpplicas de Lysia, Como que o Fado a fronte desenruga; Brado, macio já, como que intenta Deferir-lhe propicio. Ah! e quanto, inda assim oppresso, enfermo, Quando me affronta, me assoberba Elmano! Seu Estro sempre o mesmo, sempre em chammas, Raios me vibra intensos. Todos de Lysia abalizados Cisnes Melifluo canto em seu louvor modúlão; Rôto ao porvir (mercê de Apollo) o seio, Vida fádão-lhe eterna. E serei, ai de mim! assim calcada, Sem que possa vingar-me!.." Aqui lhe brótão As lágrimas em fio, entre soluços Suffocada, emmudece. Depois de curto espaço, a Morte horrenda, A fronte definada meneando, Alça a medonha voz, e assim responde Á consternada Furia: "Não te desdenho, ó Filha: do meu throno Tu és robusto apoio; os teus serviços A obrigação me impõe de ser-te grata: Morrerá quem te affronta" Disse; e n'astea da Fouce o corpo firma, Ergue-se, e ensaia para o vôo as azas: Nos cantos da caverna os negros Mochos Soltão da morte o grito. Eis que estranho clarão, rompendo as trévas, Súbito inunda a lôbrega morada; Eis apparece (mortal raio á Invéja) Em branca nuvem Lysia. Brando surriso esmalta-lhe o semblante, Nos olhos o prazer lhe reverbéra, Luz-lhe na dextra lâmina de bronze, Qual astro, fulgurosa. Com garbo magestoso a vestidura Sobraça roçagante; e assim que arrósta O Nume aterrador, na voz suave Taes expressões lhe envia: "Chorosa, amargurada, longo tempo Curva ante o Solio do adoravel Fado, Ferventes rogos, humidos de pranto, Fiz subir-lhe á presença. De Elmano, do meu Vate a vida em risco: Meu coração materno consternava: Elle era a gloria minha; ella morrêra, Se morresse o meu Vate. Regeitado, porém, não foi meu rogo: O Fado para mim sempre benigno, Risonho me outorgou (mercê não tenue) O suspirado indulto. Eis o Decreto seu:" (e entrega ao Monstro A lâmina de bronze.) Ao vê-lo a Parca, Depondo a curva Fouce, inclina a frente, E reverente o beija. "Cumpre-se, ó Lysia, (diz) a Lei do Fado." Exulta Lysia, e presurosa surge Da habitação medonha: opácas sombras De novo alli se espessão. Oh que horrendo espectaculo não era A Invéja furiosa, ardendo em raiva! Da dextra, da sinistra a serpe, o facho Arreméça convulsa. As melenas, frenéticas, arrepéla, E de áspides alastra o pavimento; Na boca, onde as espumas são veneno, As maldições lhe fervem. Torcendo, e retorcendo os vesgos olhos, Vaguêa delirante a vasta furna: A Morte, a propria Morte, ao ver-lhe as furias, Treme no throno horrendo. O Fado, contra quem vomita o Monstro Negra turma de pragas, indignado Manda ronque o trovão, fuzile o raio, E sobre ella desabe. A Furia, remordendo-se, baquêa, E no bojo inflammado o Inferno a sorve. Em tanto a grande Lysia, exultadora Vôa a abraçar seu Filho. * * * * * *EPISTOLA* _Feita no julgado ultimo periodo de vida do Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage._ EPIGRAFE. _Rebus angustis animosus as que Fortis appare._ Horat. Od. 7. liv. 2. Se póde hum mocho, piador nas selvas Brancas plumas cobrar, surgir de noite, E dos pios colher vozes sonóras, Tendo assumpto sem par, Heróes cantando! Não sou ave infeliz, odeio as trévas; Minha essencia mudei; encaro o dia, O dia, que nasceo na luz d'Elmano. Ó tu Dominador, de quem domina No medonho poder d'escuro pégo, Onde morre o Vulgar, existe o Grande; Em que ufana de Ti a Eternidade, Dos limites sahio, mandou soberba Aos Futuros pasmar, tremer aos Fados; E nos Livros ao tempo sobranceiros O teu nome esculpir, dar vida ás letras; Que sedentas té'li de iguaes talentos, Sem a mira lançar a mais, ou tanto, Novo campo não dão a novo entalhe. Accolhe os versos meus, os meus louvores, Que o pêjo suffocou; mas cede o pêjo Á voz da Gratidão, que em mim resôa. Que inaudito prazer me surge n'alma!.. Elmano, Elmano meu, do Mundo gloria, Quando penso que os sons adormecidos Da Lyra (que em temor céde á vontade) Vão dos Astros romper luzente Espaço, Indo aos Numes levarão, que he dos Numes Esta empreza, que os Ceos no seio acolhem, De que hes justo crédor, que humilde off'reço, Hade a Jove aprazer, durar em Jove. Se ao jugo dos Mortaes, se ao Fado, á Morte Inda liga tua alma a terrea massa, Se em tormentos, se em ais, se em dor, se em pranto A substancia languece, que te anima, E de humano a pensão (dever custoso) No continuo pular do sangue ardente[1] Encaras com temor; temor não tenhas! A morte para o Sabio he gosto, he vida. Assim o grão Camões, de Lysia esmalte, E das grandes Nações portento, espanto, Na desgraça morreo, viveo na morte! E o Nume atroador de Pólo a Pólo, Por cem aureos canaes fendendo os ares, Inda o nome do Heróe espalha ufano, Inda alentos lhe dá, vida mais nobre. Quebradas as prizões aos ser terreno, Que te véda subir de Vate a Nume, Hade os tubos encher com sôpro estranho, E teus versos mandar ao Ceo da Gloria. Não julgues, que se, Heróe, zombas da morte, Encarando teu mal desdenho o pranto Hade Lysia chorar, darão os Lusos Do pranto, que a razão sanar não sabe, Grossas agoas ao Téjo caudaloso, Que dos limites seus fugindo irado, Vá ao Ganges levar, levar ao Nilo A noticia cruel, que humanos punge: E Josino (que a vida assás molesta Nos hombros lhe suppeza alonga os dias Que, d'Elmano vivendo assim distante, Hãode o manto roubar á noite escura!) A tristeza dará da morte o premio. Revive, Elmano, pois no Ethereo Reino; Que eu, em quanto tiver vitaes alentos, Heide em ti prantear d'Amigo a falta, E de Vate, e de Heróe ceder ao pasmo. _José Joaquim Gerardo de Sampaio._ [1] Alludo ao aneurisma, huma das principaes molestias, que o atormentão. * * * * * _Ao Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage, achando-se o A. molesto._ *EPISTOLA.* O Sabio não vai todo á sepultura, Na memoria dos homens brilha, e dura. _Rim. du Bocag. T. a._ Hum triste, hum infeliz, da Sorte avêssa Tragando o fel dos ais, o fel da vida, Saúda hum triste, que abraçar não póde, Penhóra em letras, mensageiras d'alma, Os effluvios da candida amizade, Os saudosos gemidos, que te envia, Elmano, que em soluços te evapóras, Que atroppelado pela dor intensa, Sóltas dos lumes teus acerbo pranto, Que em vão te banha as faces enlutadas, Que tenta em vão desenrugar teus Fados. Mas ah! cobra valor; constancia, Amigo: Esforçada razão represe as mágoas, Que a horrenda fantasia, nebulosa Avulta em quadros, em que tudo he negro. Se ella dá brilho, se a existencia affaga, Debuchando na idéa deleitosa Glorias, prazeres, jubilos, encantos; Tambem nos males nos accurva a mente Com duplicados, horridos pavores. Baldar o sentimento ao corpo afflicto Não quero, Elmano, que tambem sou homem. Se Zêno, se Platão sorrindo em ancias, Não mostrárão na face a côr do medo, Que erão diremos corações de bronze? Sentirão, que a desgraça a todos punge; Porém soffrêrão com tenaz constancia, Engolfados na sãa Filosofia. Se qual vivêrão, tal morrêrão lêdos; Porque não seguiremos os seus passos? Forão d'outra materia, que não somos? Forão d'outro talento, que não tenhas? Quem da convulsa natureza, opressa Falsêa em parte os horridos embates, He sobranceiro á morte em gloria firme: Se tu com ella nos degráos luzentes, Librado sobre os extasis divinos, Nectar libaste na Apollinea Mêza; Porque tremes das soffregas voragens, Em que se abysma a Natureza toda? Que saudades do Mundo te acompanhão? Por quantos males se não comprão ditas, Que bem qual o relampago se esváem! Que te valeo na Patria modulando, Da bocca deslizar thesoiros d'alma; Ora cantando de Marilia a face, Aonde se remóça a florea Gnido; Ora abrazado em ralador ciume, Praguejando o rival de teus amores; Detestando a cruel, a fementida; Ora carpindo a[1] flor cortada em breve, Que acordava o botão medrando em risos; Enriquecendo em fim a Patria, o Mundo Nos vivos quadros da Moral prestante? Se horrorosos baldões o premio forão; Se isto se diz viver... se o Mundo he isto... Não tens que suspirar; esquece a Terra! Não succumbas ao pêzo da desgraça: Se te borbulha hum Deos na mente acceza, Quem 'sta cheio d'hum Deos não teme a Morte. _De Pedro José Constancio._ [1] Alludo ao Idyllio da Saudade Materna, feito pelo Senhor Bocage. * * * * * _Ao Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage._ _Tu ne cede malis; sed contra audentior ito, Quam tua te Fortuna sinet......_ Æneid. 6. vers. 95. He nos revézes que apparece o Sabio, Que d'hum peito atravéz, que a Dor crucîa, Reluz hum coração, virtudes todo: Nunca d'Athenas o lustroso esmalte, O Mestre da Moral, o Deos dos Sabios, D'alma heroica mostrou mais nobres rasgos, Que ao entrar na prizão com rosto alegre, E ao beber a cicuta airoso, e forte. De Roma nos Annaes, que o Mundo assombrão, Não teve cabimento Heróe mais claro, Que hum Séneca, fiel ás leis sagradas Da Virtude, e Dever , aos pés calcando Cruas perseguições, desterro iniquo, Sobranceiro ao rigor dos Ceos, da Terra. Nem sómente entre as horridas refregas Do procelloso mar, ou nos combates D'alma forte resumbra ardor valente: Da virtude he tambem theatro o leito; Neste mais de huma vez provou-se o Sabio: Encara com desdem o Sabio a morte, Certo que a preço tal se merca a vida. Temos mui nobre, e remontada Essencia, Viemos povoar Terraqueo Globo De mui alto lugar; e a prova, Elmano, Em nós mesmos se dá, julgando escassa Humilde habitação, d'arte os portentos, De Arquitectura, e luxo assombros claros, Que hum leve sopro esbrôa, esmaga, e prostra; Não temendo largar tão baixa esfera. He das dores crueis o termo a morte! Entre desgraças mil sempre vagando, De molestias sem fim alvos constantes; Bem como acontecer deve aos que aberrão Do seu clima natal, e estranho habitão. Só depois de existir puras substancias, Despidas do grosseiro, e terreo manto, Gostaremos prazer sadio, estreme. Filosofia, és tu, quem dás ao Homem Do sepulcro despir-lhe o medo, o tédio; Por ti (qual déstro nauta exp'rimentado, Que rasgado o velame, os mastros rotos, Co'as ruinas da náo prosegue a rota), Não succumbe o Mortal da morte á face, Não lhe desbóta do semblante as côres, Da constancia o vigor não lhe entorpece Buido ferro, que centelhas vibra; Da vida o termo com sorriso encara, Como se alheio fosse, e não seu termo. Genios transcendentaes, que o mundo honrárão, Não temêrão largar barrenta capa, Que mesquinha entorpece os vôos d'alma: Do divino Platão, o Sol da Grecia, Ouve attento o clamor, no peito o encerra: "O espirito do Sabio anhéla a morte, Nella medita, e a quer: sempre que tende Fóra de si; taes são seus appetites."[1] Quanto ao summo chegou do fim jaz pérto: Fructo, que sazonou co'a Primavera, Do Outono na estação não orna as mezas! Quanto mais clara resplandece a chamma, Tanto mais prompta affraca, e se amortece: Taes os Engenhos; quanto mais sublimes, Tanto mais breves são; que he perto o Occaso, D'onde falta o lugar ao crescimento. E pois, Elmano, te guindas-te ao cume Do Horizonte, onde és Sol de Lysia aos Vates, Cujas centelhas dão calor aos Genios, Dão brio, dão vigor para ir á gloria, Postergando montões de vis insectos De ephemerico ser, d'aspecto ingrato; Não deves estranhar, que Atropos dura Se antecipe a cortar-te o fio á vida; Ella, que sem respeito ao Môço, ao Velho, Se apraz de encher de lucto, e pranto o Mundo. Ah! Se a vozes de dor se move a Parca, Se do Destino as leis transtornos soffrem, Verás, Elmano, decorrer teus dias A par dos de Nestor, Tu, que o semelhas No mel, que vertem teos divinos labios. Lysia, desfeita em ais, banhada em pranto, Ante as aras de hum Deos mil preces sólta Pela conservação do seu esmalte, Do seu Genio melhor, da Gloria sua, E aos de Lysia Filinto une os seus votos. _Fr. Francisco Freire._ [1] _Sapientes animum tetum in mortem prominere, hoc velle, hoc meditari, hoc semper cupidine ferri in exteriora tendentem._ Senec. Consol. ad Marciam. * * * * * _Ao Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage._ *EPISTOLA.* Ruindo lá do Bárathro medonho Lúgubre som, motivador do pranto, Que as faces mólha de enlutada Lysia, De ti, ó Vate, reclamava o feudo; Já lá do Abismo horrendo as furias torpes, Por ordem de Plutão na terra surgem; Da vil materia, do que he pó, que he nada, Opaco manto de endeosados genios, Rabidas rompem o ordenado todo. "Murchas esp'ranças mais a mais fraquejem, Sentimento mortal, tristeza baça Nos Lusos corações a dor espalhe; Apenas cinza, o que já foi Elmano." Esta do Averno a voz, a lei da Morte, Que ás funeraes Irmans o Monstro intima! Do Sena pelas margens saborosas, Pelas praias do Ganges, do Aureo Téjo, Assustadas de horror as Ninfas clamão; A lei maldizem, que lhes rouba a gloria, Carpindo o mimo, que as honrava tanto. Os alumnos de Apollo ao nume envião Entre cortados ais, sentidas vozes, Votos provindos do profundo d'alma, Quaes os da Gratidão, e os da Verdade: Co'as mentes cheias de saudade infinda, Teu nome, ó caro Elmano, a Jove lembrão; No fogo ardente de sonóros Hymnos, Escudados da candida amizade, Da justiça, é dever, da gloria Tua, Hum Nume Creador, que uniu os Entes, Hum Deos, hum justo Deos piedoso dobrão. Eis de repente na brilhante Esfera Risonho assoma o dia, a noite fóge; Raia alegre o prazer, somem-se as trévas; Abrem-se as portas do sulfureo Averno, E á feia escuridão as Furias tornão. Esforça-se a razão, estudo, e arte Das garras a salvar a prêza excelsa: Angelico tropel ao leito adeja; Da Sacra Região baixando os vôos Do Vate aos lares, a melhora guia. No Olympo os Numes a harmonia prézão, Affeitos a escutar da terra os Vates. Oh como de prazer exulta o peito! E mano, Elmano vive, oh Ceos, oh dita! Por elle a gloria, e honra em Lysia abundão; Cisne do Téjo, que trespassa a méta, Licita a raros de adejar cançados. Fadem teus dias fortunosos lances. Praza aos Ceos compassivos, que inda eu possa Ver-te immune ao mal, que te consterna; Porque possas tambem dar vida á Fama De deslizado Heróe, que a cobardia Pendura nos portaes do Esquecimento; E as azas desprender em canto altivo, (Dos Voltaires, Camões, dos Tassos digno) Em lustres de Varão, que immortalizes. Virente louro não me cinge a frente; Tolhem meus gressos as varedas ínvias Ao bipartido Cume, ao sacro asilo Dos almos Genios, onde entrar não posso: A ser-me dado, intrepido verias Em duravel engaste, em Padrão d'oiro Ir assomar teu nome além dos Evos; A ardentes Vates, que o Porvir esconde, Engenhos como Tu, mover-lhes pasmo; Mostrar-te como exemplo ás Plagas Lusas, Disparando o trovão, vibrando os raios, Imagens vivas, que dão alma ás pedras; Em quanto as graças em Gertruria bella Co'os doces folgazões amores brincão; Quando surge da Estancia a torva invéja, Ou trilhas sem desdouro o Lacio augusto: Do filho de Sulmona unindo a cinza, Fazendo-o reviver com pompa egregia Em veste alheia; mas tão nobre, e rica, Que equivale ao valor dos proprios trajes. Quizera agora ter o dom de Elpino, Invadir com teu nome a Eternidade...... Mas ah que delirei: oh mente louca! Não precisas de quem de ti precisa: Rite, rite de mim, ó grande Elmano Mas dos desejos não, dos sãos desejos. _De João Galvão Mexia de Sousa Mascarenhas._ * * * * * _Ao Senhor Manoel Maria de Barbosa du Bocage._ *EPISTOLA.* Vate, que adoro, portentoso Elmano, Imagem do Saber, do Pindo gloria, Apollineo Cantor, Cantor divino Dos Jardins, onde impéra a Natureza; Escuta os versos meus, escuta os versos, Que dicta o coração, dicta a amizade. Depois, com que pezar o pronuncio! Que entrei na estancia triste, onde succumbe, Aos impulsos da Dor, Razão, Constancia,[1] Diluvio amargo de saudoso pranto, Me innunda as faces, me consterna o rosto. Já mais hum só instante, ó caro Elmano, Se minóra a tristeza, que me opprime; Meu activo pezar, minha amargura, Bem não podem narrar toscas palavras: Excede a dor humano soffrimento! Saudades que a minha alma afflicta sente, Podem-se imaginar; mas não dizer-se. Ah quando penso em ti, eu me arrebato: Futuras producções imaginando, Não césso de chorar a falta, a perda, Que as Bellas Letras, Seculos vindouros Chorarão, como eu, se a morte horrivel Inda em flor decepar teus caros dias. Deste asilo da lúgubre Tristeza, Onde os dias, ás noites semelhantes, Eu passo envolto em luto, envolto em pranto,[2] Te envio tristes ais, ternas lembranças, Que meu peito fiel a ti consagra; Escuta-as, se he possivel, (pois o triste, Com as queixas do triste se consola,) No meigo coração grato as acolhe; E conhecendo a dor, que assim me fere, Pondéra as mágoas, que supporta, e sente Falmeno, que sem ti vive morrendo. Sugeito ao mando teu por lei, por gosto, Te envio (como amargo talvez util) O Folheto de meus insulsos versos: Quem quer escravo ser de teus preceitos, Sem já mais hesitar, deve cumprillos Embora o Zoilo vil louco me chame, E pura sugeição julgue vaidade.[3] Adeos, meu caro Elmano, adeos amigo, Os teus ais, aos meus ais unidos sejão; Unidos vão soar na azul esfera, Augurando amizade além da morte. [1] Alludindo á exasperação em que o vi lutando, na occasião em que excessivas dores muito o atenuavão. [2] A grave molestia do Amigo, e o proximo falecimento da minha Mãi, me inspirou os tres versos acima, em tudo conformes aos meus sentimentos. [3] Já mais me atrevera a enviar o Folheto dos meus insipidos versos a tão abalizado Mestre, se a sua determinação me não obrigasse a tanto: as desculpas que exijo, e as causas que allego no Prologo do dito Folheto, não bastão a evitar a critica, que na verdade merece a publicidade de semelhantes Poesias, ás quaes ao presente não dou valor algum. * * * * * *SONETO.* Nesta horrivel morada da saudade, Onde chóro, e lamento o teu Destino, Dirijo preces mil ao Ser Divino, Que dicta o coração, dicta a amizade. Fiel inclinação, pura verdade Repete ardentes votos de contino: Tranquillo supportára o mal ferino, Se podésse escusar-te a Enfermidade. Quanto fôra feliz, meu caro Elmano, Se a vida, que te offerto, vida escura, En teu lugar soffrêra o cruel dano; Então com gosto olhára a sepultura; E resgatando o Heróe, alegre, e ufano, Meus dias entregára á Morte dura.[1] _Por Felisberto Ignacio Januario Cordeiro._ [1] Se os versos dos dous tercetos parecerem affectados, e excessivos; para se pensar de modo contrario, baste a lembrança, de que o homem verdadeiramente Filosofo, que tem huma existencia triste, e pouco interessante, não terá nunca dúvida (sendo possivel) em sacrificar a sua vida á duração da dos homens sabios, uteis, e necessarios á Republica das Letras, e á Sociedade Civil. FIM. *** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK A VIRTUDE LAUREADA *** Updated editions will replace the previous one—the old editions will be renamed. 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