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Rita
Farinha (Fev. 2008)
BIBLIOTHECA
DE
CLASSICOS PORTUGUEZES
PROPRIETARIO E FUNDADOR
MELLO D'AZEVEDO
Bibliotheca de Classicos
Portuguezes
Proprietario e fundador―Mello
d'Azevedo
CHRONICA
DE
EL-REI D. AFFONSO V
POR
Ruy de Pina
VOL. III
ESCRIPTORIO
147―Rua dos Retrozeiros―147
LISBOA
1902
CAPITULO CXLI
De como se fez em Alcacere a
coiraça para
defensão e segurança da villa, e como D. Duarte,
capitão,
se houvera de perder
El-rei entendeu logo
no fazimento da coiraça d'Alcacere, por
cuja mingua quando tornou sobr'ella de Ceuta a não
pôde soccorrer nem bastecer como quizera; porque era mais
afastada do mar, do que cumpria para navios sem empedimento e
contradição dos de fóra a poderem
prover. E tanta ordem e diligencia se poz n'isso ácerca da
pedra cantaria e cal, e madeira, e officiaes, e cousas a ella
necessarias, e assi a gente de guarnição que tudo
defendesse, que com tudo prestes e enviado a Alcacere, a dita
coiraça se começou logo á
segunda-feira de Ramos XXII dias de Março do anno de mil e
quatrocentos cincoenta e nove. Na qual obra D. Duarte, de noite e de
dia, para bom exemplo de todos assi servia e melhor que qualquer outro
pobre serviçal que hi andasse.
[6]
E em fim por fallecimento de cal; porque a obra se fundou maior e mais
forte do que primeiro cuidaram, a dita coiraça
não se acabou senão
depois do S. João do dito anno, e foi ao tempo que D. Duarte
era já bem certificado dos ajuntamentos e
apurações e convocações que
El Rei de Fez em suas terras e nas alheias fazia para vir outra vez
sobr'elle como ficara.
E porque para execução do proposito dos mouros
era grande impedimento a coiraça que se fazia de que eram
já bem avisados, por deterem e impedirem a obra com dano e
mortes dos officiaes que a lavravam, acordaram de enviar para isso
secretamente certos alcaides, com mil e quinhentos de cavallo, e outra
muita gente de pé, para que dessem n'elles e trabalhassem
por desfazer a dita obra.
E com isto, porque D. Duarte com sua gente não leixava
d'entrar e fazer grandes cavalgadas e estragos nas terras dos mouros,
acertou-se que um dia desavisado do ardil dos alcaides, determinou
entrar com a mais gente que nunca entrara. E estando á noite
dois veladores praticando sobre o muro, aconteceu que por
máo avisamento e pouco resguardo d'elles, com vozes altas um
descobriu ao outro a entrada de D. Duarte, declarando logo por onde
havia d'entrar, e os lugares a que havia d'ir, e tudo assi apontado
como que estivera á
determinação do caso. E acertou-se que um mouro
almograve, que da lingoa dos christãos tinha bom
conhecimento e era mui ousado, vindo-se de noite lançar ao
pé da
barreira por escuta, ouvio toda a pratica d'estes, com que
apressadamente logo partio, e foi logo avisar umas aldeias, de que
tomaram um mouro mais despachado, que indo com grande
trigança dar aviso a Tanger, topou de recontro com os mesmos
alcaides que vinham sobre a coiraça, aos quaes o messageiro
contou
[7]
o caso sobre que ia,
havendo que era remedio que lhes Deus a tal tempo enviava, e elles mui
alegres com tal nova lhe prometeram grandes honras e acrescentamentos;
porque lhes pareceu que leixariam entrar D. Duarte, e sem alguma fadiga
o atalhariam e tomariam como quizessem, e assi sem os trabalhos, mortes
e despezas que se lhe aparelhavam, não
sómente impediriam a coiraça, mas cobrariam a
villa em que não podia ficar gente que a defendesse.
E vieram-se os alcaides ao logar d'Anexanuz onde estava um
christão captivo, natural da Villa de Lagos, a que chamavam
o Talheiro, o qual tinha muita amizade e pratica com um mouro, cujo
nome era Azmede, que já fôra em Tavila captivo, e
sabendo bem o Talheiro o ardil e determinação dos
alcaides, pela qual a perdição de D. Duarte e da
villa
d'Alcacere com toda a gente se não podia escusar, doendo-se
d'isso como bom christão e leal portuguez, tanto aperfiou
com Azmede e tantas esperanças lhe pôs na
bondade e verdade dos christãos para sua honra e proveito,
que o houve de commover que de todo o que era concertado logo aquella
noite fosse como foi avisar D. Duarte. O qual estando para partir e
vendo tal aviso e sendo certificado por Antão Vaz,
alfaqueque, que o mouro era homem de credito e amigo dos
christãos, pôs os giolhos em terra, e as
mãos alevantadas ao ceo deu muitas graças a Deus,
e ao mouro deu logo e prometteu e fez ao diante muito bem.
E ao outro dia mandou desaperceber os fidalgos e toda a gente que para
a entrada estavam já todos prestes, que por isso ficaram
tristes e muito mais descontentes de D. Duarte, e mostrando
não ser menos irados contra o mouro, assacando-lhe que por
evitar o dano que a seus parentes estava aparelhado,
[8]
mais que por fazer bem a D. Duarte, se
movera a tal aviso, e uns o ameaçavam com a forca, e outros
com o lume para o queimarem, mas o mouro confiado no que certo sabia,
tudo soffria rindo, dizendo que cedo lhe dariam o contrario.
E sendo o capitão por elle avisado dos lugares em que as
cilladas haviam de jazer, mandou logo pela manhã descubrir a
primeira, estando com toda a outra gente a recado e percebido; os
mouros como viram os descobridores entenderam a verdade, e que tal
descobrimento procedera d'algum aviso que os christãos
d'elles houveram, e que por isso não sairam da villa, nem
ousaram entrar em sua terra como tinham ordenado, e sairam
logo d'elles quatrocentos de cavallo em cavallos armados e arreios,
gente especial e mui concertada. Sahiu D. Duarte com até
cento e vinte de cavallo a lhes resistir, em especial a recolher os
descobridores que tinha enviados que vinham mui perseguidos, e n'isto
se travou de uma parte e da outra mui crua peleja, em que D. Duarte
tanto apertou com os mouros que os fez fugir, em que morreram alguns
d'elles, todos homens entr'elles de boa estima, e ao seguimento d'estes
sahiu a outra cillada maior em socorro dos primeiros que maliciosamente
mostravam ir fogindo por tirarem os christãos
fóra, e
fizeram todos uma volta sobre os christãos, que por
não poderem
resistir a tamanha força lhe deram as costas, e no
encalço que foi curto, mataram dois e feriram muitos.
E quiz Deus que na primeira esporada que D. Duarte n'elles deu lhe
quebraram as cabeçadas do cavallo, e em lh'as corregerem se
deteve e mandou deter a gente sua algum espaço, que deu
causa que o encalço da volta que os mouros sobre os
christãos fizeram fosse assi curta, que quasi os acharam
á sombra dos muros
[9]
a
que com sua segurança se acolheram; porque d'outra maneira
segundo os mouros vinham azedos, e com tanta sua avantagem,
fôra sem duvida para os
christãos grande perigo.
E n'este dia se lançou um moço
christão com os mouros, a que descobrio o aviso d'Azmede que
deu causa a se elle vir de todo para Alcacere, onde sendo mouro deu
aviamento a muita guerra e damno de sua propria terra, e este se chamou
depois Mafamede de Alcacere, a que El-Rei D. Affonso e depois El-Rei D.
João seu filho por seus serviços fizeram muita
mercê.
CAPITULO CXLII
De como a villa d'Alcacere foi de
segunda vez cercada por
El-Rei de Fez, e do que se passou n'este segundo cerco até
que se alevantou
Era D. Duarte de
muitas partes avisado como El-Rei de Fez se aparelhava
grandemente para no começo do mez de Julho vir sobre
a villa, e sendo logo sobr'isso certificado que era
já em Tangere, começou de concertar e
perceber suas cousas como para taes hospedes convinha.
E a uma segunda feira, dois dias de Julho do dito anno de mil e
quatrocentos e cincoenta e nove, apareceu El-Rei de Fez sobre a villa
com infindo poder de gente, e nações mui
desvairadas, e com
carriagens d'alimarias espantosas, que cobriam toda a terra.
E nos dias passados tinha D. Duarte enviado pedir a El-Rei que lhe
mandasse trazer sua mulher D. Isabel de Castro, e seus filhos que eram
em Portugal, e como quer que segundo os recados que tinha havia
[10]
muito tempo que esperava por
ella, acertou-se que em El-Rei de Fez e os outros Marins e senhores
começando de cercar Alcacere, a náo em que ella
vinha surgiu
sobre o porto. E
como D. Duarte houve
d'ella
conhecimento, determinou com gente e fustas e bateis que para isso
pôs em mui segura ordenança, de a recolher, e elle
a cavallo com outros, andaram na praia resistindo aos mouros,
até que muitos fidalgos a pé segura e
honradamente a meteram pelas portas da coiraça.
E certo não foi sem causa acertar ella tal dia em que
chegasse; porque segundo era de nobre sangue e de muitas bondades e
virtudes, bem merecia que em sua chegada a recebessem tamanhos reis e
senhores dos mouros como alli eram.
Desceu-se D. Duarte e levou sua mulher á egreja, onde em
vigilia e por devoção dormio aquella
noite, e ao outro dia a meteu em um cubello do castello, de que podia
vêr os combates e afrontas da villa.
E com a ida de D. Isabel a Alcacere foi a gente toda mui leda, e
receberam muito esforço e ousadia, assi pelo repairo que os
feridos e doentes em suas curas d'ella recebiam, como pelo favor de
suas donzellas com que os fidalgos fronteiros se favoreciam e folgavam
melhor de pelejar; porque ella tinha em sua casa gentis mulheres filhas
d'homens honrados, que guardada em todo sua honra e honestidade, sabiam
bem fallar e tratar os homens como mereciam.
D. Duarte como aquelle a que em seus feitos não fallecia
grande devoção e esforço,
depois de se encommendar a Deos com muitas lagrimas e palavras de bom
christão e singular capitão de sua
fé, fallou logo com muita prudencia e segurança a
todolos fidalgos e pessoas principaes da villa, repartindo-lhe logo com
muita alegria e despejo as estancias e guardas
[11]
que cada um havia de ter, e
avisando-os em todo como para a necessidade presente cumpria, em que
prometia honra e victoria.
El-Rei de Fez e seu Marim e alcaides ordenaram seus combates
á villa em torno, providos de muitas e grossas artelharias,
e d'espingardeiros e besteiros sem conto, e d'escalas e mantas, e todo
em grande cumprimento; porque em tanto cargo e estima tomou o cobrar
d'aquella villa d'este segundo cerco, como todo o reino de cuja
privação foi dos mouros
ameaçado, se d'esta vez a não tomasse. E d'alguns
combates que os mouros deram á villa e á
coiraça juntamente, elles foram dos christãos com
tanto seu estrago e damno escramentados, que d'hi em diante
já refusavam e não se queriam chegar como sohiam.
Dizendo a El Rei pela continua e grande mortindade dos seus que os
não mandasse assi chegar ao combate; porque elle bem poderia
fazer com seu grande poder, quando quizesse, outra villa dez vezes
maior que aquella, mas que fazer elle e renovar outros tantos vassallos
mouros quantos alli perdia não podia, cá era
officio que
sómente pertencia a Deus. E com isto punham todos seu
esforço e esperança nas bombardas, que de dia
e de noite nunca cessavam de lançar pedras.
Era El-Rei de Portugal em Lisboa ao tempo que d'este cerco foi avisado,
para que com grande trigança mandou fazer prestes navios com
gente, mantimentos e armas, em que foram muitos fidalgos e pessoas
principaes do reino, alguns d'elles por especial percebimento, e os
mais de suas livres e louvadas vontades, em que entravam pessoas de
todas edades, cá os moços por ganhar e
acrescentar honra, fugiam para este cerco, e dos velhos por
conservação da
ganhada algum não queria ficar.
No meio tempo do cerco chegaram ao arraial dos
[12]
mouros as suas bombardas grossas, que
por seu peso e grandeza e pela aspereza da terra faziam suas jornadas
vagarosas, e em sua chegada não fizeram os mouros menos
festa e alegrias que na sua Pascoa que então celebraram.
Foram logo com grande presteza e alegria assentadas, e dos tiros
primeiros que fizeram começaram nos muros e cubellos de
fazer com sua furia tanto dano, que a muitos de dentro com receio de
maior mal já se mudavam as côres; porque alguns
cubellos foram em breve arrasados com os muros, que em todalas partes
tremiam, e faziam conta que se elles sendo derribados não os
defendessem, que a peleja de pessoas com pessoas tanto seria perigosa,
quanto a gente e poder dos mouros era desegual. Mas D. Duarte, cujo
coração, esforço e
segurança, d'estes medos e d'outros maiores andava sempre
priviligiado, a tudo soccorria e repairava logo com tão
engenhosos remedios, que aos mouros enfraqueciam os
corações, havendo que tão prestes e
diligente repairo eram obras de Deus mais que dos homens. Especialmente
porque claramente viam que a diligencia, trabalho e resistencia dos
christãos lhes parecia sobre forças humanas.
Pelas quaes cousas, e assi porque os mantimentos falleciam
já aos mouros, houve no arraial dos mouros grande rumor de
alevantarem o cerco, de que D. Duarte por mouros que na villa se
lançavam foi certificado.
E D. Duarte e esses senhores e fidalgos que com elle eram,
não fartos de muita honra e louvor que tinham ganhado,
escreveram ao Marim apresentando-lhe com palavras assaz cortezes
quão covardamente elle e seu Rei se tinham havido n'aquelle
cerco, do qual não se deviam assi partir com tanto seu
abatimento e deshonra, pedindo-lhe que avergonhados disto tornassem
renovar os combates, para que ficavam
[13]
alimpando as armas, que no sangue dos
seus tinham já todas sujas.
El-Rei e o Marim mostrando ser d'esta carta mui anojados, responderam a
D. Duarte com palavras de grande descortesia e muita villeza,
reportando-se ao mal do palanque de Tangere, e que já
fizeram ao Infante tio do seu Rei cavar e alimpar os cavallos, e que
assi faria a elles, a quem D. Duarte largamente replicou, reprendendo
como devia suas villezas e cobardia.
E finalmente El-Rei de Fez com todo seu arraial se alevantou de sobre a
villa, dia de S. Bertholameu, XXIV dias d'Agosto de mil quatrocentos e
cincoenta e nove.
Durou este segundo cerco d'Alcacere outros LIII dias como o primeiro.
Foram lançadas na villa duas mil e quatrocentas e cincoenta
e seis pedras grossas, foram mortos dos christãos
até XXV, e dos mouros muitos, de que se não houve
o numero certo. O que todo notificou logo D. Duarte a El-Rei, estando
em Santarem, que por o caso deu a Deus muitas graças, e a
elle muitos agardecimentos e louvores, e D. Duarte mandou logo para o
reino a gente que não era em Alcacere necessaria.
CAPITULO CXLIII
Como D. Duarte foi feito conde de
Vianna, e El-Rei quisera
outra vez passar em Africa para que se percebeu
No
mez d'Abril do anno seguinte de mil
e quatrocentos e sessenta, por prazer e consentimento d'El-Rei leixou
D. Duarte por capitão d'Alcacere Affonso Tellez, seu
sobrinho, e se veiu a Lisboa onde achou El-Rei, que d'elle e de toda
[14]
sua côrte foi
grandemente e com muita honra recebido, e d'ali se foi El-Rei a
Santarem, onde com solemne arenga de seus serviços e
merecimentos, e com devida cerimonia o fez conde de Vianna de Caminha.
N'este anno no mez d'Agosto falleceu de febre em Thomar D. Affonso,
marquez de Valença, filho maior do duque de
Bragança, sem casar, de que ficou um filho natural, D.
Affonso, que depois foi bispo d'Evora. E n'este tempo pelas praticas
que El-Rei sempre tinha com o conde de Vianna sobre a guerra d'Africa,
a que El-Rei sobre todalas cousas do mundo naturalmente era mais
inclinado, desejando de a proseguir determinou passar a Ceuta com dois
mil cavallos e gente de pé a elles conveniente, para d'alli
como
capitão, mais que como Rei fazer guerra aos mouros.
E tendo sobr'isso conselho foi de todolos principaes muito em contrairo
aconselhado, em especial do Infante D. Fernando seu irmão, e
do senhor D. Pedro, que sobre isso lhe enviaram conselhos para o caso
mui excellentes, a que El-Rei não quiz dar credito, guiado
já de seu apetito, inclinando-se á
só opinião do marquez de Villa Viçosa,
que sendo em tudo mui prudente, n'isto pareceu que desacordava. E tendo
para isso feita muita custa, com fundamento de todavia passar, desistio
da ida por causa de uma grande e perigosa doença de febre em
que cahiu e esteve á morte.
E n'este anno de mil quatrocentas e sessenta, lastimado o reino todo
das grandes e apetitosas despezas que El-Rei fazia, de que sua fazenda
e as de seus vassallos sem causa necessaria se destruiam, em umas
côrtes que em Lisboa sobr'isso se fizeram, lhe pediram que as
temperasse e quizesse ter mão mais firme nas cousas da
corôa; com que sostevesse seu estado como seus antecessores
faziam, e não as dar com tanta
[15]
soltura e sem necessidade como dava,
que se contentasse arrecadar dos vassalos os antigos e velhos direitos,
e não agravar seu povo com novos pedidos e
imposições. E para o melhor poder fazer, lhe
outorgaram cento e cincoenta mil dobras d'ouro, com que desempenhasse e
pagasse as rendas da corôa, que por tenças e por
casamentos, ou por outras dividas e
obrigações tivesse dadas, com juramento que fez
de nunca as mais dar, mas isto nem sómente aquelle anno em
que se prometeu se manteve; porque na passagem em Africa que logo fez
se desordenou tudo, e com muita mais soltura por mal da corôa
real.
CAPITULO CXLIV
De
como falleceu o
Infante D. Anrique, e de seus feitos, bondades, e virtudes
E no mez de Novembro d'este anno falleceu em Sagres o Infante
D. Anrique com sinaes e cumprimento de fiel
christão, em edade de cincoenta e sete annos, cujo corpo foi
logo soterrado na egreja da villa de Lagos.
E de hi no anno que vinha de mil e quatrocentos e sessenta e um, foram
seus ossos levados ao mosteiro da Batalha por o Infante D. Fernando,
que tinha adotado por filho, que foi por elles e os trouxe com grande
honra e muita cerimonia ao dito mosteiro, onde El-Rei acompanhado de
toda a nobre gente de Portugal e muitos prelados sahiu aos receber com
solemne procissão, e lhe fizeram honradas exequias.
O Infante D. Anrique foi em tudo Principe tão perfeito, que
não é razão que alguma de suas
muitas e
[16]
louvadas virtudes
se especifiquem; porque seria mingoar nas outras todas, que d'elle como
de uma fonte clara e perenal todas nasceram. Porém a que
pareceu que em seus dias sobre todas abraçou, foi inteira
obediencia
e firme lealdade a El-Rei, e em seu coração houve
sempre fervente amor e continua devoção
para Deus, e uma singular humanidade e nobreza para os homens, e um
vivo esforço nunca vencido com que em sua vida como
magnanimo Principe e esforçado cavalleiro sempre emprehendeu
arduas e mui excellentes empresas, especialmente contra inimigos da
fé, por seu marivilhoso engenho e muita prudencia e grandeza
de coração, e com innumeraveis gastos de
suas rendas e fazenda, não receando infindos trabalhos,
mortes, e perigos de seus criados e servidores, que muitas vezes via
morrer e padecer, depois da tomada e descercos de Ceuta em que foi,
mandou primeiramente navegar e descobrir pelo mar Occeano, onde se
acharam logo e povoraram as ricas e fertiles ilhas da Madeira, que
foram as primeiras que no mar Occeano estes reinos tiveram, e assi d'hi
em diante outras muitas de que elles e a christandade toda muito bem e
proveito recebem.
E assi o dito Infante como aconselhado e esforçado,
já por divina inspiração movido a
isso, com respeitos de magnanimo Principe e mui catolico
christão, e como mui leal vassallo dos Reis e da
corôa de Portugal, desejoso do acrescentamento, gloria, e
louvor d'elles, suspirando pela santa, honrada e proveitosa conquista
de Guiné, mandou logo pedir e suplicar ao Papa Martinho
quinto, na Egreja de Roma presidente, que em nome de Deus cujo poder
tinha, concedesse e fizesse á dita corôa e
herdeiros d'ella para sempre, como com acordo e
approvação do Sagrado Collegio dos Cardeaes fez e
concedeu solemne e perpetua doação,
[17]
e lhe deu
o senhorio proprio de todo o que
na costa do dito mar Occeano, nos mares a ella ajacentes dos marcos e
cabos de Nam e do Bojador contra o meio dia e oriente por elles e por
seus sobcessores, e por suas gentes pelos tempos em diante se achasse e
descobrisse até os Indios inclusivamente. A qual
doação e concessão do dito Papa
Martinho depois o Papa Eugenio, e o Papa Nicoláo, e o Papa
Sixto á
suplicação d'El-Rei D. Affonso, e d'El-Rei D.
João seu filho confirmaram e aprovaram com sua
graça e poder, com muitas graças e
benções e
liberdades aos Reis de Portugal presentes e futuros que a proseguissem,
e com grandes excumunhões, graves censuras e
maldições a todolos christãos que em
qualquer maneira, sem prazer e consentimento dos ditos Reis de Portugal
contra ellas fossem, como nas Bulas Apostollicas que se d'isso
concederam mais perfeita e cumpridamente se contém, as quaes
sendo um divino favor e verdadeiro e ligitimo titulo para se a dita
navegação, descobrimento e conquista navegar e
proseguir o dito Infante logo primeiramente com o santo e virtuoso
principio de tão aventurado fim a emprendeu e proseguiu.
E com espantosos principios e meios de que era prasmado e nunca foi
vencido em sua vida, mandou adiante descobrir e tratar até a
Serra Liôa com
muito proveito do reino. E depois de sua morte em tempo d'El-Rei D.
Affonso o quinto seu sobrinho, além do descobrimento do
Infante se descobriu a mina do ouro, em que agora é a cidade
de S. Jorge, que El-Rei D. João o segundo mandou novamente
edificar, e assi se descobriu mais por El-Rei D. Affonso até
o Cabo de Santa Caterina, e depois de seu fallecimento, como El-Rei D.
João o segundo seu filho o sobcedeu, d'alli mandou por annos
descobrir até dobrarem o
[18]
Cabo de Boa Esperança, e
seus descobridores chegaram até o Rio do Infante, e d'alli
sendo seu proposito não cessar até descobrir a
India, por sua
doença e morte, que se logo seguiu, cessou seu
descobrimento.
E como depois o sobcedeu e reinou após elle El-Rei D. Manuel
o primeiro, nosso Senhor, como Principe que em tudo quiz herdar a
benção, reaes costumes e claras
façanhas de Reis e Principes
tão gloriosos seus antecessores, por seu mandado e com seus
capitães, navios e gentes por este caminho se desccobriram,
trataram e navegaram, com grandes perigos e muitas difficuldades, e
innumeraveis despezas outras novas ilhas e terras, e sobre tudo a
Arabia e a Persia, e a India com todalas especiarias, pedrarias, minas,
riquezas, e thesouros orientaes que hoje possue e tem com muita
segurança e prosperidade, fazendo-se pacifico Senhor de
muitos Reis e senhores que sua paz e senhorio compraram com ricos e
cotedianos tributos, como em sua chronica fará
menção, de que a elle e á real
corôa d'estes seus reinos
de Portugal e aos herdeiros d'ella, e a seus vassalos e naturaes se
acrescentou, e com a graça de Deus cada vez
acrescentará mais bem, maior honra, gloria, e louvor, e
ricos, honestos e mui grandes proveitos, com os quaes pois seu
principal fim e intento é servir a Deus e divulgar e
exalçar sua santa Fé sempre,
por isso seu grande poder será muito mais poderoso, e
não sómente a elles este bem e proveito
será
reservado, mas ainda de suas mãos e por seu meio a
christandade toda será participante, com que a fé
de nosso
senhor será por isso mais conhecida, louvada, e
exalçada, e as seitas, idolatrias e forças dos
imigos d'ella de todo minguadas e mui quebrantadas, e esta
esperança
não está de todo em a esperarmos; porque com
prosperos e desejados effeitos tem ácerca d'isto muitas
vezes
[19]
respondido, como em
seus proprios tempos e lugares melhor se dirá, que sempre se
atribuiram á honra, memoria, louvor e merecimentos d'este
virtuoso Principe e Infante D. Anrique, como a causa e primeiro
inventor de tanto bem.
Foi mais o Infante nas roupas de seu corpo mui honesto e muito mais nas
palavras de sua bocca, e por maior sua perfeição
foi em sua vida sempre casto,
e segundo o que se creu, virgem o comeu a terra, que dá
piedosa esperança de
salvação de sua alma.
CAPITULO CXLV
De como falleceu o duque de
Bragança, e
sobcedeu sua casa e herança o marquez de Villa
Viçosa, e como D. Fernando seu filho passou em Africa, e de
vinda foi feito conde de Guimarães
E no anno de mil e quatrocentos e sessenta e um falleceu D.
Affonso, duque de Bragança, cuja casa e titulo e
herança sobcedeu D. Fernando, marquez de Villa
Viçosa, seu filho segundo; porque o marquez de
Valença seu filho maior era já sem
filhos legitimos fallecido como já disse.
E entre os filhos que este segundo duque tinha, o maior era D.
Fernando, que por acrescentar em sua honra, tendo para a dita passagem
dos cavallos feita muita despeza, pediu a El-Rei licença
para se ir a Alcacere como foi no mez d'Abril do dito anno, com
duzentos de cavallo e mil homens de pé, em que entraram
muitos fidalgos e outra nobre gente da côrte. E d'Alcacere em
companhia de D. Affonso de Vasconcellos, que depois foi conde de
Penella, e do conde
[20]
D.
Duarte, a que o duque seu padre e elle tinham grande
affeição, entraram muitas vezes em terra
de mouros, e foram correr até ás portas da cidade
de
Tangere, onde se fizeram honrosos feitos d'armas, e de que trouxeram
grande numero de captivos e mui grandes cavalgadas. E fizeram outras
cousas, em que D. Fernando ganhou bom nome e muita honra, com a qual se
tornou a estes reinos logo no mez de Junho seguinte. E El-Rei por seus
serviços e merecimentos o fez primeiro conde de
Guimarães, porque depois quando casou com a duqueza D.
Isabel filha do Infante D. Fernando, por honra de tão
honrado casamento foi em vida de seu padre feito e intitulado duque da
mesma Villa de Guimarães.
CAPITULO CXLVI
De
como falleceu a Infante D. Caterina,
sendo
já concertada para casar
N'este anno era
tratado e concordado casamento entre a Infante D.
Caterina, irmã d'El Rei, com D. Carlos, Principe de Navarra
e d'Aragão; e porque o dito Principe falleceu, foi a dita
Infante levada ao mosteiro de Santa Clara de Lisboa, e sendo concertado
depois casamento entre ella e El-Rei D. Duarte de Inglaterra, ella
adoeceu de febre, e com nome de mui honesta e virtuosa Princeza
falleceu no mesmo mosteiro, e foi seu corpo trazido ao mosteiro de
Santo Eloi de Lisboa, onde na capella da mão direita jaz mui
honradamente sepultada.
[21]
CAPITULO CXLVII
De como foi a ida d'El-Rei em Africa
com
os dois mil de cavallo, e do escallamento de Tangere
E no anno seguinte de mil e quatrocentos e sessenta e dois, se
principiou e ordenou a ida d'El-Rei em Africa, sobre o escalamento de
Tangere, que foi n'esta maneira.
Havia n'este tempo em casa d'El-Rei Diogo de Bairros e João
Falcão, homens mancebos e fidalgos, que desejosos
d'acrescentar em suas honras pediram a El-Rei licença, e
lh'a deu, para irem ao soldo que El-Rei de Fez então
apregoara em seu reino contra outros mouros seus imigos e reveis, os
quaes para melhor seu aviamento se passaram a Andaluzia pedir cartas ao
duque de Medina Sidonia, com que o dito Rei de Fez tinha paz e
mostrança de singular amizade.
E o duque com respeito de serviço d'El-Rei não
vendo para isso sua carta se escusou, pelo qual conveiu a estes pedir a
El-Rei que por sua carta lh'o encommendasse, e em tanto porque o conde
de Viana acertou d'entrar de Alcacere em terra de mouros, foram estes
com elle na entrada, onde por caso Diogo de Bairros topou um
João d'Escalona, de Tarifa, que já em Tangere
foram ambos captivos e em poder de um senhor. E praticando entre si
sobre um cano que era nos muros da cidade aberto e sahia para
fóra, se por elle haveria disposição
de entrar n'ella
gente: acharam que em alguma maneira seria possivel, e com isto
tornando-se estes a casa do duque acharam cartas d'El-Rei, porque lhes
revogou a licença e mandou que logo se tornassem
á sua côrte, o que
cumpriram, e acharam El-Rei em Cintra, onde a voltas da conta
[22]
que lhe deram de sua
jornada, tocaram na pratica do cano para se entrar Tangere, que no
coração
d'El-Rei fez logo muita impressão. E com isso os tornou a
mandar providos de mercê e de cartas para o conde de Viana, e
asi para João d'Escalona, e para outro Sancho Fernandez, de
Tarifa, seu tio, que tinha um bregantim e era bom piloto, que para o
caso cumpria e se não podia escusar.
Passaram todos em Alcacere, e recontaram ao conde o proposito do cano
de Tangere com que iam, o qual anichillou de todo sua fantesia, e
concordaram que se não podia fazer, e acordado Diogo de
Bairros d'outra parte do muro por onde a cidade melhor se podia escalar
e mais a salvamento, depois de sobr'isso praticarem, foram por
aviamento do conde com boa dessimulação
vêr o dito logar, e com quanto a cidade se velava,
porém todos tres por uma escada de corda subiram ao muro,
por onde andaram, e sem algum alvoroço nem sentimento
colheram hervas d'elle, com que se tornaram a Alcacere, e de hi a
Portugal, e com elles João d'Escalona, onde depois de a El
Rei dizerem todo o que acharam e experimentaram, ficou muito contente,
e
sobr'isso praticou logo com o
Infante D. Fernando seu irmão. E concordaram que para este
caso haver secretamente bom effeito, que o Infante com desejo de honra
e outros respeitos e
obrigações que mostrasse ter para passar em
Africa, pedisse a El-Rei para isso licença, porque com esta
mostrança este feito se poderia melhor e mais encobertamente
fazer, e assi se cumprio.
E porém a tenção propria e verdadeira
d'El-Rei, em caso que logo a não revelasse, foi ser tambem
na passagem que outro si logo foi divulgada. Em cujos percebimentos e
apurações se seguiram tantos estrondos e
alvoroços que os mouros, e principalmente os de
[23]
Tangere, como do dano de tal passagem
mais receosos foram de todo, e para todo logo avisados e percebidos, o
que El-Rei por o conde de Viana logo soube, pedindo-lhe que
para cousa tão feita como esta de Tangere em seus
começos parecia, com semelhantes estrondos a
não desfizesse nem danasse, para que abastaria
não tanta gente como a de que se percebia, que pouca e pouca
podia dessimuladamente vir a Alcacere, e d'alli o feito se faria com
segurança e salvamento.
E a este siso não obedeceu o apetito d'El Rei, para que
ajudou o conde de Villa Real, que a este tempo estava na
côrte, e com o conde de Viana não era em
muito accordo; porque envejoso da gloria e honra que se a outrem
aparelhava, por ter n'ella parte como por seu nobre e
esforçado coração
sempre desejou, por seus meios e modos que por si e seus parentes
buscou, teve maneira que El-Rei o mettesse n'este feito, em que lhe
diziam não ser razão que por dito de
dois homens elle com seu reino se aventurasse, e que ante de o cometer
convinha que tal pessoa como era o conde de Villa Real com elles em
pessoa fizesse juntamente a mesma experiencia. E que El-Rei para ser
desenganado era bem que estreitamente lh'o encommendasse, especialmente
que elle era tal que buscaria em Tangere outros logares por onde a
cidade melhor e mais seguramente se cobrasse. Anichilando como suspeito
o conselho do conde de Viana, atribuindo-lh'o a cautelosas manhas com
que á custa alheia queria sempre ganhar honra e
acrescentamento para si. E em fim, o conde de Villa Real foi d'El-Rei
para isso rogado, e elle acceitou a ida com encarecimentos de receber
morte e captiveiro por seu serviço, pedindo-lhe que, se
lembrasse em tal caso d'elle e de seus filhos. A, que El-Rei logo
d'ante mão satisfez concedendo-lhe
[24]
liberalmente á custa dos
bens de sua corôa, mui
grandes e duvidosos requerimentos que com elle trazia.
O conde de Villa Real partiu de Lisboa no anno de mil e quatrocentos e
sessenta e tres, com elle Diogo de Bairros e João
d'Escalona, e no caminho se ajuntou com elles João
Falcão, e chegaram a Lagos onde a condessa sua mulher estava
parida de D. Fernando seu filho primeiro, e d'alli a levou a Ceuta, e
d'hi com achaque de buscar gente com que poderosamente entrasse em
terra de mouros passou em Tarifa, d'onde por mar foi vêr o
lugar do escalamento, a que não sahiu do mar, nem foi n'elle
por causa da muita tardança que fizeram os que primeiro
sahiram. A que se juntaram mais Lourenço de Caceres, adail,
e Pedro Affonso, os quaes acharam o lugar bem desposto e sem alguma
mudança, e com isso se foi o conde mui alegre a Gibaltar,
que o anno passado fôra aos mouros filhada, d'onde logo
avisou El-Rei da boa
desposição do feito, para o qual ficou alli
precebendo manhosamente a mais gente que pôde para a passar a
Ceuta, como passou, em que foram cento e cincoenta de cavallo e
quatrocentos de pé, com fundamento entre El-Rei e o conde
já concertado, que no dia que El-Rei por mar houvesse de ser
no escallamento de Tangere, a que havia de ir da banda de Castela, de
um lugar que se diz Bollonha, esse mesmo dia entrasse o conde por terra
e fosse sobre a cidade para soccorrer e ajudar os que n'ella subissem e
entrassem, e assi impedir qualquer soccorro que aos mouros da cidade de
fóra viesse. E porém na partida
d'El-Rei e do Infante se pôs tanta
dillação
além do tempo que tinham assignado, que o conde sem
descobrir o caso não pôde reter mais a gente
estrangeira que
sustinha, e a despediu.
[25]
CAPITULO CXLVIII
Da
grande e danosa tormenta que El-Rei
e o Infante passaram
no mar
El-rei e o Infante
cuja passagem de todo era descoberta e divulgada,
sendo prestes partiram de Lisboa segunda feira sete dias de Novembro do
dito anno de mil e quatrocentos sessenta e tres, com vento algum tanto
contrairo para sua viagem, e á quarta chegaram a Lagos, e
ahi recolheu El-Rei o conde d'Odemira e o almirante, donde contra
conselho de todolos pilotos e mareantes, partiu com assaz fortuna de
tempo, o qual carregou tanto sobre a frota, que El-Rei para salvar sua
pessoa foi aconselhado que se acolhesse ao porto de Silves, o que
erradamente não quiz fazer; antes mandou guiar a
prôa direita de seu navio, porque sem torcer nem se deter
seguisse sua viagem, e sobre a noite a tormenta se dobrou tanto, que os
navios todos correram grande risco de se perder, e os mais por
segurarem suas vidas alijaram com grande perda muita parte de suas
fazendas, salvo El-Rei, que não consentiu que do seu navio
se alijasse com medo cousa alguma. Perdeu-se n'esta tormenta o navio de
D. Affonso de Vasconcellos, cuja fazenda e muitos nobres homens se
alagou, e as pessoas por milagre se salvaram, e assi sossobrou de todo
o mar uma caravella, em que se perdeu grande fazenda de muitos.
E mais morreram Lourenço de Guimarães, e
João Vogado, escrivães da fazenda d'El-Rei, e
Gonçallo
Cardoso, escrivão da camara, e um rei d'armas Portugal, com
outros muitos e bons homens e muita fazenda, e n'esta tormenta andou
El-Rei com o Infante
[26]
seu irmão até o sabado, que só sem
alguma outra companhia entraram no estreito, e havendo o conde D.
Duarte conhecimento d'El-Rei pela bandeira real e capitoa que o seu
navio trazia, foi-lhe fallar no mar, e com elle Pero
d'Alcaçova que a elle fôra enviado
com o aviso e ardil de sua vinda, e depois de se El-Rei lamentar pelo
desaviamento de seu proposito, que era não poder desembarcar
da parte de Castella, e o conde o confortar mais que reprender pelo
erro que fizera, El-Rei e o Infante se partiram para Ceuta, onde poucos
e poucos recolheram ao domingo seus navios, e cada um com grande perda
e muito destroço, e assi o duque e seus filhos com outros
muitos fidalgos, que escapando da tormenta milagrosamente sahiram todos
em terra em camisas e descalços, e assi foram em romaria a
Santa Maria d'Africa, com que provocaram todos a grande
devoção.
CAPITULO CXLIX
De
como foi o primeiro cometimento do escalamento de Tangere
E depois d'El-Rei declarar sua tenção de tornar a
Tangere, por cuja fim alli viera, se partio
para Alcacere d'onde enviou logo doze navios de remo com gente
escolhida para irem escalar a cidade, cujo capitão foi Luiz
Mendes de Vasconcellos, homem fidalgo, e nas cousas do mar bem
entendido, com fundamento de El-Rei com seu poder os socorrer
á hora do escalamento por terra, e porém o conde
D. Duarte contradisse muito o cometimento por mar,
pelas incertidões e perigos que tem, mas
não foi
crido, e Luiz
[27]
Mendes
todavia partio bem avisado do que
á sahida do mar e á entrada da cidade havia de
fazer.
El-Rei e o Infante e o senhor D. Pedro seu primo, e o duque e condes e
toda a outra gente partiram por terra, e uma hora ante manhã
chegaram acerca de Tangere, e os que foram nos navios á hora
do desembarcar acharam o mar tão bravo, que não
ousaram por aquella vez sahir em terra, e ao recolher dos navios
havendo os mouros da cidade vista d'elles pelo aviso que já
sobre si tinham, fizeram almenaras na cidade, e mandaram poer fogo
ás bombardas que pelo muro tinham. E porque aquelle era o
signal que se havia de fazer quando a cidade se entrasse, foi El-Rei e
todos os que com elle eram mui alegres, e assi abalaram logo rijamente
e não sem devida ordenança, mas não
tardou muito que foram em conhecimento da verdade, que todo seu prazer
converteu em tristeza, e toda esperança do feito em
desesperação, e com tudo El Rei com a cara mui
segura como seu real coração era sempre nos
perigos, foi com sua gente
á vista da cidade, que esteve olhando um pouco, e em se
recolhendo disse contra muitos,
não
me leixastes crêr ao conde D. Duarte, por ventura se o fizera
esta vinda se empregara melhor, e então se
tornou logo a Alcacere, e d'ahi para Ceuta, e com elle o Infante seu
irmão.
CAPITULO CL
De como o Infante D. Fernando sem
El-Rei entrou d'Alcacere e
correu a terra aos mouros
E porque veiu nova que o conde de Vianna e o conde de
Guimarães queriam fazer d'Alcacere uma entrada em terra de
mouros, quiz o Infante ser n'ella, e pediu licença a El-Rei,
que para
[28]
isso e para
repartir e affrouxar o apousentamento em Ceuta lh'a deu, e a El-Rei foi
commettido que fosse
em pessoa, mas elle por algumas justas causas que apontou o
não houve por bem, e estimou por mais sua honra e
serviço, antes em seu nome ir um seu
capitão tão poderoso, e tal pessoa como era o
Infante.
E aos quatro dias do mez de Dezembro o Infante partiu d'Alcacere com
todolos senhores da hoste, salvo o duque e o conde de Villa Real, que
ficaram em Ceuta, e foi correr umas aldêas, que
são na
faldra da serra de Benaminir, terra muito fragosa e muito povorada,
onde segundo fama vive a melhor gente de peleja d'aquella frontaria, de
que mataram até duzentos mouros, e trouxeram captivos
duzentas e vinte almas com muito gado e outro grande despojo, e se
tornou a Alcacere, e dos christãos por máo
resguardo morreram até quinze.
Quiz o Infante haver, e houve para si o quinto d'esta cavalgada, com
muito aggravo do conde de Vianna, e não sem algum prasmo e
geral reprensão do mesmo Infante, que por seu alto sangue e
real condição, saindo d'Alcacere devia em caso
que lhe
pertencera fazer d'elle mercê ao dito conde, quanto mais que
os quintos da villa de direito e por
doação pertenciam ao dito conde, a quem El-Rei o
compoz e satisfez depois com dinheiro de sua fazenda.
[29]
CAPITULO CLI
De como o Senhor D. Pedro, filho do
Infante D. Pedro, se foi
de Ceuta para Barcellona, e se intitulou Rei d'Aragão
E porque n'este tempo e da cidade de Ceuta se foi para Barcellona o
Senhor D. Pedro, filho maior do Infante D. Pedro, que na mesma cidade
acabou intitulado Rei d'Aragão, o fundamento e causa que
para isso houve foi n'esta maneira.
Por morte d'El-Rei D. Affonso, Rei d'Aragão e de Napoles,
não ficou filho algum legitimo que o herdasse, e
sómente lhe ficou um filho bastardo, D. Fernando, que depois
da morte d'El-Rei seu padre, por favores e grandes riquezas que lhe
leixou, herdou e teve o reino de Napoles; era irmão d'El-Rei
D. Affonso, D. João Rei de Navarra, que herdara este reino
por razão da filha d'El-Rei D. Carlos com que casou, de que
houve uma filha, que foi casada com El-Rei D. Anrique de Castella, de
que não devidamente se quitou, quando casou com a Rainda D.
Joanna de Portugal, como atraz fica, e houve tambem um filho que se
chamou o Principe D. Carlos, e sendo ainda Rei da Navarra viuvou, e por
haver liança para suas contendas, que em Castella e
Aragão tinha, casou com uma filha do almirante de Castella,
de que tendo já filhos sobcedeu por morte do dito Rei D.
Affonso seu irmão os reinos d'Aragão e de
Cicilia, e o Principe D. Carlos seu filho, dizem que por mau trato da
madrasta, lhe pediu que lhe leixasse o reino de Navarra para o reger,
pois a elle
in
solidum por contracto pertencia, e porque o pae
não disistia d'elle andavam ambos em grandes desvairos,
até que o
[30]
dito Principe falleceu, a tempo que seu casamento era concordado com a
Infante D. Catarina de Portugal, como atraz fica, e de sua morte que
foi julgada por artificial, se deu muita culpa e causa á
Rainha sua madrasta, poendo-lhe que o mandara sem tempo matar, por tal
que os reinos de seu marido livremente ficassem, como ficaram a D.
Fernando filho d'ella, que depois foi Rei de Castella e
d'Aragão, de que os povos foram mui tristes e anojados;
porque D. Carlos era Principe de muitas virtudes, e lhes dava
esperança de ser bom Rei, pelo qual a cidade de Barcellona,
com todo o principado de Catelonha alevantaram a obdiencia a El-Rei D.
João, e a deram a El-Rei de França, que os
deffendeu um tempo, até que se concertou com El-Rei D.
João, que pelo não
guerrear lhe leixou o condado de Roselhão pacifico, em que
entrou Perpinhão, e anojados d'isso os de
Barcelona tomaram por Senhor El-Rei D.
Anrique de Castella, que com perda d'Aragão tambem todos se
concertaram.
E El-Rei D. Anrique mandou sair de Barcelona a gente d'armas, que em
sua defesa tinha, e sobre esta concordia dos Reis foram as grandes e
famosas vistas de Fonte Rabia, a que Lopo d'Almeida e o doutor
João Fernandez da Silveira, que depois foi barão
d'Alvito, foram em favor d'El-Rei D. Anrique enviados por El-Rei D.
Affonso.
E porém os regedores de Barcellona buscando já
por caminhos desesperados alguma esperança de sua
salvação, trataram secretamente com o dito Senhor
D. Pedro, que como só e principal herdeiro que era da casa
d'Urgel, e assi a quem pertenciam de direito os reinos
d'Aragão quizesse intitular-se d'elles, e assi receber logo
em seu senhorio e poder o principado de Catelonha com a cidade de
Barcellona com cujo poder
[31]
e forças, se o
coração e saber lhe
não fallecesse, cobraria o mais que El Rei D.
João tiranamente possuia. Sobre o qual D. Pedro, em segredo
se aconselhou logo com seu confessor, que quanto a Deus e ao mundo lhe
fallou e aconselhou o que devia. E assi fallou sobre o caso com alguns
fidalgos e cavalleiros prudentes de que se fiava, de que foi
aconselhado, pospostos muitos pejos que D. Pedro apontou, que
não
sómente devia desejar e d'aceitar cousa tamanha e
tão honrada que assi livremente lh'offereciam, mas ainda que
a devia trabalhar e requerer, e com ella antes morrer, que viver nos
desfavores e desprezos e mingoas em que vivia. Com as quaes cousas
movido o dito D. Pedro, determinou aceitar a dita empresa, e por seus
assinados e sellos assi o certificou e segurou á dita
cidade.
E este negocio sempre andou secreto até esta ida d'El-Rei a
Ceuta, onde sobre concerto vieram armadas duas gallés de
Barcellona, com mostrança que
vinham a seu trafego d'armada.
D. Pedro fôra com o Infante na dita entrada que disse, e
quando tornou a Ceuta achou hi as galés, de cujos
patrões e regedores que n'ellas vinham, foi de sua
tenção certificado, que era logo o levarem, e
depois de D. Pedro pedir a El-Rei, que perante o Infante seu
irmão, e o conde de Villa Real, e Paio Rodriguez, Contador
Mór de Lisboa o quizesse ouvir, elle com palavras de muita
obediencia e autoridade disse a El-Rei todo o movimento passado, e que
a este fim eram vindas aquellas galés, pedindo-lhe para isso
licença, allegando-lhe muitas razões porque o
devia fazer, ao menos por fazer Rei um seu vassallo, que como sua
feitura o havia sempre de servir e lhe obedecer.
E leixadas muitas alterações que sobre isso
houveram, El-Rei por então não se pôde
escusar, e
lhe outorgou
[32]
a dita
licença; e porque o conde de Villa Real tinha grande
afeição pela muita honra
mercê, que o Infante D. Pedro em regendo sempre lhe fizera,
offereceu e deu logo ao dito Senhor D. Pedro, prata e bons
corregimentos de casa, e depois lhe enviou cavallos e gente d'armas, o
que outro algum do reino não fez. E porém
começou El-Rei de
dilatar a D. Pedro o tempo da dita licença, com fundamento
de se querer ainda d'elle servir n'aquella vinda a que viera de gentes
e armas mui bem corregido, de que D. Pedro tomava grande
paixão, especialmente porque El-Rei aparelhava
vêr-se com El-Rei D. Anrique, de que receava que sua ida em
Aragão sendo revellada receberia total embargo, e com elle
manifesta queda de tamanha honra como parecia que se lhe aparelhava.
E uma noite querendo D. Pedro fallar a El-Rei sobre sua partida,
presumindo El-Rei a causa porque seria, se escusou de o ouvir
remettendo-o para o outro dia; pelo qual D. Pedro logo aquella noite,
porque os patrões já mais não queriam
esperar, se metteu nas galés e se foi com elles, e a El-Rei
leixou por escripto a causa porque assi se partira, e a leal
tenção que levava para sempre o servir. Mas
n'esta prosperidade D. Pedro durou pouco; porque em breve acabou com
peçonha sua vida dentro em Barcelona, onde na Igreja maior
jaz sepultado.
[33]
CAPITULO CLII
De como o escallamento de Tangere se
commetteu a
segunda vez pelo Infante D. Fernando sem consentimento d'El-Rei
Estando El-Rei em
Ceuta, algumas vezes commetteu entrar e ir sobre
Arzilla, com desejo e apparelhos de a tomar, e tantas contrariedades
recebeu para isso dos grandes invernos que logo sobrevinham, que nunca
seu desejo com seus commettimentos poderam vir a algum
effeito, e da derradeira vez d'Alcacere se tornou El-Rei para
Ceuta, havendo que o
escallamento de Tangere era a elle desesperado; porque cria
que aos
mouros era já descoberto, assi por christãos que
captivaram, como por mouros que fugiam, que todos lh'o diriam,
em
especial pela gente sua que viram quando a primeira vez sobre a cidade
foi amanhecer.
E porém em se partindo disse ao Infante seu irmão
que por conselho e accordo dos condes, que com elle eram, mandasse
tentar a dita entrada ou outra alguma, porque a cidade bem se podesse
filhar, e se tal fosse o avisasse; porque quando não viesse
com toda sua gente e poder, ao menos como cavalleiro, e com poucos,
folgaria ser no feito.
O Infante sobr'isto mandou algumas vezes tentar e experimentar o dito
escalamento, que se achou e examinou estar ainda sem alguma
innovação, e
para se fazer como cumpria, pelo qual determinou fazer-lo por si sem
El'Rei. Dizendo que do sentimento que algumas escutas dos mouros
haveriam de sua vinda, poderiam os de Tangere receber tal aviso, com
que o feito de todo se perdesse, e porém ante de sua
partida,
[34]
tendo conselho com
muitos e principaes homens que com elle estavam, Fernão
Tellez lhe disse que era presente:
«Senhor, n'esta determinação que
tomaes, e em que nos pedis conselho, ante de dizer meu voto, queria de
vós saber primeiro duas cousas, a primeira se houvestes
licença d'El-Rei para só fazerdes o feito, e a
segunda se tendes para elle gente que vos abaste».
E o conde d'Odemira vendo que aquelles eram pontos sustanciaes e que em
todo contradiziam á vontade e proposito do Infante, pelo
lisonjar para a commissão de Mertola, e da Commenda
Mór de
Santiago, que lhe então requeria e houve, respondeu logo a
Fernão Tellez com palavras assi irosas e asperas, em que o
Infante consentio, que no exemplo d'este aprenderam os outros o que no
caso diriam.
E porém o Infante, porque a pergunta de Fernão
Tellez ácerca da gente lhe pareceu boa e necessaria, quiz
saber de todos de que gente para o feito se perceberia. Em que houve
muitas sentenças, e com alguma o commettimento do infante
(por lhe não desprazerem) se desfazia, anichillando em todo
a resistencia e fraqueza dos mouros, salvo com a do conde de Viana que
disse:
«Senhor, eu não sei como estes senhores entendem
isto que vos conselham, não querendo para acabar este feito,
uns dizem vinte, e outros ao mais cento homens, pois eu Senhor
não sou mais sandeu, e certifico-vos que me pesaria ser dos
quinhentos que o commetessem para o bem acabar; porque quem bem
consirar que por força ha-de lançar
fóra de suas casas, e de tal cidade como é
Tangere, a cerca de tres mil homens de peleja que n'ella vivem, e lhe
haver de captivar suas mulheres e filhos, e roubar suas fazendas, em
cujo amor se criaram e vivem, a razão lhe
[35]
ensinará a gente que lhe
cumprirá para vencer
tantas forças, quanto mais que esta gente não
são alarves com cajados por armas, mas é bem
armada, feroz e ousada, e já se não
hão d'espantar das
mortes das mulheres e filhos; porque já muitas vezes as
viram e padeceram, por isso Senhor vêde bem primeiro o em que
vos meteis».
Mas o Infante pelo ardente desejo que para isso tinha, pospostas
todalas contradições, determinou de o fazer, de
que alguns tiveram que o Infante por seu mui nobre e alto
coração com que sempre suspirou por grandes e
arduas empresas, não se contentava fazer nenhuma cousa, por
boa e façanhosa que fosse, sendo debaixo de mando e
capitania d'outrem, ainda que fôra um grande Imperador.
E porém Diogo de Bairros, e João
Falcão tiveram maneira que logo El-Rei fosse em Ceuta, como
foi por elles de todo avisado, e de noite como El-Rei houve o aviso,
logo a grande pressa mandou diante o Chichorro com vinte ginetes, para
que o Infante sobresevesse em sua partida até sua chegada,
mas o Chichorro achou já o Infante partido, e El-Rei com
grão trigança partiu logo apóz elles
acerca de sol
posto com oito de cavallo e muita gente de pé, que de
cançada
ficou em
Alcacere. E assi apressou
seu caminho que ante manhã chegou aos medoõs que
são junto de Tangere.
E porque não topou com seu irmão, que
fôra por outro caminho e ficava atrás, houve por
sem duvida que elle era já dentro na cidade com o feito
prosperamente acabado, pela qual maginação elle e
todos davam muitas graças e louvores a Deus, e
porém estando assi com os ouvidos álerta,
esperando a grita e rumor da cidade, chegou a El-Rei o marechal, que o
Infante mandara correr a cidade, por dessimular o
[36]
escallamento a que com tempo devido
não podera chegar; porque como o Infante no caminho viu que
a noite lhe fallecia para n'ella chegar á cidade,
lançou-se a duas legoas em cillada, e por
dissimulação mandou correr com fundamento de ao
outro dia tornar commetter o feito. Mas El-Rei com
mostranças mais de tristeza que d'alegria se tornou a
Alcacere, mui cansado e todolos seus; porque sem descer nem repousar
andaram as maiores, nem mais fragosas quinze legoas que podem assignar,
e o Infante onde estava em cillada, como soube da vinda e
descontentamento d'El-Rei, partiu logo, e foi-se tambem a Alcacere
anojado do conde D. Duarte, de quem suspeitou que o aviso d'El-Rei
procedera. Mas o Infante não pôde escapar a uma
grave e aspera
reprensão que El-Rei seu irmão lhe fez pela
perigosa ousadia que sem sua licença e contra seu mandado
commettera.
CAPITULO CLIII
De como o escallamento de Tangere se
commetteu
finalmente a terceira vez pelo Infante D. Fernando, e do desastrado
sobcedimento que houve
Partiu-se El-Rei para
Ceuta, com fundamento de se vêr com
El-Rei de Castella, que era já em Gibaltar, e o Infante
ficou em Alcacere, onde pelo conde D. Sancho foi incitado para com tudo
não desistir do mesmo escallamento que
havia de todo por acabado, e que então a empresa d'elle lhe
vinha melhor e com mais sua honra, pois El-Rei ia já d'elle
de todo desconfiado, e que tivesse maneira que o conde D. Duarte
não fosse com elle; porque além de
[37]
não ser
necessario, segundo elle sabia entoar suas cousas, cresse que todo o
merecimento do feito quanto se bem fizesse havia de atribuir a si
mesmo.
E a tenção de tal conselho bem parece que de
inveja, ou d'alguma outra paixão ia propriamente guiada e
mais que da verdade, segundo a qual o conde D. Duarte fôra
para conselho e ajuda de tal feito mui necessario; porque pelo
acabamento de seus grandes feitos era havido e confirmado por mui
singular capitão.
Com este proposito o Infante se foi a Ceuta e para o escallamento, se
se podesse fazer, pediu licença a El-Rei, que lh'a deu,
dizendo-lhe que segundo a fortuna n'este caso se mostrara a elle
tão contraira o havia de todo por perdido, e
porém o leixava nas mãos de
Deus e nas suas, e visse se por alguma maneira podia tomar o lugar;
porque posto que lhe prouvesse muito acertar-se no feito;
porém muito mais lhe pesaria perder-se, se sem elle se
podesse cobrar, e com isto se tornou o Infante a Alcacere, sem o querer
revelar em Ceuta, receando não se poder escusar do conde D.
Duarte e d'outros senhores, que o haviam para isso de requerer. E
depois de tornar e mandar firmar outras vezes a segurança do
escallamento, aos XIX dias de Janeiro de mil e quatrocentos e sessenta
e quatro partiu
d'Alcacere, e
mandou levar
quatro escadas, de que deu cargo áquellas pessoas em que
entendeu que havia saber e esforço para isso.
E na tristeza e pezo que todos levavam pelo caminho, logo para bem do
feito pareceu desaventurado pronostico, especialmente que sendo sobre o
cabeço, que dizem d'Almenar, pareceu no ceu á
vista de todos um espantoso cometa, que lançava de si muitos
raios de fogo em figura de dragão. Ali disse
então Gomez Freire, nobre fidalgo e de grande
coração:
[38]
«Oh! noite má,
para quem t'aparelhas»,
que ficou em proverbio muito tempo acostumado.
E assi chegaram os primeiros com grande luar junto com a cidade, onde
porque a lua de todo se pozesse, esperaram até tres horas
ante manhã. E
logo Diogo de Bairros, e João Falcão como
principaes movedores do feito, pediram e requereram a alguns do
conselho d'El-Rei e do Infante que hi eram, que juntamente fossem com
elles como testemunhas vêr como estava; porque se por algum
caso se perdesse ou desaviasse, elles ficassem por verdadeiros e livres
da culpa, e João de Sousa a que seu resguardo pareceu bem
acceitou sua companhia, antre os quaes foi dado aviso que as escadas
não se pozessem, salvo depois que a guarda dos mouros
descesse do castello para fundo.
E aqui é de saber que este lanço de muro porque o
escallamento era ordenado, cerra no castello da parte do
sertão em que ha cinco cubellos, em fim dos quaes seguindo
para fundo está uma torre que se chamava de Gillahare.
E porque do castello havia sahida para o muro por uma ponte
levadiça, acordaram os christãos,
que por quanto os mouros do castello sentindo a gente no muro poderiam
sahir pela ponte e impedir e damnificar os que subissem pelas escadas,
que a gente assi como subisse no muro, assi se mettesse logo entre a
dita ponte e as escadas, e uns resistissem aos mouros que do castello
quizessem sahir, e outros corressem pelo muro a fundo para tomarem
outra torre que está sobre um postigo, que se chama de
Gurer, com que se cobravam duas cousas para o feito mui necessarias e
seguras. A primeira para a gente poder de fóra entrar mui
livremente sem perigo nem contradição dos mouros,
e a segunda senhoreavam a
[39]
escada do muro para que a
salvo podiam descer e entrar para a cidade.
E os dois principaes escalladores e guiadores, foram primeiramente no
muro, e assi os outros que após elles haviam de seguir. E
acertou-se que a rolda dos mouros havendo já d'elles algum
sentimento estava lançada entre as ameas d'aquella parte,
para
differençar bem se eram os barbaros da serra, que
ás vezes com suas cargas e bestas se lançavam ao
pé
do muro, ou por ventura christãos, e tanto espaço
tomou para de sua duvida se certificar, que dos christãos
houveram sessenta lugar para subir, que por pontos d'honra em taes
tempos e casos mui prejudiciaes, não quizeram guardar o que
entre elles fôra concordado. Pelo qual João
Falcão vendo
começos de tanto desmando, disse a João de Sousa
que tomasse ou matasse um mouro guarda que tinha ante si. E
João de Sousa como fidalgo acordado e de bom
coração remetteu a elle, o qual da sombra da
morte que comsigo viu, acabou ser desenganado de sua duvida e
começou de se poer em defesa, e em João de Sousa
correndo a lança nas mãos para lhe dar, o mouro
em se retrahendo cahiu do muro contra a cidade dentro em um pomar,
d'onde começou logo dar grandes brados, senificando com
elles o damno dos christãos que se aparelhava, e os
christãos como
os ouviram sem mais outra consiração, crendo que
outra sua grita ao menos para desmaio dos contrairos aproveitaria
muito, logo a deram com altas vozes, e não sem grande
estrondo de trombetas que já eram em cima, a que os mouros
acordaram, e com muita trigança acudiram por saber a causa
de tamanho rumor, principalmente os que guardavam a torre do muro
porque os christãos haviam de passar. Os quaes assi como
viram os nossos estar no muro, assi se tornaram
[40]
e pozeram á porta da
torre, de que podiam bem defender aos christãos a passagem
do muro para o não poderem descer para a cidade; porque com
sós paos sem outras armas, aos que por elle passassem,
segundo era estreito podiam levemente lançar d'elle abaixo,
e assi o faziam, e os christãos não
podendo já passar não leixavam por isso de subir;
porque
o Infante era já ao pé do muro, que a uns por
amor,
e a outros com temor constrangia para isso, e assi como subiam
não podendo al fazer assi se mettiam por esses cubellos, e
outros descendo para fundo não podendo passar ficavam
amontoados, sem poderem aproveitar a si nem danar aos contrairos.
A cidade era já toda posta em armas e grande
alvoroço, e como o alcaide que se chamava Abrahem Benaamet
foi por si certificado que nas outras partes da
cidade não havia
outro commetimento nem affronta
que muito receou, salvo n'aquella, mandou logo ali vir grande claridade
de fogo, e com besteiros e espingardeiros, que em grande numero mandou
metter no pomar que era defronte d'onde os christãos
estavam, matavam e feriam muitos, e muitos em se
revolvendo cahiam do muro entre elles, que claramente eram
logo espedaçados, e com gente que se enadeu no castello, que
sahiu pela ponte levadiça, tomaram as escadas postas no
muro, ainda que não foi sem grande peleja que sobr'isso
houve, e foi de maneira que do castello e de todalas partes, os mouros
sem algum seu perigo faziam um piadoso estrago nos
christãos, porque sendo as escallas tomadas
não tinham algum remedio de salvação.
O que todo bem visto por João de Sousa, disse ao Infante de
cima do muro, que não mandasse subir mais gente; porque o
feito com a gente subida eram de todo perdidos, e o Infante sobre
esperança de tanta alegria, ouvindo recado
[41]
tão certo e
tão triste, não
menos anojado que esforçado arremetteu a uma escada de
troços que mandara armar, e quizera por ella subir dizendo
que o que fosse de tão bons criados e servidores como
já dentro eram, seria d'elle até com elles
morrer. Mas era hi o conde d'Odemira, e o commendador mór de
Christus com outros, que com palavras prudentes e de bom
esforço o detiveram, dizendo-lhe que aquella gente por boa e
nobre que fosse, em caso que Portugal a perdesse, bem
poderia cobrar outra tal e melhor; mas não a elle que era
tal e tamanho Principe, que o reino teria d'elle para sempre muita
mingua e grande necessidade, e que não desse causa que
Tangere fosse tantas vezes sepultura de Infantes de Portugal, e com
estas e outras razões de conforto a estas conformes a que o
Infante obedeceu, vendo já o feito sem algum remedio, se
tornou para Alcacere.
E dos christãos entre mortos e captivos ficaram trezentos,
todos os mais homens escolhidos e especiaes, duzentos mortos e cento
captivos, e dos mortos foram principaes, D. Gonçalo
Coutinho, conde de Marialva, e D. Rodrigo seu filho bastardo, e Gomes
Freire d'Andrade, e D. Jorge de Crasto, filho de D. Alvaro, que depois
foi conde de Monsanto, e D. João de Eça, e
João de Taide, e Pedro Coelho, e Rui
Diaz Lobo, e Pero de Sousa seu irmão, Fernão de
Macedo, e Pedro de Macedo seu irmão, e Alvaro de
Sá, e
Fernão Vaz Côrte Real, Rui Paes, e Pero Paes,
filhos de Payo Rodriguez, Contador Môr, e assi outros muitos
e bons cavalleiros e homens de nobre sangue e bom
coração.
E dos captivos principaes, que aos cubellos se recolheram e preitejaram
com os mouros, foi D. Fernando Coutinho, marechal, Fernão
Tellez, Ruy Lopez Coutinho, João Falcão, e Diogo
da Silva, que depois foi
[42]
conde de Portalegre, Garcia de Mello, D. Alvaro de Lima, filho do
visconde D. Lionel de Lima; e outros muitos até o dito
numero, em cujos grandes resgates além das mortes de tanta e
tão nobre gente, o
reino recebeu uma durosa magua e grandissima perda, a qual testemunhou
bem com os grandes prantos e geraes lamentações
que em todo elle por este caso se
fizeram, e na gloria da victoria que os mouros tinham, praticando e
examinando se entre os christãos mortos ou captivos seria hi
o conde D. Duarte, respondeu um velho e entre elles de grande
auctoridade:
«não busqueis hi o conde D. Duarte; porque na
grande desordenança
dos christãos vi eu bem que não andava
hi».
CAPITULO CLIV
Como El-Rei foi d'este triste caso
avisado em Ceuta, o dia
que tinha concertadas vistas em Gibaltar com El-Rei de Castella, a que
todavia foi, e o fundamento das ditas vistas
Um Antão
Vaz, alfaqueque, era n'este desastrado caso, e como
viu o triste sobcedimento d'elle, logo a grande pressa o veiu notificar
á condessa de Viana, que era em Alcacere, a qual logo com
grande trigança por mar e por terra o fez saber a El-Rei,
cujos avisos, por impedimentos que no caminho houveram, precedeu um
outro, que o Infante em chegando a Alcacere logo lhe enviou por um seu
escudeiro, que chegou a El-Rei ante manhã, na hora que
estava de caminho para Gibaltar, onde por meio do conde de Ledesma
tinha vistas concertadas com El-Rei D. Anrique de Castella que o
já esperava.
[43]
E El-Rei não quiz desfazer sua ida, e porém
despachou o conde de Viana, que logo tornou ao Infante seu
irmão ao confortar e desapassionar do caso passado, que o
cumpriu com muita prudencia e despejo, e de que o Infante mostrou
receber algum descanço e menos dôr.
El-Rei em partindo avisou o escudeiro, que até
não ser no mar não dissese nada do caso, por
não
commover a choro e tristeza os senhores que em sua companhia tinha
ordenados, que eram o conde de
Guimarães,
e D. João seu
irmão, o conde de Monsanto, o conde da Atouguia, o Prior do
Crato, e muitos outros do conselho, e gentis homens fidalgos de sua
casa, com os quaes El-Rei passou a Gibaltar, onde El-Rei de Portugal e
El-Rei de Castella tiveram suas praticas e concordias, cuja sustancia
foi requerer El-Rei D. Anrique liança a El Rei D. Affonso,
para contra os grandes de Castella, que com desleal alevantamento
d'El-Rei D. Affonso o moço seu meio irmão lhe
queriam desobedecer, e que para ter mais razão de o ajudar,
queria que a Infante D. Isabel sua irmã casasse com El-Rei
D. Affonso; e D. Joanna que então era havida por sua filha,
e jurada por Princeza de Castella, casasse com D. João
Principe de Portugal. E sobr'isto fizeram acordos promettidos e jurados
nas mãos de D. Jorge, Bispo d'Evora, que depois foi
Arcebispo de Lisboa e Cardeal. Os quaes principalmente pela grande
inconstancia do dito Rei D. Anrique, e por impedimentos e
contradições outras que se seguiram
não houveram effeito.
E não sómente sobre estes casos os ditos Reis
fizeram esta vez estas vistas; mas depois outras com muitas embaixadas,
e porque d'ellas nunca resultou conclusão que entre elles se
executasse nem cumprisse, não farei agora d'ellas nem depois
muita
menção.
[44]
CAPITULO CLV
De
como El-Rei em pessoa correu o campo
d'Arzilla
Tornou-se El-Rei a
Ceuta, onde foi aconselhado que por quanto a boa
fortuna n'esta jornada d'Africa então lhe não
terçava
á sua vontade, consirada isso mesmo a perda da gente com
outros inconvenientes assaz efficazes, que sem mais fazer nem commetter
outra cousa se devia de tornar ao reino, e dar a seus vassallos algum
pão de paz e descanso. E
porém El-Rei sem embargo de todo determinou correr primeiro
o campo d'Arzila, e vê-la, com desejo de a tomar, o que logo
pôs em obra; porque partiu logo para Alcacere, e de hi com o
Infante passou a serra pelo porto d'Alfeixe, e em amanhecendo deram em
umas aldeias, que com o aviso e mêdo da ida d'El-Rei eram
já despovoradas, e porém correram legoa e meia
por outras partes, e n'aquellas principalmente que o Infante D.
Fernando barrejou mataram alguns mouros e captivaram muitos, e
arrancaram muito gado e outro despojo, com que já de noite
passaram o rio de Tagadarte, e junto com elle da banda d'Alcacere se
alojaram aquella noite. Na qual sobrevieram tantas chuvas, e
tão aspera tempestade com que a ribeira encheu de maneira,
que se a não tiveram passada e ficando alem d'ella, se
dispunham a mui certo perigo; porque a infinda gente dos mouros que
logo cresceu deu d'isso ao diante claro testemunho.
E por esta causa não pôde El-Rei vêr
Arzilla, de que recebeu então gram desprazer, e muito mais
depois que soube que os mouros da villa indo elle sobre ella tinham
determinado dar-lh'a, e virem ao caminho entregar-lhe as chaves, e
tornou-se a Ceuta onde os
[45]
cavallos e a gente por mau trato, e
por aspereza dos tempos lhe falleciam. E por isso logo
começou de declarar sua vinda e despedir a gente; e
porém El-Rei não era satifeito; porque em todo
o tempo d'esta passagem se não vira em alguma travada peleja
de mouros, como elle desejava.
CAPITULO CLVI
De como El-Rei D. Affonso foi correr a
serra de
Benafocú, e como foi em grande perigo, e como mataram os
mouros o conde D. Duarte, e a Diogo da Silveira, escrivão da
poridade
Estando El-Rei com
este descontentamento, que de seu animo grande e
esforçado procedia, vieram por caso
a Ceuta quatro mouros, que o metteram em grande
alvoroço de grande cavalgada e boa
escaramuça, que lhe
dariam na serra de Benacofú, onde havia
a mais guerreira gente d'Africa. E El-Rei com um natural desejo que
para isso tinha, e com outra sêde já de
vingança, fallou
com Lourenço de Caceres, adail, que foi
vêr, e lhe disse o
caminho que para aquelle podia levar.
Era em Ceuta o conde D. Duarte, e como quer que alli viera aforrado sem
cavallos, armas, nem gente para sómente despachar com elles
seus negocios, El-Rei mandou que fosse com elle, ao que obedeceu, e
porém com carregume e tristeza de sua morte, que a alma lhe
adivinhava, e logo publicamente o disse, que aquelle dia seria sua fim,
especialmente porque um Frei Luiz, D. Abbade do Mosteiro da Cerzeda,
homem estrangeiro, e de juizos d'astrologo mui certo lhe disse que
havia de morrer sob alheia capitania.
[46]
Partiu El-Rei com oitocentos de cavallo, e pouca gente de
pé, e foi-se alojar junto com o castello
d'Almunhacar, onde repousou o outro dia quasi todo, e o Infante D.
Fernando seu irmão era já partido para
Portugal, e porém com El-Rei eram capitães e
pessoas principaes o duque de Bragança, o conde de
Guimarães, e D. Affonso que depois foi conde de Faram, seus
filhos, e o conde de Villa Real, D. Affonso de Vasconcellos, que foi
depois conde de Penella, e o conde de Monsanto, e o conde de Vianna, e
D. Anrique seu filho, e outros muitos fidalgos e cavalleiros e nobres
homens com que partiu e entrou de noite na serra, que em todo para os
de pé era mui aspera e fragosa, quanto mais para cavallos
tão trabalhados,
e como foi manhã repartiram-se as gentes em capitanias, e
á ventura começaram de correr a terra, e os
mouros que por almenaras eram já d'esta entrada avisados,
uns embrenhavam suas mulheres e filhos nas mattas e serras que ali ha
mui fortes e com grande espessura, e outros com muita braveza e
esforço vinham travar escaramuças e pelejas, que
por uns e por outros houve em muitas partes mui bem pelejadas, em que
dos mouros entre mortos e feridos houve gram numero, e não
sem muito dano dos christãos, de que muitos em offender
mouros e defender e salvar christãos fizeram feitos mui
assignados.
El-Rei andou pelo espigão da serra; porque a encavalgou por
um de dois espinhaços que ella faz, e sahiu por outro, e foi
ter a uma grande aldeia cabeceira das outras, onde comeu e repousou um
pouco. E então mandou a Lopo d'Almeida e ao adail, que com a
gente necessaria levassem a cavalgada ao pé da serra onde o
esperassem, e d'ali abalou El Rei com mais vagar do que o tempo e a
terra requeriam, e de um cabeço em que se pôs,
mandou aos espingardeiros
[47]
e besteiros e gente de pé, que por mór
despejo se fossem diante caminho de Tutuam, onde aquella noite havia de
repousar, e depois de passado um grande espaço ainda com
passos vagarosos seguiu sua viagem, e após elle sem muito
alvoroço vinham
alguns mouros de cavallo, e sobresendo El-Rei disse:
«Parece-me que estes mouros na maneira em que vem mais
quererão paz que peleja», com os quaes esteve
á falla, querendo d'elles saber se queriam ser seus como os
outros, a que os mouros pediram horas d'acordo e consulta com outros
seus visinhos, que em grande somma eram postos em um cabeço
que El-Rei já
leixara; e porque a resposta tardava El-Rei abalou, e com seu
estandarte diante sobiu com os de cavallo a um cerro alto e de pedras e
barrocas mui fragoso; era na reguarda d'elle o conde de Villa Real e
bem detraz, e o conde de Guimarães pediu a El-Rei que por
quanto o conde seu cunhado ficava em grande perigo o mandasse com
espingardeiros e besteiros soccorrer, para que já se
não acharam, e El-Rei lhe mandou dizer que logo sem mais
esperar se recolhesse a elle; mas o conde como era esforçado
e singular
capitão, e nas manhas dos mouros assaz avisado, mandou dizer
a El-Rei que lhe despejasse o porto e se fosse embora; porque elle por
seu serviço se recolheria com sua honra e com dano dos
mouros.
E certamente como quer que o conde de Villa Real por sua bondade
d'armas outras vezes mereceu e ganhou grande honra e muito louvor,
n'este dia em especial o acrescentou muito mais; porque
álém de
se recolher como cumpria a um singular capitão, indo como
ardido cavalleiro, os imigos nas voltas e esperadas que n'elles muitas
vezes fez receberam muitas mortes e damnos.
Estando El-Rei n'aquelle teso, a sua gente cada vez
[48]
lhe mingoava mais, e a dos mouros
crescia contra elle em maior avantagem, e em vozes altas e iradas
disseram contra os christãos:
«Dizei a vosso Rei que não queremos com elle paz
se não crua guerra, e que saiba por estas barbas e
cabeças que tocamos, que hoje é o dia da nossa
vingança»
E em se El-Rei decendo da serra carregaram os mouros logo sobr'elle, e
das ilhargas feriam mui mal os cavallos, a que El-Rei com quatrocentos
de cavallo que com elle seriam, fez com muita destreza tres voltas
curtas, em que além d'outros feriu e matou per si um mouro
com muito despejo e ardideza, e porque o perigo sobre El-Rei recrecia
cada vez maior, alguma gente sua esquecida da lealdade e defendimento
que lhe deviam, lembrando-se mais de sua propria
salvação começavam de o desamparar, e
náo aproveitavam brados nem vozes, por bem que se n'elles
altamente afiasse a desleal vergonha com que em tal tempo leixavam seu
Rei com sua bandeira.
E vendo-se já El-Rei mui afrontado, sendo estreitamente
aconselhado que ao menos das serras se salvasse para o campo, chamou o
conde D. Duarte e disse-lhe:
«Conde, ficai com estes mouros, porque lhe conheceis melhor
as manhas, e acaudellai esta minha gente.»
E o conde lhe respondeu:
«Senhor, eu não quizera que em tal tempo me dereis
este cuidado, especialmente porque não tenho aqui minha
gente que me conhece, cá pois estes que são
presentes e vossos, não obedecem a vosso mandado, menos
cumprirão o meu, porém pois que o assi
haveis por vosso serviço, hei por muito bem empregado a mi
mesmo em qualquer trabalho e perigo que me acontecer, até
morte.»
E o conde não era em suas palavras enganado,
[49]
por que como El-Rei moveu, assi o
fizeram todos após elle, sem o conde poder aproveitar em
nada, antes seu cavallo logo lhe foi morto, e elle ferido, sobre que
acudiu o conde de Monsanto seu cunhado, trabalhando de o poer em outro
cavallo, em que se acertaram os loros tão
compridos, que o conde
com a perna direita nunca pôde vingar a sella, antes com a
espora feriu o cavallo nas ancas, que aos couces o
lançou logo no chão.
O conde D. Duarte não vendo já
esperança de sua vida, pediu ao conde de Monsanto que
salvasse a sua e o leixasse. E porém os mouros
carregaram sobre elle e leixaram alli seu corpo sem vida, e
não
sem primeiro sentirem muita vingança de sua morte, sendo
já primeiro junto com elle morto um Nuno Martins de
Villa-Lobos seu criado, que como bom recebeu aquella morte por lhe
querer soccorrer com seu cavallo de que se deceu.
E El-Rei com assaz afronta se recolheu por uma lomba a fundo, onde seu
estandarte nas mãos de Duarte d'Almeida, alferes, foi dos
mouros muitas vezes abatido, e fôra tomado se o
esforçado acordo
do alferes e valentia de Ruy de Sousa o não salvaram.
Foram alli mortos Diogo da Silveira, escrivão da poridade, e
Fernão de Sousa, alcaide de
Guimarães, e Luis Mendes de Vasconcellos, e Pero
Gonçalves, secretairo, e outros que acabaram como bons e
leaes cavalleiros.
Deceu El-Rei ao pé do monte ainda dos mouros
bem perseguido, e quizera
fazer sobr'elles uma volta, para com elles em pelleja esprementar sua
fortuna, mas por força de nobres homens que hi eram, vendo a
disposição de tamanho perigo, o tiraram e
passaram além de um rio, onde chegou a elle o conde
[50]
de Villa Real que sempre
ficara de tras, que seu braço e acordo escusou muito dano a
El-Rei, que em publico lhe disse: «Conde a fé
ficou hoje toda
em vós», e de hi contra vontade de muitos, El-Rei
se
foi aquella noite alojar a Tutuam, e ao outro dia partiu para Ceuta. E
no caminho fez vir ante si D. Anrique de Menezes, filho do conde D.
Duarte, e o confortou com louvores da honrada morte de seu pae, e com
esperança de grande acrecentamento, que por seus
serviços e merecimentos lhe faria como fez, porque alli o
fez conde, e lhe deu todalas mercês que seu pae tinha.
Verdade é que lhe tirou Vianna de Caminha, e lhe deu depois
Vallença com o titulo de conde d'ella, e depois o de
Loulé.
CAPITULO CLVII
De como El-Rei se veiu a Portugal e foi
em romaria, a
Guadalupe, e se viu com El-Rei D. Anrique e com a Rainha, sua mulher
Tanto que El-Rei
despachou suas cousas em Ceuta, se partiu logo para o
reino, e veiu desembarcar a Tavilla, e de hi foi ter a Evora a Pascoa
d'este anno de mil e quatrocentos e sessenta e quatro. Passada a qual
se foi a Elvas, e d'hi com alguns senhores e fidalgos escolhidos,
secretamente se foi em romaria a Santa Maria de Guadalupe. E de hi para
concerto já praticado se foi ao lugar da ponte do Arcebispo,
onde se viu com El-Rei D. Anrique, e com a Rainha D. Joana sua
irmã. E alli tiveram as mesmas praticas e acordos de
Gibaltar sobre casamentos e lianças, que em fim
não houveram effeito,
[51]
porque a Infante D. Isabel de Castella,
contra vontade d'El-Rei D. Anrique, e por meio do Arcebispo de Tolledo
casou logo com D. Fernando, Principe d'Aragão e de Cicilia,
que depois reinaram pacificamente em Castella, e o Principe de Portugal
casou com a Senhora D. Lianor sua prima com irmã, filha
maior do Infante D. Fernando, que depois foi Rainha de Portugal.
N'este anno de mil e quatrocentos sessenta e quatro, no mez d'Agosto,
falleceu o Papa Pio, e sobcedeu após elle o Papa Paulo
segundo.
CAPITULO CLVIII
De como houve em Castella grande
devisão,
sobre que houve vistas na cidade da Guarda com a Rainha irmã
d'El-Rei
E no anno seguinte de
mil e quatrocentos e sessenta e cinco houve em
Castella entre El-Rei D. Anrique e os senhores do reino grande
differença; porque alguns por vicios e erros que lhe punham,
lhe alevantaram a obediencia e a deram ao Infante D. Affonso, que em
moço alevantaram por Rei, sobre a qual cousa a Rainha D.
Joana de Castella para pedir ajuda e socorro contra os revés
a El-Rei D. Anrique seu marido, e assi ainda sobre os ditos e
lianças veiu á cidade da Guarda em
Portugal. Onde El-Rei tambem veiu, e fez côrtes de todolos
grandes e povos de seus reinos, e todos a ellas vieram salvo o Infante
D. Fernando, que em vindo adoeceu na sua villa de Covilhã e
não
pôde estar n'ellas, nas quaes a Rainha em nome d'El-Rei e seu
requereu
[52]
a dita ajuda,
com fundamentos e causas que pareciam de honra, razão e
proveito, mas em fim conhecida a condição
variavel do dito Rei D. Anrique, e outras cousas mui perjudiciaes a
taes lianças, foi El-Rei aconselhado que em tal discordia e
empreza nem lianças se não antremettesse, da qual
cousa
com a mais honestidade que pôde se escusou. Como quer que nos
primeiros movimentos sua tenção foi
dar-lhe ajuda, para que antes d'estas côrtes fez alguns
percebimentos. E segundo o muito desejo que para isso tinha,
não fôra maravilha forçar as
prudentes vozes e acordos de seu conselho, se o dito Rei D. Anrique
fôra dos seus vassallos mais tempo desobedecido; mas falleceu
logo o dito Rei D. Affonso seu irmão e competidor, por cuja
morte todalas rebeliões e alvoroços cessaram em
Castella; porque os cavaleiros desobedientes não tendo
cabeça de seu alevantamento, volveram logo a obediencia
d'El-Rei D. Anrique.
CAPITULO CLIX
De como se concertou casamento entre o
Principe D.
João com a Senhora D. Lianor filha do Infante D. Fernando
E as cousas que nos annos seguintes de mil e
quatrocentos
sessenta e seis, sessenta e sete e sessenta e oito, n'estes reinos de
Portugal sobcederam, foi concerto que se fez do Principe D.
João, filho
d'El-Rei D. Affonso com a Senhora D. Lianor,
filha maior do Infante D.
Fernando; porque como quer que o dito Principe
muitas vezes
fôra d'El-Rei D. Anrique requerido para casar com a Senhora
D. Joana sua filha, Princeza que então se dizia
[53]
de Castella, e El-Rei D. Affonso era a
isso inclinado; porque no tempo d'este requerimento sobreveio o mau
sobcedimento do escallamento de Tangere, de que o Infante D. Fernando
ficou mui anojado e triste, e El-Rei D. Affonso seu irmão
pelo confortar e alegrar como era razão, e tambem porque a
dita Senhora D. Lianor sua filha por seu real sangue, muitas bondades,
e gram perfeição era dina de um grande Imperador,
prouve-lhe que o casamento do Principe seu filho se fizesse com ella. E
que emquanto ambos cumprissem a idade necessaria para contraer perfeito
matrimonio, se houvesse a despensação Apostolica
como se houve do Papa Paulo. E porém ao tempo que a dita
despensação veio, que foi no anno de
mil e quatrocentos e setenta, o Infante D. Fernando era fallecido como
se dirá.
CAPITULO CLX
De como o Infante D. Fernando passou
por si em Africa, e
tomou a cidade de Anafee
E no anno de sessenta e nove, o Infante D. Fernando como era de mui
nobre coração, de que nunca sahia um louvado
desejo d'acrecentar sua honra e estado, especialmente na guerra dos
mouros, que lhe já vinha por legitima
sobcessão, por licença e ajuda d'El-Rei seu
irmão, com
grande frota e muita e boa gente passou em Africa onde dizem as praias,
e sem muita resistencia tomou a cidade
d'Anafee,
que é na
costa do mar; porque os mouros vendo sobre si tamanha frota, com tanto
poder a que não podiam resistir, por salvarem suas vidas
desampararam a cidade, que foi logo entrada e roubada; e
[54]
porque era de grande cerca, cuja
defensão seria mui difficil, quizera o Infante manter com
fronteiros o castello, e finalmente depois de tudo bem consirado;
porque na frota não ia gente e mantimentos que podessem
leixar e soprir á deffensão da cidade, e
bastecimento de tamanhas paredes, acordaram de em muitas partes a
desportilhar e derribar, e tornar-se o Infante ao reino, e assi o fez.
O infante D. Fernando depois d'esta vinda d'Anafee adoeceu, e foi sua
doença algum tanto perlongada, durando a qual afirmou de
todo com El-Rei seu irmão o casamento do Principe com sua
filha. E concertou outro da Senhora D. Isabel tambem sua filha ligitima
com o conde de Guimarães, que por maior ennobrecimento
d'este casamento, El-Rei o fez duque da mesma villa de
Guimarães, sendo ainda vivo o duque de Bragança
seu padre, por cuja morte sobcedeu o titulo de dois ducados.
CAPITULO CLXI
Do
fallecimento do Infante D. Fernando, e dos filhos que
d'elle ficaram
E no anno de mil e quatrocentos e setenta, a dezoito dias do mez de
Setembro, o dito Infante D. Fernando falleceu, e deu sua alma a Deos em
Setuvel, em idade de XXXVII
annos, sendo El-Rei seu irmão e a Infante sua mulher
presentes, por cuja morte fizeram claros
sinaes de grande
dôr e sentimento; foi seu corpo logo enterrado no mosteiro de
S. Francisco da observancia, que é junto
com a dita villa, e de hi foram depois seus ossos com muita honra, e
grande solemnidade, treladados ao mosteiro da
[55]
Conceição de
Beja, onde jazem em sua mui honrada sepultura, a qual a Senhora Infante
D. Briatiz sua mulher como Princesa em toda mui virtuosa, juntamente
com o dito mosteiro de novo fundou e edificou com grandes suas
despesas, e perpetuamente o dotou de muitas rendas e singulares
ornamentos.
Ficaram d'elle quatro filhos, e as duas filhas que já disse,
e dos filhos o maior houve nome D. João, a que El-Rei fez
duque de Vizeu e de Beja, e lhe deu a governança dos
Mestrados de Christus e Santiago, com todo o mais que o Infante seu
padre tinha, e logo em moço falleceu, a que em todo sobcedeu
o filho segundo, que havia nome D. Diogo, salvo o Mestrado de Santiago,
que por prazer e consentimento da dita Infante foi dado ao Principe, e
este duque houve a fim que a Chronica d'El-Rei D. João faz
menção, e o terceiro filho houve nome D. Duarte,
que o Principe recolheu para si, e criando-o em sua casa com muita
honra e grande amor como proprio filho, falleceu em moço, e
o quarto houve nome D. Manuel, que por morte do duque D. Diogo o
sobcedeu logo como se dirá. E depois por seus merecimentos e
boa ventura, por fallecimento de ligitimo herdeiro que d'El-Rei D.
João seu primo ficasse, subcedeo os reinos de Portugal, em
que viva muitos annos para os fazer como faz em
titulos
e senhorios maiores,
mais ricos e mais bem aventurados.
E tambem houve D. Simão, que em moço falleceu de
sua doença natural.
E a XXII dias de
Janeiro do anno
de mil e quatrocentos setenta e um, em Setuvel, depois de vir a
despensação de Roma, o Principe D.
João recebeu por mulher por palavras de presente a Senhora
Princesa D. Lianor, entrando o Principe em idade de
XV annos. E por a
morte do Infante ser ainda tão fresca,
não se
[56]
fizeram em
seu recebimento as festas e prazeres que em outro tempo fôra
razão.
CAPITULO CLXII
De como tendo El-Rei determinado passar
em Africa, convertia
a armada contra os inglezes pela tomada, das náos de
Portugal, e desistiu d'isso pela morte do conde Baroique, e se ordenou
a ida sobre Arzilla
E n'este anno e assi no passado determinou El-Rei de passar em Africa,
para que teve em pessoa, e assi mandou ter praticas e conselhos em
Lisboa nas casas do conde de Monsanto.
E o primeiro desejo e movimento d'El-Rei foi ir sobre Tangere. Mas
porque para cercar e combater tamanha cidade, por então
não se achou no reino o
soprimento que era necessario, desistiu El-Rei d'este proposito, e com
fundamentos de bom conquistador, e com evidentes razões que
lhe foram apontadas, de que se tambem ao diante não perdia a
esperança do
cobramento de Tangere, assentou ir sobre Arzilla, que logo por Vicente
Simões, homem nas cousas do mar bem esperto e entendido, e
por Pero d'Alcaçova seu escrivão da fazenda e de
que muito fiava, mandou muitas vezes espiar e vêr, assim no
que cumpria para o ancorar e desembarcar do mar como para o assento da
terra. Em que com fingidos negocios com que os mouros tratavam,
acabaram de ser certificados de todo o que para uma cousa e para a
outra era necessario, de que perfeitamente avisaram El-Rei, que logo
mandou fazer no reino e fóra d'elle os percebimentos de
navios, armas e mantimentos para trinta mil homens,
[57]
com que determinou passar, e estando
El-Rei já casi prestes, foi certificado que doze
náos grossas de seus reinos vindo em canal de Frandes foram
tomadas, e suas mercadorias roubadas por Facumbrix, cosairo,
capitão e sobrinho do conde Baroique, que a este tempo
governava o reino de Inglaterra.
E sobre os agravos e lamentações que os
mercadores e povo d'estes reinos acerca de seus damnos e perdas fizeram
a El-Rei, elle teve logo conselho com os principaes de sua
côrte. E assi o enviou pedir aos grandes e senhores do seu
reino, que lh'o enviaram por escripto. Dos quaes sustancialmente foi
pela mór parte aconselhado, que a armada d'Africa que era
voluntaria, e convertesse por muitas razões esta contra os
inglezes, que era obrigatoria e necessaria. E que fosse grossa e de
muito e boa gente, para que d'algum castigo d'estes nascesse receio
aos outros muitos, que a seus vassallos não fizessem no mar
os males e damnos que cada dia e sem emenda lhe faziam. Á
qual parte El-Rei mais inclinado, ordenou armar grossamente, e dava por
capitão d'armada D. João filho do duque, que
depois foi Condestabre e marquez de
Montemór-o-Novo, e com elle carracas e muitas
náos grossas, e outros navios pequenos em grande numero.
E estando tudo já quasi prestes, veiu certidão a
El-Rei estando em Lisboa, no mez de Junho, que o dito conde Baroique, e
o Rei porque governava Inglaterra, eram em batalha mortos por El-Rei
Duarte, que depois pacificamente reinou, pelo qual El-Rei foi logo
movido cessar da dita armada, que para emenda e vingança do
dito conde fazia, e a mudar no primeiro proposito de passar em Africa,
sobre que primeiro se fundara. E que a entrega das náos e
mercadorias de seus reinos remedeasse como remedeou, e procurou por
embaixadas, que com pessoas d'autoridade
[58]
a Inglaterra e a Borgonha muitas
vezes depois enviou. E assi mandou pelo reino suas cartas de
percebimentos, com aviso que os condes e senhores sómente
levassem cavallos.
CAPITULO CLXIII
De como El-Rei levou comsigo o Principe
seu filho, e como
embarcaram, e com que gente e frota
Determinou El-Rei a
requerimento do Principe seu filho, e contra
conselho dos mais principaes do reino de o levar n'esta passagem
comsigo, e leixou por inteiro governador, e com nome de governador do
reino o duque de Bragança, que escusando-se por sua velhice
de tal cargo, se convidava para ir com elle á guerra dos
mouros, porque seu
coração e devoção
não enfraquecia; porque a
ella foi sampre mui inclinado. E porque El-Rei era sabedor que entre
alguns grandes e pessoas principaes de seus reinos, que para sua
passagem eram percebidos, havia odios e dissensões, e outros
jaziam em publicas
excommunhões, El-Rei com a só pena que
pôs de os não
levar comsigo se não se concordassem e asolvessem, elles por
não ficarem se concordaram e satisfezeram e se
reconciliaram.
Encommendou El-Rei o cargo da gente d'entre Doiro e Minho, e da frota
do Porto ao duque de Guimarães, que se ajuntou com El-Rei em
Lisboa no começo do mez d'Agosto do anno do nascimento de
nosso Senhor Jesus Christo de mil e quatrocentos setenta e um, em que
El-Rei houvera de partir, e por ventos que não
terçavam de viagem, suspendeu sua partida
[59]
até dia da
Asumção de Nossa Senhora,
que é aos quinze dias do dito mez, em que depois de elle e o
Principe entrarem no mar com mui solemne procissão, e com
maravilhoso e grande triumpho, sobreveiu vento prospero e desejado, com
que partiu de Restello e chegou a Lagos, onde o já esperavam
os navios e gente do Algarve. E assi o conde de Valença que
viera d'Alcacere, com que sua real frota refez por todas numero de
quatrocentas e setenta e sete vellas, e até trinta mil
homens. E alli depois de ouvir missa, e para o caso uma devota
pregação, e revellar a
todos sua ida sobre Arzilla, foram elle e o Principe com uma devota
procissão e grande estrondo de trombetas e manistreis altos
e baixos, mettidos nos bateis, e de hi aos navios que logo fizeram
vella, que com vento bonançoso chegaram d'Avante
á dita villa
d'Arzilla, onde sua frota ancorou aos XX dias
do dito mez, já sobre tarde, os mouros da qual como de dia
houveram vista d'ella; porque da passagem d'El-Rei tinham já
muitos avisos, adivinhando com receio seu mal, se começaram
de prover como para tal necessidade e afronta cumpria.
CAPITULO CLXIV
De
como El-Rei tomou terra em
Arzilla
E no outro dia em amanhecendo, depois d'El-Rei ter conselho sobre sua
desembarcação e filhamento
da terra, mandou apparelhar e armar os bateis e caravellas pequenas, e
barcas de carreto para logo na melhor ordenança, e que mais
fosse possivel tomarem terra. E como quer que o porto era mui
[60]
perigoso; porque o mar
áquellas horas andava mui alevantado, e quebrava com muita
braveza em um arrecife de pedra que tem, com entradas más de
tomar, El-Rei todavia mandou com muito esforço e presteza
remar e tomar a terra, onde elle por maior esforço de todos
não quiz ser dos segundos, em
que se perdeu uma galé com outras caravellas e bateis, em
que no mar morreram até oito fidalgos, e da outra gente
até duzentos, em que eram alguns bons cavalleiros e
escudeiros.
E porém no primeiro bote sairam logo com El-Rei muita gente,
toda bem armada, sem alguma
contradição dos mouros em sua saida, e os outros
que na frota ficavam, com quanto viam ante os olhos sua clara
perdição, não receiavam por isso com
uma perfiosa bondade d'entrar nos bateis e caravellas, como se em um
rio manso entrassem, até que aos tres dias com a
segurança e maior resguardo que foi possivel acabaram de
sair em terra.
E no dia em que El-Rei sahio, logo pôs cerco á
villa em torno de mar, cerrando e defensando seu arrayal com alta cava;
porque o palanque que levava, pela braveza do mar não podera
logo sahir.
E das muitas e grossas bombardas que El-Rei levava, que com a tormenta
das náos se não podiam tirar, sairam
sómente duas pequenas, que em duas partes da villa foram
logo ensejadas. E começaram apressadamente de fazer seus
tiros, e assi os espingardeiros e besteiros não cessavam de
combater, e porém sem fundamento de ordenado combate; porque
o geral e da maior affronta em que se punha toda a esperança
da victoria, tinha El-Rei reservado para depois que todas suas
artilherias fossem assentadas. E porém as bombardas
desfizeram dois lanços do muro
até o meio, onde os mouros logo acudiram e repairaram
[61]
com muito
esforço e não sem algum dano
dos christãos, de que tambem com espingardas e
bestas os mouros
eram mui danificados.
CAPITULO CLXV
De como a villa foi entrada, e o
Principe
foi armado cavalleiro, e morreram o conde de Marialva, e o conde de
Monsanto e outros
E aos XXIV dias do dito mez, que
era dia de S. Bertolameu, pela manhã, D. Alvaro de Castro,
conde de Monsanto, a que a estancia e guarda do castello era
encomendada, enviou dizer a El-Rei que estava em sua tenda, que o
Alcaide da dita villa lhe queria ir falar sobre concerto, que era tal
que o devia aceitar. E ante de El-Rei dar final resposta, tendo vontade
de se concordar como aos mouros já escreveram e mandaram
requerer, vieram logo vozes emtoados por todos que a villa se entrava.
O que a vista propria d'El-Rei que a isso com muita trigança
sahiu, fez mui certo e verdadeiro; porque como o rumor correu que a
villa era entrada assi concorreu logo a gente do arraial aos muros, a
que com muitas escadas e engenhos que para isso eram ordenados, sem
alguma certa ordem de combate, logo com muita ardideza subiram e
entraram á dita villa por todalas partes.
E os mouros vendo-se entrados e perseguidos dos christãos,
pelejando bravamente uns se recolheram
á misquita, e outros, os mais honrados ao castello. E com os
da misquita ante de ser vencida, houve de uma parte e da outra mui crua
e sangoenta peleja. Em que dos christãos entre outros morreu
principal
[62]
e como ardido e
valente cavalleiro, D. João Coutinho, conde de Marialva, que
com seu braço acompanhou primeiro seu corpo d'outros corpos
vazios d'almas imigas, e não sem grande tristeza que El-Rei
e o Principe e toda a côrte por sua morte tomaram, e
não sem causa; porque era mancebo, e senhor de grande e
honrada casa, e em que se vivera pareciam já virtuosos
sinaes d'haver n'elle para o reino um singular homem para armas e
conselho.
E acabada a peleja da misquita, logo a gente recorreu ao castello, que
de todalas partes era mui forte e defensavel, cujo combate por
esforço d'El-Rei e do Principe, que eram presentes, foi com
tanta força e ardideza cometido, que logo antes de algumas
escadas serem postas, os christãos por lanças e
páos com muita desenvoltura sobiam ás torres e
muros, de que os debaixo com uma louvada inveja de tanta honra,
esquecidos de todo perigo cometiam seus corpos com armas pesadas a mui
fracas toucas de linho, porque os allavam e subiam acima, onde nos
muros e torres que dos christãos se entravam, e depois no
patim do castello houve tão mortal peleja, como parecia
claro nos muitos mortos e feridos que em todas partes jaziam.
Alli no castello álém d'outros nobres
christãos que com ferro morreram, foi morto D. Alvaro de
Castro, conde de Monsanto, camareiro-mór d'El-Rei, que sua
morte muito sentio; porque certo elle no campo e na côrte, na
paz e na guerra era por seu siso,
discrissão e esforço, homem mui principal. E em
fim assi foram os mouros da villa e do castello cometidos, que todos
ficaram mortos e captivos sem alguma excepção,
cujo numero segundo comum
orçamento seriam dos mortos até dois mil, e dos
captivos
até cinco mil. E foi achado e tomado na villa mui grande
[63]
e rico despojo, que
foi estimado a oitenta mil dobras d'ouro. Do qual todo El-Rei fez aos
tomadores escala franca, sem reservar para si quinto, nem outro direito
algum.
Acharam-se dentro cincoenta captivos christãos, a que a
santa victoria deu livre redenção. E
El-Rei e o Principe, assi no
entrar da villa,
como no soccorrer e prover das muitas pelejas e afronta dos combates,
não sómente por seu conselho e exforço
usaram de oficios, que pareciam e eram de aprovados
capitães; mas ainda por seus braços cometeram e
acabaram feitos como ardidos e valentes cavalleiros, sem algum
resguardo nem tento do que a suas pessoas e dinidades reaes se deviam,
e certamente era grande gloria vêr aquelle
dia na mão do Principe em idade de XVI
annos sua espada de
bravos golpes torcida, e de sangue de infieis em todo banhada, em cuja
vista a mór parte da alegria era d'El-Rei seu padre, que
n'aquella victoria e perigo o tomou por parceiro, vendo que em ajuda
tão necessaria, e perigo tão
conhecido não podera no mundo escolher melhor companheiro do
que gerara por filho.
E porém como El-Rei sentiu que o feito com desejado
vencimento era de todo acabado, foi logo á misquita dos
mouros, onde sobre o corpo do conde de Marialva achou já uma
cruz, a qual por começo do serviço e sacrificio,
que a Deus n'ella ao diante se havia de fazer, logo beijou e adorou, e
depois de fazer oração, logo junto com o corpo
morto do dito conde, armou per si o Principe seu filho por cavaleiro,
com palavras de grandes louvores, e muitas bondades e merecimentos do
mesmo conde. E sendo ambos d'armas victoriosas vestidos, El-Rei no cabo
de auto tão devoto e tão glorioso, disse ao
Principe, e não sem algumas lagrimas:
[64]
―«Filho, Deus vos faça tão bom
cavaleiro como este que aqui jaz.»
E porque o conde D. João não tinha filhos, e por
sua tão honrada casa, por fallecimento de legitima
sobcessão não ficar distinta ou minguada, El-Rei
em galardão de sua morte, e por sua vida e memoria para
sempre viva, fez conde de Marialva D. Francisco Coutinho seu
irmão, que este titulo e mercê aos Reis de
Portugal e seus reinos sempre bem servio e mereceo. E assi fez conde de
Monsanto a D. João de Castro, filho do dito conde D. Alvaro.
E edificou a dita misquita em casa de oração da
avocação de Nossa Senhora, Santa Maria da
Asumção; porque n'aquelle dia partio de Lisboa
para tomar a villa, e em tal dia partio El-Rei D. João seu
avô, quando
tomou a cidade de Ceuta, e em tal venceu a batalha real, e em tal dia
falleceu, e em tal dia nasceu.
CAPITULO CLXVI
De
como Mollexeque vinha socorrer Arzila, e fez pazes com
El-Rei D. Affonso
E n'esta villa foram tomadas e captivas duas mulheres e um filho de
Mollexeque, Senhor d'Arzila, gran senhor entre os mouros, que depois
foi Rei de Fez; e
porém a este tempo que El-Rei chegou sobre
Arzila, elle era em Fez
guerreando um Marim, que governava o Rei do dito reino, por cuja morte
ficou Rei. E sendo d'isso certificado, partiu logo a gram pressa assaz
poderoso, para soccorrer a villa se fosse possivel, e em Alcacer Quibir
foi certificado da expunação e entrada da villa,
e estrago e
[65]
captiveiro de suas
mulheres e filhos, e de todolos mouros d'ella, d'onde enviou a El-Rei
sua embaixada, cuja conclusão foi: Depois de ambos partirem
aquellas terras, segundo os antigos termos de suas cidades e villas
d'Africa, requeriam desejar com elle paz ou tregoa, que com seu temor e
grande necessidade lhe pedio, e para isso lhe desse
segurança para em pessoa lhe vir fazer reverencia, e com
elle se concertar, do que a El-Rei muito prouve, e sobre firmes
seguranças que lhe enviou, o dito Mollexeque veio com
trezentos de cavallo a tiro de bombarda da dita villa.
E porém elle com receios de cautellas e suspeitas de mouros,
com quanto El-Rei por dobrar na segurança lhe tornou a
enviar sua direita monopla d'armas, não quiz a suas vistas
chegar. E d'ali porém se concertaram, em que por contrato
escripto tomaram concordia, sobre os termos e logares que a um e a
outro ficariam, de que arrecadassem suas pareas e tributos. E
assentaram tregoa por vinte annos que El-Rei lhe deu, a qual
sómente nas terras chãs se
entendesse; porque sem quebramento d'ella a cada um ficava livre
faculdade para do outro poder tomar e conquistar seus logares cercados;
e d'ali se tornou Mollexeque.
E El-Rei como quer que d'outros senhores e grandes homens fosse para a
capitania e governança da dita villa requerido, fez
capitão d'ella juntamente com Alcacere, que já
aos mouros tinha tomado, a D. Anrique de Meneses, conde de
Valença, a quem publicamente disse muitas virtudes e
merecimentos para isso, que faziam todos por muita sua honra e louvor.
[66]
CAPITULO CLXVII
De como El-Rei foi certificado que os
mouros de
Tangere tinham leixado a cidade, e do que sobr'isso logo proveu, e de
como se foi a ella, e de hi para o reino
El-rei em provendo as
cousas da villa que cumpriam, com fundamento de
se volver para o reino, foi por dois mouros a gram pressa certificado
que os moradores da cidade de Tangere esquecidos da grande fortaleza
d'ella e de si mesmos, principalmente temendo que a mortindade e
estrago de Arzilla, de que por uma velha segundo se disse, foram
avisados, não viesse tambem sobre elles, a tinham
desamparada de todo. A qual leixaram vazia de suas pessoas e fazendas,
e cheia de muito fogo, que as casas e reliquias d'ella sem proveito dos
christãos se destruissem e queimassem.
E após a primeira nova d'esta tamanha e não crida
gloria, vieram logo outros que sem duvida o confirmaram, pelo qual
El-Rei com muita gente de pé, e com os de cavallo que foi
possivel, enviou logo á dita cidade D. João,
filho do duque, que depois foi marquez de Montemór, aos
XXVIII
dias d'Agosto, dia de Santo Agostinho, que segundo se affirma foi
já bispo d'ella. E ao outro dia o dito D. João
sem alguma
contradição entrou na cidade, em que achou certas
bombardas grossas, e muita outra artilharia e polvora, a que os mouros
por desacordo e cegueira, ou por causa de mais seu damno não
poseram o fogo, e o punham andando ás palhas e cousas
pequenas das casas. Da qual cousa logo avisou El-Rei, que alegre de
[67]
tão bem aventurado
sobcedimento, sem muito trespasso com o Principe, e com a nobre gente
de sua côrte, logo se foi á dita cidade, em que
entrou
já sem o ardente desejo de sua
destruição e
vingança, em que sempre vivia.
Foi-se logo á Mesquita que já era feita egreja,
onde deu muitas graças e louvores a Deos, e envestio de
Bispo da cidade o prior de S. Vicente de Fóra de Lisboa, que
sendo da regra e Ordem de Santo Agostinho, por
promoção e auctoridade apostolica era
já d'antes intitulado Bispo d'ella, na qual esteve El-Rei
XVII dias
não se
fartando de a vêr, dentro dos quaes proveo as cousas que para
boa governança d'ella cumpriam. E fez e leixou por
capitão e governador d'ella a Ruy de Mello seu Guarda
Mór, que depois foi conde d'Olivença, pessoa no
reino tão principal que o
tal carrego, e outro de mais honra e mór perigo e peso, por
muitas causas e razões mui bem merecia.
E assi ennovou e accrescentou El-Rei o titulo que tinha, e se intitulou
nova e primeiramente por esta maneira: D. Affonso por graça
de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, d'aquem e d'além mar
em Africa. E depois de fazer muitas terras chãs dos mouros
suas subjeitas e tributarias, e notificar ao Papa e a todolos Reis e
Principes christãos esta sua excellente victoria, partiu-se
com o Principe para Portugal aos XVII dias do mez de
Setembro, e logo ao outro dia seguinte foi no porto da cidade de
Silves. De maneira que El-Rei em XXXIII dias contados
do dia que partiu de Lisboa até este, começou e
acabou
prosperamente estes tamanhos feitos, de que Deus foi muito servido, e
seu estado e nome por todo o mundo mui accrescentado e louvado.
E os christãos d'Andaluzia não receberam por isso
menos prazer que segurança, de que com festas para
[68]
o mundo, e devotas
procissões para Deos deram claros signaes.
E de Silves se foi logo El-Rei e o Principe por mar á cidade
de Lisboa, onde foram com grande triunfo, e muitas festas e alegrias
recebidos, o que todo tambem por todo o reino com a
notificação e certeza da victoria por muitos dias
se continuou.
CAPITULO CLXVIII
De como a Infante D. Joana filha
d'El-Rei foi metida no
mosteiro de Odivellas, e de hi ao mosteiro d' Aveiro, e de outras
cousas que El-Rei fez
A Infante D. Joanna filha d'El-Rei estava a este tempo em Lisboa, com
tão grande casa de donas e donzellas e officiaes como se
fôra Rainha; e porque fazia sem necessidade grandes despezas,
e assi por se evitarem alguns escandalos e perjuizos que em sua casa
por não ser casada se podiam seguir, El-Rei por conselho que
sobr'isso teve, logo no mez d'Outubro d'este anno a apartou, e em
habito secular e com poucos servidores a poz no mosteiro d'Odivellas em
poder da Senhora D. Filipa sua tia, em edade de XVIII annos. D'onde
foi depois
mudada para o mosteiro de Jesus de Aveiro. Onde sem casar com nome de
honesta e mui virtuosa, acabou depois sua vida em idade de trinta e
seis annos.
E n'este anno falleceu o Papa Paulo, e sobcedeu em Roma a cadeira de S.
Pedro o Papa Sixto quarto, a que El-Rei mandou com sua obediencia Lopo
d'Almeida.
[69]
CAPITULO CLXIX
Foi
feito primeiro conde de Penella D. Affonso de Vasconcellos
N'este anno em
chegando El-Rei d'armada, fez em Lisboa novamente conde
de Penella D. Affonso de Vasconcellos seu sobrinho, o qual por sua
nobre linhagem e singulares serviços e grandes merecimentos,
aquella e outra maior dinidade, tinha já a El-Rei e ao reino
bem merecida.
CAPITULO CLXX
Tomou
o Principe D. João sua
casa
E no anno seguinte de mil e quatrocentos e setenta e dois, tomou o
Principe D. João sua mulher e casa na villa de Beja, onde
era a Senhora Infante D. Briatiz, e d'alli se veio á cidade
d'Evora.
CAPITULO CLXXI
De como houve embaixadas e vistas entre El-Rei de Castella e
de Portugal, e sobre que
No qual anno, e assi
no passado entre os Reis de Castella e de Portugal
houve de uma parte e da outra muitas embaixadas, ainda sobre
lianças e mudança de casamento d'El-Rei D.
Affonso com a Princeza D. Joanna sua sobrinha; porque como
[70]
El-Rei D. Anrique de Castella soube
que o Principe D. João de Portugal era casado com a Princesa
D. Lianor, e não podia já casar com a Princesa
sua filha, e viu que a Infante D. Isabel sua irmã
fôra
contra seu prazer e auctoridade casada com El-Rei de Cecilia filho
d'El-Rei D. João d'Aragão,
mandou fazer d'isso autos solenes, em que com quanto pôde,
por sua desobediencia a desherdou da herança de Castella. E
procurou de casar a dita Princesa D. Joana sua filha com El-Rei D.
Affonso, sobre o qual como disse, se passaram mui continuas embaixadas,
e por meio de D. João Pacheco, Mestre de Santiago, se
concertaram vistas, em que os Reis acompanhados de mui nobre gente se
viram entre Elvas e Badalhoce. Ás quaes vieram outrosi
embaixadores do dito D. Fernando Rei de Cecilia, e da Rainha D. Isabel
sua mulher, para com evidentes causas impedir o effeito do dito
casamento. E finalmente no caso e negocio intrevieram tantas duvidas, e
com esperança de tantos males e divisões de reino
a reino, que El-Rei de Portugal tendo sobr'isso muitas vezes conselho,
nunca em vida d'El-Rei D. Anrique se acharam taes meios, com que
parecesse razão elle aceitar e concordar o dito casamento. E
tudo principalmente causava, ser a Rainha de Cecilia intitulada por
Princesa de Castella, de que tinha a mór parte dos grandes e
Senhores d'ella, em que o mal da guerra era tão certo como o
bem da victoria duvidoso. E porém depois da morte d'El-Rei
D. Anrique, El-Rei D. Affonso consentio no dito casamento, e entrou em
Castella intitulado Rei d'ella, como ao diante se dirá.
[71]
CAPITULO CLXXII
De como os ossos do Infante D. Fernando foram a estes reinos
trazidos de Fez
N'este anno sendo
ainda em Fez os ossos do Infante D. Fernando, que
lá falleceu em um santo captiveiro como atrás
fica, como quer que a El-Rei D. Affonso por resgate e
redenção das mulheres e filho de Mollexeque, que
foram captivas em Arzilla lhe fosse prometida uma grande somma d'ouro,
elle como Rei bom e piedoso denegou sempre todo outro partido e
interesse, salvo que por ellas lhe dessem os ossos do dito Infante, que
a este tempo eram em poder de Molley Belfagege.
E leixando muitas embaixadas e recados que sobre este concerto de uma
parte e da outra se passaram. Finalmente o dito Molley Belfagege enviou
a El-Rei a propria ossada do dito Infante, bem reconhecida por tal por
Molley Belfaca seu filho moço, e por Diogo de Bairros Adail
Mór, que a elle por este caso fôra algumas
vezes embaixador. Os quaes por mar chegaram com ella a Restello, e do
navio foi tirada e trazida com grande manificencia á cidade
de Lisboa, e entrou pela porta de Santa Catherina, onde com solemne
procissão foi recebida, e alli pelo priol de S. Domingos
Mestre Affonso se fez um sermão para o caso mui conveniente
e devoto, em que houve palavras de tanta piedade e
compaixão, que commoveram as gentes a muitas lagrimas como
se foram Endoenças.
E d'alli foram os ossos postos no mosteiro do Salvador, e de hi levados
ao mosteiro da Batalha, e postos com devidas exequias em sua ordenada
sepultura,
[72]
na capella
d'El-Rei D. João seu padre, onde segundo alguma clara
evidencia, Deos por merecimentos do dito Infante, e em signal de sua
bemaventurança fez alguns milagres. E certamente com a
restituição
da ossada d'este bemaventurado Infante, por justas causas e mui claras
razões recebeu todo o reino prazer e alegria sem conto, e
El-Rei dos seus naturaes e estranhos não menos honra, gloria
e louvor que das prosperas expunações de Arzila e
Tangere.
CAPITULO CLXXIII
Do fundamento que El-Rei D. Affonso
teve para entrar em
Castella por morte d' El-Rei D. Anrique
E no fim do anno de mil e quatrocentos setenta e quatro, El-Rei D.
Anrique de Castella falleceu na villa de Madrid; foi seu corpo levado
ao mosteiro de Santa Maria de Guadalupe, onde na capella maior
á mão direita jaz em sua real
sepultura como parece, e da outra parte jaz a Rainha D. Maria sua
madre.
Fez El-Rei D. Anrique seu solemne e acordado testamento, em que
declarou a Princeza D. Joana por sua filha, e por Rainha herdeira dos
reinos de Castella. E a El-Rei D. Affonso por governador d'elles,
pedindo lhe finalmente que aceitasse a dita governança, e
casasse com ella, o qual testamento foi logo trazido a El-Rei D.
Affonso, que estava em Extremoz, no mez de Dezembro do dito anno de mil
e quatrocentos e setenta e quatro, sobre o qual El-Rei logo teve grande
e geral conselho, para que foram
[73]
alli juntos com El-Rei e com o
Principe todolos grandes e principaes do reino.
E o Principe desejando que El-Rei seu padre com esperança de
acrecentar seus reinos de Portugal, aceitasse, e não se
escusasse do casamento e empresa de Castela, tinha suas fallas e
maneiras com esses principaes, a que revellava seu desejo, com que os
commovia para que conselhassem El-Rei seu padre e o
esforçassem para isso. Porque depois de sua morte, muitas
vezes o Principe D. João seu filho sendo Rei, com aquella
onestidade e reverença que devia, acusava a negligencia ou
não bom conselho d'El-Rei seu padre; porque não
censentira e
aceitara os primeiros cometimentos dos casamentos de Castella, El-Rei
D. Affonso com a Infante D. Isabel, e elle com a Princesa D. Joana, com
que de uma maneira ou d'outra foram d'Espanha pacificos Reis e
Senhores.
E porém o conselho do Arcebispo de Lisboa, que depois foi
Cardeal, e do duque marquez de Villa Viçosa por causas
muitas que allegaram, foi que El-Rei em tempos de tanta
devisão, e com tamanho pendor contrairo como tinha,
não devia entrar em Castella nem aceitar a empresa d'ella, e
leixala aos naturaes que a quizessem favorecer e soster. Pelo qual ante
de se tomar final assento, acordou El-Rei de enviar primeiro como
enviou a Castella Lopo d'Albuquerque, Camareiro-Mór, que
depois foi conde de Penamacor, a saber quantos e quaes eram os
cavalleiros da valia da Rainha D. Joana, e concertar-se com elles, e
tomar d'elles certidão d'obediencia para em sua
segurança, se parecesse razão, El-Rei entrar
em Castella. E o dito Lopo d'Albuquerque, foi principalmente
aderençado a D. Affonso Carrilho, Arcebispo de Toledo, e ao
marquez de Vilhena, e ao duque do Infantado, que então era
marquez de Santilhana,
[74]
e ao duque e duquesa d'Arevallo, e a outros muitos de sua parentella e
valia. Os quaes a este tempo eram todos declarados por a dita Rainha D.
Joana, de que trouxe a El-Rei autenticas certidões, e
promessas de casando com ella o servirem e obedecerem como a proprio
Rei de Castella.
CAPITULO CLXXIV
Como El-Rei determinou todavia entrar
em Castella, e dos
requerimentos que logo enviou a El-Rei D. Fernando e á
Rainha D. Isabel
E com esta certidão com que o dito Lopo d'Albuquerque chegou
a Évora, no Janeiro de mil e quatrocentos setenta e cinco,
determinou El-Rei, pospostos outros muitos inconvenientes que com tudo
se apontaram e se offereceram, todavia aceitar como aceitou a empreza,
e sem escusa entrar em Castella, pelo qual mandou logo perceber os
grandes e senhores, prelados, fidalgos, e cavalleiros, e gente outra de
seus reinos, para na entrada do Maio logo seguinte serem em Arronches,
por onde acordou d'entrar.
E d'alli El-Rei por conselho que para isso teve, ante d'outro
proseguimento enviou Ruy de Sousa a El-Rei D. Fernando, e á
Rainha D. Isabel, que em Valhadolid estavam em festas e justas reaes,
notificando-lhe como por ser casado com a Rainha D. Joana filha
legitima d'El-Rei D. Anrique, os reinos de Castella lhe pertenciam,
requerendo-os e amoestando-os com as razões e
protestações que
n'isso cabiam, que se fossem dos ditos reinos e lh'os leixassem
[75]
livres. A que os
ditos Rei e Rainha, com outras razões que pareciam ser
conformes a justiça e
honestidade, responderam e outrosi requereram que elle não
entrasse nos ditos reinos, que sómente a elles diziam que
pertenciam. E em fim a determinação do feito
ficou entre os Reis não a boas razões, nem
justificação de Leis que apontassem, mas
sómente a
disposição e força das armas como se
fez, e ao diante se dirá.
CAPITULO CLXXV
De
como El-Rei se foi a Arronches, por onde acordou d'entrar
em Castella
El-Rei se foi na
entrada do mez de Maio a Arronches, e com elle o
Principe seu filho, a que deu as provisões que cumpriam para
inteira governança e regimento do reino de Portugal em que
ficava, e assi outras declarações secretas
como por via de testamento, em que quiz e declarou que todalas
graças e doações, que durando
esta empresa e necessidade de Castella a quaesquer pessoas fizesse, que
passassem de dez mil réis de renda, não sendo
aprovadas, consentidas, e assinadas juntamente pelo dito Principe seu
filho, fossem de nenhum valor, como cousas por constrangimento e sem
vontade outorgadas.
[76]
CAPITULO CLXXVI
De
como a este tempo naceu o Principe D. Affonso neto d'El-Rei
Estando El-Rei
já prestes para d'Arronches mover com todo
seu arraial, veio a elle e ao Principe certidão, que a
Princesa D. Lianor pario o Infante D. Affonso em Lisboa, a
XVIII dias de Maio de
mil e quatrocentos setenta e cinco. Com que todo o Reino mostrou
geralmente muita gloria e alegria. E por seu nacimento declarou logo
El-Rei, sendo caso que o Principe D. João seu filho em sua
vida fallecesse, a tempo que elle mesmo Rei tivesse outro filho lidimo
da Rainha D. Joana sua esposa com que havia de casar, que ao dito
Infante D. Affonso sempre pertencesse e viesse a sobcesão
dos reinos de Portugal, e que para isso fosse logo jurado e obedecido,
como depois o foi com a devida cerimonia e solemnidade, de que para uma
cousa e para a outra se outorgaram e fizeram provisões e
escripturas autenticas.
CAPITULO CLXXVII
Da gente com que El-Rei entrou em Castella, e em que
ordenança ia
E com a gente que a El-Rei veiu e com elle se ajuntou em Arronches, e
com a do duque de Guimarães e do conde de Marialva, e de Ruy
Pereira e d'outros fidalgos, que atalhando pela comarca da Beira se
foram ajuntar com El-Rei já em
[77]
Castella, se fez de gente numero certo,
ao todo de cinco mil e seiscentos de cavallo, e quatorze mil homens de
pé, todos bem armados e encavalgados, e providos
d'artilharias, armas e tendas, e de todo o mais que para guerra
pertencia, e tudo em gram
perfeição. E com os que eram em Arronches partiu,
e foi ter o primeiro arraial em campo á fortaleza da
Codiceira já em Castella, e de hi a Pedra Boa, d'onde o
Principe se despedio d'El-Rei seu padre, e se veiu a Portugal; porque
até alli sempre foi despachando o que lhe cumpria.
E a ordenança da hoste e batalhas d'El-Rei iam n'esta
maneira: diante ia logo Diogo de Bairros, Adail Mór com
certos ginetes por descobridores. E após elle o marechal D.
Fernando Coutinho, com guias e outra gente ordenada, por apousentador e
assentador do arraial. E logo Vasco Martins de Sousa Chichorro,
capitão dos ginetes d'El-Rei em sua batalha. A quem logo
seguia o conde de Penamacôr, capitão da avanguarda
d'El-Rei, após o qual seguia logo a carreagem.
E a batalha real com suas reaes bandeiras tendidas iam no meio, na qual
El-Rei o mais do tempo ia. E porém ás vezes com
certos ginetes andava provendo
de batalha em batalha, trazendo sempre de trás de si nas
mãos de um page um guião de sua divisa,
que foi um rodizio de moinho com gotas d'agoa derrador espargidas, que
tomara pela Rainha D. Isabel sua mulher. E na reguarda ia o duque por
Condestabre; porque em caso que D. João seu irmão
tivesse o
nome e servisse o officio nas villas e causas judiciaes,
porém sempre no campo a priminencia do officio ficou ao
duque.
E além d'estas batalhas eram outras ordenadas ás
allas da batalha d'El-Rei, em que iam de cada parte,
[78]
D. Affonso conde de Faram, e D. Anrique
de Menezes conde de Loulé, e D. Affonso de Vasconcellos
conde de Penella, e o conde de Monsanto, e outros.
CAPITULO CLXXVIII
De como El-Rei chegou a Prazença, onde
publicamente foi jurado por Rei, e esposado com a Rainha D. Joana, e
d'outras cousas
E n'esta ordenança sem algum recontro nem rebate contrairo
chegou El-Rei á cidade de Prazença, onde o
já esperava a Rainha D. Joana. E com ella o duque e duqueza
d'Arevallo, que eram senhores da dita cidade, e com elles o marquez de
Vilhena e o conde d'Oronha, e outros muitos senhores, e pousou El-Rei
com a Rainha dentro na fortaleza, onde por alguns dias houve grandes
festas e prazeres, nos quaes se consultou a maneira do recebimento
d'El-Rei com a Rainha, e seu alevantamento por Rei, o que se fez em um
alto e mui rico cadafalso posto na praça da cidade, em que
El-Rei e a Rainha ambos juntamente estiveram.
E alli depois de feita publicamente a solemnidade dos esposoiros, como
em tal caso cumpria, logo com cerimonias de trombetas e reis d'armas em
altas vozes foram pelos senhores que eram presentes, e com outros
muitos com suas procurações, alevantados e
jurados por Reis de Castella, e por taes lhes beijaram as
mãos, e se tomaram d'isso publicos estromentos. E d'alli em
diante se intitulou El-Rei D. Affonso, Rei de Castella e de
Lião e de Portugal, etc., e chamou á Rainha
esposa, com a qual então nem depois
[79]
nunca consumou o matrimonio, por
defeito de
despensação que não tinha nem nunca
houve. E por galardão do trabalho que Lopo d'Albuquerque
tomara no concerto d'esta entrada e casamento, El-Rei o fez alli conde
de Penamacôr.
E de Prazença fez El-Rei tornar D. João
Galvão, Bispo de Coimbra, com sua gente por fronteiro da
comarca da Beira, e Pero d'Albuquerque por capitão do
Sabugal e Alfaiates.
CAPITULO CLXXIX
De como El-Rei D. Affonso e a Rainha se
foram
á cidade de Touro, e como El-Rei D. Fernando veiu sobre elle
com todo seu poder
E feita consulta do mais que se faria, moveu El-Rei logo com
a Rainha em arraial caminho d'Arevalo, em que foram sempre de noite e
de dia com grandes resguardos de segurança, especialmente
atravessando por terra d'Alva, onde com muita gente d'armas era o
duque, que por
obrigação de sangue que entre si tinham, sempre
seguio a parte de El Rei D. Fernando.
Em Arevalo estiveram poucos dias, d'onde El-Rei se foi á
cidade de Touro, por concerto que tinha de lha dar como deu
João d'Ulhoa, dentro da qual El-Rei com toda sua gente se
alojou. E em chegando se pôs cerco, e deram fortes combates
ao castello da cidade que achara contrairo, em que a mulher de Rodrigo
d'Ulhoa estava por El-Rei D. Fernando e a Rainha D. Isabel, que como
Reis esforçados, e por darem de si bom exemplo aos que em
tantas differenças
[80]
bem os servissem, cometeram de vir socorrer e
descercar o dito castello, e chegaram a meia legoa de Touro, de gentes
e artilharias muito mais poderosos que El-Rei D. Affonso.
E assentaram seu arrayal ao longo do Doiro acima da cidade. Mas o cerco
do dito castello estava em todo tão percebido e com
estancias tão armado e afortalezado, que El-Rei D. Fernando
por escusar no cometimento uma perda certa por victoria tão
duvidosa, não quiz cometer o combate. E depois d'estar alli
alguns dias, em que do conde de Marialva D. Francisco Coutinho, e de
Diogo Fernandes d'Almeida, e do conde de Faram, e d'outros fidalgos e
cavalleiros, El-Rei D. Fernando recebeo muitas vezes em sua gente e
carriagens muito dano e perda, com rebates que estes de dia e de noite,
como nobres e esforçados cavalleiros lhe davam, assi logo do
arraial como depois ao alevantar d'elle, El-Rei D. Fernando como triste
e anojado alevantou seu arraial e se foi a Valhadolid, com pouca
esperança de conseguir o efeito de sua empresa; porque a
gente por desfallecimento de dinheiro, que já não
tinham, se partia d'elle,
e do descerco de Touro, que não acabara nem cometera, deu
causa que nos corações dos castelhanos
enfraquentou muito seu partido.
E a opinião, ou mais certa verdadeira sentença
dos sesudos e bons guerreiros, foi que se El-Rei D. Affonso se soubera
approveitar da bonança n'este tempo, e sobre este desfavor e
quebra d'El-Rei D. Fernando o perseguira, e por cerco ou batalha o
apertara, que de necessidade d'esta vez o lançara
fóra de Castella, onde sem resistencia na maior parte ficara
Rei pacifico.
A mulher de Rodrigo d'Ulhoa vendo-se já desesperada de
socorro, soffrendo primeiro muitos combates
[81]
e minas, e resistindo sempre
como boa e virtuosa dona, com segurança de sua pessoa e
fazenda fez partido, com que entregou o castello a El-Rei, que o deu
logo ao dito João d'Ulhoa seu irmão d'elle.
CAPITULO CLXXX
De como El-Rei D. Affonso se foi a
Çamora,
e de hi querendo ir descercar o castello de Burgos tomou Baltanas, e
prendeo o conde de Benavente
E n'este tempo João de Porras, cavalleiro principal de
Çamora, andava em trato de fazer vir a dita cidade a
serviço e obediencia d'El-Rei D. Affonso; porque o Marechal
que tinha a fortaleza por El-Rei D. Fernando, elle tambem o commovia,
porque era seu genro.
E El-Rei D. Affonso fez João de Porras vedor de sua casa,
por prazer e consentimento de Pero de Sousa, que o dito officio tinha.
E como El-Rei foi do trato de Çamora seguro e certificado,
se foi logo a ella com a Rainha, onde foram em tudo com muitas
cerimonias e grandes triunfos recebidos e obedecidos. E alli era
já o Arcebispo de Toledo com El-Rei D. Affonso. E porque
tinha o castello de Burgos um cavalleiro chamado Sarmento, em que era
estreitamente cercado por El-Rei D. Fernando, cujo contrairo estava,
determinou El-Rei D. Affonso de o ir descercar e prover. Pelo qual
partio logo assaz poderoso de Çamora, onde leixou a Rainha,
e por sua guarda Lopo d'Almeida, e por sua aia a Camareira
Mór, D. Briatiz da Silva sua mulher.
Foi-se El-Rei a Arevallo, onde por calmas e muitas
[82]
fruitas, e pós, e outro
máo trato que alli houve
lhe morreu muita gente, porque esteve alli muitos dias recebendo avisos
dos de Burgos, e consultando se cometeria, ou como cometeria o dito
descerco; porque para tudo havia muitas razões e mais
duvidas. E finalmente acordou descercal-o, para que partio e foi a Pena
Fiel, que era do conde d'Oronha, onde tambem por receios e
dificuldades, que recreciam maiores, sobreseve alguns dias, nos quaes
foi avisado que o conde de Benavente sabendo de sua ida a Burgos, se
viera com quatrocentas lanças á Villa de
Baltanas, oito legoas de Pena Fiel, para d'alli lhe dar rebates, e com
dano dos d'El-Rei D. Affonso fazer de sua honra, pelo qual El-Rei
determinou de secretamente o ir cercar e tomar por força, e
para maior
dessimulação d'isso, temendo de ser o conde de
Benavente avisado, mandou diante e de dia por outro caminho desviado o
conde de Penamacôr com a gente de sua guarda, e em sua
companhia Ruy Pereira da Feira, e D. Diogo de Crasto.
E como foi de noite partio El-Rei por o caminho direito de Baltanas, e
porém na mesma noite vieram-se ajuntar não longe
da villa a que iam, d'onde o conde de Penamacôr se adiantou
com seus ordenados, e em querendo amanhecer se pôs em
corrida, e chegou com pouca gente sobre a dita villa, além
da qual por se o conde não sair, se pôs logo em
batalha, a que o conde de Benavente com quanto na villa tinha mais
gente, crendo que era cillada não quiz sair, e se
pôs em ordenança de defesa, avisando do
caso outra sua gente que era acerca, por dois de ligeiros cavallos, que
enviou para logo lhe socorressem.
E porém se o conde de Benavente ante da chegada d'El-Rei que
tardou muito, dera no conde de Penamacôr, claro é
que o desbaratara, e tivera d'elle certa
[83]
victoria; porque tinha mais gente e
mais folgada, e assi os cavallos e muitos espingardeiros e artilharias.
Mas El-Rei sendo duas horas de sol chegou com muita gente, e assi com
escadas e artilharias sobre a villa, e depois de comerem, mandou fazer
signal de combate, que de todalas partes se deu á villa mui
rijo e mui afrontado, em que a gente toda era a pé, salvo
El-Rei que de uma parte para a outra andava a cavalo. E leixou de
fóra a cavallo D. Troillos, filho do Arcebispo de Toledo com
gente d'armas, e ginetes para segurar rebates e
torvações do campo.
O conde de Benavente como era gram senhor e esforçado
cavalleiro, tinha comsigo muita e boa gente d'armas, e assi
espingardeiros e outra muita artilharia, com que fez muito dano aos
d'El-Rei, e entre os mortos que de sua parte alli foram, foi o
principal D. Alvaro Coutinho, filho maior do Marichal, que entre as
ameias subindo por uma escada foi morto. E porém a villa foi
com tanto aperto combatida e entrada, que o conde de Benavente por
segurar a vida, constrangidamente a veio em pessoa pedir a El-Rei de
cima do muro, e El-Rei per si mesmo em viva voz lh'a outorgou, com que
se deceo e deu á
prisão. E a villa foi logo entrada e roubada toda, de que se
houve muito e rico despojo.
Dormio El-Rei alli aquella noite, e ao outro dia alegre e contente se
tornou a Pena Fiel, e trouxe preso o dito conde, cuja guarda encomendou
ao conde de Penela, que o teve emquanto n
Dormio El-Rei alli aquella noite, e ao outro dia alegre e contente se
tornou a Pena Fiel, e trouxe preso o dito conde, cuja guarda encomendou
ao conde de Penela, que o teve emquanto não foi delivrado.
[84]
CAPITULO CLXXXI
De
como El-Rei tomou Cantalapedra, e se tornou a
Çamora
Tornou El-Rei a ter
conselho sobre o socorro do castelo de Burgos, e
como quer que para isso pelo bom sobcedimento de Baltanas tinha bom
tempo e disposição, foi dos portuguezes
aconselhado que o não fizesse, e tornou-se a Arevallo
já no
fim de Setembro. E d'alli por trato que já achou concertado
enviou o conde de Penamacor, e Ruy de Mello, e outros fidalgos e
cavalleiros a escalar e tomar como tomaram de noite a villa de
Cantalapedra sem algum perigo nem resistencia. E El-Rei sobreveio logo
com toda a outra gente, para se se pozera em defesa a combater e tomar
por força como a de Baltanas.
Houve-se El-Rei nobre e piadosamente ácerca das pessoas e
fazendas dos lavradores da villa. E leixou hi logo por
capitão o dito Ruy de Mello, e tornou-se a Arevalo, e depois
quando por hi tornou caminho de Çamora, onde veio invernar,
leixou por capitão
Bandarra, irmão do Bispo de Coimbra.
CAPITULO CLXXXII
Do cuidado que o Principe D. João tinha em
governar e defender Portugal, e como
Sobre o Principe que
tornou a Portugal carregaram muitos cuidados;
porque não sómente sobre seu justo juizo pendeo a
governança do reino nas cousas da justiça, mas
ainda muito mais sobre
[85]
seu coração e esforço a defesa
d'elle, nas afrontas da guerra. A qual pela ausencia d'El-Rei D.
Affonso seu pai, que levou comsigo a frol da gente e armas do reino,
crecia e se acendia muito nos estremos d'elle com roubos, mortes, fogo
e sangue, e com entradas de gentes contrairas, a que o Principe de
noite e de dia, e em armas sempre vestido socorria e resistia com muita
viveza e trabalho, não como Principe moço e
novel, mas como ardido e velho cavalleiro, que nos trabalhos e afrontas
por longos tempos fôra esprementado, e tanto era mais de
louvar, quanto os imigos sendo mais, e elle em todo com menos
possibilidade para os contrariar, não sómente
muitas vezes defendeo em pessoa os reinos porque esperava, mas ainda os
estranhos offendia e guerreava continuamente por muitas maneiras.
E n'este mesmo anno com quanto pareceu que El-Rei D. Affonso levou do
reino tanto dinheiro, que por muito tempo lhe podera soprir,
porém as despesas de soldos e outras necessidades
sobrevieram em tanto crecimento, que a El-Rei conveio socorrer-se aos
dinheiros dos Orfãos de seus reinos, e a outros muitos
emprestidos particulares, e por seus officiaes foram logo tirados e
levados a Castella. A cuja paga O dito Principe depois que reinou, por
descargo d'a
E n'este mesmo anno com quanto pareceu que El-Rei D. Affonso levou do
reino tanto dinheiro, que por muito tempo lhe podera soprir,
porém as despesas de soldos e outras necessidades
sobrevieram em tanto crecimento, que a El-Rei conveio socorrer-se aos
dinheiros dos Orfãos de seus reinos, e a outros muitos
emprestidos particulares, e por seus officiaes foram logo tirados e
levados a Castella. A cuja paga O dito Principe depois que reinou, por
descargo d'alma de seu pai, como bom e piadoso filho satisfez quanto
pôde com muito cuidado e amor.
[86]
CAPITULO CLXXXIII
De como o principe cercou a villa d'Ougela, e a tomou, e da
morte de João da Silva
N'este mesmo anno no
mez de Junho estando o Principe em Extremoz,
Galindo, cavalleiro castelhano, e na extremadura de Castella bem
aparentado, tomou salteada e por máo recado dos visinhos
d'ella, a villa d'Ougela junto com Campo Maior, sobre que o Principe
com a mais gente de pé e cavallo que foi possivel, e com
algumas artilharias logo acudiu, e a cercou, em cujo cerco era do
Principe capitão principal João da Silva seu
Camareiro
Mór, nobre fidalgo, e de mui conhecido e esprementado
esforço.
E finalmente foi a villa assi afrontada, que aos contrairos que a
tinham conveio com risco de suas pessoas partirem-se d'ella e
livremente a leixarem. E em vindo o dito Galindo já sobre
este concerto, com assaz de gente para recolher os seus que saissem do
cerco, sahio a elle o dito João da Silva, e vindo cada um
d'elles diante da sua gente de noite, pessoa por pessoa, por
acertamento se toparam junto com a dita villa, e d'encontros
tão mortaes se encontraram, que d'elles sós,
falsadas as armas d'ambos, ambos morreram sem outro dano algum se
receber de cada uma das ditas partes, e certo para um reino e para o
outro a morte de taes dois homens, por sua nobreza e valentia foi muito
sentida e triste, mas para suas honras e memorias assaz honrada e mui
E finalmente foi a villa assi afrontada, que aos contrairos que a
tinham conveio com risco de suas pessoas partirem-se d'ella e
livremente a leixarem. E em vindo o dito Galindo já sobre
este concerto, com assaz de gente para recolher os seus que saissem do
cerco, sahio a elle o dito João da Silva, e vindo cada um
d'elles diante da sua gente de noite, pessoa por pessoa, por
acertamento se toparam junto com a dita villa, e d'encontros
tão mortaes se encontraram, que d'elles sós,
falsadas as armas d'ambos, ambos morreram sem outro dano algum se
receber de cada uma das ditas partes, e certo para um reino e para o
outro a morte de taes dois homens, por sua nobreza e valentia foi muito
sentida e triste, mas para suas honras e memorias assaz honrada e muito
de louvar.
[87]
CAPITULO CLXXXIV
De como o Principe indo vêr-se com El-Rei D.
Affonso seu padre, foi por elle avisado da
traição da
ponte de Çamora, e se tornou de Miranda do Doiro
El-Rei D. Affonso
como disse veio invernar a Çamora, d'onde
muitos portuguezes, e os mais sem vontade d'El-Rei se vieram a este
reino, o qual desejoso de vêr o Principe seu filho, e ter com
elle conselho sobre cousas que em tantas necessidades a seu estado e
honra cumpriam, lhe escreveu, que logo o fosse vêr a
Çamora, o que o Principe depois
de prover as frontarias e cousas do reino com muita diligencia e
obediencia logo cumprio. E sendo já em Miranda do Doiro
aforrado, para d'ali com gentes d'El-Rei entrar seguramente, foi de
mandado d'El-Rei avisado por o Chicorro, capitão dos ginetes
que passou o Douro a nado, que se volvesse por causa da
traição da ponte de Çamora, que foi
brevemente n'esta maneira.
CAPITULO CLXXXV
De como foi a dita traição, e da
maneira que El-Rei D. Affonso sobre isto teve
A dita ponte tem duas
torres, uma na entrada da cidade, de que era
alcaide um Pedro de Mazaregos, e outra da outra parte, que tinha um
chamado Valdes, seu cunhado, dos quaes El-Rei fôra
já avisado que se segurasse, porque contra seu
[88]
serviço
tratavam com El-Rei D. Fernando. O que El-Rei crendo que eram suspeitas
falsas que d'elles lhe davam, não o quiz remedear.
E no dia em que El-Rei havia de Çamora mandar a gente pelo
Principe, foi certificado pelo doutor Pareja, corregador da
cidade, já de noite, como gente grossa d'El-Rei D. Fernando
sobre concerto da ponte era partida de Vilhalpando contra
Çamora. E o trato era sabendo da vinda do Principe, que o
leixassem com toda a gente meter e entrar na ponte, e que se
levantassem contra elles, e cerrassem ambas as torres, e os matassem ou
prendessem, e pela duvida que El-Rei D. Affonso contra os da ponte
tinha já concebida, conveio sem mais esperar poer-se logo a
cavallo. E sendo com elle o Arcebispo de Toledo e outros alguns,
chegaram á ponte da parte da cidade, e mandou a Pedro de
Mazaregos que logo abrissem a torre e lhe viesse fallar, o qual se
escusou d'isso com taes palavras e mostranças, por que
El-Rei e os que com elle iam, claramente conheceram ser
traição.
E como cousa já danada, logo assi de noite como iam sem mais
outro acordado proposito, tentaram de por força tomar a
ponte, mas pela forte resistencia e
defesa que dentro houve, não poderam.
El-Rei e todolos outros mui tristes se volveram á cidade,
que com repique do sino grande, e com dobradas vozes de
«traição,
traição», foi logo metida em temeroso
alvoroço d'armas, e certamente consiradas bem as
circumstancias de muitas cousas que n'aquella noite concorreram, ella
geralmente a todos e em cada parte foi de grande temor e espanto;
porque a todos era notorio haver traição, e mui
poucos sabiam em que pessoas e de que maneira seria. E com este medo
tão claro e segurança
tão escura, assi trabalhavam de se salvar os castelhanos dos
portuguezes,
[89]
como os
portuguezes dos castelhanos, sem haver de uns para os outros nenhuma
certa fiança, até que foi manhã, que a
todos fez certos da
clara verdade.
CAPITULO CLXXXVI
De como El-Rei combateu a ponte, e do
que se seguiu, e como
El-Rei D. Affonso leixou Çamora, e se foi a Touro
E no dia seguinte depois de amanhecer El-Rei se pôs em armas,
e todolos senhores principaes e fidalgos com elle para combate da
ponte, e posto que com toda ardideza e perigo, com espingardas e tiros
outros, e bestas e lenha, pez e fogo, á parte da dita ponte
contra a cidade o deram mui aturadamente e sem algum medo, em fim o
damno todo ficou com os d'El-Rei, a que com espingardas e tiros que de
dentro furiosamente jogavam, lhe feriram muitos senhores principaes e
fidalgos, e mataram alguns, de que os principaes feridos d'espingardas
foram, o conde de Villa Real, e D. João de Lima, que depois
foi bisconde, e D. Rodrigo de Castro filho do conde de Monsanto, e foi
morto João Alvarez Pereira, page d'El-Rei, e outros, pelo
qual vendo El-Rei a perda tão manifesta, e a
esperança da
victoria tão desesperada, afastou sua gente do combate, e se
recolheu á cidade. Onde dos castelhanos que seguiam seu
partido foi principalmente aconselhado que algumas pessoas suspeitas
que n'ella houvesse mandasse sem armas lançar
fóra, e elle pois bem podia, a mantivesse e a defendesse, e
por alguma maneira não se saisse, e que o damno e perigo da
ponte poderia
[90]
levemente
remedear, mandando logo fazer entre ella e a cidade um muro mais forte
que a porta da mesma ponte, com que os da cidade se fariam mais fortes
contra a ponte, que os da ponte contra ella, e mais que tinha a
fortaleza certa e segura a seu serviço, que para sua
segurança era um fundamento mui principal.
E finalmente a torvação foi em todos tamanha, que
este tão são e seguro conselho nunca o
quizeram entender, e se o entenderam não o quizeram obrar,
porque El-Rei desconfiando já dos castelhanos e acostando-se
ao conselho dos portuguezes, foi d'elles aconselhado que com a Rainha
se saisse, e não se fiasse já dos de
Çamora, que havendo vista
d'El-Rei D. Fernando se sobre ella viesse, se volveriam contra elle, de
que seria mui difficil elle e todolos seus escaparem, pelo qual se
partio El-Rei e a Rainha caminho de Touro, onde estava João
d'Ulhoa, que os recolheo com tamanha fé e lealdade, como era
a desconfiança que muitos levavam de elle contra El-Rei e a
Rainha fazer e usar do contrairo.
CAPITULO CLXXXVII
Dos percebimentos que o Principe fez em
Portugal para ir
socorrer a El-Rei D. Affonso seu padre, e como entrou em Castella
E tornando ás cousas do reino de Portugal, o Principe da
traição cometida contra El-Rei seu padre foi
muito anojado, e desejando de o ajudar e socorrer não
sómente como bom e piedoso filho, mas como amigo poderoso e
verdadeiro que era,
[91]
volveu-se
logo á cidade da Guarda, onde teve conselho em que se
determinou dar-se socorro a seu padre de gentes e dinheiro do reino,
quanto fosse possivel, e que o Principe fosse socorre-lo em pessoa. Em
cumprimento do qual fizeram logo para gente
apurações e percebimentos geraes, e para o
dinheiro além do que se pôde haver das rendas do
reino, se tomou por certa recadação toda a prata
das
egrejas e mosteiros, salvo a sagrada, callezes, custodias e relicairos,
e assi por imprestidos de pessoas particulares se houve alguma somma de
dinheiro. E não sem grandes dôres e gemidos do
povo que o muito sentiam.
Cometeo o Principe e deu por autoridade d'El-Rei o inteiro regimento e
governança do reino á
Princesa D. Lianor sua mulher. E com ella ordenou e leixou pessoas
d'autoridade e letras e bom conselho, com que nas cousas do reino se
aconselhasse, e proveo as fronteiras de capitães, alcaides,
e gentes como cumpria. E depois de feito isto, e ter sua gente prestes,
partiu da Guarda no mez de Janeiro de mil e quatrocentos setenta e
seis. E foi a Castello Rodrigo, e de hi entrou em Castella por villa de
S. Fellizes, que por estar contra serviço d'El-Rei seu padre
a combateo, e tomou por força, e foi toda roubada, e a
leixou então por si, em que foram alguns mortos e muitos
feridos, e de S. Fellizes foi junto com Ledesma, que com quanto era
contraira deu ao arraial dinheiro, mantimento e provisões em
abastança. E d'alli no fim do mez de Janeiro em tanto
concerto levou sempre o Principe sua gente, que no caminho nunca
recebeo rota nem recontro, até que chegou á
cidade de Touro, onde El-Rei seu padre, depois de sair de
Çamora, seguio e tratou em sua propria pessoa as cousas da
guerra muitas vezes, mais como cavalleiro
[92]
fronteiro, que como tamanho
Rei, e tão poderoso como era.
CAPITULO CLXXXVIII
De como El-Rei D. Fernando e a Rainha D. Isabel se apoderaram
de Çamora, e poseram cerco ao castello
El-Rei D. Fernando
com a Rainha sua mulher vieram-se logo a
Çamora, a que El-Rei D. Affonso com desejo de batalha foi
dar vista duas vezes, sem haver entre elles peleja. E El-Rei D.
Fernando tambem veio dar outra vista sem rota alguma entre elles, uma
legoa de Touro. E depois vieram seus corredores a Touro, a que o conde
de Penamacôr sahio, e lhes seguiu o encalço
até junto com
Çamora, d'onde sahio outra gente de refresco, que prenderam
e feriram o dito conde, e assi prenderam e feriram outros fidalgos
portuguezes. E porém El-Rei D. Fernando pôs logo
cerco e estancias mui fortes ao castello da cidade, que era seu
contrairo. E a
determinação d'El-Rei D. Affonso era combater e
romper as ditas estancias, e soccorrer á fortaleza. E o
proposito d'El-Rei D. Fernando, a que tudo logo se revellava, era de
lh'o resistir com todas forças e poder, e a um Rei e ao
outro não era escondido que n'este só ponto de
Çamora estava a
esperança de todo o feito d'ambos; porque o que d'esta
contenda ficasse com melhoria, essa d'hi em diante teria sempre nos
debates de Castella, pois cada um de proposito ajuntava para isso todo
seu poder e valia, e assi foi e se seguio como se dirá.
[93]
CAPITULO CLXXXIX
De
como El-Rei D. Affonso e o Principe cercaram
Çamora da parte da ponte
E o Principe em sua chegada a Touro foi d'El-Rei seu padre, e de toda a
sua côrte altamente e com muito prazer e alegria recebido;
porque n'elle estava toda sua e só esperança. E
logo sem
delação acordaram e quizeram poer em obra dar nas
estancias, e ir descercar o castello de Çamora, mas porque
da fortaleza e repairo das ditas estancias foram assim certificados que
sem perda de toda sua gente ou a mór parte d'ella se
não podiam
combater, e em fim que o castello se não descercaria, El-Rei
acordou por melhor ir poer cerco á ponte da outra banda do
rio, onde sem algum seu risco o podiam ter, com affronta e necessidade
d'El-Rei D. Fernando e dos da cidade.
E assim supitamente se cumprio; porque depois de leixar o duque e o
conde de Villa Real em Touro em guarda da Rainha e da cidade, partiu
El-Rei com sua gente, e foi assentar seu arraial nas hortas de junto
com a dita ponte. E El-Rei e o Principe se alojaram no moesteiro de S.
Francisco, e a ponte com baluartes e cavas foi de todas partes cercada,
e assi continuamente combatida com pouco dano dos que eram dentro. E os
do castello que eram por El-Rei D. Affonso, tambem á sua
vista assi estavam, sem algum poder sair, nem d'elle receber falla,
ajuda nem soccorro.
Em durando este cerco, em uma ilha que se faz no Doiro, foram da parte
de Castella juntos por concerto de paz, o duque d'Alva, e o almirante,
e da parte
[94]
de Portugal o sr.
D. Alvaro, e Ruy de Sousa, e o licenceado de Cidá Rodrigo,
para todos praticarem e consultarem, se entre os Reis se poderia tomar
algum meio de paz e concordia, e em fim depois de muitos debates e
praticas, cada um teve em tamanho preço seu partido, que se
não pôde achar meio que
parecesse bom para todos ficarem concordes.
CAPITULO CXC
De
como se ordenou a batalha dos Reis entre Touro e
Çamora
E passados alguns dias vendo El-Rei D. Affonso o pouco que no cerco
aproveitava, e o muito trabalho e dano que sua gente recebia,
especialmente não se podendo prover a grande mingoa de
mantimentos, que dava causa sua gente mingoar, e a dos contrairos
acresentar-se cada vez mais, a uma sexta feira primeira de
Março de mil quatrocentos e setenta e seis annos, mui cedo
pela manhã, El-Rei de Portugal alevantou secretamente e de
supeto seu arraial para a cidade de Touro, e porque sabia que El-Rei D.
Fernando havia de sahir como sahia após elle, teve-se n'isso
para segurança de tudo
mui bom recado.
E porém a gente contraira assi como sahiu pela porta da
ponte fóra, assi sobreseve e não seguio El-Rei D.
Affonso, e fez corpo até juntamente ser toda recolhida
fóra da ponte, receando que em outra maneira indo afiada,
fazendo El-Rei D. Affonso volta sobr'ella se despunham a grande perigo
e destroço, o que deu causa ser El-Rei D. Affonso com sua
gente
[95]
já mui
alongado, quando seus contrairos começaram
de mover contra elle, o qual sendo a duas leguas de Çamora,
adiantou-se pelo fio a reter sua gente, que a Touro se recolhia com
tenção secreta de aquella
noite dar de salto em seiscentas lanças d'El-Rei D.
Fernando, que sob a capitania do duque de Villa Fremosa, seu
irmão bastardo, estavam em Fonte Sabugo, mas o Principe que
por sua vontade e sem necessario constrangimento quiz esperar e dar a
El-Rei D. Fernando a batalha, avisou logo d'isso a El-Rei seu padre,
que não descontente d'isso chegou já
ao campo junto com Touro, onde a batalha se deu, e foi a tempo que as
batalhas d'El-Rei D. Fernando passavam já um porto de uma
pequena serra que hi a cerca estava, onde o conde de Loulé
em voltas que fez foi ferido, e se foi a Touro.
E El-Rei D. Affonso mui contente e alegre de não negar a
batalha, para que por um trombeta e arauto d'El-Rei D. Fernando era
já desafiado, com quanto tinham muito menos gente,
porém elle e o Principe seu filho fizeram rostro para lh'a
dar com sua gente, de que muita era a Touro já recolhida, e
outra muita mais ficara na dita cidade com a Rainha e com o duque e
conde de Villa Real como se disse.
E sendo já o tempo mui curto para El Rei e o Principe
concertarem e repartirem sua gente em batalhas, como para
tão chegada necessidade cumpria, vendo as d'El-Rei D.
Fernando já mui acerca e chegar-se com muita pressa, fizeram
logo de toda a gente não mais de duas batalhas.
A primeira e de maior numero foi a d'El-Rei D. Affonso, que com sua
bandeira real se pôs acerca do rio ao encontro da batalha em
que era a bandeira real, mas não a pessoa d'El-Rei D.
Fernando, o qual por se segurar como prudente dos revezes da fortuna
[96]
em taes tempos, depois
de leixar sua batalha em ordenança, e encomendada sua
bandeira a bons cavalleiros e capitães, tornou-se atraz onde
na reçaga ao tempo do encontrar esteve em uma batalha
pequena.
E a segunda batalha de menos gente, e porém
cortezã e mui limpa foi a do Principe, que com sua bandeira
se pôs affastado á mão esquerda
d'El-Rei seu padre, um grande pedaço ao encontro de duas
grandes batalhas que contra a sua vinham ordenadas, e porque o Principe
foi aconselhado que tambem mandasse repartir a sua em outras duas
batalhas, mandou logo apartar de si contra o pé da serra com
gente da sua guarda, Fernão Martins Mascarenhas, seu
capitão dos ginetes, com o qual porque em sua batalha
não havia tanta gente como se requeria, o Principe
encomendou a Gonçallo Vaz de Castello-Branco e a Ruy de
Sousa, que com sua gente que era muita e mui boa se ajuntassem, como
logo ajuntaram com Fernão Martins, e após elles
porque cria que havia entr'elles algum desconcerto e competencia sobre
a capitania da gente, enviou logo a D. Pedro de Menezes, que depois foi
conde de Cantanhede, com que se refez uma boa batalha.
[97]
CAPITULO CXCI
De como romperam as batalhas, e as do
Principe venceram as
d'El-Rei D. Fernando, e a d'El-Rei D. Fernando venceu a d'El-Rei D.
Affonso, que se recolheu a Crasto Nunho, e do mais que se seguiu
até fim da batalha
E postas e ordenadas com espantosa vista as azes de uma parte e da
outra para encontrar, sendo já casi sol posto, El-Rei mandou
dizer ao Principe que com sua benção rompesse
logo, o qual por lhe obedecer e cumprir o que tanto desejava, depois de
em ambas as batalhas se fazer pelas trombetas sinal de batalha, elle e
assi seus capitães com singular destreza e maravilhoso
esforço, deram assi rijamente nas batalhas contrairas, que
nem podendo ellas soffrer nem resistir tanta força, logo uma
após outra foram
desbaratadas e postas em fugida.
E para aquella hora ante da peleja deu o Principe á sua
gente por apellido S. Jorge e S.
Christovão, S. Jorge por padroeiro de Portugal, e S.
Christovão por devoção de Jorge
Corrêa,
commendador do Pinheiro, que na mesma hora lh'o lembrou; era alferes do
Principe que levava sua bandeira Lourenço de Faria, homem
fidalgo, que n'este dia e em todolos outros por sua obediencia e
esforço o fez como bom cavalleiro, e o Principe por tal o
reconheceu sempre.
E assi como as batalhas do Principe no desbarato fizeram a estas
d'El-Rei D. Fernando, assi a batalha grande d'El-Rei D. Fernando fez na
d'El-Rei D. Affonso, que sem alguma força nem resistencia a
[98]
rompeu logo, e
destroçou com damno e mortes de muitos, e não foi
sem causa ser assi, porque na batalha do Principe era a
frol dos fidalgos e nobre
gente de Portugal, que falleceram n'esta d'El-Rei D. Affonso, e mais na
batalha d'El-Rei D. Fernando vinha muita e mui grossa gente d'armas
encubertados, além dos ginetes, e mais lançaram
diante de si
uma gram soma d'espingardeiros, que ao romper fizeram com seus tiros
fronteiros duvidar e enfiar os cavallos e a gente da batalha d'El-Rei
D. Affonso. Na qual sendo elle com sua bandeira dos dianteiros,
acharam-se com elle ao tempo do encontrar mui poucos, entre os quaes
eram D. Gomez de Miranda, Prior de S. Marco em Castella, e Bispo que
depois foi de Lamego em Portugal. E por tanto vendo-se em alguma
maneira da victoria desesperado, conveio-lhe volver e procurar por sua
salvação, parecendo-lhe que
pois a sua batalha onde a mais força estava fôra
desbaratada, que a do Principe seu filho em que havia menos gente e de
que não havia vista nem recado, tambem seria perdida. Pelo
qual havendo já suas cousas por chegadas ao derradeiro
estremo de desaventura, vendo já diante entre si e a ponte
de Touro muita gente contraira, crendo que sem ser morto ou preso se
não podia já á dita ponte recolher,
foi aconselhado por Pedralvares de Souto-Maior, conde de Caminha, e por
João de Porras, e por outros poucos que o sempre
acompanharam, que por aquella noite se acolhesse á fortaleza
de Crasto Nunho, que estava por elle, e assi o fez.
O Principe aquelle dia e hora não menos avisado que bem
afortunado capitão, como se viu com sua gente em segura e
perfeita victoria, por se lhe não seguir do longo
encalço algum perigoso revés,
logo a mais que pôde recolheu para a sua bandeira. E
porém
[99]
alguns seus e pessoas principaes esquentados e favorecidos do prospero
vencimento que seguiam, por não terem no seguimento o
resguardo que deviam, no cabo do encalço tornaram a ser
mortos e presos, porque os castelhanos das batalhas
destroçados que fugiam, refizeram-se com uma batalha de
El-Rei D. Fernando, que acerca de uma legoa na reçaga
estava, com que achando-se muito mais fizeram sobre os portuguezes
volta, os quaes sendo já atalhados e cingidos da outra
batalha grande, que desbaratara a El-Rei D. Affonso, não se
poderam salvar.
E porém o Principe depois do desbarato que fez, alli onde
acabou de recolher sua gente, esteve no campo em um corpo
çarrado sem nunca mover atrás sua bandeira, a que
muitos da batalha vencida d'El-Rei D. Affonso por seu bem e
salvação se
recolheram, com os quaes, e com outros que fóra do tempo
necessario sobrevieram de Touro, refez uma grossa batalha, com que
aquella noite ficou pacifico senhor do campo. No qual algum dos Reis,
cuja era a querela e esperança de vencer, não
aturou nem
esteve; porque como disse tambem El-Rei D. Fernando não foi
em pessoa propria na sua batalha, que venceu a El-Rei D. Affonso, mas
como era pratico guerreiro, por vêr como as cousas de tamanha
ventura sobcediam, apartou-se fóra em uma batalha, e quando
logo vio vencidas e desbaratadas suas tamanhas e primeiras batalhas,
pelas batalhas do Principe que eram menos em gente, crendo que assi o
seriam as outras suas pelas d'El-Rei D. Affonso, foi aconselhado que se
recolhesse como recolheo, e se foi a Çamora. Pelo qual sua
gente achando-se no campo sem Rei, nem certo capitão que a
regesse, com temor da batalha do Principe que viam refeita,
não sendo bem certificados do destroço d'El-Rei
D. Affonso, se refizeram
[100]
tambem junto com ella em uma outra batalha de que uns e outros
não se viam tanto como ouviam; porque a este tempo a noite
era já casi çarrada, e todo o mal que de uma
parte e da outra se fazia era sómente de gritas e tocar de
trombetas e atabales que nunca cessavam.
Alli D. Vasco Coutinho, que depois foi conde de Borba, prendeu D.
Anrique, conde d'Alva de Liste, que vinha de contra Touro reconhecer a
batalha do Principe, não sabendo pela noite cuja era.
E alli um escudeiro que se dizia Gonçallo Pires, criado de
Gonçalo Vaz Pinto, trouxe ao Principe a bandeira real
d'El-Rei D. Affonso, que por força e como homem de bom
coração a tomou a um
Souto-Mayor, castelhano, que a levava, e o prendeu sobre sua menagem, a
qual não foi aquelle dia tomada das mãos de
Duarte d'Almeida, alferes pequeno, até
que lh'as primeiro não deceparam com outras infindas
feridas, que no rosto e em todo o corpo houve, de que escapou. E a
tanto mal se estende o máo sobcedimento das cousas, que este
alferes, a que tanta honra e riqueza após isto se devia,
viveu depois aleijado e pobre, e não com galardão
dino de tal
serviço. Nem ao escudeiro da bandeira carregou muito a
balança de sua satisfação; porque com
a venturosa
fidalguia e armas honradas, que por isso lhe deram, houve
sómente cinco mil reis de tença, com que
lhe foi forçado tomar a fouce e a enxada, por mais seguras e
proveitosas armas do sustentamento de sua vida, com que sem mais bem
nem favor, e com muita pobreza viveu e acabou.
E estando assi no campo juntas estas batalhas e ambas contrairas, a dos
castelhanos por estar sem Rei e duvidosos de sua ventura, e por terem o
recolhimento de Çamora mui longe, começaram entre
si
[101]
de ferver e se afiar
mostrando claros sinaes de destroço se foram cometidos. E
porém tomaram por conselho retraer-se e acolherem-se, sem
cometer batalha nem peleja se lh'a não desse, e assi o
fizeram, e sem algum recado e com muito desmando se acolheram a
Çamora. Pelo qual achando-se o Principe só no
campo, e sem receber em sua pessoa nem sua gente rota nem
destroço, antes o tinha feito nos contrairos,
houve-se por herdeiro e senhor da propria victoria.
E porque os Reis esperavam para mais claro conseguimento, sua
determinação foi sobreser no campo, e
não se partir d'elle tres dias. Mas o Arcebispo de Toledo
que no mesmo campo era com elle, publicamente lhe disse que depois dos
imigos partidos bem cumpria por os tres dias estar no campo tres horas
continuas, a razão de hora por dia, por
comparação que trouxe da
Resurreição de nosso Senhor, que
foi depois da morte tres dias não todos inteiros, mas porque
tomou de tres dias tomando a parte por todo. E com este conselho que o
Principe tomou do Arcebispo, como de pessoa tão principal, e
no semelhante auto e cerimonias tão pratico e sabedor,
depois d'estar no campo as tres horas e mais, sem parecer n'elle gente
contraira, elle com repoiso e regrada ordenança abalou
contra Touro. E ao entrar da ponte houve muita pressa; porque
até sua chegada a entrada se çarrou a todos, e
por sua ordenança
entraram na cidade todos mui tristes e desconfortados, uns pelos
filhos, parentes e amigos que não viam, nem sabiam se na
batalha foram mortos ou feridos e presos, e todos pela dorosa
privação d'El-Rei D.
Affonso, que ali não viam, nem por então saberem
d'elle novas.
O Principe pela incertidão de seu padre, crendo
[102]
pois alli não parecia, que
seria morto ou preso, foi sobre todos mais triste e anojado, e posto
aquella noite em grande pensamento, e não menos o foi El-Rei
onde estava, duvidando da vida e salvação
do filho, de que a mór parte da desaventura não
falleceu á Rainha que estava no castello, até o
outro dia
que o pae foi certificado da saude e prospera victoria do filho, e o
filho da salvação e saude do pae
acolhido em Crasto Nunho. Na qual fortaleza indo El-Rei tão
só e desacorrido, o alcaide d'ella Pero de Mendanha, por
nação fidalgo castelhano, e no amor e
lealdade bom e verdadeiro português, o recolheu e lhe
obedeceo com muita lealdade e firmeza, e em caso tão triste
e tão averso para El-Rei, elle e sua mulher o agasalharam
honradamente e confortaram com muito despejo, dando-lhe em suas
fortunas por emxemplos d'outros mui grandes
esperanças, até o outro dia, que com muita gente
que o Principe mandou de Touro El-Rei tornou a elle seguramente.
CAPITULO CXCII
De como o Principe se tornou a Portugal, e do que El-Rei D.
Affonso fez por então em
Castella
Onde sobre conselhos
que ácerca d'estes feitos El-Rei e o
Principe tiveram, foi acordado que o Arcebispo de Toledo se fosse como
foi a Tallavera e a suas terras, e com elle por sua
segurança D. Garcia, Bispo d'Evora, o que foi cousa mui
dificil e de assás perigos, pelas muitas terras de
contrairos porque com tão pouca gente haviam de passar.
E como o Arcebispo ficou em salvo, o Bispo
[103]
d'Evora com grande risco se veio a
Portugal á frontaria de riba de Odiana, que lhe foi
encomendada. E assi acordou que o Principe se tornasse a Portugal, o
qual como era Principe bom e piedoso, depois de prover e remedear com
mercês e visitações aos
que de sua batalha foram presos e feridos, partio na semana maior de
Touro, e veio dormir a Crasto Novo, fortaleza que estava por El-Rei seu
padre, e ao outro dia passou a gente o rio em uma barca, e os cavallos
e bestas a nado, por um porto que se diz Rico Váo, e de hi
foi ter a Pascoa a Miranda do Doiro, e com elle o conde de Penella D.
Affonso de Vasconcellos, e assi pouca gente; porque os mais grandes e
senhores com todolos mais ficaram em Touro com El-Rei.
E ficando El-Rei D. Affonso em Touro, El-Rei D. Fernando veio logo
cercar mui poderosamente Cantalapedra, dentro da qual muitos fidalgos e
cavalleiros da côrte d'El-Rei D. Affonso, como desejosos de
honra se lançaram.
Foi o cerco em todo bem apertado, em que era por capitão
Bandarra, e depois á partida d'El-Rei D.
Affonso para Portugal deixou Alonso Perez de Biveiro, casado com D.
Mecia de Menezes, portugueza, e de Touro durando o cerco, foi El-Rei em
pessoa lançar uma grossa cilada aos cercadores, e soltou
corredores que foram dar no arraial, que apoz elles se soltou com tanto
desmando, que se o duque de Bragança com outros ante tempo
se não descobriram cairam os contrairos na cillada, e se
fizera uma cousa muita assinada e de muita honra e serviço
para El-Rei.
E n'este tempo sendo El-Rei D. Affonso certificado de um dia que a
Rainha D. Izabel, de Madrigal onde estava se havia de ir a Medina,
sahio de Touro aforrado com sós mil lanças sem
carriagens, e foi
secretamente dormir a Crasto Nunho, e de hi ao outro dia por encubertas
[104]
que levou, se foi
escondido lançar junto do caminho por onde a Rainha havia de
passar, cuja gente sahindo já fóra de Madrigal
á
vista das batalhas d'El-Rei, essa que era fóra com pressa se
tornou a recolher á villa, e outra alguma de dentro
não
sahio mais, por onde pareceu claro, que fôra aviso secreto
que a Rainha d'alguma pessoa do arrayal d'El-Rei D. Affonso recebera, e
com isto desaviado se tornou El-Rei a Touro, não esperando
já nenhum bom effeito de sua empresa.
CAPITULO CXCIII
De como se ordenou a ida d'El-Rei em
França, e se veio a Portugal com a Rainha D. Joana
E n'este tempo porque El-Rei sentia já bem que seu poder nem
ajuda dos grandes de Castella, não lhe davam para sua
demanda tão firme
esperança como cumpria, forçado de um vivo desejo
de sua honra, enviou por seus messegeiros requerer ajuda a El-Rei de
França, que com El Rei D. Fernando como só Rei
d'Aragão então
não estava d'accordo, e tinha por meio de D. Alvaro d'Atayde
feitas suas lianças com El-Rei D. Affonso, como
só e verdadeiro Rei de Castella. E a certidão
d'isto trouxe o dito D. Alvaro a El-Rei, estando em Touro. Pelo qual
vencido principalmente de seu apetite, sem muita certidão do
poder tão estranho e tão
duvidoso como era o de França, desconfiado em todo do seu,
determinou vir-se a Portugal e de hi passar logo em França,
crendo que o remedio e ajuda para seu recurso, que tanto desejava, com
sua ida e em sua pessoa se faria
[105]
mais facil, e ainda se lhe daria
maior. E que os inconvenientes que por ventura El-Rei de
França pela guerra do duque de Brogonha poderia para isso
ter, elle na confiança de seu mui chegado sangue os
temperaria, com paz e assesego que entre ambos procuraria.
E como El Rei o determinou, assi o cumprio, e deixou nas outras
fortalezas gente e capitães de recado, e em Touro gente de
guarnição, e com ella por
capitão o conde de Marialva D. Francisco Coutinho; porque a
este tempo João d'Ulhoa a quem pertencia era fallecido, e os
filhos que d'elle ficaram eram muito moços para tal encargo,
a El-Rei casou o conde com D. Maria d'Ulhoa sua filha, a que deu em
casamento a villa de Castel-Rodrigo, por morte de Vasco Fernandes de
Gouveia que a tinha; porque sem filho barão ligitimo tambem
falleceu em Castella estando em Touro.
E depois d'El-Rei prover as cousas de Castella como melhor
pôde, se partiu com a Rainha na entrada do mez de Junho, e
seguramente veio a Miranda do Doiro onde teve a festa do Corpo de Deus,
na qual com a cerimonia devida fez primeiro conde d'Abrantes Lopo
d'Almeida, que era Vedor da Fazenda, e lh'o tinha bem merecido. E de
Miranda se foi a Rainha á cidade da Guarda, e com ella o
conde de Villa Real, que era fronteiro mór d'aquella
comarca, e o Bispo de Vizeu D. João d'Abreu. E da Guarda se
foi a Coimbra, onde o Principe se veio com ella ajuntar, e a acompanhou
até á villa d'Abrantes, onde depois
esteve muito tempo, como ao diante se dirá.
E El Rei se foi de Miranda á cidade do Porto, onde com elle
se ajuntou logo o Principe seu filho, e a Senhora Infante D. Beatriz
com todolos grandes e senhores principaes do reino. E d'alli foi
enviado Pero
[106]
de Sousa
notificar a El-Rei de França a ida d'El-Rei D. Affonso, que
de todo hi foi determinada. E sendo já concordado que por
mór brevidade da viagem fosse pelo mar do Ponente e saisse
em Bretanha, mudou-se o acordo para o mar de Levante; porque pelo outro
mar Occeano poderia d'El-Rei D. Fernando receber maior
contradição, por rasão da frota
de Galliza e Biscaya, com que seria mais poderoso.
CAPITULO CLXIV
De como El-Rei partio de Lisboa para
França, e da maneira em que foi até se
vêr com El-Rei de França
E com esta determinação se partiram, e ajuntaram
todos a Lisboa, onde XVI navios
para a embarcação d'El-Rei foram logo prestes,
dos quaes se aparelhou uma urca para sua pessoa, em que embarcou no mez
de Agosto com dois mil e dozentos homens, em que iam quatrocentas e
oitenta pessoas a que em terra eram ordenadas encavalgaduras,
álem d'outra gente de pé, e com vento de viagem
arribou em Lagos, onde Cullam, famoso cossairo francês
certificado já das
amizades e lianças d'estes reinos com França,
andando
poderoso no mar, veio alli fazer reverença a El-Rei, que o
recebeu com grande honra e mui graciosamente, e além do
assinado serviço que o dito Cullam lhe tinha já
feito, em ser em sua ajuda no descerco de Ceuta, quando
então dos castelhanos e dos mouros, fôra
juntamente cercada como se dirá, ainda ficou de
[107]
concerto andar
d'armada em seu favor contra Castella, para que se ajuntou com Pedro de
Tayde, fidalgo português, que com a náo grande que
se dizia a
Lopiana, e com outros navios, de mandado d'El-Rei andaram tambem
d'armada. Os quaes todos logo de hi a poucos dias sendo El-Rei D.
Affonso em França, ao Cabo de S. Vicente aferraram quatro
carracas de Genoa, e sendo já por força entradas,
em uma se acendeo fogo em um barril de polvora, em que deu um tiro de
fogo, de que todas as náos e carracas que eram encadeadas
arderam, com mortes e perda de muita gente, em que o dito Pedro de
Tayde tambem morreu.
E de Lagos passou El-Rei logo a Ceuta, que poucos dias havia que sendo
n'ella capitão Ruy Mendes Ribeiro, como nobre fidalgo e
d'esforçado
coração a livrara de duas grandes afrontas e
perigos em que foi posta; porque juntamente foi cercado e combatido de
castelhanos pela Almina, e dos mouros pela Aljazira, e de todos com sua
honra e grande louvor o dito Ruy Mendes se livrou, com quanto o dito
Ruy Mendez do cerco dos castelhanos era muito mais afrontado, sendo dos
mouros comettido que com segurança sua para que lhe dariam
seguras arrefens, lhes désse entrada por dentro de Ceuta
para darem nos ditos castelhanos e os matarem e captivarem, e elle
seria livre do cerco, elle dito Ruy Mendes, como esforçado
cavalleiro e bom christão, por não minguar em sua
fé e
esforço o não consentio. O que El-Rei em pessoa
lh'o agradeceo e estimou como era razão.
E de Ceuta partio El-Rei, e sendo no mar através de Colybre,
que era de França, com proposito d'aportar em Marselha ou
aguas mortas; porque o vento não terçou bem sahio
todavia e desembarcou em
Colybre, d'onde despedio os navios em que fôra de Portugal,
[108]
e ali estava um capitão d'El-Rei de
França, de que El-Rei foi logo bem recebido, e depois
provido de bestas e cousas que cumpriam para ir, como foi por terra a
Perpinham. Onde El-Rei foi com grande honra e estado recebido, e elle e
todolos seus bem aposentados de graça, e por
reverença e acatamento de sua pessoa real, o
capitão e governadores da villa mandaram soltar e abrir os
carceres a todolos presos que na cidade havia. E assi se fez depois nos
outros lugares de França por que El-Rei passou.
De Perpinham enviou El-Rei D. Francisco d'Almeida a El-Rei de
França notificar-lhe sua chegada, e assi de sua ida logo a
elle, para que hi tambem se proveo para El-Rei e para os de sua
companhia de bestas para encavalgaduras de suas pessoas, e carretas
para fardagem, com que seguio seu caminho á côrte
d'El-Rei de França por Narbona e Mompiler e Befers e Nimis,
todas grandes cidades e villas de França em Languidoque.
E na cidade de Nimis deixou El-Rei a estrada romam, que vae a
Avinhão, e tomou outra da ponte de Santisprito, caminho da
cidade de Lião. Na qual por razão de
corrução d'ares morbosos
e pestenciaes de que estava perigosa não entrou, e passou
com sua gente adiante. E ante que a ella chegasse, no caminho lhe veio
fazer reverença o duque de Borbom, acompanhado de grandes
homens. E assi foi festejado e agasalhado em gram
perfeição em casa de Monseor
de Sam Valher, que fôra casado com uma filha bastarda
d'El-Rei de França.
E passando El-Rei D. Affonso por Lião, e chegado a um lugar
que dizem Ruana, recebeo o primeiro recado d'El-Rei de
França, fazendo-lhe saber que com sua boa ida era mui
alegre. E assi chegou á nobre cidade de Burges em
Berrí, que é na doce França, onde
[109]
repousou alguns dias, nos quaes de mandado d'El-Rei de
França vieram a El-Rei D. Affonso para lhe fazer companhia
um senhor e um Bispo de Una, com que para prazer foi vêr
algumas cousas, em especial Moris Sagevia, fortaleza que o duque de
Berrí fez no canto de duas ribeiras, a mais gentil que ha em
toda França.
E ao outro dia foi á villa, que na historia antiga dizem se
chamava Ageosa Guarda, onde agora está uma grande e devota
Abadia de S. Bento, cujo Abade mostrou a El-Rei um mui rico e antigo
livro da Historia de Lançarote e Tristão, por
ventura mais
verdadeira do que cá se magina.
CAPITULO CXCV
Da primeira vez que El-Rei D. Affonso se vio
com El-Rei de França em Tors em Toraina
El-Rei de
França era na cidade de Tors em Toraina, onde quiz
que El-Rei D. Affonso o visse e fosse bem aposentado. E depois de ter
certo seu aposentamento, El-Rei de França com uma fingida
romaria, só se partio de seu aposentamento que é
junto da cidade, e leixou n'ella toda sua côrte com o seu
Minham Monseor d'Argentam, para elle com os Regedores da cidade fazerem
como fizeram a El-Rei um mui solemne recebimento, entregando-lhe
ás portas com palavras de grande
veneração e muito
acatamento as chaves d'ella.
E El-Rei de França passados cinco dias veiu-se ao dito seu
aposentamento, que dizem Plesirdubues, e d'ali como de caminho
determinou vir vêr El-Rei D.
[110]
Affonso á sua pousada. O qual sabendo já isto,
com os senhores de seu conselho praticou a maneira de cortesia que em
seu recebimento teria. E accordou-se em todas razões, e
principalmente consirado o tempo e necessidade d'elle, que fosse a
maior que guardado o seu estado se podesse fazer, e fosse a que lhe
ensinasse a hora e tempo em que se vissem ; porque entre os Reis
não se podia dar certa fórma de palavras nem
cerimonias, que entre si dissessem e fizessem em semelhantes autos.
E avisado El Rei D. Affonso do dia em que El-Rei de França o
quereria ir vêr, vistio-se em
vestiduras onestas e reaes com proposito de a pé sahir e o
tomar na rua, ou ao menos nas escadas dos paços, mas El-Rei
de França de reavisado, pelo n'isso impedir mandou a El-Rei
diante dois seus parentes grandes senhores e mui gentis homens, os
quaes em El-Rei abalando para sair, cortezmente o detiveram, dizendo
que repousasse; porque El-Rei seu Senhor não viria
tão asinha, e sendo El-Rei avisado que El-Rei de
França era já na rua, em cometendo para sair,
tambem o detiveram. E finalmente em querendo El-Rei forçar
seus detimentos, elles com muito acatamento lhe pediram, que d'onde
estava em sua camara se não movesse; porque a elles
não cumpria elle o fazer d'outra maneira.
E El-Rei porque entendeu que seria ordenança praticada,
folgou de lhes comprazer, e porém como elles entenderam que
El-Rei de França era entrado na salla, deram logar que
El-Rei D. Affonso saisse, e ambos os reis se ajuntaram no meio da
salla.
E El-Rei de França vinha com um só barrete na
cabeça, tendo já d'ella tirado um chapeo e duas
grandes carapuças, e trazia solto um saio curto de
máo pano, e cinta uma espada d'armas muito comprida,
[111]
com a guarnição de ferro limada, e umas botas
calçadas, e nos pés as esporas do mesmo jaez da
espada, e ao pescoço uma beca de chamalote amarello, forrada
de cordeiras brancas muito grosseiras, e suas calças brancas
entretalhadas de muitas côres. E
ambos os Reis com os barretes nas mãos se
abraçaram inclinados os giolos mui baixos. E tendo El-Rei de
França assi abraçado El-Rei, com os olhos no Ceo
disse que dava muitas graças a Nossa Senhora e a Monseor Sam
Martim, porque a um tão prove homem como elle era fizeram
tanta mercê. Que a seu reino e casa o viesse vêr e
visitar um tamanho Rei, que elle sempre desejara tanto de vêr
e ter por
irmão e amigo, e que porém elle não
cresse que era vindo em reino estranho, mas no proprio seu; porque assi
se faria n'elle todo seu prazer e serviço, como nos de
Portugal.
E com isto acabado se recolheram á camara, á
entrada da qual sobre quem se cobriria e entraria primeiro houve entre
ambos
grandes e louvados
debates. E emfim El-Rei D. Affonso
se deu por vencido, dizendo que havia por melhor ser-lhe bem mandado,
que cortês.
CAPITULO CXCVI
Do que El-Rei de França e
El-Rei D. Affonso
entre si acordaram para execução de sua
ida
E como entraram, depois de El-Rei de França perguntar a
El-Rei por sua disposição, e tocar em muitas
cousas de prazer, em conclusão disse, que por quanto as
cousas da guerra sobre que
[112]
era seu principal motivo requeriam muita pressa e não
padeciam dillação, que logo ambos
com o conde de Penamacôr seu camareiro-mór se
apartassem, como apartaram todos tres.
E entre as cousas sustanciaes em que falaram e em que tomaram
conclusão, foi ser necessario El-Rei D. Affonso ir em pessoa
ao duque de Brogonha pedir-lhe gente e ajuda contra Castella, e que em
caso que pelas differenças em que então andava
com o duque de
Loreina lh'a não podesse dar, ao menos tomaria d'elle duque
de Brogonha tal segurança para elle Rei de
França, sem receio de sua guerra mais livre e poderosamente
o poder ajudar. E para o fazerem todos em sua ajuda com menos cargo, a
todos cumpria justo titulo, que era dispensação
Apostollica para El-Rei D.
Affonso poder casar com a Rainha D. Joana sua sobrinha, pois dos reinos
que a ella pertenciam, como seu marido se intitulara. E que logo alli
se apartassem quatro pessoas de cada parte, para em breve consultarem e
praticarem sobre a gente, dinheiro e cousas que para sua empresa
cumpriam, e porem tudo em boa ordem. E disse mais que por quanto havia
por certo que os castelhanos ás vezes folgavam vender
fortalezas, que elle sempre houvera por melhor e mais barato compra-las
por dinheiro, que por guerra, e que o dinheiro e sua pessoa com toda a
gente de seu reino, elle lh'a offerecia para isso e para todo o mais
que a sua honra e estado cumprisse.
E depois d'El-Rei D. Affonso lh'o remercear tanto quando tamanha
esperança para suas necessidades requeria, se sairam
já de noite, e do meio da salla onde se primeiro viram
já com tochas se despedio d'elle El-Rei de
França. O qual enviou dizer depois a El-Rei D. Affonso, que
para elle convidar alguma gentil dama, como era usança e
cortezia do seu reino,
[113]
lhe pedia que quizesse d'elle tomar em tanto cincoenta mil escudos
d'ouro.
Mas El-Rei D. Affonso com palavras publicas de singular agardecimento,
e com respeitos secretos que a seu estado real cumpriam se enviou por
então escusar.
Aqui fez El-Rei de França conde d'Abranches D. Fernando
d'Almada, filho do outro conde Alvaro Vaz d'Almada, que morreu na
batalha com o Infante D. Pedro, como atraz fica.
CAPITULO CXCVII
De como foram a Roma embaixadores d'El-Rei de
França e d'El-Rei D. Affonso requerer a
despensação para poder casar com a Rainha D.
Joana sua sobrinha
E para cumprimento das conclusões em que ficaram, ordenou-se
logo embaixada ao Papa sobre o requerimento da
despensação, em que d'El-Rei D. Affonso foram
embaixadores o conde de Penamacôr, e o doutor João
Teixeira, que depois
foi Chanceller Mór, e Diogo de Saldanha, homem prudente e de
grande autoridade, que seguiu a parte da Rainha D. Joana, e d'El-Rei de
França foram o monseor de Sam Valher, e um grande letrado
governador do parlamento de Granobra, cabeça do Delfinado.
E juntos estes embaixadores acompanhados de muita e nobre gente,
fizeram seu caminho a Roma por terra, onde como pessoas que
representavam tamanhos dois Reis como E juntos estes embaixadores
acompanhados de muita e nobre gente,
fizeram seu caminho a Roma por terra, onde como pessoas que
representavam tamanhos dois Reis como era o de França e o de
Castella e Portugal, foram logo com grande honra recebidos.
[114]
E El-Rei D. Affonso aparelhou sua ida ao duque de Borgonha, que era em
campo sobre a cidade de Namsy em baixa Allemanha, contra o duque de
Lorreina com que tinha guerra. E ante de sua partida El-Rei de
França lhe disse, que por a pouca seguridade que tinha do
duque de Borgonha, por ser muito orgulhoso, duvidava que tomando a
cidade de Namsy sobre que estava, e destruindo o duque de Lorreina, por
seguir novidades quereria entrar por França, e que com
receios d'isto pelos segurar tinha sua gente na frontaria, que
daria causa elle lhe não poder
dar tanta ajuda, como sem isso faria. Porém que se por seu
meio d'El-Rei D. Affonso elles ambos ficassem verdadeiros amigos, e se
liassem por casamentos dos filhos, como o duque por todalas
razões devia querer, elle em sua ajuda poeria a
corôa de França com
todo seu poder, e que El-Rei D. Affonso devia requerer o duque que
fosse com elle em pessoa; porque era bom capitão, e tinha
muita gente e singular artilharia, e que sendo El-Rei D. Affonso
d'estas amizades meio segurador, cada um d'elles teria receio de as per
si quebrar, pelo não ter por contrairo, com as quaes muito
cedo se faria pacifico Rei de Castella.
CAPITULO CXCVIII
De como El-Rei D. Affonso se foi vêr com o
duque de Borgonha, e como logo se seguio a morte do dito duque
N'esta
confiança que El-Rei D. Affonso tomou de tudo assi
acabar, partiu no Novembro mui alegre, e com muita aspereza de neves e
frios incomportaveis chegou a Camansam e Almansa,
[115]
lugares mais acerca do arraial do duque,
d'onde El-Rei por terra regellada e toda cuberta de neve se foi
vêr com o duque, e viram-se e
abraçaram-se ambos a pé sobre o meio de um grande
rio todo tão
regellado, que por elle seguramente passavam bestas e carretas como por
uma forte ponte, e d'alli se tornaram ao arrayal do duque, que hi perto
estava, onde o duque sobre as cousas com que logo soube que El-Rei a
elle ia, lhe disse que elle Rei de Portugal era entrado com um homem,
em que não havia virtude nem verdade, dizendo-o por El-Rei
de França, e que para o crêr
não quizesse logo outra prova, se
não que tendo enviado a elle que no mundo era tal e
tão excellente Rei, e com requerimentos e
mostranças de tanta paz, amor, e liança, logo
após elle mandara
muita gente d'armas em ajuda do duque de Lorreina seu inimigo e para
contra elle. Porém que elle tinha ao mesmo Rei de
França em tão pouca estima, que com um
só page, que mostrou, ousaria dar-lhe batalha e esperar
victoria. Mas pois que elle Rei D. Affonso por assi lhe cumprir queria
sua concordia, que por lhe comprazer era d'ella contente, e lhe
prometia leal e verdadeiramente, não sómente de
estar em toda paz e amizade que se entre elles podesse, mas que elle
faria cumprir a El-Rei de França todo o que em sua demanda
lhe tinha prometido e prometesse.
E com esta conclusão finalmente se partiram, para nesta
sustancia do lugar a que tornavam concordarem e firmarem suas
capitullações.
E d'hi a poucos dias praticando El-Rei D. Affonso como isto se bem
faria, veio sobre o cerco do duque de Borgonha, e contra elle a mesma
gente d'armas d'El-Rei de França com outra muita do duque de
Lorreina. E o duque com quanto tinha muito menos gente e era de fome e
de frios mui trabalhada, não
[116]
aguardou ser em seu arrayal combatido,
mas sahio fóra a esperal-os, e no campo lhes deu a batalha,
em que foi desbaratado e vencido com mortes e grande perda de sua
gente, e querendo salvar-se por uma ponte já um
pedaço da peleja, achou contrairos
que a guardavam. Dos quaes pelejando sem ser então
conhecido, a um domingo, bespora dos Reis Magos do anno de mil e
quatrocentos e setenta e sete, foi morto, e depois se conheceo no campo
por os sinaes de seu corpo que um seu fisico d'elle deu, e tambem por
uma cellada rica que um seu page trazia, junto da qual pareceu que
jazia, como jazia o corpo do dito duque. Cuja morte que logo a El-Rei
D. Affonso foi notificada, pôs a elle e a todolos portugueses
em publico nojo e muita tristeza, com que deu suspeita aos franceses de
o haverem por contrairo, e esteve em condição
para d'elles receber por isso mais dano e perigo, que bom trato nem
serviço.
E na morte e perda do duque de Borgonha acabou El-Rei D. Affonso de
verdadeira e sustancialmente perder toda esperança de seu
desejo e proposito; porque em sua vida do duque estava toda a
obrigação para El-Rei de França ajudar
a El-Rei. E em sua morte foi o contrairo; porque como por ella El-Rei
de França se vio livre e desocupado dos receios que do duque
tinha, logo sem medo nem vergonha do que tinha prometido, desamparou o
negocio de Castella, e entendeo do seu proprio, que foi haver e cobrar
muitas terras da alta Borgonha e Picardia, que o duque lhe tinha
tomadas, e por seu fallecimento ficaram sem resistencia. E
porém El-Rei de França mandou logo recado a
El-Rei D. Affonso, pedindo-lhe com palavras de grande
esperança, que em tanto se fosse, como logo foi,
aposentar-se em Paris, onde esteve até o Maio, que El-Rei de
França andou
[117]
sempre em sua guerra, fazendo e acabando o que lhe cumpria.
CAPITULO CXCIX
Da resposta que os embaixadores
houveram em Roma
ácerca da despensação que
requereram
Os embaixadores dos
Reis que eram em Roma, com muita instancia e
efficacia requereram ao Papa Sixto quarto a
despensação sobre que principalmente foram
enviados, em que por parte de El-Rei D. Fernando de Napoles, por ser
casado com uma irmã d'El-Rei D. Fernando de Castella, e por
outros senhores que favoreciam sua parcialidade, por causas de
eminentes e oferecidos danos que alegaram, houve para a
despensação se não
conceder grande e total contrariedade. Porque o Papa por ventura
aconselhado n'isso catholicamente, consirando como El-Rei D. Fernando
com a Rainha D. Izabel sua mulher eram pacificos Reis de Castella, e
El-Rei D. Affonso era n'elles em forças e poder mui
desigual, houve por grande mal e perjuizo da christandade conceder a
dita despensação, em caso que parecesse
razão por ser direito conceder-se, por não dar
com ella causa e titulo de uns e outros se guerrearem com mortes de
christãos, e guerras continuas que se
não escusavam, o que o Papa devia evitar especialmente; que
ajuda d'El-Rei de França para El-Rei D. Affonso sempre em
Roma se houve por mui duvidosa.
E estando n'estas duvidas e debates chegou a Roma nova da morte do
duque de Borgonha, com que o Papa fazendo por ella o poder d'El-Rei de
França
[118]
mui mais livre e despejado para sem contradição
se quizesse poder dar uma grande ajuda, houve o direito e
justiça d'El-Rei D. Affonso para a sobcessão de
Castella por de mór efficacia, com fundamento do qual o Papa
tomou um meio, que mais verdadeiramente foi clara
denegação, o qual foi, que por quanto pelas
razões alegadas, a El-Rei D. Affonso por si, sem
França, a dita despensação
não se devia conceder, e que com a inteira ajuda d'El-Rei de
França era
razão que se desse, que por tanto a elle mesmo Rei de
França se devia de dar tomando-a elle com seu cargo.
CAPITULO CC
Da conclusão que El-Rei D. Affonso tomou
com El-Rei de França, quando com elle se vio a segunda vez
Com esta resposta se
vieram os embaixadores, que acharam El-Rei D.
Affonso já em Paris. D'onde enviou logo o conde de
Penamacôr a El-Rei de França, que era na cidade de
Raz dar-lhe conta da embaixada. O qual volveo logo, com
determinação que os Reis ambos no mesmo Raz logo
se vissem, para onde El-Rei D. Affonso logo partio, e El-Rei de
França a cavallo e vestido casi na maneira da primeira vista
o veio receber, e foi com elle a seu aposentamento, que foi em uma mui
grande e honrada Abadia de Conegos Regrantes, em que El-Rei e toda sua
gente se alojou.
Alli esteve El-Rei D. Affonso alguns dias, esperando a cautelosa e
inutil determinação, ou mais certo
desesperação d'El-Rei de França, que
lh'a deu com
[119]
certos
apontamentos, que para discretos era clara escusa do que se pedia, com
que El-Rei D. Affonso se despedio para Portugal. E tão mal
despachado como a desaventura do tempo ordenou; porque assi como
vivendo o duque de Borgonha, El-Rei de França por ganhar sua
paz, ajudara de necessidade a El-Rei D. Affonso, assi por sua morte
achando muita da sua terra desocupada para a poder cobrar,
não curou d'isso, nem foi muito de culpar El-Rei de
França por maiores promessas que fizera; porque para dar
gente e dinheiro a Rei estranho, com que para isso ganhasse reino de
empresa tão duvidosa, e leixar perder e não
cobrar sua propria terra, o direito e rasão
que o a isso obrigasse seria escuro e máo d'achar.
CAPITULO CCI
Como o Principe cercou a villa d'Alegrete e a tomou, e
d'outras cousas que no reino se seguiram andando El-Rei D. Affonso em
França
E tornando ás cousas
do reino de Portugal, tanto
que El-Rei D. Affonso partiu de Lisboa para França, o
Principe D. João seu filho na entrada de Janeiro se foi logo
entre Tejo e Odiana, d'onde mandou continuar a guerra contra Castella,
em que se faziam grandes e danosas entradas. E porque a villa
d'Alegrete estando o Principe em Touro foi manhosamente tomada por D.
Affonso de Monroy, Mestre que se disse d'Alcantara, que a esse tempo
seguia o partido d'El-Rei D. Fernando, o Principe em que havia reaes
bondades e virtudes, e o esforço do
coração não falecia, no mez de
Fevereiro de mil quatrocentos
[120]
setenta e sete, lhe pôs tal cerco e a mandou
combater assi rijamente, que por partido se rendeo, e lhe foi entregue
com muita sua honra e louvor, e porém não sem
dano e mortes dos cercadores e
cercados.
E durando o dito cerco d'Alegrete foi tambem posto estreito cerco em
Castella a Touro, e a Crasto Nunho, e a Cantallapedra, que ainda
estavam por El-Rei D. Affonso. E o Principe determinando de lhes
soccorrer, fez muita gente prestes que mandou com o almirante Lopo Vaz
d'Azevedo, e com Fernão Martins Mascarenhas
capitão dos ginetes, e da villa de Pinhel onde chegaram, se
tornaram por serem certificados que o soccorro com que iam, pela muita
maior força dos cercos postos, se não podia por
elles
dar sem seu manifesto perigo. E em fim os capitães cercados,
Pero de Mendanha, Alcaide de Crasto Nunho e Affonso Peres de Biveiro,
capitão de Cantallapedra como nobres fidalgos e leaes
servidores, por partidos que lhe fizessem nunca se deram, nem leixaram
de ter as fortallezas até que lhe foi mandado por El-Rei D.
Affonso, andando em França, visto como os não
podia soccorrer que o fizessem, pelo qual a salvamento de suas honras e
pessoas entregaram as fortalezas. E com as bandeiras reaes de Portugal
tendidas, por Castella se vieram a estes reinos; porque assim tomaram
por partido.
E n'este anno de mil e quatrocentos e setenta e sete, houve o Principe
de Pedro Pantoja, cavalleiro castelhano, as fortalezas de Zagalla e
Pedra Bôa, que são do Mestrado d'Alcantara, junto
com Albuquerque, em que pôs seus alcaides e
capitães, e por ellas lhe deu em Portugal a villa de
Santiago de Cacem, que é do Mestrado de Santiago. As quaes
fortalezas com outras rendas n'este reino, depois deu o Principe
[121]
ao dito D. Affonso de
Monroy, porque seguisse e servisse a El-Rei D. Affonso seu padre, como
na guerra sempre serviu bem e fielmente até ás
pazes. Outro si porque no anno em que El-Rei D. Affonso entrou em
Castella a fortaleza de Noudal que é Mestrado d'Avis, por
engano e astucia de guerra se tomou, e a este tempo era em poder de
Martim de Sepulveda, fidalgo castelhano, o Principe por concerto o
trouxe a seu serviço com promesssas que lhe fez. As quaes
depois com elle cumpriu, a contentamento do dito Martim de Sepulveda
segundo era obrigado. E sendo El-Rei D. Affonso em França, o
Principe fez côrtes geraes em Mantemór-o-Novo,
onde para estas necessidades da guerra lhe foi pelo reino outorgado
dinheiro, para que lançaram pedidos.
CAPITULO CCII
De como El-Rei D. Affonso desapareceu em
França, e o Principe seu filho por seu mandado se alevantou
por Rei em Portugal
E volvendo a El-Rei D. Affonso que era em França, despedido
elle de Ras como atraz fica, se foi com sua gente a Ruão,
onde esperando pelo aviamento que se dava á sua
embarcação, repousou muita parte do
verão, e d'alli se foi pelo rio abaixo até a
Aynafrol, que é porto de mar, onde a
frota e cousas da armada para sua vinda se aparelhavam, e alli esteve o
mez de Setembro, no qual tempo sentindo elle que a esperança
para as cousas de Castella não lhe respondiam conforme a seu
proposito, e que não fôra por fallecimento de seu
esforço, cuidado
[122]
e diligencia, pois em Portugal e Castela, e em Roma, em
França e Borgonha, tinha procurado todo o que para sua
empresa pareceo conveniente e necessario, e todo lhe falecera, vendo
já cerrados todolos outros caminhos de que esperasse
conseguir desejado effeito, crendo que tantas contrariedades
não podiam ser sem vontade de Deus, determinou entresi como
desconfiado já de remedio leixar este mundo e seus debates,
e sem ser conhecido ir-se a Jerusalem, onde propôs servir a
Deus, e para o cometer e fazer sem dos seus ser sentido, custumou por
alguns dias ir só em romaria ante manhã junto com
Aynafrol, e
assi tambem retraido escrevia de sua mão algumas cousas, que
logo metia em um cofre de que trazia a chave, dando a entender que por
se haver de meter no mar em tempo de inverno fazia ou reformava seu
testamento.
E em fim um dia ante manhã, vinte e quatro dias de Setembro
de mil e quatrocentos e setenta e sete, El-Rei cavalgou como sohia, e
levou comsigo a cavallo Soeiro Vaz e Pedro Pessoa, ambos seus
moços da camara, e a elle aceptos, e dois moços
d'esporas. E mandou a Estevão Martins seu
capellão, que o fosse aguardar á estrada de hi
meia jornada, onde logo com elle se ajuntou. E d'hi fez tornar a
Aynafrol um dos moços d'esporas a que deu a chave do cofre
que leixava, com mandado que o abrissem, como abriram, em que leixava
uma carta para El-Rei de França com remoques dissimulados
reportados á sua desaventura, em que tambem lhe dava conta
do fundamento que tivera para sua partida, que era servir a Deus;
porque assi lhe fizera voto de o fazer depois da morte da Rainha sua
mulher, sendo o Principe seu filho em idade para reger seus reinos como
era, pedindo-lhe amparo, favor, e ajuda para os seus
[123]
que em seus reinos ficavam. E outra
carta para o Principe seu filho, em que lhe dava uma triste conta da
sua viagem, encomendando-lhe e mandando-lhe por sua
benção que logo se alevantasse e
intitulasse por Rei. E outra d'esta sustancia para todolos do reino,
que como a proprio e verdadeiro Rei obedecessem ao Principe. E outra
para os seus que alli leixara, que estivessem á obediencia e
ordenança do conde de Farão, com que todos foram
tão tristes,
e fizeram tão dorosos prantos como a razão
ensina, que em terras tão estranhas e em tanto desamparo, e
a Rei tão amado devia ser.
E as cartas escriptas e ordenadas para Portugal, enviou logo ao
Principe Antão de Faria, seu camareiro, que a esse tempo hi
se acertou, e era lá ido com
visitação e outras cousas entre o pae e o filho
secretas, e por este apressado aviamento que ás cartas se
deu, o Principe solenisou logo seu alevantamento em Santarem no
alpendere de S. Francisco, a dez dias de Novembro de mil e quatrocentos
e setenta e sete. O que não foi sem muitas lagrimas e grande
tristeza sua e de quantos hi eram.
E ante que o moço d'esporas d'El-Rei chegasse com a chave,
já os portugueses vendo sua desacostumada
tardança eram por ella em desesperado pensamento. Nem o foi
menos o monseur de Lebret, que com El-Rei para melhor ser aviado e
servido sempre andava, acusando com irosas e graves
reprensões a negligencia dos portugueses, por leixarem ir
El-Rei assi só e de noite em terras alheias, nem elle se
escusava de muita magoa por não dar d'elle melhor conta.
E porém por todolos caminhos e por toda a terra com gente de
pé e de cavallo fez e mandou com muita trigança
infindos avisos, dando voz que El-Rei de Portugal
[124]
que lhe fôra
encomendado era fugido contra prazer e serviço d'El-Rei de
França. Pelo qual
todolos franceses ouvida esta fama, leixadas todas suas cousas seguiram
ávante pelos caminhos de Roma, em que não podiam
errar; porque de uma parte corria o rio de Ruão, que
não podia passar, e da outra era o
mar. Os quaes troteiros tanto que d'El-Rei acharam nova, logo de uns em
outros correram e seguiram com tão apressurada diligencia,
que a dois dias foram em continente com elle, que de noite estava
já aposentado em uma villagem, e jazia já, onde
na pousada e camara entrou com elle um gentil homem francês,
e porque os portugueses negaram El-Rei, conveio a elle por ser
fóra da duvida acorda-lo e reconhece-lo; porque El-Rei por
dissimulação d'aquelle apartamento, por
não ser por caminhos em alguma differença
conhecido, não comia nem dormia apartado, mas com todos
familiarmente, e tanto que El-Rei foi conhecido, o francês
com muito acatamento lhe pedio perdão pelo espertar, dando a
culpa aos seus pelo encubrirem, e lhe não dizerem a verdade.
E leixando-o na cama se sahio, e da parte d'El-Rei de França
fez logo ajuntar todo o lugar, por que mui sem rumor em toda a noite
foi guardado e velado, d'onde ainda que quizera já
não podera sahir. E logo n'aquella noite a gram pressa este
gentil homem fez messegeiros, uns a El-Rei de França, que
por acertamento não era de hi longe,
e outros a Aynafrol aos portugueses e a Monseor de Lebret, detendo
El-Rei na mesma casa em que o achára, e fazendo-o mui bem
servir.
O conde de Penamacôr com tanta sua magoa, como foi a culpa
d'este caso por ser a isso mais obrigado por ser seu camareiro
mór, era já em caminho em
busca d'El-Rei, com determinação de nunca sem
elle
tornar a Portugal, e pelo aviso que houve de ser já achado,
[125]
foi logo com elle, e porque
o achou forte para sua tornada, avisou logo e enviou chamar o conde de
Farão, e D. Alvaro seu irmão e outros senhores
aceptos, que logo não com menos pressa que alegria o foram
vêr, e d'elles e de uma carta consolatoria que hi veio
d'El-Rei de França, se leixou vencer para tornar e desistir
de seu proposito.
CAPITULO CCIII
De como El-Rei D. Affonso embarcou em
França e se veio a Portugal, e se vio com o Principe seu
filho
E para embarcar, por algum pejo que teve dos que o conheciam,
não tornou a Aynafrol, mas por outro caminho em que por seu
desporto todos os principaes juntamente comiam e folgavam, vieram a uma
angra do mar que dizem a Oga, onde para a pessoa d'El-Rei estava
já prestes uma carraca que mandara fretar a Antona, e alli
vieram logo de Aynafrol as outras naus de França, para todos
embarcarem como embarcaram, e fizeram logo vella, e em poucos dias
foram ancorar através d'Antona á
ilha d'Oyque, onde El-Rei houve rebate de novas de oitenta urcas
d'allemães que vinham contra franceses. E porém
por ventos contrairos não poderam as urcas entrar, e a
El-Rei conveio sair da ilha não pela banda do Norte por onde
entraram, mas pelas agulhas que dizem logar mui perigoso.
E d'alli no mez d'Outubro fez vella, e com um pouco de temporal que
sobreveio uns navios em que vinham cavallos não poderam
aguardar a conserva,
[126]
e vieram-se diante a Portugal, por que o Principe da vinda d'El-Rei seu
padre foi logo avisado, sendo havia muito pouco alevantado
já por Rei, como atrás disse.
Arribou El-Rei em Cascaes, onde logo foi certificado que o Principe seu
filho era já obedecido e intitulado por Rei, e foi surgir a
Oeiras, e ao outro dia sahio em terra, e no mesmo dia veio hi logo o
Principe seu filho, que em o vendo com lagrimas de tanto prazer e
alegria, como foram de paixão e tristeza as de Santarem,
quando em sua vida e por sua obediencia se alevantou por Rei. E com
muita reverença com os giolhos em terra lhe beijou as
mãos, ás quaes com
palavras de Principe tão excellente, e filho tão
bom e tão obediente como elle era, logo renunciou e
depôs o titulo de Rei, de que por cumprir seu mandado e por
haver sua benção mais que por
cobiça de reinar se intitulara.
Com este despejo e bondade do Principe ficou El-Rei e todolos de sua
companhia muito descarregados e alegres, e El-Rei logo com
razões e causas muito de louvor quizera obrigar o Principe
para não desistir do nome de Rei e do hereditario cetro que
já tinha, mas elle com outras de não menos
honestidade que merecimento, sempre se escusou, e como quer que depois
El-Rei lhe movesse e rogasse que todavia se chamasse e fosse Rei de
Portugal, e que elle se contentaria ser Rei dos Algarves com a parte
d'Africa, onde na guerra dos mouros folgaria servir a Deos e n'ella
acabar, o Principe pelo amor e grande acatamento que lhe tinha nunca o
quiz aceitar, e sempre o contrariou, de maneira que El-Rei D. Affonso
não leixou o nome inteiro de seus reinos, nem o Principe em
sua vida acrecentou o seu.
E d'alli d'Oeiras se veio El-Rei a Lisboa, e para o
[127]
vêr vieram logo a Princesa
D. Lianor, e o duque e duquesa de Bragança, e assi todolos
senhores do reino, onde estiveram depois de Janeiro de mil e
quatrocentos e setenta e sete. E de Lisboa se foi El Rei a
Montemor-o-Novo, onde esteve o verão, e no fim d'elle se foi
a Evora durando ainda a guerra de Castella, que se continuava e fazia
com muitas entradas e grandes cavalgadas.
E n'este tempo depois da vinda d'El-Rei D. Affonso de França
elle enviou seus recados e messegeiros a Castella, para outra vez
tornar entrar n'ella, e casar publica e perfeitamente com a Rainha D.
Joana, para que já tinha boa
disposição, com
que muitos grandes de Castella se tornavam a offerecer. Mas o Principe
por causas justas que o a isso moveram, amoestado e castigado dos
enganos e pouca firmeza que n'elles se achou da primeira entrada, o
estorvou da segunda, e assi do casamento que nunca consentio que por
isso se fizesse.
CAPITULO CCIV
De como Lopo Vaz Torrão se alevantou com a
villa de Moura por El-Rei de Castella, e do que se seguio
N'este anno de mil e
quatrocentos e setenta e oito, Lopo Vaz de
Castel-Branco, que por alcunha se dizia o Torrão, sendo
alcaide mór da villa de Moura, sem causa alguma e por
induzimentos alheios que cegaram e forçaram sua propria
lealdade, se alevantou com a dita villa e fortaleza por El-Rei de
Castella, e contra El-Rei D. Affonso que o criara,
[128]
e chamou-se conde d'ella. Mas logo
arrependido d'isso, assi por sua propria
inclinação como por
ser amoestado de seus parentes, homens principaes e mui leaes que no
reino havia, tornou a alevantar-se por Portugal, e desestio do titulo
que individamente e por Rei e Senhor não proprio tomara, e
chamou-se como d'antes se chamava, mas o Principe que d'este seu
alevantamento primeiro foi muito sentido, não se segurando
nem fiando já d'elle para o segundo se, o fizesse, e assi
por elle não estar chão a seu
serviço, teve o Principe maneira como João Palha
e Mem Palha irmãos, e Diogo Gil, e Ruy Gil os Magros,
d'Evora, tambem irmãos, e outros seus parentes manhosamente
como fugidos e temorizados de justiça se acolhessem, como
acolheram ao Castello de Moura com o dito Lopo Vaz, dos quaes em uma
saida que fez a folgar, fiando-se d'elles o mataram no campo, a que o
Principe em pessoa logo accodiu e toda a côrte
após elle, e segurou a villa e a fortaleza, e a entregou
á Infante D. Briatiz como titor que era do duque D. Diogo
seu filho.
CAPITULO CCV
De como se seguiu a batalha de Merida,
em que o Bispo
d'Evora, capitão mór, foi
vencido
A condessa de Medellym em Castella, D. Briatiz Pacheca, irmã
do marquez de Vilhena, com suas fortalezas e outras alheias que tinha,
esteve sempre a serviço d'El-Rei D. Affonso, e na entrada do
anno de mil e quatrocentos e setenta e nove, sendo certa que o Mestre
de Santiago de Castella D. Affonso
[129]
de Cardenas, e outros
capitães d'El-Rei D. Fernando se dispunham para vir cercar
suas fortalezas, enviou pedir ajuda e soccorro a El-Rei D. Affonso, que
determinou dar-lh'o por seus capitães com quanto podesse, e
para isso mandou por capitão mór D. Garcia de
Menezes, Bispo d'Evora, e com elle por capitães D.
João de Menezes seu irmão, e Diogo Lopes de
Souza, e Affonso Telles, e outros que fizeram setecentos de cavallo,
sem alguns de pé de peleja.
E sendo o Bispo entrado em Castella; porque o dito Mestre de Santiago
era já de sua ida bem avisado, sabendo a pouca gente que
levava, determinou com sua gente que era muita mais e mais folgada,
recebe-lo com batalha no caminho junto com Merida; porque com o dito
Mestre eram outros capitães d'El-Rei e da Rainha de
Castella, com mil e tresentos de cavallo, e tres mil homens de
pé para peleja, e podendo o Bispo escusar a peleja, e sendo
razão que a escusara,
porém porque era de nobre sangue e de esforçado
coração, filho, neto, e irmão de
singulares capitães
herdeiros já de louvadas victorias, houve por abatimento
retraer-se sem peleja. E determinou dar-lhe como deu a batalha, em que
pela desegual comparação de uma
gente á outra, com quanto por ambas as partes foi bem e mui
ardidamente pelejada, finalmente o Bispo foi vencido, ferido, derribado
e preso, e com elle a maior parte de sua nobre gente foram feridos e
alguns presos.
E o Bispo posto já em poder de um escudeiro que o tinha
preso, com esperança de grande galardão
que lhe prometeo, e depois deu, se concertou com elle que o salvasse, e
levasse como levou a Merida, onde e assi em Medellym a que alguma gente
que do destroço fugindo se acolheo, se tornou a reformar, e
sem esperar já soccorro se manteve muito tempo cercado,
soffrendo
[130]
grandes perigos dos contrairos, mas muito maiores de grandes
doenças em que
cahiam, fazendo sempre em armas coisas assinadas de sua honra e louvor.
E assi com nome d'esforçado se manteve todo o
verão, até o concerto das pazes que se logo fez,
que foi n'esta maneira.
CAPITULO CCVI
De como se ordenaram e trataram as pazes entre
Portugal e Castella, e por quaes pessoas, e com que
condições e cousas
sustancialmente
N'este tempo depois
do
destroço do Bispo e ante d'elle havia
já n'este reino de gente, armas, e cavallos, e
principalmente de dinheiro, que é o sustancial nervo da
guerra, manifestas necessidades, e estas mesmas com outros maiores
receios tambem não falleciam em Castella. Porque como os
grandes e senhores principaes d'aquelle reino, por sua natural
condição sempre sejam amigos de novidades e
divisões, com quanto publicamente desserviam El-Rei D.
Affonso; porém por fazerem seus partidos mais
esforçados, nunca leixavam de trazer com elle praticas e
cometimentos secretos, para outra vez o retornarem com a Rainha D.
Joana a Castella. O que não ficava por saber a El-Rei D.
Fernando, e á Rainha D. Isabel sua mulher, que com toda sua
prosperidade eram por isso postos em terror e cuidado. Pelo qual por
occultos meios de pessoas virtuosas e de santa
tenção, que entre os Reis e o reino cometeram as
pazes, houve de uma parte e da outra taes intelligencias, e para isso
tão chegadas a conclusão, que a
Rainha D. Isabel por concerto se veio á villa d'Alcantara
[131]
em Castella, onde a
Infante D. Briatiz de Portugal sua tia, por prazer d'El-Rei D. Affonso
e do Principe D. João, se foi vêr com ella, e alli
ambas tomaram
assento de as pazes todavia se fazerem e concordarem n'este reino de
Portugal; porque assi se houve por mais favor e mór honra
d'El-Rei e de seus reinos, aos quaes a Infante com esta determinada
conclusão se tornou, para execução da
qual o Principe a que
o negocio e cargo dos tratos e assentos das ditas pazes, por prazer
d'El-Rei seu padre foi em todo cometido, por concerto já
praticado se foi á villa das
Alcaçovas d'entre Tejo e Odiana, onde veio por só
embaixador e procurador d'El-Rei e da Rainha de Castella o doutor
Rodrigo Maldonado, que vulgarmente se dizia de Tallaveira, que
juntamente com D. João da Silveira, barão
d'Alvito, que foi só procurador
d'El-Rei e do Principe de Portugal, praticaram e concordaram as
capitulações das pazes, que foram perpetuas sem
alguma limitação de tempo, em que
sustancialmente se tomaram estas conclusões principaes, que
se concordaram e capitularam na dita villa das Alcaçovas, a
quatro dias de Setembro de mil e quatrocentos e setenta e nove.
Primeiramente que El-Rei D. Affonso leixasse o titulo dos reinos de
Castella e Lião. E assi mesmo El-Rei D. Fernando e a Rainha
D. Isabel leixasse o titulo de Portugal, de que sem algum fundamento de
direito em seu ditado se intitulavam. E a Rainha D. Joana leixasse
todolos titulos de Castella e de Lião e de Portugal, de que
se intitulava, e de hi em diante não se chamasse Rainha,
Princesa, nem Infante, salvo depois que fosse casada, se casasse com o
Principe D. João de Castella, como podia ser e ao diante se
dirá.
Outro si n'estas pazes encorporaram e reformaram
[132]
os capitulos das pazes antigas, feitos
entre El-Rei D. João o primeiro d'estes reinos de Portugal
com El-Rei D. João o segundo de Castella quando outra vez
tiveram guerra. E além da aprovação
das ditas pazes antigas, foi mais concordada e firmada outra nova
adição e capitulação, que
esta nova concordia especialmente requeria, em que sustancialmente
foram declaradas e determinadas estas cousas.
Que as cidades, villas e castellos que de um reino a outro fossem
tomadas, e assi os prisioneiros todos de qualquer sorte e
condição que fossem, se restituissem e
entregassem, e soltassem livremente, e que os Reis de Castella
perdoassem como perdoaram em geral e especial a todos seus naturaes,
que depois da morte d'El-Rei D. Anrique por qualquer maneira serviram e
seguiram a El-Rei D. Affonso e ao Principe D. João seu filho
até a
publicação das pazes, e assim lhes restituissem
em Castella todas suas villas, castellos, terras, lugares, e todalas
rendas, officios, beneficios, e cousas para os terem e possuirem
indistintamente, assi como os tinham e possuiam ao tempo que com os
ditos Reis e Principe se ajuntaram.
E por alguns cavalleiros e pessoas particulares se fizeram algumas
capitulações especiaes, as quaes
por cautellozos e não proprios entendimentos que lhes os
Reis de Castella davam, nunca depois perfeitamente se cumpriram, e assi
os ditos Rei e Principe uns aos outros se remetteram, perdoaram, e
quitaram todalas mortes, danos, malles, e roubos que em guerra ou
tregoa de uma parte ou de outra por qualquer maneira se fizeram, e que
assi se derribassem como derribaram as fortalezas que nos estremos dos
reinos, de um reino e do outro novamente se fizeram.
Outrosi que o senhorio de Guiné, que é dos cabos
[133]
de Não e do Bojador até os Indios
inclusivamente, com todos seus
mares
ajacentes, ilhas, costas descobertas e por descobrir com seus tratos,
pescarias e resgates, e assi as ilhas da Madeira, e dos
Açores, e das Flôres, e do Cabo Verde, e assi a
conquista do reino de Fez ficasse
insollido, e
para sempre ao dito Rei e Principe de Portugal, e a todos seus
herdeiros e sobcessores para sempre, e que as ilhas das Canarias logo
nomeadas, com a conquista do reino de Grada ficassem outrosi
insollido
aos Reis
de Castella, e a seus sobcessores para sempre.
A qual capitulação, adoção
e reformação nova, com todas estas cousas de
Guiné e conquitas mais declaradas, o Papa Sixto quarto a
requerimento e
suplicação do Principe D. João depois
de ser Rei, confirmou e ratificou por sua Bulla,
ad
perpetuam rei
memoriam, em que as ditas capitulação
e cousas de
verbo a verbo foram todas encorporadas, com penas
e excomunhões e maldições, aos que em
qualquer maneira para
sempre as quebrantassem, além das outras conteudas nas
Bullas das doações que os outros Papas pozeram,
concederam e declararam, quando d'este senhorio primeiramente a
requerimento do Infante D. Anrique fizeram doação
a este Rei D. Affonso, e a todos seus
herdeiros e sobcessores para sempre, como na morte do dito Infante D.
Anrique brevemente atrás apontei.
Outrosi que para maior seguridade e firmeza das ditas pazes, o Infante
D. Affonso filho primeiro do Principe D. João de Portugal,
tanto que fosse em idade de sete annos casasse por palavras de futuro,
e em idade de quatorze annos por palavras de presente, com a Infante D.
Isabel, filha maior dos ditos Rei e Rainha de Castella, e
além dos corregimentos de sua pessoa, casa e camara,
houvesse em dote quarenta contos ou milhões de reaes, pagos
em certo modo e
[134]
tempo, em que os vinte contos d'elle entravam em
satisfação pelas despezas que El-Rei D. Affonso
tinha feitas na guerra, os quaes em todo caso este reino de Portugal
sempre havia d'haver, posto que os outros vinte contos por algum caso
que sobreviesse houvessem de ser restituidos a Castella.
E que d'hi a certo tempo nos contratos conteudo a dita Senhora D.
Joana, com todalas escripturas que tivesse, e se podessem haver
ácerca do que tocava á sua subcessão
de Castella, e assi os ditos
Infantes fossem postos em terçaria na villa de Moura em
poder da dita Infante D. Briatiz, na qual estivessem até
serem perfeitamente casados. Porque outrosi foi acordado que o Principe
D. João, filho dos ditos Rei e Rainha de Castella, tanto que
fosse em idade de sete annos casasse por palavras de futuro com a dita
Senhora D. Joana, e em idade de quatorze annos casasse com ella por
palavras de presente, e então se chamaria Princesa, e
haveria d'arras vinte mil florins d'Aragão, além
das rendas com que bem podesse manter seu estado, e que sendo caso que
o dito Principe aos ditos tempos com ella não se quizesse
esposar e casar, que então ella fosse livre da
terçaria,
e lhe fossem entregues suas escripturas, e mais houvesse para si em
Castella d'El-Rei e da Rainha cem mil dobras d'ouro de banda, pagas em
dois annos, ou a cidade de Touro a penhor d'ellas, com suas rendas e
jurdições sem descontar até lhe serem
pagas, e podesse então despoer de si o que quizesse.
E porém que a dita Senhora D. Joana logo se pozesse em
terçaria, em poder da Infante D. Briatiz com todalas ditas
escripturas que fossem em seu favor, ou entrasse em religião
em um de cinco moesteiros, ou em Santa Clara de Santarem, ou de
Coimbra, ou no moesteiro de Christus d'Aveiro, ou no Salvador de
Lisboa,
[135]
ou na Conceição de Beja, em cada um dos quaes
recebesse o habito, e estivesse um anno que se dizia da
aprovação. Acabado o qual de necessidade
escolheria uma de duas cousas, ou fazer inteira profissão, e
ser freira professa no habito da ordem que recebesse, ou ir-se
pôr nas terçarias de Moura com os ditos
infantes D. Affonso e D. Isabel, para n'ellas estarem em poder da
Infante D. Briatiz até se cumprirem os tempos e cousas dos
capitulos que para cada uma d'ellas eram concordados, para que a dita
Infante em sua vida e por seu fallecimento a Senhora D. Fellipa sua
irmã, ou D. Diogo duque de Vizeu, e o Senhor D. Manuel seus
filhos com seus alcaides e capitães e cavalleiros fossem os
sós e principaes mantedores e seguradores das ditas
terçarias, e n'ellas haviam de poer as guardas e officiaes
á sua vontade, sem os Reis nem Principe poderem a ellas ir
durando o tempo d'ellas, e para o melhor poderem fazer, houveram dos
ditos Rei e Principe autentica faculdade e licença para
d'elles se desnaturarem. Por tal que sem cahirem em caso, lhes fizessem
cumprir todo o que por bem dos ditos tratos e
capitulações fossem obrigados, das quaes
cousas todas se fizeram capitulações e
escripturas
juradas e firmadas pelos ditos Reis.
[136]
CAPITULO CCVII
Da publicação das
pazes e das
mais cousas que para cumprimento d'ellas se fizeram, principalmente
ácerca da Excellente Senhora D. Joana
E no fim do mez de Setembro d'este anno do nascimento de Nosso Senhor
Jesus Christo de mil quatrocentos e setenta e nove, as ditas pazes se
publicaram logo no dito lugar das Alcaçovas, e des hi por
todolos reinos de Portugal e Castela, onde de hi em diante se guardaram
e cumpriram inteiramente. E porém o titulo de Rainha e
estado que a Senhora D. Joana tinha, não lhe foi logo tirado
até os seis dias d'Outubro logo seguinte; porque
então se cumpriam seis mezes que a dita Senhora D. Joana
teve de liberdade, para sem quebrantamento d'estas pazes se poder sair
dos reinos de Portugal, mas em tal caso não podia d'elles,
nem d'El-Rei e do Principe por alguma maneira receber ajuda nem
soccorro, nem menos ser por elles intitulada Rainha, Princesa nem
Infante, e porque isto não sobcedeo á dita
Senhora em Castella como á sua honra, estado e desejo
cumpria, sendo forçado escolher um de dois meios que para
ella eram estremos de mortal sentimento, ou poer-se em
terçaria ou entrar em religião, ella escolheu por
melhor entrar em religião. Pelo qual estando ella
não com menos força alheia que
tristeza sua propria, e com dorosas lamentações
suas e de
todolos seus, leixou o titulo de Rainha e tomou nome de D. Joana, e
despio seu corpo dos brocados e sedas que trazia, e vestiram-na em
habitos pardos de Santa Clara, tirando-lhe da cabeça a
corôa real de
Castella e Portugal de que era intitulada, e cortando-lhe d'ella
[137]
seus cabellos como a uma
pobre donzella, e por maior seu agravo e magoa não lhe
leixando os servidores de seu gosto e vontade, nem menos cousa que
tivesse imagem d'estado. E o primeiro mosteiro em que assi entrou, foi
Santa Clara da dita villa de Santarem.
E na execução d'estas cousas porque a necessidade
d'outras muitas assi o requeria, o só e principal ministro
era o Principe; porque El-Rei D. Affonso seu padre de muito anojado e
envergonhado d'ellas, de todas se escusou, e as leixou inteiramente
á
disposição e ordenança do filho, a
cuja vontade El-Rei n'aquelle tempo mostrou ser muito inclinado e
sobjeito.
Mas se o Principe no cumprimento d'estas cousas excedeu o modo contra a
Senhora D. Joana, porventura mais do que por razão, piedade,
e temperança se lhe devia, e isto pela gloria e
contentamento que tinha do casamento do Infante seu filho se
não desfazer, que não era sem alguma
esperança da
sobcessão de Castella, a desaventurada fortuna como
crú algoz do rigoroso e severo juizo Divino, pela culpa do
Principe se a tinha, lhe deu logo a pena com o triste e mortal
apartamento dos innocentes Principe e Princesa, depois de novamente
casados, sobre que tanto fundamento de honra e segurança
fazia. Porque o mesmo lugar de Santarem, que contra a Senhora D. Joana
foi o talho d'esta primeira sua crueza, se tornou a ser o principio
d'esta sua vingança; porque o Principe D. João
depois de ser Rei á vista da mesma
Excellente Senhora vio a supita e desastrada morte do Principe D.
Affonso seu filho, e a quem á primeira pareceo, que sendo
vivo os reinos de Portugal sem os de Castella lhe não
abastariam, elle o vio logo morto, e de uma pouca de terra para sempre
sobjeito e contente,
[138]
e a
triste e innocente Princesa sua mulher ante de bem casada se vio logo
ser viuva, privada do verdadeiro titulo que tinha, e trocados os
brocados ricos, e ollandas delgadas que trazia, com pobre burel e
grossa estopa em que foi logo vestida, nem ficaram por cortar seus
cabellos dourados com accidental proposito de religião,
sendo apartada das pessoas mais de sua
conversação, e servida por servidores
alheios, comendo no chão e em vasos de barro, privada em
todo de todo estado, entrando n'estes reinos esposada cuberta d'ouro e
de preciosa pedraria, em cima de ricas facas e trotões
á vista de todos. E saindo logo d'elles viuva, cuberta de
vaso e almafega, em cima d'azemolas, escondida de todos.
Mas vós lagrimas que na lembrança d'esta
dôr aqui apontaes, soffrei-vos um pouco, cá para
outro mais proprio lugar estaes reservadas.
Nem a culpa do solemne, mas simulado e cautelozo juramento que El-Rei e
a Rainha de Castella fizeram sobre o casamento d'esta Senhora com o
Principe seu filho, não ficou sem triste pena e mortal perda
e sentimento
seu, porque Deus em cujo desprezo pareceo que se fez, não
padece engano por castigo, do qual vimos que tambem elles viram a
não madura morte do Principe innocente moço seu
filho, vivendo pouco mais tempo d'aquelle em que com esta Senhora
prometeram e juraram de o casar; porque elle já
então era casado com Madama Margarida, filha do Rei dos
romãos, e a tinha já em seu poder, sem de nenhum
d'estes Principes de que os Reis de Castella e de Portugal tanta
esperança e fundamento faziam, ficar algum ligitimo herdeiro
descendente que os subcedesse e herdasse, e foram seus herdeiros os
transversaes mais chegados.
[139]
CAPITULO CCVIII
Da grande pestelença que sobreveio a estes
reinos, e como se fez a profissão á Excellente
Senhora D. Joana
El-Rei D. Affonso e o
Principe com toda a côrte se foram logo
a Lisboa, d'onde no Janeiro do anno que vinha de mil e quatrocentos e
oitenta se partiram, por causa da grande e mui crua
pestenença que na cidade sobreveio, a qual em todo este
reino durou bem dezasete annos, que se acabaram nos primeiros dias em
que El-Rei D. Manuel nosso Senhor depois começou de reinar,
que foi no tempo em que como catholico Principe de todo tirou e
arrancou de seus reinos a velha lei de Moysés, e a errada
seita de Mafamede, lançando fóra d'elles os
judeus que
não quizeram ser christãos, e assi os mouros,
como infernaes ministros e discipulos d'ellas.
El-Rei D. Affonso se foi a Viana d'Alvito, e o Principe e Princesa a
Beja, e a Excellente Senhora porque Santarem da mesma
pestenença foi logo contaminado, com gente d'armas que a
sempre guardou, foi levada ao mosteiro de Santa Clara d'Evora.
E porque o Principe no anno passado ante das pazes soube que certa
armada era ida de Castella resgatar contra sua defesa á
Mina, armou contra ella outra de que por uma vez foi capitão
mór Jorge Corrêa, comendador do Pinheiro, e da
outra Mem Palha, homens honrados e bons cavalleiros. Os quaes toparam
na Mina os castelhanos, e assi os cometeram que muito a seu salvo lhes
tomaram sua frota, com muito ouro e mercadorias, e trouxeram suas
pessoas
[140]
presos e captivos a
Lisboa, que por condição das pazes foram soltos,
e o ouro que foi muita soma assi como vinha em joias e arrieis foi
levado a Beja, de muita parte do qual o Principe fez mercê
aos embaixadores de Castella, que depois a Moura vieram sobre o
concerto das terçarias.
E porque Evora no verão d'este anno começou
corromper-se de pestenença, foi logo d'ella tirada a
Excelente Senhora, e levada com sua guarda ao Vimieiro, onde o Principe
veio, e d'alli a levaram ao mosteiro de Santa Clara de Coimbra. E
El-Rei D. Affonso se foi a Villa Viçosa, e de hi na entrada
do inverno a Coimbra, e o Principe após elle.
E porque n'aquelle mesmo tempo se cumpria o anno de
aprovação, que á Senhora D.
Joana fôra dado para no cabo d'elle escolher, ou entrar em
terçaria em poder da dita Infante D. Briatiz, ou fazer
profissão, chegaram alli por embaixadores e procuradores
d'El-Rei e da Rainha de Castella o Prior de Prado, que depois foi o
primeiro Arcebispo de Grada, e o doutor Affonso Manuel, para serem no
auto e
execução de qualquer d'estas cousas que a dita
Senhora escolhesse.
E n'este tempo e na mesma cidade de Coimbra adoeceu El-Rei D. Affonso
de grande infermidade, de que esteve á morte, e a causa
d'ella segundo seus acidentes era sómente reportada a nojo e
padecimentos que recebia por a mudança e cousas da
Excellente Senhora, para que era constrangido. A qual
forçada para dois estremos á sua alma
tão amargosos e
tristes, não fiando nem segurando sua vida na entrada das
terçarias, não por duvidar da bondade,
conciencia e virtudes da Infante D. Briatiz, mas receando-se da
continua conversação e familiaridade de
castelhanos contrairos, que não podia escusar, e assi movida
[141]
por outros respeitos,
escolheu por melhor fazer de todo profissão no mesmo habito
de Santa Clara que trazia, e n'elle servir a Deos antes que tomar
partido tão incerto, e para sua vida e sua honra
tão
duvidoso. E na bespora do dia em que foi ordenado a dita Senhora fazer
profissão, foi no mosteiro tamanho pranto de seus criados e
criadas que alli ocorreram, como se a houveram de soterrar. E com isto
em alguma maneira foi de seu proposito revolta para não
fazer profissão, a que o Principe acudio, e assi a soube
temperar com esperanças de futuro bem, e com palavras assi
brandas e prudentes, que de todo a confirmou em despejadamente fazer a
dita profissão, a qual fez dentro no dito mosteiro, a quinze
dias do mez de Novembro do dito anno de mil e quatrocentos e oitenta.
E ao auto da dita profissão esteve o Principe sem El-Rei, e
com elle foram a ella presentes os ditos embaixadores de Castella, e
todolos grandes senhores, Prelados e fidalgos da côrte de
Portugal, perante os quaes depois de ser reconhecida por a mesma
Senhora D. Joana, ella com uma paciencia e segurança com que
a muitos commovia a muitas lagrimas, das mãos de Frei
Diogo d'Abrantes recebeu o veo
preto, na fórma, e com a solenidade e cerimonias que a dita
ordem manda. Do qual todos os ditos embaixadores logo pediram publicos
estromentos, que depois lhe foram dados á sua vontade.
N'este tempo foi a cidade de Rodes cercada de turcos, e posta em grande
afronta, sendo Gram Mestre D. Frei Pedro d'Ahábusam, a cujo
socorro foi d'estes reinos D. Diogo Fernandes d'Almeida que trazia o
habito da dita Ordem, e era eleito para ser como foi Prior do Crato, e
foi bem armado e aparelhado, e no caminho e em Rodes ganhou muita
honra,
[142]
sendo ferido pelejando
com gallés, e fazendo ricas presas como homem de nobre
sangue, a que em todas suas cousas d'antes e depois nunca falleceu
discressão, bondades, e grande esforço de
coração.
CAPITULO CCIX
De como se fizeram as entregas do Infante D. Affonso e da
Infante D. Isabel nas terçarias de
Moura
E feita a dita profissão, o Principe se partiu de Coimbra, e
mui aforrado chegou a Beja onde era a Princesa sua mulher e o Infante
D. Affonso seu filho, que ainda não era de cinco annos.
E porque no mesmo dia se cumpria o tempo em que o dito Infante havia de
ser entregue em Moura em poder da Infante D. Briatiz como era sob
grandes penas capitulado, na mesma hora que o Principe chegou, logo por
prazer da Princesa o inviara mui honradamente a Moura. E não
partiu d'ante elles com menos dôr e saudade que se lhes
levara os
corações d'ambos, e o arrancaram de sua propria
carne, e não era sem causa; porque alem de ser só
filho ainda, n'elle havia em tudo tantas e tão angelicas
perfeições, que o privar de sua vista e
conversação assi o merecia. Mas por cumprirem o
que como bons e verdadeiros Principes deviam, posta a natural
dôr que o contradizia, despensando com a
privação do filho pela piedade do reino,
permitiram que o primeiro caminho que seus mui tenros pés
fizessem, fossem com risco de sua vida ir tirar a guerra e a morte dos
reinos, porque então já esperavam.
E com tanta aflição do corpo e d'alma,
não havia
[143]
quem
a estes Principes mais confortasse que a fé e verdade que a
Deus e ao mundo sem cautella sempre mantiveram com grande cuidado;
porque n'estas que eram suas proprias virtudes, para sua
consolação
e descanso ora buscavam ante elles rasões e confortos, com
que lhe alimpavam as reaes lagrimas, que sua humanidade não
podia escusar.
E como o Infante D. Affonso foi assi entregue, logo o Principe e a
Infante D. Briatiz, por Rodrigo Affonso e por Ruy de Pina notificaram
sua entrega, e a profissão da Senhora D. Joana á
Infante D.
Isabel e aos Senhores de Castella que a traziam e com ella estavam na
villa da Fonte do Mestre, para ella vir e ser tambem entregue na dita
terçaria, como era capitulado. E feita a dita
notificação, logo
D. Affonso de Cardenas, Mestre de Santiago, e D. Diogo Furtado de
Mendonça, Bispo de Pallença, e D.
Affonso d'Afonseca, Bispo de Avyla, e outros senhores que com ella eram
se vieram a Freixinal.
E d'hi se emaderam mais e juntamente por embaixadores d'El-Rei e da
Rainha de Castella, aos outros que foram a Coimbra, o Bispo de Coria D.
João de Ortiga, e o licenceado d'Ilhescas, os quaes todos
quatro sem a Infante se vieram diante a Moura, onde com o Infante D.
Affonso e com a Infante D. Briatiz, eram já o duque de Vizeu
D. Diogo, e o duque de Bragança D. Fernando, e o conde de
Faram D. Affonso, e o senhor D. Alvaro, com outros senhores e fidalgos
do reino, e por procuradores d'El-Rei e do Principe D. João
de Mello, Bispo de Silves, e D. João da Silveira,
barão d'Alvito, para todos
concordarem e praticarem as menagens, seguridades e desnaturamentos, e
cousas que para entrega e vinda da dita Infante D. Isabel cumpriam. Nas
quaes por parte dos dois derradeiros embaixadores de Castella,
[144]
contra a opinião
e voto dos outros primeiros se moveram e apontaram de novo tantas
duvidas e condições para dilatarem a entrega da
dita Infante, com que foi necessario ir algumas vezes consulta ao
Principe, que era em Beja; porque todo este negocio sobre elle pendia,
o qual anojado de suas importunações
e injustas delongas, finalmente enviou aos ditos embaixadores dois
escriptos, com duas palavras feitas de sua mão, e em um
dizia
Paz, e no outro
Guerra, e mandou que no Conselho onde os de um
reino e do outro cada dia se juntavam fossem os ditos escriptos
apresentados aos ditos embaixadores, e que logo em nome dos Reis seus
Senhores escolhessem um d'elles, qual quizessem, e que se tomassem o da
guerra, que mais seria d'ella contente por ser uma guerra, que de paz,
que tantas guerras lhe dava. E que se quizessem o da paz, que d'elle
tambem lhe prazia sem mais
negociações das que já eram
concordadas, e que para isso logo trouxessem e entregassem a Infante.
Os quaes dois escriptos do Principe, com sua
determinação tão perantoria tiveram no
Conselho tanta força, que os embaixadores todos sem mais
altercações se conformaram e acordaram a entrega
da dita Infante, que foi a onze dias do mez de Janeiro de mil e
quatrocentos e oitenta e um, a que a Infante D. Briatiz com toda a frol
e gentileza de Portugal que alli foi junta sahio, e a uma legoa de
Moura junto com a quintã que dizem da Coroada, e no meio de
um ribeiro que alli corre, das mãos dos ditos senhores e
embaixadores de Castella recebeu a dita Infante D. Isabel. E entregou a
elles o Senhor D. Manuel seu filho, que com a gente que á
sua honra e estado cumpria, levaram á côrte dos
Reis de Castella em lugar do duque D. Diogo seu irmão, que
por contrato das terçarias houvera primeiro de ser entregue,
mas por
[145]
a este tempo o duque ser doente, ficou por então
até ser são, mas verdadeiramente assi foi muita
razão, e ainda pareceu quere-lo assi Deos, que o Senhor D.
Manuel primeiro fosse arrefens e segurança da paz e
assessego dos reinos de Portugal, pois elle por graça Divina
primeiro os havia de sobceder com a mesma paz e assessego como
sobcedeu, e ao diante se dirá.
E porém o duque foi depois a Castella, e o Senhor D. Manuel
tornou a Portugal, como em seus tempos e lugares será
declarado.
E porque a villa e fortaleza de Moura em que terçarias foram
logo ordenadas, e em que o Principe á sua custa para os
Infantes mandou fazer honrados aposentamentos, era nos
verãos naturalmente muito doentia e perigosa, requereu o
Principe a El-Rei e á Rainha de Castella e á
Infante D. Briatiz, que para segurança das vidas e pessoas
dos ditos Infantes, houvessem por bem as ditas terçarias
pelas mesmas condições se mudarem á
villa de Beja,
que de seu sitio era sã e de bons ares.
E por algum consentimento, que com razão os ditos Senhores
Reis e Infantes logo para isso deram, o Principe mandou fazer grandes
percebimentos de pedraria e madeiras e officiaes, para no castello de
Beja se fazerem outros aposentamentos. E elle e a Princesa se foram de
Beja ter a Pascoa da Resurreição a Torres Novas,
onde era El-Rei D. Affonso. Mas porque a Infante D. Briatiz por
conselhos e induzimentos não verdadeiros, com que pareceu
que foi enganada, mudou este proposito, e com todo o grande perigo de
Moura quiz ficar no primeiro de se não mudar da dita villa,
o Principe começou tomar d'ella alguns descontentamentos,
pelos quaes logo desejou desfazer ou mudar as ditas
terçarias em outra maneira.
[146]
CAPITULO CCX
Do socorro que pelo Bispo d'Evora foi enviado contra o Turco,
quando tomou a cidade do Tranto em Italia
E por quanto no anno passado de mil e quatrocentos e oitenta, o
exercito do Gran Turco com seus capitães passou em Italia no
reino de Napoles, e por força tomou na Pulha a cidade de
Tranto com outras villas e castellos, com grande e piadoso estrago de
christãos, e D. Affonso duque de Callabria, filho d'El-Rei
de Napoles era já em cerco sobre a cidade para a cobrar; o
papa Sixto quarto, que então era presidente na Igreja de
Deos, por atalhar á destruição de
Italia e
Roma, que se aparelhava, enviou pedir socorro e ajuda a todolos Reis e
Principes christãos, para que outorgou certas dizimas que
mandou lançar pela clerezia, pela qual El-Rei D. Affonso e o
Principe seu filho estando em Torres Novas, por obedecer ao Padre Santo
em obra tão santa e tão piadosa, e que de seus
corações e legitima
devoção não era alheia, depois de as
dizimas serem ordinariamente tiradas, e elles darem para isso toda
outra ajuda necessaria, enviaram para a dita
expunação do Tranto e resistencia do Turco o
Bispo d'Evora D. Garcia de Menezes com grande frota, e muita e mui
nobre gente de seus reinos, que de caminho tocando em Barcellona onde
eram os Reis de Castella, foi a gente de Portugal e suas armas e
gentileza muito louvada. E de ahi foi a Ostia, porto de Roma, por onde
entrou pelo Tibre acima, e o Papa o recebeu e ouviu em S. Paulo, onde o
Bispo porque entre os bons oradores de Italia era
[147]
singular orador, lhe fez uma elegante,
e para o caso mui louvada oração.
E em fim por acabar primeiro com o Papa seus feitos, e haver com o
bispado d'Evora, que tinha, o da Guarda que juntamente houve, fez alli,
e depois em Napoles indo já caminho do Tranto tanta demora,
que não sómente não foi onde era
ordenado, mas ainda por sua longa estada lhe adoeceo e morreu muita
gente. E porque alli veio certa nova que pela morte do Turco que
então de peçonha morrera em Grecia, os que em seu
nome tinham a cidade de Tranto desesperados de soccorro, por partido se
deram ao dito duque de Calabria, o dito Bispo d'Evora cessou de sua
ida. E depois de despedir em Roma suas cousas, se veio a estes reinos
depois da morte d'El-Rei D. Affonso.
CAPITULO CCXI
De como o duque de Vizeu foi a
Castella, e se tornou a
Portugal o Senhor D. Manuel seu irmão
E o duque de Vizeu tanto que de sua doença convalleceo, com
estado de grande Principe, e acompanhado de muitos fidalgos e d'outra
muita escolhida gente sua e d'El-Rei, indo-se á
côrte dos Reis de Castella como era concordado, adoeceu outra
vez em Caceres, onde por mandado dos ditos Reis tinha cargo de o
acompanhar e servir D. Pedro Portocarreiro, senhor de Palma. E de hi
com algum melhoramento se foi a Madril, d'onde o Senhor D. Manuel seu
irmão que alli era, se despedio d'elle, e se tornou a estes
reinos a Moura.
[148]
O duque de Vizeu ficou para cumprir o tempo que era capitulado, e foi a
tempo que El-Rei de Castella então se partira socorrer e
abastecer a gram pressa a villa d'Alfama do reino de Grada, que o
marquez de Callez então tomara, e porém a Rainha
vio o duque
de Vizeu secretamente; porque outra vista sua e recebimento publico se
fez depois em Cordova, d'onde o duque sahio a receber El-Rei o dia que
n'ella entrou, vindo anojado e descontente do cerco de Loxa, em que por
aquella vez sua ida e victoria não sobcedeo
á sua vontade, porque foi pelos mouros feito em sua gente
grande destroço, e mataram-lhe o mestre de Calatrava, com
outra nobre gente.
CAPITULO CCXII
De
como foi a morte d'El-Rei D.
Affonso
E depois da profissão da Excellente Senhora; porque El-Rei
D. Affonso em Coimbra foi em ponto de morte como disse, nunca mais foi
alegre, e sempre andou retraido, maginativo e pensoso, mais como homem
que avorrecia as cousas do mundo, que como Rei que as estimava. Pelo
qual no seguinte verão elle foi a Beja vêr o
Principe seu
filho e a Princesa D. Leanor sua mulher, e alli tiveram o pae e o filho
entre si praticas secretas, em que El-Rei determinou querer no fim
d'este anno se vivera fazer côrtes geraes em Estremoz; porque
em Lisboa e Evora morriam, e leixar a inteira governança dos
reinos ao Principe seu filho, e elle em habitos honestos de leigo e
não com obrigação de
religião se retraer no mosteiro de Varatojo junto com Torres
Vedras,
[149]
que elle de novo
fundou para alli servir a Deos e em sua vida temperar e remediar os
odios e
dissenções que já entendia que por sua
morte entre o Principe seu filho e os da casa de Bragança se
não podiam escusar, e cousa justa fôra permitir
então a
bondade e misericordia de Deos este bem, porque tanto mal depois se
não seguia, e porém o Principe
ficou em Beja para d'alli continuadamente mandar visitar e prover o
Infante D. Affonso seu filho, e a Infante D. Isabel que eram na
terçaria em Moura, como sempre fez.
E El-Rei D. Affonso na entrada d'Agosto se foi a Cintra, onde adoeceu
de febre muito aguda, de que o Principe sendo avisado, a gram pressa
foi logo com elle, que achou já em
desposição
mortal e sem esperança de vida. Na qual El-Rei tendo feito
seu testamento, e recebendo todolos sacramentos alli acabou como bom e
catholico christão, dando sua alma a Deos a vinte e oito
dias d'Agosto do anno do nascimento de nosso Senhor Jesu Christo de mil
e quatrocentos e oitenta e um. E na propria casa em que nasceo, ali
morreu e acabou. Foi seu corpo logo metido em um ataude, e posto sobre
uma azemola que com cruzes, tochas, e clerigos foi pelo conde de
Monsanto, que hi era, e por outros fidalgos levado ao mosteiro da
Batalha, e enterrado na casa do cabido, onde jaz até haver
sua solemne merecida sepultura.
[150]
CAPITULO CCXIII
Das feições, bondades e virtudes
d'El Rei D. Affonso
Foi El-Rei D. Affonso
Principe mais de grande que meã
estatura, e em todos seus membros bem feito e mui proporcionado, salvo
que nos derradeiros dias foi algum tanto envolto em carne, e por
encuberta d'isso costumava sempre vestiduras soltas; teve o rosto
redondo, bem povoado de barba preta, e em todalas outras partes do
corpo muito cabeludo, salvo na cabeça, em que depois de
trinta annos começou de ser calvo.
Foi Principe de mui granciosa presença, grande humanidade, e
doce conversação, mas foi em tanto extremo, que
para Rei superior não foi muito de louvar; porque com grande
familiaridade que de si, contra sua gravidade e estado real a muitos
dava, além de lhe muitas vezes não guardarem
aquella reverencia e acatamento que deviam, tomavam ainda atrevimento
de lhe requerer, e elle vergonha de lhe não outorgar muitas
e maiores cousas do que os merecimentos nem honestidade, nem do que o
acrecentamento de patrimonio real requeriam, segundo todo Rei e
Principe é obrigado. Foi de grande memoria e maduro
entender, e de sutil engenho, remisso mais que trigoso nas graves
execuções. Especialmente nas da
justiça que tocavam contra grandes pessoas, as quaes mais
folgava de dessimular ou temperar brandamente, que executal-as com
rigor, e crê-se que isto procedia de sua grande humanidade, e
assi por assessego de seus reinos. Suas palavras no que queria dizer
eram sempre bem ordenadas, e entoadas com mui gracioso
orgão, e por pena, de seu natural escrevia assi bem,
[151]
como se por longo ensino e
exercicio d'oratoria artificialmente o aprendera; foi amador de
justiça e de ciencia, e honrou muito os que a sabiam.
Foi o primeiro Rei d'estes reinos que ajuntou bons livros, e fez
livraria em seus paços, e tambem foi o primeiro Rei que
pelas praças e lugares publicos das cidades e villas de seus
reinos fez a todos mui familiar sua vista, porque até seu
tempo os Reis d'estes reinos assi raramente o faziam, que quando alguma
hora ante a face do povo sahiam, concorria de todalas ruas tanta gente
para os vêr, como se fosse uma gram novidade, mas isto
procedeo de sua humana condição, por as gentes
mais facilmente lhe
poderem pedir mercê e requerer justiça, em cujo
despacho
foi sempre mui liberal e atento.
Foi tão confiado de seu saber, que com dificuldade queria
estar por alheios conselhos se contradiziam sua vontade, especialmente
nas cousas da guerra dos mouros, em cujo proseguimento foi sempre
tão aceso e inclinado, que ácerca d'isso todo seu
apetito lhe pareciam
vivas razões; foi Principe mui catholico e amigo de Deos, e
mui fervente na fé; ouvia continuada e mui devotamente os
Officios Divinos, e pela mór parte sem grandes pompas e
cerimonias; deleitava-se com homens honestos religiosos e de bom viver,
e com elles apartado muitas vezes, ao seu modo conversava, e com isto
em seu tempo deu causa que muitos fingidamente quizeram parecer de
fóra melhores do que eram de dentro, e esta especie de
hypocrisia depois de sair das casas de Deos, entrou nas casas dos
homens, que a muitos aproveitou, de que não faço
alguma
especificação por não ser odioso, pois
não é
necessaria.
Foi no comer, beber, e dormir mui regrado, e sobre tudo de mui louvada
continencia; porque havendo não mais de XXIII annos, ao
tempo que a Rainha sua
[152]
mulher
falleceu, sendo aquella idade de maiores pongimentos e
alterações da carne, tendo para isso muita
desposição e despejo, foi depois
ácerca de mulheres muito abstinente, ao menos cauto.
Nos trabalhos do corpo que se lhe offereciam, ou elle por seu prazer
queria tomar, não era delicado, antes os soffria bem e como
outro homem robusto n'elles criado.
Folgou muito d'ouvir musica, e de seu natural sem algum artificio teve
para ella bom sentimento.
Foi esmolador e de mui piedosa condição. E na
nobreza e liberalidade teve sem medida tanta parte, que mais
propriamente se podia dizer prodigo que verdadeiro liberal,
especialmente nas cousas da corôa do reino, de que sem
grandes merecimentos nem muita necessidade, mas por sós
manhas e praticas que com elle os grandes usavam, a desguarneceo e
minguou em não pouca parte. Poucas vezes e por poucas cousas
recebia ira nem senha, e as semelhantes cousas porque se lhe causava,
em que a consciencia o não contradizia, levemente as
perdoava, e por ser Principe de mui alto e esforçado
coração, foi
sempre zelador de emprender cousas arduas, e prosegui-las por armas
como cavaleiro, mais que de entender como Rei no regimento civel e
politico de reinos.
Viveu quarenta e nove annos, de que foi Rei os quarenta e tres. E
d'estes os XXXIII regeo persi o reino; porque dez annos primeiros de
seu reinado, por sua pouca idade regeo por elle o Infante D. Pedro seu
sogro e tio, como atraz fica.
FIM DO III E ULTIMO VOLUME
INDEX
1º VOLUME
capitulo |
pagina |
|
|
I―Narração |
12 |
II―Alevantamento
d'El-Rei |
14 |
III―De
como começaram de entender nas cousas do reino e se
viu o testamento
d'El-Rei |
17 |
IV―Da
vinda do Infante D. Anrique á côrte, e das
cousas que se logo
acordaram |
19 |
V―Como o Infante
D. Fernando foi jurado por Principe,
se El-Rei
não houvesse filho
legitimo |
21 |
VI―Primeiro
consentimento da Rainha para El-Rei seu
filho casar com a
filha do Infante D.
Pedro |
22 |
VII―Resposta do
Infante D. Pedro á
Rainha |
23 |
VIII―Contradicção
que houve em
algumas pessoas
no consentimento do casamento d'El-Rei com a filha do Infante D.
Pedro |
24 |
IX―De como se fez
o saimento d'El-Rei no mosteiro da
Batalha |
26 |
X―Como ante de se
fazerem as primeiras
côrtes em Torres
Novas, se fez uma conjuração contra o
Infante D.
Pedro |
27 |
XI―Como se deu a
obediencia e fizeram as menagens a
El-Rei e se
praticou sobre quem
regeria |
29 |
XII―Concordia
feita entre a Rainha e o Infante D. Pedro
acerca do
regimento |
30 |
XIII―Da
contradicção e
mudança que
houve n'este
acordo |
31 |
[II]
XIV―Apontamentos
que
publicamente se fizeram contra o testamento de
El-Rei para a Rainha não dever
reger |
32 |
XV―Do
meio que o Infante
D. Anrique tomou entre a Rainha e o Infante
D. Pedro acerca do Regimento |
34 |
XVI―Como
a Rainha por
meio do conde de Barcellos enviou pedir ao
Infante D. Pedro o alvará que lhe tinha dado sobre o
casamento
d'El-Rei |
37 |
XVII―Como
El-Rei se foi a
Lisboa, onde o Infante D. João
veiu a primeira
vez |
39 |
XVIII―Do
despacho que se
deu aos embaixadores de
Castella |
40 |
XIX―Como a Rainha
começou de reger e ser em
seu regimento
prasmada |
42 |
XX―Fallecimento da
Infante D.
Filippa |
43 |
XXI―Nascimento da
Infante D.
Joana |
43 |
XXI―Praticas que o
Infante D. Pedro teve sobre
descontentamentos que
tinha da Rainha ácerca do
regimento |
44 |
XXII―Como o
Infante D. Pedro e o Infante D.
João ambos se
viram e fallaram sobre o
regimento |
45 |
XXIII―Como a
rainha lançou fora de sua casa
certas
donzellas por suspeitas a ella, e affeiçoadas ao Infante D.
Pedro |
48 |
XXIV―Do
alvoroço que se seguiu contra a
Rainha pela
execução dos varejos de
Lisboa |
49 |
XXV―Ida do conde
d'Arrayolos a Lisboa sobre assessego
d'ella, e como
não
aproveitou |
51 |
XXVI―Como o
Infante D. Pedro foi a Lisboa reprender e
assessegar as
uniões da
cidade |
54 |
XXVII―Como a
Rainha mandou secretamente preceber os de
sua valia que
viessem ás côrtes
armados |
56 |
XXVIII―Como o
Infante D. Pedro e o Infante D.
João sobre
estas cousas se tornaram a vêr, e o que
acordaram |
58 |
XXIX―Como o
Infante D. Pedro avisou e percebeu o reino
sobre os
alvoroços que se
ordenavam |
60 |
XXX―Como se o
Infante despediu da Rainha, e da falla
que como
descontente lhe
fez |
61 |
XXXI―Como a Rainha
com El Rei e seus filhos se foi a
Alanquer, e do
que se seguiu em
Lisboa |
62 |
[III]
XXXII―Acordo
que o povo
de Lisboa fez acerca do
regimento |
64 |
XXXIII―Como
a cidade de
Lisboa entendeu contra o Arcebispo D. Pedro
pelos cubelos da alcaçova que
tomou |
65 |
XXXIV―Vinda
do Infante D.
João á
cidade |
67 |
XXXV―Como
a Rainha
escreveu a Lisboa e todo o reino sobre o assessego
d'elle |
67 |
XXXVI―Declaração
que Lisboa fez de o Infante D.
Pedro só reger o
reino |
68 |
XXXVII―Forma
do acordo sobre o
Regimento |
70 |
XXXVIII―Notificação
d'este
acordo ao Infante D.
João, que o
approvou |
72 |
XXXIX―Notificação
do dito acordo
á
Rainha, que o contrariou, e assi aos Infantes e ao
reino |
73 |
XL―Partida
do Arcebispo D. Pedro fóra do
reino |
75 |
XLI―Como
o castello de Lisboa foi pela cidade tomado e
dado ao Infante
D. João, e o que se n'isso
seguiu |
77 |
XLII―Mandou
a Rainha velar e afortalezar Alanquer,
onde tinha
El-Rei |
81 |
XLIII―Dissensão
que a Rainha procurou
d'haver entre o
Infante D. Pedro e o Infante D.
Anrique |
81 |
XLIV―Embaixada
dos Infantes á
Rainha |
83 |
XLV―Recado
da Rainha ao Infante D. Pedro quando de
Coimbra vinha para
Lisboa ás
côrtes |
85 |
XLVI―Entrada
do Infante D. Pedro em Lisboa, e como
ante as
côrtes acceitou o
Regimento |
88 |
XLVII―Notificação
do acordo
passado á
Rainha, que o não
consentiu |
91 |
XLVIII―Ida
do Infante D. Anrique á Rainha
para leixar vir
El-Rei ás côrtes, e lh'o
tornarem |
92 |
XLIX―Entrada
de El-Rei em Lisboa para as
côrtes |
93 |
L―De
como se apontou e aprovou não ser bem
El-Rei se crear
em poder da
Rainha |
96 |
LI―Como
a rainha teve pratica com os seus principaes
sobre a ida dos
Infantes a ella como se foi a Cintra e leixou El-Rei e seu
irmão |
101 |
LII―Como
Lisboa cometeu de querer fazer uma estatua ao
Infante D.
Pedro pelo beneficio do relevamento das aposentadorias, e do que lhe
respondeu |
104 |
LIII―Como
a Rainha sobre
suas cousas se querellou aos Infantes
d'Aragão seus irmãos, e da embaixada que
enviaram |
106 |
[IV]
LIV―De
como se entendeu
na redempção do Infante
D. Fernando, e do que se
seguiu |
108 |
LV―Como
a Rainha D.
Lianor se partiu de Cintra para Almeirim contra
vontade de d'El-Rei e dos Infantes, e como se El-Rei foi a Santarem, e
do que se
seguiu |
113 |
LVI―Liança
do
Infante D. Pedro com o Condestabre e
Mestre d'Alcantara de Castella, contra os Infantes d'Aragão,
e das ajudas que lhe
deu |
115 |
LVII―Conselhos
que o
Infante D. Pedro teve sobre o assessego e
segurança d'estas cousas, e como a Rainha fingidamente se
concordou com
elle |
117 |
LVIII―Como
o conde de
Barcellos desdisse muito á Rainha
esta concordia com o Infante, em caso que não fosse
verdadeira |
119 |
LIX―Como o Priol
do Crato consentiu em receber a
Rainha em suas
fortalezas |
120 |
LX―Como o conde de
Barcellos fez liança com
os Infantes
d'Aragão, e como foi por isso muito
prasmado |
121 |
LXI―Como o Infante
D. Anrique se viu com o conde de
Barcellos seu
irmão para o concordar com o Infante D.
Pedro |
123 |
LXII―De como veiu
a El-Rei embaixada de Castella, e
como foi
recebida |
124 |
LXIII―Como o
Infante D. Anrique procurou de trazer o
Priol do Crato a
serviço e prazer do Infante D. Pedro, e do que n'isso
passou |
127 |
LXIV―De como se a
Rainha aconselhou sobre a ida para o
Crato, e como
emfim posposto o conselho se
partiu |
128 |
LXV―Do que fizeram
os da Rainha depois que souberam da
sua
partida |
130 |
LXVI―De como o
Regente foi avisado da secreta partida
da Rainha, e do
que logo sobr'isso se
fez |
131 |
LXVII―Do que a
Rainha fez depois de ser no
Crato |
134 |
LXVIII―Como
falleciam os mantimentos á
Rainha e ao Priol do
Crato |
135 |
LXIX―De uma
embaixada d'El-Rei d'Aragão e
de Napoles que
veiu ao Infante D. Pedro sobre os feitos da
Rainha |
136 |
[V]
LXX―De
como o Regente determinou pôr cêrco ao
Crato e ás outras fortalezas do Priol, e a que pessoas os
cêrcos foram
encommendados |
137 |
LXXI―Como
El-Rei quiz vêr e viu o capitão na
ordenança de guerra em que
vinha |
139 |
LXXII―Como
a Rainha meteu de Castella gente d'armas n'estes reinos
para se bastecer, e do que
fizeram |
141 |
LXXIII―Da resposta
que o Regente houve d'algumas cousas que com sua
embaixada enviou a Roma
requerer |
142 |
LXXIV―Como em se
accordando o cêrco do Crato soube o regente
que a Rainha D. Lianor era partida do Crato para Castella, e como
todavia seguiu, e do que se
fez |
144 |
LXXV―Como o
Infante D. Pedro e o Infante D. Anrique se foram a Lamego
para passarem entre Doiro e Minho. E como o conde de Barcellos se poz
em defeza, e do que se n'isso
passou |
148 |
LXXVI―Das
côrtes que se fizeram sobre o casamento d'El-Rei
com a Rainha D. Isabel, filha do Infante D.
Pedro |
152 |
LXXVII―Como o
Regente por meio do conde de Barcellos procurou de se
concordar com a Rainha D. Lianor, e das cousas porque ella
não
quiz |
153 |
LXXVIII―Como a
Rainha D. Lianor se foi á côrte de
El-Rei de Castella, e das embaixadas que vieram a
Portugal |
155 |
LXXIX―De como o
Regente sobre a resposta que a estas embaixadas se
daria, fez côrtes
geraes |
157 |
2.º VOLUME
LXXX―D'outra
embaixada que ao Regente veiu d'El-Rei e do povo de
Castella, sobre as mesmas cousas da Rainha, e da resposta que houveram,
e como se entendeu em alguma concordia e contentamento da
Rainha |
5 |
LXXXI―De
como o Infante D. João falleceu, e que filhos
d'elle
ficaram |
10 |
LXXXII―De
como falleceu o filho do Infante D. João que era
Condestabre, e como o filho maior do Infante D. Pedro foi
d'aquella
dinidade provido, que foi causa e fundamento da morte do dito Infante
D. Pedro |
12 |
[VI]
LXXXIII―De
como foi a morte do Infante D.Fernando que era captivo em
Fez |
14 |
LXXXIV―De
como foi a morte da Rainha D. Lianor em Toledo, estando
já para se tornar a
Portugal |
15 |
LXXXV―Como
o Condestabre filho do Infante D. Pedro foi enviado a
Castella com gentes d'armas, em ajuda de El-Rei de Castella contra os
Infantes d'Aragão, e do que se passou até
tornar |
19 |
LXXXVI―De
como o Regente fez côrtes geraes, em que leixou a
El-Rei a primeira vez o Regimento do Reino, segundo era obrigado, e
como El-Rei lh'o tornou a
dar |
22 |
LXXXVII―De
como as filhas do Infante D. João foram
casadas |
25 |
LXXXVIII―Como
El-Rei por meio do duque e de seu filho o conde d'Ourem
pediu ao Infante o Regimento do Reino, e como inteiramente lh'o
leixou |
27 |
LXXXIX―Das cousas
que o conde de Barcellos fez em abatimento do
Infante D. Pedro depois que soube que já não
regia, e para lançarem o
Infante fóra da
côrte |
29 |
XC―Como o Infante
D. Anrique entendeu nas cousas do Infante D. Pedro
para seu favor, e assi o conde
d'Abranches |
34 |
XCI―Vinda do conde
d'Abranches ás
côrtes |
35 |
XCII―De como o
Infante D. Anrique se foi vêr a Coimbra com o
Infante D. Pedro, e com elle o conde d'Abranches, e das novidades que
se
seguiram |
37 |
XCIII―De uma
fórma de concordia que El-Rei fez em escripto
entre o Infante D. Pedro e o duque de Bragança e d'outras
cousas que contra o dito Infante se
seguiram |
39 |
XCIV―De como
El-Rei enviou requerer ao Infante D. Pedro as suas armas,
que tinha em
Coimbra |
41 |
XCV―Como o conde
d'Arrayolos veiu de Ceuta para concordar o Infante
com El-Rei, e as causas porque se presumio que estas cousas se damnavam
mais |
43 |
XCVI―De
como El-Rei mandou vir o duque de Bragança á sua
côrte, e como o Infante D.
Pedro determinou que em auto de guerra como vinha não
leixaria-o passar por sua
terra |
46 |
[VII]
XCVII―Do
recado que o Infante D. Pedro enviou ao duque, sendo
já em
caminho |
48 |
XCVIII―Da
resposta do duque ao Infante D.
Pedro |
49 |
XCIX―Do
que o conde d'Ourem ordenou em favor do duque seu pae para
não leixar de proseguir seu caminho, e dos recados que
El-Rei ao Infante D. Pedro
enviou |
51 |
C―De
como o Infante D. Pedro determinou impedir a passagem ao duque, e
se percebeu e partiu para
isso |
55 |
CI―De
uma falla que o Infante D. Pedro fez aos seus, estando todos a
cavallo |
56 |
CII―De outra falla
que o duque tambem fez aos seus em seu favor contra
o Infante, e de como Alvaro Pires de Tavora lhe
respondeu |
58 |
CIII―D'outra falla
que o duque fez a todolos seus, em que determinou
não leixar o seu
caminho |
60 |
CIV―De como o
conde d'Abranches fallou ao Infante, aconselhando-o que
desse no
duque |
62 |
CV―De como o duque
não quiz esperar o Infante, e se salvou
atravessando secretamente a Serra d'Estrella, e do que o Infante
sobr'isso disse e
fez |
63 |
CVI―Como o duque
se foi a Santarem onde era El-Rei, e do que se fez
contra o
Infante |
66 |
CVII―De como
El-Rei declarou o Infante por desleal, e mandou fazer
geraes percebimentos de guerra para ir
sobr'elle |
68 |
CVIII―Do que o
Condestabre filho do Infante D. Pedro fez, estando
entre o Tejo e
Odiana |
70 |
CIX―De uma carta
que a Rainha enviou ao Infante D. Pedro seu padre,
sobre um conselho que acerca d'elle se tivera para sua morte ou
destruição, e
do conselho e determinação que o Infante
sobr'ella
teve |
72 |
CX―Dos conselhos
desvairados que ao Infante sobre sua
proposição foram
dados |
75 |
CXI―De como o
Infante se teve ao conselho do conde d'Abranches, que
foi
morrer |
78 |
CXII―Como
o Infante D. Pedro e o conde d'Abranches
consagraram ambos de morrer um quando outro
morresse |
79 |
[VIII]
CXIII―Como
a Rainha houve d'El-Rei que perdoaria ao Infante seu padre
se elle lhe pedisse perdão, e assi lh'o escreveu, e a causa
porque não houve
effeito |
81 |
CXIV―Como os
imigos do Infante D. Pedro procuravam haver antes odio
que amor nem afeição entre
El-Rei e a Rainha sua
mulher |
84 |
CXV―De um
cumprimento que o Infante D. Pedro acerca de sua innocencia
por meio de religiosos fez com
El-Rei |
85 |
CXVI―Como El-Rei
não tinha possibilidade de ir sobre o
Infante como proposera, e como a partida do Infante de Coimbra foi
causa da sua
morte |
87 |
CXVII―Como o
Infante D. Pedro partiu de Coimbra, e como seguiu seu
caminho até Rio Maior, e do conselho que hi
teve |
89 |
CXVIII―Como o
Infante partiu de Rio Maior e se foi a Alcoentre, e as
pessoas d'El-Rei que hi mandou matar, e a causa
porque |
94 |
CXIX―Como El-Rei
proveu e segurou a cidade de Lisboa, para o Infante
se não recolher a
ella |
96 |
CXX―Como o Infante
partiu de Castanheira, e se foi alojar no Ribeiro
d'Alfarrobeira |
97 |
CXXI―Como El-Rei
chegou sobre o arraial do Infante D. Pedro, e como
por caso e sem deliberação se seguiu sua
morte |
99 |
CXXII―Como o conde
d'Abranches tambem logo foi morto, e como acabou
como esforçado cavalleiro, e do que se mais seguiu no cabo
da
batalha |
102 |
CXXIII―Da
maneira que se teve com o corpo do Infante D. Pedro, e como
foi vilmente tratado e
soterrado |
104 |
CXXIV―Exclamação
á morte do Infante
D.
Pedro |
105 |
CXXV―Das
feições, costumes e virtudes do Infante
D.
Pedro |
110 |
CXXVI―Do que a
Rainha fez com a nova da morte do Infante seu
padre |
113 |
CXXVII―Como
a Infante mulher do Infante D. Pedro soube de sua morte, e
do que se fez de seus
filhos |
114 |
CXXVIII―Como
os imigos do Infante procuravam que El-Rei se quitasse da
Rainha, e quão virtuosamente El-Rei o fez com
ella |
115 |
[IX]
CXXIX―Como
El-Rei fez aos Reis e Principes christãos uma
geral notificação da morte do Infante, e das
respostas que houve, e da embaixada do duque e duqueza de Borgonha, que
sobre a morte do dito Infante e sua desculpa foi
principal |
117 |
CXXX―De como a
judaria de Lisboa foi roubada, e a causa
porque |
119 |
CXXXI―De como foi
o casamento da Imperatriz D. Lianor irmã
d'El-Rei com o Imperador Frederico, e festas que por elle se
fizeram |
120 |
CXXXII―Da partida
da Imperatriz d'estes reinos, e das pessoas que com
ella
foram |
124 |
CXXXIII―Como a
Imperatriz chegou á Italia e foi do
Imperador recebida, e assim como ambos foram pelo Papa recebidos e
coroados em
Roma |
126 |
CXXXIV―Dos filhos
que a Rainha pario, e de como o Infante D. Fernando
secretamente se foi d'estes reinos, e logo tornou a
elles |
128 |
CXXXV―Como o Gram
Turco tomou a cidade de Constantinopola, e o Papa
publicou cruzada contra elle, e El-Rei D. Affonso a
tomou |
133 |
CXXXVI―De como a
Rainha pariu o Principe D. João e d'outras
cousas a que El-Rei satisfez ácerca do Infante D. Pedro, e
como casou a Rainha D. Joana com El-Rei D. Anrique de
Castella |
135 |
CXXXVII―Da
treladação e exequias que se fizeram
aos ossos do Infante D. Pedro, e como a Rainha sua filha logo falleceu,
e os ossos da Rainha D. Lianor foram de Castella trazidos ao mosteiro
da
Batalha |
137 |
CXXXVIII―Como
El-Rei outra vez acceitou a cruzada contra os turcos
quando fez os Cruzados, e com os percebimentos que para isso fez passou
em Africa e tomou aos mouros a villa
d'Alcacere |
140 |
CXXXIX―Como
El-Rei se foi d'Alcacere a Ceuta, e como a villa foi por
El-Rei de Fez cercada, e El-Rei a não pôde
socorrer, e desafiou El-Rei de
Fez |
150 |
CXL―Das
cousas que passaram n'este cerco, até que de todo
se
alevantou |
153 |
[X]
3.º VOLUME
CXLI―De
como se fez em Alcacere a coiraça para
defensão e segurança da villa, e como D. Duarte,
capitão, se houvera de
perder |
5 |
CXLII―De
como
a villa d'Alcacere foi de segunda
vez cercada por El-Rei de Fez, e do que se passou n'este segundo
cêrco até que se
alevantou |
9 |
CXLIII―Como
D. Duarte foi feito conde de Vianna, e El-Rei
quizera outra vez passar em Africa para que se
percebeu |
13 |
CXLIV―De
como falleceu o Infante D. Anrique, e de seus feitos,
bondades, e
virtudes |
15 |
CXLV―De
como falleceu o duque de Bragança, e sobcedeu sua
casa e herança o marquez de Villa Viçosa, e como
D. Fernando seu filho passou em Africa, e de vinda foi feito conde de
Guimarães |
19 |
CXLVI―De
como falleceu a Infante D. Caterina, sendo já
concertada para
casar |
20 |
CXLVII―De
como foi a ida d'El-Rei em Africa com os dois mil de
cavallo, e do escallamento de
Tangere |
21 |
CXLVIII―Da
grande e danosa tormenta que El-Rei e o infante passaram no
mar |
25 |
CXLIX―De
como foi o primeiro cometimento do escalamento de
Tangere |
26 |
CL―De
como o Infante D. Fernando sem El-Rei entrou d'Alcacere e correu
a terra aos
mouros |
27 |
CLI―De
como o Senhor D. Pedro, filho do Infante D. Pedro, se foi de
Ceuta para Barcellona e se intitulou Rei
d'Aragão |
29 |
CLII―De
como o escalamento de Tangere se commetteu a segunda vez pelo
Infante D. Fernando sem consentimento
d'El-Rei |
33 |
CLIII―De
como o escallamento de Tangere se commetteu finalmente a
terceira vez pelo Infante D. Fernando e do desastrado sobcedimento que
houve |
36 |
CLIV―Como
El-Rei foi d'este triste caso avisado em Ceuta, o dia que
tinha concertadas vistas em Gibraltar com El-Rei de Castella, a que
todavia foi, e o fundamento das ditas
vistas |
42 |
[XI]
CLV―De
como El-Rei em pessoa correu o campo
d'Arzilla |
44 |
CLVI―De como
El-Rei D. Affonso foi correr a serra de
Benafocú, e como foi em grande perigo e como mataram os
mouros o conde D. Duarte, e a Diogo da Silveira, escrivão da
poridade |
45 |
CLVII―De como
El-Rei se veiu a Portugal e foi em romaria a Guadalupe,
e se viu com El-Rei D. Anrique e com a Rainha sua
mulher |
50 |
CLVIII―De como
houve em Castella grande divisão, sobre que
houve vistas na cidade da Guarda com a Rainha irmã d'El
Rei |
51 |
CLIX―De como se
concertou casamento entre o Principe D.
João com a Senhora D. Lianor filha do Infante D.
Fernando |
52 |
CLX―De como o
Infante D. Fernando passou por si em Africa, e tomou a
cidade de
Anafee |
53 |
CLXI―Do
fallecimento do Infante D. Fernando, e dos filhos que d'elle
ficaram |
54 |
CLXII―De como
tendo El-Rei determinado passar em Africa, convertia a
armada contra os inglezes pela tomada das náos de Portugal,
e desistiu d'isso pela morte do conde Baroique, e se ordenou a ida
sobre
Arzilla |
56 |
CLXIII―De como
El-Rei levou comsigo o Principe seu filho e como
embarcaram, e com que gente e
frota |
58 |
CLXIV―De como
El-Rei tomou terra em
Arzilla |
59 |
CLXV―De como a
villa foi entrada, e o Principe foi armado cavalleiro,
e morreram o conde de Marialva e o conde de Monsanto e
outros |
61 |
CLXVI―De como
Mollexeque vinha socorrer Arzilla, e fez pazes com
El-Rei D.
Affonso |
64 |
CLXVII―De como
El-Rei foi certificado que os mouros de Tangere tinham
leixado a cidade, e do que sobr'isso logo proveu, e de como se foi a
ella, e de hi para o
reino |
66 |
CLXVIII―De como a
Infante D. Joana filha de El-Rei foi metida no
mosteiro d'Odivellas, e de hi ao mosteiro d'Aveiro, e d'outras cousas
que El-Rei
fez |
68 |
CLXIX―Foi
feito primeiro conde de Penella D. Affonso de
Vasconcellos |
69 |
CLXX―Tomou
o principe D. João sua
casa |
69 |
[XII]
CLXXI―De
como houve embaixadas e vistas entre El-Rei de Castella e de
Portugal, e sobre
que |
69 |
CLXXII―De
como os ossos do Infante D. Fernando foram a estes reinos
trazidos de
Fez |
71 |
CLXXIII―Do
fundamento que El-Rei D. Affonso teve para entrar em
Castella por morte d'El-Rei D.
Anrique |
72 |
CLXXIV―Como
El-Rei determinou todavia entrar em Castella, e dos
requerimentos que logo enviou a El-Rei D. Fernando e á
Rainha D.
Isabel |
74 |
CLXXV―De
como El-Rei se foi a Arronches, por onde acordou de entrar em
Castella |
75 |
CLXXVI―De
como a este tempo naceu o Principe D. Affonso neto
d'El-Rei |
76 |
CLXXVII―Da
gente com que El-Rei entrou em Castella e em que
ordenança
ia |
76 |
CLXXVIII―De
como El-Rei chegou a Prazença onde publicamente
foi jurado por Rei, e esposado com a Rainha D. Joana, e d'outras
cousas |
78 |
CLXXIX―De
como El-Rei D. Affonso e a Rainha se foram á
cidade de Touro, e como El-Rei D. Fernando veiu sobre elle com todo seu
poder |
79 |
CLXXX―De
como El-Rei D. Affonso se foi a Çamora, e de hi
querendo ir descercar o castello de Burgos tomou Baltanas, e prendeo o
conde de
Benavente |
81 |
CLXXXI―De
como El-Rei tomou Cantalapedra, e se tornou a
Çamora |
84 |
CLXXXII―Do
cuidado que o Principe D. João tinha em governar
e defender Portugal, e
como |
84 |
CLXXXIII―De
como o principe cercou a villa d'Ougela, e a tomou, e da
morte de João da
Silva |
86 |
CLXXXIV―De
como o Principe indo vêr-se com El-Rei D. Affonso
seu padre, foi por elle avisado da
traição da ponte de Çamora, e se
tornou de Miranda do
Doiro |
87 |
CLXXXV―De como foi
a dita traição, e da maneira
que El-Rei D. Affonso sobre isto
teve |
87 |
CLXXXVI―De
como El-Rei combateu a ponte, e do que se seguiu, e como
El-Rei D. Affonso leixou Çamora, e se foi a
Touro |
89 |
CLXXXVII―Dos
percebimentos que o Principe fez em Portugal para ir socorrer a El-Rei
D. Affonso seu padre, e como entrou em Castella |
90 |
[XIII]
CLXXXVIII―De
como El-Rei D. Fernando e a Rainha D. Isabel se
apoderaram de Çamora, e pozeram cerco ao
castello |
92 |
CLXXXIX―De
como El-Rei D. Affonso e o Principe cercaram
Çamora da parte da
ponte |
93 |
CXC―De
como se ordenou a batalha dos Reis entre Touro e
Çamora |
94 |
CXCI―De
como romperam as batalhas, e as do Principe venceram as
d'El-Rei D. Fernando, e a d'El-Rei D. Fernando venceu a d'El-Rei D.
Affonso, que se recolheu a Crasto Nunho, e do mais que se seguiu
até fim da
batalha |
97 |
CXCII―De
como o Principe se tornou a Portugal, e do que El-Rei D.
Affonso fez por então em
Castella |
102 |
CXCIII―De
como se ordenou a ida d'El-Rei em França, e se
veio a Portugal com a Rainha D.
Joana |
104 |
CXCIV―De
como El-Rei partiu de Lisboa para França, e da
maneira em que foi até se vêr com El-Rei de
França |
106 |
CXCV―Da
primeira vez que El-Rei D. Affonso se vio com El-Rei de
França em Tors em
Toraina |
109 |
CXCVI―Do
que El-Rei de França e El-Rei D. Affonso entre si
acordaram para execução de sua
ida |
111 |
CXCVII―De
como foram a Roma embaixadores d'El-Rei de França
e d'El-Rei D. Affonso requerer a despensação para
poder casar com a Rainha D. Joana sua
sobrinha |
113 |
CXCVIII―De
como El-Rei D. Affonso se foi vêr com o duque de
Borgonha, e como logo se seguio a morte do dito
duque |
114 |
CXCIX―Da
resposta que os embaixadores houveram em Roma
ácerca da despensação que
requereram |
117 |
CC―Da
conclusão que El-Rei D. Affonso tomou com El-Rei de
França, quando com elle se vio a segunda
vez |
118 |
CCI―Como
o Principe cercou a villa d'Alegrete e a tomou, e
d'outras cousas que no reino se seguiram andando El-Rei D. Affonso em
França |
119 |
CCII―De
como El-Rei D. Affonso desappareceu em França, e o
Principe seu filho por seu mandado se alevantou por Rei em
Portugal |
121 |
[XIV]
CCIII―De
como El-Rei D. Affonso embarcou em França e se
veio a Portugal, e se vio com o Principe seu
filho |
125 |
CCIV―De
como Lopo Vaz Torrão se alevantou com a villa de
Moura por El-Rei de Castella, e do que se
seguio |
127 |
CCV―De
como se seguiu a batalha de Merida, em que o Bispo d'Evora,
capitão-mór, foi
vencido |
128 |
CCVI―De
como se ordenaram e trataram as pazes entre Portugal e
Castella, e por quaes pessoas, e com que
condições e cousas
sustancialmente |
130 |
CCVII―Da
publicação das pazes e das mais cousas
que para cumprimento d'ellas se fizeram, principalmente
ácerca da Excellente Senhora D.
Joana |
136 |
CCVIII―Da
grande pestelença que sobreveio a estes reinos, e
como se fez a profissão á Excellente
Senhora D.
Joana |
139 |
CCIX―De
como se fizeram as entregas do Infante D. Affonso e da Infante
D. Isabel nas terçarias de
Moura |
142 |
CCX―Do
socorro que pelo Bispo d'Evora foi enviado contra o Turco,
quando tomou a cidade do Tranto em
Italia |
146 |
CCXI―De
como o duque de Vizeu foi a Castella, e se tornou a Portugal o
Senhor D. Manuel seu
irmão |
147 |
CCXII―De
como foi a morte d'El-Rei D.
Affonso |
148 |
CCXIII―-Das
feições, bondades e virtudes
d'El-Rei D.
Affonso |
150 |
Lista de erros corrigidos
Aqui encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
Os "n" e "u" que surgiram
trocados no texto original foram corrigidos de acordo com a ortografia
da época.
El-Rei e El Rei são variantes da mesma palavra. Todas
estas variantes foram mantidas de acordo com o original.