The Project Gutenberg eBook of Historia da Grecia

This ebook is for the use of anyone anywhere in the United States and most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this ebook or online at www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you will have to check the laws of the country where you are located before using this eBook.

Title: Historia da Grecia

Author: Fernandes Costa

Release date: April 29, 2010 [eBook #32174]

Language: Portuguese

Credits: E-text prepared by Pedro Saborano

*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK HISTORIA DA GRECIA ***



E-text prepared by Pedro Saborano



 

Notas de transcrição:

O texto aqui transcrito, é uma cópia integral do livro impresso em 1902.

Mantivemos a grafia usada na edição impressa, tendo sido corrigidos alguns pequenos erros tipográficos evidentes, que não alteram a leitura do texto, e que por isso não considerámos necessário assinalá-los.

No original havia uma errata. Nesta adição corrigimos os erros apresentados nessa errata, e marcámos as alterações colocando o texto originalmente impresso em comentário como: aqui.

 


 

 

 

{1}
{1}

PROPAGANDA DE INSTRUCÇÃO
PARA
Portuguezes e Brazileiros

 

BIBLIOTHECA DO POVO

E DAS ESCOLAS

CADA VOLUME 50 RÉIS

Historia da Grecia

POR

J. FERNANDES COSTA

Capitão de Artilharia

Cada volume abrange 64 paginas, de composição cheia, edição estereotypada,—e fórma um tratado elementar completo n'algum ramo de sciencias, artes ou industrias, um florilegio litterario, ou um aggregado de conhecimentos uteis e indispensaveis, expostos por fórma succinta e concisa, mas clara, despretensiosa, popular, ao alcance de todas as intelligencias.

LISBOA
SECÇÃO EDITORIAL DA COMPANHIA NACIONAL EDITORA
Adm. Justino Guedes
Largo do Conde Barão, 50
Agencias: PORTO—Largo dos Loyos, 47,1.º
RIO DE JANEIRO—R. da Quitanda, 38
1902
NUMERO 131

{2}
{3}

INDICE

 

HISTORIA DA GRECIA

 

NOÇÕES GEOGRAPHICAS

Grecia foi o nome dado pelos Romanos ao paiz chamado Héllada pelos seus naturaes. Tal nome coube primeiramente a uma pequena divisão do Epiro; depois applicou-se á Thessalia, aos paizes ao sul das Thermopylas e ao Peloponeso, vindo, com o andar do tempo, a comprehender todo o Epiro, a Illyria na sua maior parte e a Macedonia. Mas o vocabulo não era conhecido pelos habitantes do paiz, do mesmo modo que estes se não designavam pelo nome de Gregos, com que ficaram memorados na Historia. Na lingua grega a Grecia era chamada Héllada, como dissemos, Hellenia ou paiz dos Hellenos. São ignorados os motivos pelos quaes prevaleceram os nomes—Grecia e Gregos—empregados na lingua romana.

A palavra Héllada (em grego Hellas) designou primitivamente um pequeno districto da Phthiotida, na Thessalia. D'ahi, os Hellenos espalharam-se gradualmente por todo o resto da Grecia,—mas ainda no tempo de Homero o seu nome não era commum a toda a nação grega. O grande poeta designa os Gregos pelos nomes de Danaos, Acheus, ou Argivos; e imbora na Iliada, cant. II, v. 530, appareça uma vez a designação de Pan-Hellenos, é ella tida como espuria pelos commentadores antigos.

Entretanto, nos tempos mais remotos da Historia Grega, todos os membros da raça hellenica, vangloriando-se de um antepassado commum, Hellen, eram conhecidos pelo mesmo nome, e a todos os districtos em que se estabeleciam davam o nome generico de Héllada, o qual significava, assim,{4} «terra dos Hellenos» e não uma região qualquer definida por limites geographicos precisos. Ora, n'este sentido generico, as mais distantes colonias hellenicas pertenciam á Héllada; e d'esse modo as cidades de Cyrena na Africa, de Syracusa na Sicilia, e de Tarento na Italia, formavam partes tão essenciaes da Héllada como as cidades de Athenas, de Esparta, e de Corintho.

Este é o sentido mais amplo do termo, o qual se empregou tambem mais restrictamente para designar todo o paiz ao sul do Golpho Ambracico e da foz do rio Peneu, até ao isthmo de Corintho. N'esta significação era o paiz designado pelo nome de Héllada contínua e, segundo os modernos, pelo de Héllada propria.

Poremos, comtudo, de parte este nome classico e erudito; e adoptaremos para toda a Peninsula o de Grecia, consagrado pelos seculos e pelo consenso unanime dos historiadores.

A Grecia é a mais oriental das tres peninsulas em que o continente europeu é recortado ao sul. A sua extensão superficial está longe de egualar-se á do nosso pequeno paiz, e não é por ella decerto que nos cumpre avaliar a extraordinaria importancia que os filhos d'essa região privilegiada tiveram na historia do mundo.

Presta-se o paiz, pelo muito accidentado das suas montanhas, ao estabelecimento de pequenos Estados analogos aos cantões da Suissa, assim como pelo arrendado do seu vasto littoral se presta a uma grande expansão de commercio maritimo, facilitado ainda pela proximidade da Asia, da Italia, e do Egypto.

Ao norte, a Peninsula é cortada, do Mar Negro ao Mar Adriatico, pela cadeia de montes que, a leste, toma o nome de Hemo ou Balkan, e em cujas vertentes meridionaes assentam a Illyria, a Macedonia, e a Thracia.

Ao sul da Illyria e da Macedonia ficava a Grecia septentrional, comprehendendo o Epiro e a Thessalia, separados de norte a sul pelo monte Pindo. Ao sul do Epiro incontravam-se os Molossos, cuja capital era Ambracia (Arta), banhada pelas aguas do golpho do mesmo nome, e ao norte, na fronteira da Macedonia, Dodona, celebre pelo seu oraculo.—A Thessalia é atravessada pelo rio Peneu, o qual fórma o valle de Tempe, entre os montes Olympo e Ossa. Entre as cidades, cumpre citar:—Larissa, banhada pelo Peneu, e antiga capital dos Pelasgos; Iolcos e Lamia; Pharsalia, e, perto d'esta, Cynocephalia («Cabeça de Cão»), celebre campo de batalha. A cadeia de montanhas meridional chama-se monte Œta, e n'elle{5} existe uma estreita garganta, o celebre desfiladeiro das Thermopylas («portas quentes»), unica passagem natural da Thessalia para a Héllada.

Ao sul da Thessalia e do Epiro (isto é, da Grecia septentrional) ficava a Héllada propria ou Grecia central. Compunha-se ella dos seguintes estados: Attica, Beocia, Phocida, Dórida, Lócrida, Etulia, Acarnania, Megarida.

Na Attica ha a mencionar o monte Penthelico, celebre pelo seu marmore, e o monte Hymetto, afamado pelo seu mel, e ambos elles contrafortes do Œta. As cidades principaes eram: a capital Athenas; o porto do Pireu na peninsula de Munychia; Eleusis, famoso centro do culto de Demeter (Ceres) e dos mysterios. Eram tambem na Attica as celebres planicies de Marathona. Em frente de Athenas, no Golpho Saronico, incontrava-se a ilha de Egina, famosa pela sua grande navegação, pela riqueza e cultura dos seus habitantes, e ao norte d'ella a ilha de Salamina, celebre pelo combate naval que d'ahi tirou o nome.

Na Beocia havia quatorze cidades, reunidas em liga, a cuja frente se encontrava Thebas,—a das septe portas,—com a fortaleza Cadméa. D'entre as outras ficaram memoraveis pelas guerras de que foram theatro: Platéa, Délio, Coronéa, Leuctra, Cheronéa.

Na Phocida estava o centro da Grecia e até mesmo, segundo então se julgava, o centro de toda a Terra, o templo de Delphos. Esta cidade era celebre pelo seu oraculo de Apollo, pela sumptuosidade dos seus edificios, e pela sua fonte de Castalia, cansagrada ás Musas.

A Dórida era uma pequena região montanhosa, tendo apenas quatro cidades, tão insignificantes que não vale a pena citar-lhes os nomes.

Na Lócrida é digno de menção o porto de Naupacta (hoje Lepanto), e na Etulia a inexpugnavel cidade de Thermon.

Finalmente, na Acarnania, ao sul do Golpho de Ambracia, notava-se:—o promontorio de Accio, celebre pela victoria de Augusto (31 A. C.), e em cuja proximidade depois se fundou Nicopolis; a cidade de Leucate, e a de Stratos; etc. Na Megarida, distinguia-se a cidade de Megara, proximo da costa, a porta do isthmo, com dois portos, um no Golpho Saronico, outro no de Corintho.

Resta-nos falar da terceira grande divisão geographica de toda a Peninsula Grega, o Peloponeso (hoje Moréa). Constitue ella por si só uma peninsula secundaria da principal, á qual se liga por uma estreita lingua de terra, o isthmo de{6} Corintho. Subdividia-se nos seguintes Estados: a Arcadia, a Laconia, a Messenia, a Achaia, a Argolida, a Elida.

Na Arcadia havia, alêm das cidades antigas de Mantinéa e de Tegéa, Megalopolis e outras localidades de somenos importancia.

Na Laconia, parte mais meridional de toda a Grecia, notava-se, alêm da capital Esparta (Lacedemonia), Amycléa antiga cidade dos Tyndaridas, celebre pelo culto ahi prestado a Apollo, Sellasia, Hélos, e o porto Githio.

Na Messenia, separada da Laconia pelo monte Taygeto, havia a antiga fortaleza de Ithoma, a cidade maritima de Pylos (Navarino), a capital Messena, e a cidade dorica de Steniclaros.

A Achaia, no Golpho de Corintho, continha as cidades de Patras, de Egio, de Hélice, e mais nove, formando todas uma liga, e tinham para centro o templo de Zeus (Jupiter) em Egio. A liga achaica ou achéa comprehendia, alêm d'estas doze cidades, a de Sicyonia, altamente commercial, e a de Corintho, opulenta tanto pelo seu commercio como pela sua actividade industrial e artistica, e notavel pela sua forte cidadella (Acrocorintho).—Ao sueste, achava-se a Phliasia, pequena republica com a cidade de Phlionte.

Na Argolida sobresahiam a capital Argos, com a sua cidadella Larissa—do tempo primitivo dos Pelasgos, Mycena e Tiryntho, onde se vêem ruinas das muralhas cyclopicas; e, alêm d'estas tres cidades de maior ou menor importancia, muitas localidades, algumas celebres na Historia da Mythologia, taes como: Neméa (jogos nemeus), Lerna (hydra de Lerna), Epidauro, Trezena, Hermione, Nauplia, a ilha de Calauria, etc.

Na Elida, região sagrada, havia, alêm da capital Elis, a floresta de Altis na planicie de Olympia, banhada pelo Alpheu, onde de quatro em quatro annos se celebravam os famosos jogos olympicos, e o magnifico Templo de Zeus, com a estatua do Rei dos Deuses feita de marfim e oiro, pela arte sublime e prodigiosa de Phidias.—A região ao sul de Olympia chamava-se Triphylia; e n'ella ficava a Pylos, de Nestor.

Eram estes os Estados do continente ou terra-firme. Ha, porêm, ainda a considerar um grande numero de ilhas. Citaremos, as mais importantes:

No mar de oeste ou Mar Jonio: Corcyra (hoje Corfú), talvez a celebre ilha dos Pheacios, residencia do rei Alcinoo, e{7} que Homero cantou; Leucate, com um sanctuario de Apollo; Ithaca (hoje Thiaki), morada de Ulysses; Cephallenia e Zacyntho, d'onde veio a colonia hespanhola de Sagunto.

No mar do sul: Cythera, antiga colonia phenicia, d'onde talvez lhe proveio o culto da Venus Aphrodite (a Astarte phenicia); Creta (Candia), com o seu monte Ida, afamada pela legislação de Minos, e com as cidades de Cydonia, de Gortyna, de Cnossa (labyrintho), entre outras, que Homero faz chegar ao numero de cem; Chypre, abundante em azeite e vinho; Rhodes (a Ilha das Rosas) com a celebre estatua de Hélios (colosso de Rhodes) no porto da sua capital.

No mar de léste ou Mar Egeu, tambem chamado Archipelago, as ilhas eram tão numerosas, que este ultimo nome do mar ficou designando todos em que as ilhas são muitas, ou, mais restrictamente ainda, todos os agrupamentos de ilhas. As principaes eram: Eubéa (Negroponto), com as cidades de Eretria, de Chalcis (ligada á Beocia por uma ponte), de Carysta, afamada pelos seus marmores, e de Oréa; Scyros, pertencente aos Athenienses; Lemnos, celebre pelo culto de Héphaistos (Vulcano); Thasos; Imbros e Samothracia, ambas conhecidas pelo antigo culto mysterioso dos Cabiras; as Cyclades, grupo assim chamado por formar um circulo de ilhas em torno da ilha de Délos, consagrada ao Sol. Em Délos havia o grande sanctuario de Apollo. E entre as outras Cyclades, cumpre mencionar: Paros (marmores), Andros, Céos, Melos, e Naxos. A léste das Cyclades, ficavam as Sporades, mais ligadas já ao continente asiatico, sendo entre ellas notaveis: Tenédos; Lesbos, com a cidade de Mitylene; Chios; Samos, patria de Pythagoras; Cos, pátria de Apelles e de Hippocrates; Patmos, depois celebre por ahi ter residido o evangelista S. João.

 

NOÇÕES MYTHOLOGICAS

1.º Theogonia grega.—A Terra () gerou por si mesma o Céu (Urano) e o Mar (Ponto). Da alliança entre o Céu e a Terra nasceram os Cyclopes e os Titans.

Os cyclopes forjavam os raios. Dos Titans, uns vagueavam pela Terra como o Oceano, deus marinho, cujos filhos e filhas eram os rios e as fontes, outros esplendiam nas regiões ethéreas ou cruzavam o espaço, como Hypérion (luz primitiva), Théia (claridade diurna), Hélios (sol), Seléné (lua), Eos (aurora), o{8} céu nocturno com as suas estrellas (Léto e Astéria), os quatro ventos (Zéphyro, Bóreas, Noto, Euro); outros representavam os destinos e as tendencias do espirito humano, como Japeto e seus filhos, Atlas, Menecio, Prometheu e Epimetheu (Prometheu que roubou aos deuses o lume e por isso Zeus o amarrou n'um rochedo onde um abutre lhe devorava as intranhas; Epimetheu, marido de Pandora, de cuja boceta sahiram todas as miserias da Terra ficando-lhe só a esperança no fundo); outros eram as forças amigas ou inimigas da humanidade, Themis (guarda da ordem legal e moral), Mnemosyne (memoria), mãe das 9 Musas, Hécate, deusa da noite. O mais novo dos Titans foi Chronos, que destronou seu pae, Urano.

Das gottas de sangue cahidas no chão nasceram as Erinnyas ou Euménides (Furias na Mythologia Romana), e os Gigantes. Da espuma do mar nasceu Aphrodite ou Anadyómena (Venus na Myth. Rom.), a deusa do amor. Da ligação de com o mar proveio Nereu e d'este as nymphas maritimas ou Nereides (aspectos risonhos do mar) e Thaumas, Phorcys, Céto (fenomenos terriveis das ondas). De Thaumas nasceu Iris (o arco iris) e as Harpyas (trombas, redomoinhos). De Phorcys e de Céto vieram as Graias (as tres velhas com um olho e um dente só), as Gorgones (Stheno, Euryale, e Medusa, tendo serpentes na cabeça em vez de cabellos), as Hesperides (que guardavam os pomos de oiro no Jardim do Occidente). Do filho de Medusa nesceram os espectros Cerbero, Hydra, Chimera.

A Noite deu o ser a estes de influencia mysteriosa ou nociva: o somno, os sonhos, a morte, o destino (Ker), as tres Mœra (Parcas na Myth. rom.): Clotho, Lachésis, e Atropos.

Depois de Urano reinou Chronos (Saturno na Myth. Rom.), e o seu reinado foi a edade de oiro, o periodo da felicidade sem nuvens; Zeus (Jupiter em Roma), seu filho mais novo, foi creado secretamente em Creta, escapando por um artificio materno, no qual tomaram parte os Curetes e as Corybantes, á sorte de todos os outros seus irmãos, pois Chronos devorava á nascença todos os filhos que lhe dava sua mulher Rhéa (Cybele). Zeus desthronou seu pae e fundou o reinado dos deuses olympicos, depois de um combate contra os Titans e Gigantes (forças revoltas da Natureza), do qual sahiu triumphante, despenhando os seus adversarios no Tartaro, com excepção apenas de Thémis, do Oceano, e de Hypérion.

 

2.º Deuses olympicos.—O senhor e soberano dos deuses, o deus principal dos Hellenos, era Zeus. O seu culto nasceu em{9} Dodona, no Epiro, extendendo-se depois á Thessalia e d'ahi á Grecia toda. Acima de Zeus só havia o Destino e as leis invariaveis da Natureza. A mulher e irman de Zeus, Hera (Juno na Myth. Rom.) era a divindade feminina do céu, a atmosphera. Presidia aos casamentos. Suas filhas Hébe e Elithya eram: aquella a deusa virginal que servia o nectar aos deuses antes do rapto de Ganymedes pela aguia de Zeus, esta a deusa que as mulheres invocavam no momento dos partos.

Da cabeça de Zeus sahiu armada Pallas Athené (Minerva entre os Rom.), a deusa protectora de Athenas. Ao principio, deusa do céu azul que esplende magnificamente sobre toda a Grecia, foi depois a creadora de todas as artes. Descobriu a charrua e ensinou a plantar a oliveira. Era a guarda das cidades e das instituições publicas.

A sua estatua (Palladio) tinha culto em quasi todas as cidades gregas, sendo Athenas o seu mais celebre sanctuario. Celebravam-se aqui em sua honra, de quatro em quatro annos, as grandes, e, todos os annos, as pequenas Panathenéas. Chamava-se égide o escudo de Minerva e n'elle estava a cabeça de Medusa.

De Zeus e de Hera nasceu Héphaistos (Vulcano em Roma), que seu pae precipitou do céu. Foi o inventor das forjas, isto é, o grande promotor da civilização. Ajudavam-n'o os Ciclopes, que no Etna e nos outros vulcões forjavam os raios para Zeus.

De Zeus e de Léto (Latona) nasceram Artemis e Apollo, gemeos, na ilha sagrada de Délos. Apollo, deus radiante da luz (Phébo) é por isso confundido ás vezes com Hélios, deus do sol. Este deus era um dos mais importantes; o seu mestér era combater a obscuridade e a impureza, e estabelecer a ordem no mundo physico e no mundo moral. Com respeito á vida humana era o preservador dos males. Sob o nome de Paion foi pae de Asclepios (Esculapio) que preside á medicina. Como deus das artes e especialmente da musica e da poesia, Apollo dirige o côro das Musas (e recebe então o nome de Musageta).

As Musas eram nove: Calliope (poesia épica), Clio (historia), Euterpe (poesia lyrica), Melpomene (tragedia), Therpsicore (dança choral e canto), Erato (poesia erotica e imitação mimica), Polymnia (hymno sublime), Urania (astronomia), Thalia (comedia e poesia idyllica). Habitavam os montes Hélion e Parnaso nas proximidades de Delphos.

Artemis (Diana entre os Romanos), irman de Apollo, era a{10} deusa da lua, a divindade das musas e dos oraculos, e presidia á caça. Tinha um celebre templo em Epheso onde era representada como mãe creadora, com um grande numero de seios. Na Taurida, prestou-se-lhe um culto barbaro, com sacrificios humanos, nos quaes tomou parte a familia dos Atridas (Iphigenia e Orestes).

Poseidon (Neptuno entre os Romanos), antigo deus pelasgico, que teve o seu culto primitivo na Beocia e no isthmo de Corintho, culto que passou d'ahi para a Attica e para o Peloponeso, era o deus do mar e governava-o com o seu tridente. Tinha por companheira Amphitrite, nympha marinha. Foi tambem o domador dos cavallos, e pae de Pégaso, cavallo alado, que nasceu do sangue de Medusa. Adoravam-n'o em Athenas a par de Athené.

Ares (o Marte dos Romanos) era o deus da guerra e dos combates. Tinha em Athenas uma collina que lhe era consagrada (Areopago).

Aphrodite (a Venus dos Romanos), era a deusa do amor sensual e da formosura. O seu culto celebrava-se principalmente em Chypre, em Cythera, e em Gnido.

De Ares e de Aphrodite nasceu a Harmonia, divindade de Thebas e esposa do phenicio Cadmo, fundador da cidade.

Ao mytho de Aphrodite está ligado o de Adonis, seu favorito, morto na caça por um javali. Adonis por concessão especial de Zeus ficou vivendo seis mezes do anno com Aphrodite e os outros seis com Perséphone, rainha das sombras. Este mytho, de origem phenicia, parece representar o principio vivificante da Natureza: a morte de Adonis durante seis mezes e a sua resurreição n'outros seis é o lethargo da Natureza no inverno e a sua revivescencia na primavera.

O filho e companheiro de Aphrodite, segundo lendas mais modernas, era o pequeno deus do amor, Eros (Amor, Cupido) cuja amada foi Psyche (a alma). No séquito d'este pequeno deus e de sua graciosa mãe andam as Charites (Graças), e as Horas, deusas das Estações.

Havia, ainda, entre os deuses supremos, cujo numero subia a doze, Deméter (Ceres), Hermes (Mercurio), e Hestia (Vesta).

 

3.º Divindades terrestres.Deméter (Ceres), a Terra-Mãe, filha de Chronos, era a Natureza fecunda e creadora. Inventou a Agricultura. A Sicilia e Eleusis eram os principaes pontos do seu culto. Sua filha Perséphone (Proserpina entre os Romanos), raptada por Hades (Plutão), e vivendo metade do anno sobre a Terra e outra metade no mundo subterraneo,{11} era a imagem da semente interrada durante os mezes do inverno. Em honra de Deméter celebravam-se as Thesmophorias, as grandes e as pequenas Eleusinas, e as Anthesterias.

Hades (Plutão) governava o mundo dos mortos, separado do mundo dos vivos por alguns rios, taes como o Styge, o Acheronte, o Cocyto, o Lethes (rio do esquecimento), etc. Sob o nome especial de Plutão era particularmente a divindade dispensadora das riquezas. O mundo subterraneo comprehendia o Elyseu (morada dos justos) e o Tartaro (morada dos condemnados). Era guardado por Cerbero, cão de tres cabeças. Os manes dos que na morte tiveram sepultura atravessavam o rio infernal n'uma barca dirigida por Charonte.

Hermes (Mercurio entre os Romanos), divindade pelasgica, ligada á agricultura e á vida pastoril, era tambem arauto e mensageiro dos deuses. Tinha azas nos calcanhares, e usava o caduceu, symbolo da inviolabilidade. Era o deus da eloquencia, da circumspecção, da prudencia, e até da finura e da astucia, chegando mesmo á fraude e ao perjurio (isto é, tinha na sua qualidade de arauto olympico todas as prendas da diplomacia e da politica). Attribue-se-lhe a invenção do alphabeto, dos numeros, da astronomia, da musica, da gymnastica, dos pezos, das medidas, a cultura da oliveira, etc. Estava tambem o commercio sob a sua protecção.

Dionysos (Baccho entre os Romanos e tambem entre os Gregos), antiga divindade pelasgica, filho de Zeus e da thebana Seméle, era representante da Natureza no que ella tem de mais opulento, mais luxuriante e activo, e, em especial, deus do vinho. Havia muitas festas em sua honra, particularmente as Bacchanaes, as Dionysias, as Anthesterias, etc.

Os Cabiras, deuses pelasgicos ou phenicios, eram tambem divindades terrestres e symbolizavam as forças productoras da Natureza.

 

4.º O mundo heroico.—O Alcides Heracles (Hercules) é a personificação da força e do trabalho humano em lucta com os obstaculos levantados pela Natureza e pelo Destino.

No Peloponeso originou-se o mytho de Tantalo com a sua familia amaldiçoada. Entre os Tantalidas ha a mencionar Pelops, Atreu, Thyestes, Agamemnon, Menelau, e Orestes.

Em Lacedemonia foram venerados como heroes os Tyndaridas, irmãos de Helena, os gemeos Castor e Pollux, e em connexão com elles os Dióscoros, estrellas brilhantes propicias aos navegadores.

O phenicio Cadmo foi o heroe fundador de Thebas. Era irmão{12} de Europa. D'este tronco descendeu Laio, pae de Œdipo, o heroe tragico que assassinou seu pae; matou a Esphinge, e casou com sua propria mãe, Jocasta. Seus filhos, Eteocles e Polynice, mataram-se um ao outro, em combate singular, deante de Thebas.

A Thebas pertence tambem o cantor Amphion, tão celebre tocador de lyra que, ao som d'este instrumento, moviam-se por si mesmas as pedras e formavam a muralha da cidade por elle reconstruida. Era irmão de Zetho e marido de Niobe.

Na Beocia e na Attica havia o mytho de Tereu com os de Progne e Philoméla, metamorphoseadas, a primeira em andorinha, a segunda em rouxinol.

Na Thessalia, brotou a lenda dos Centauros, semi-homens e semi-cavallos, os quaes tiveram grandes combates contra os Lapithas. Um dos centauros, Chiron, teve por discipulos Asclepios e Achilles.

Em Athenas, o heroe nacional era Theseu filho de Egeu. Foi elle quem libertou os Athenienses do oneroso tributo de septe mancebos e septe donzellas que de nove em nove annos tinham de ser inviados para o Minotauro de Creta. Matou o monstro e sahiu do labyrintho, graças a um fio que tinha recebido de Ariadna, filha do rei. O mytho do Minotauro parece ser, segundo os mais recentes estudos, uma expressão do culto sanguinario de Moloch.

 

CAPITULO I

TEMPOS LEGENDARIOS OU PRIMITIVOS TEMPOS HEROICOS E MYTHICOS DOS HELLENOS

1.º Tempos pelasgicos.—Consideram-se os Pelasgos como os mais remotos habitantes da Grecia, ou, por outras palavras, como a primeira raça que ahi deixou alguns germens de civilização. Eram povos talvez originarios da Asia, e, segundo as melhores conjecturas, devem ter-se estabelecido na Grecia em epocha não posterior ao seculo XVIII antes da era christam.

As suas primeiras residencias parece que foram na Thesalia e na Arcadia, sendo, comtudo, bem visiveis ainda hoje{13} vestigios da sua existencia, nas ilhas do Mar Egeu, na Italia e na Asia Menor.

Esses vestigios são restos architectonicos de um caracter perfeitamente definido; ruinas de aqueductos, de diques, de canaes, de muralhas; monumentos chamados, cyclopicos, porque as gerações posteriores, absortas deante de obras tão colossaes, attribuiram-n'as a uma raça de gigantes, os Cyclopes, não querendo a imaginação popular convencer-se de que taes moles de pedra tenham sido collocadas umas sobre outras pelas simples forças de que a raça humana pode dispor.

Monumentos de tal modo pezados, e que assombram pela sua enormidade, os homens d'agora, ficaram attestando aos seculos a desgraçada escravidão em que devem ter vivido os povos á custa de cujo suor, sangue, e lagrimas, se ergueram. Taes foram, a par dos muros pelasgicos, a grande muralha chineza, as pyramides do Egypto, os téocallis sagrados, do Mexico.

Outros indicios, mais vagos e incertos, parecem affirmar-nos que entre os Pelasgos havia castas, analogas ás orientaes, havia uma poderosa e influente classe sacerdotal, e uma aristocracia hereditaria para defesa do paiz...

Dos Pelasgos suppõe-se que foram consanguineos os Thracios Pierios (da Pieria, estreita faixa de terra na costa SE da Macedonia, que se extendia desde a foz do Peneu, até ao Haliacmon). Teem celebridade estes povos na historia primitiva da musica e da poesia grega; no seu paiz nasceu o culto das Musas, e alli foi sepultado Orpheu, o heroe mythico cuja voz e cuja lyra tinham o dom de arrebatar os homens, de amansar a ferocidade animal, e de predispôr á benevolencia, os deuses sombrios do mundo subterraneo. Permittiram-lhe estes que trouxesse dos Infernos sua mulher Eurydice e voltasse a viver com ella na Terra.

Ao lado d'Orpheu colloca-se Lino, inventor da elegia, e o sacerdote cantor Eumolpo, fundador dos mysterios de Eleusis, que legou a direcção d'elles aos Eumolpidas, seus successores.

Persistia entre os Gregos, n'estes e n'outros mysterios, como culto secreto, a religião dos Pelasgos. Celebravam-se as pequenas Eleusinas na primavera; as grandes, que duravam nove dias, no outono. N'ellas se dava culto aos mythos de Deméter e de Perséphone, como forças de concepção, ao de Dionysos, como força de producção. A iniciação era feita pelo hierophante; alêm d'este, havia gran-sacerdotes, simples sacerdotes{14} e sacrificadores, os quaes todos, nos dias de festividade, se vestiam de purpura e coroavam de myrto.

Pertencem, tambem, ao cyclo legendario do primitivo povo pelasgico os mythos de Inacho em Argos, de Egialeu em Sicyonia, de Pelasgo na Arcadia, de Oxiges na Attica, etc.

Perante a critica historica são insustentaveis as lendas do egypcio Cécrops, fundador da cidadella (Cecropia) de Athenas; do phenicio Cadmo, fundador de Thebas, introductor da arte da escripta e da arte de fundir o bronze; do phrygio Pelops que deu o seu nome ao Peloponeso; do estabelecimento de Danao e das Danaides na Argolida, etc. Perante as investigações da moderna sciencia historica tem certo fundamento a opinião que admitte a originalidade e o caracter aborigene da organização grega, bem como a que ingeita o parecer de ter sido introduzida a civilização na Grecia pelos seus colonizadores do Egypto, da Phenicia e da Asia Menor. Mas, apezar d'estas asserções, é incontestavel que cedo existiu uma corrente civilizadora entre a Grecia e o Oriente, exercendo este sobre aquella uma influencia indelevel tanto nas instituições da vida civil como nas do systema religioso.

Isto não obstou a que os Gregos, ou, para melhor dizermos, os Hellenos, dessem livre expansão ao seu genio politico, ás suas tendencias artisticas, ás suas concepções religiosas, confirmando, sobre os Pelasgos conquistados, a superioridade da sua raça e as suas mais vastas aptidões intellectuaes.

 

2.º Tribus hellenicas.—Nada se sabe emquanto á origem e ao apparecimento historico dos Hellenos. Sabe-se que constituiram tribus militares, e que venceram, afugentaram, ou escravizaram, as tribus industriosas dos Pelasgos. Estes procuraram asylo nos desfiladeiros do Olympo, em alguns pontos da Thessalia, do Epiro, da Macedonia, da Attica, da Arcadia, e defenderam por largo tempo a sua independencia. No tempo de Homero, havia pouco ainda que tinham sido de todo subjugados.

Presume-se, no emtanto, que os Hellenos não constituiam uma raça particular, mas sim que formavam tão sómente a cavallaria ou parte guerreira dos Pelasgos, a qual submetteu por violencia ao seu jugo tanto a classe theocratica como o povo pacifico.

Como quer que fôsse, essas tribus guerreiras subdividiram-se em quatro grupos, ou tribus principaes, que mantiveram em todo o decurso do seu viver historico profundas differenças de usos, de lingua, e de regimen politico.{15}

Essas quatro tribus foram as seguintes: os Dorios e os Acheus no Peloponeso, os Jonios na Attica e nas ilhas, e os Eolios na Beocia e outros pontos.

O nome de Acheus foi, durante os tempos heroicos, o de todas as tribus do povo grego, e por elle são os Gregos designados em Homero. Foi no seculo IX A. C. que esta denominação se restringiu aos habitantes das margens dos rios do norte do Peloponeso, recebendo os outros Hellenos as especificações que dissémos. Crê-se que foram os sacerdotes de Delphos quem, posteriormente, imaginou para as quatro tribus uma genealogia commum.

Essa lenda genealogica foi a seguinte: em tempos remotissimos houve um diluvio em que morreram todos os homens com excepção de Deucalião e de sua mulher Pyrrha. Andaram estes vogando nove dias n'uma arca; e, ao fim d'elles, deram fundo no cume do Pindo, ou, como depois se disse, no do Parnaso. Supplicaram então aos deuses que repovoassem a Terra, e, attendidos na sua prece, receberam ordem para irem arremessando para traz de si os ossos da mãe, isto é, pedras da Terra. Das pedras que Deucalião atirou nasceram homens, e das de Pyrrha nasceram mulheres.

A esta lenda primitiva acrescentou-se em tempos mais recentes a de Hellen, filho de Deucalião. O primogenito de Hellen foi Eolo, tronco dos Eolios; o segundo foi Doros, personificação dos Dorios; o terceiro foi Xutho (o expulso), de quem descendiam Ion e Acheu. A outro filho de Deucalião, Amphictyão, attribuiu-se a instituição da amphictyonia (isto é, uma liga em que se abrangiam as diversas tribus), e a um filho de Pandora, filha de Deucalião, o nome de Gregos que os povos do Occidente deram aos Hellenos.

Os sacerdotes de Delphos, versados nos mythos do Oriente, cuja influencia transluz em toda esta série de lendas, tiveram um fim altamente patriotico quando pretenderam dar ás quatro tribus uma ascendencia commum. Quizeram dispertar o sentimento da communidade nacional, dando-lhe uma expressão comprehensivel.

 

3.º Guerra de Thebas.—Colloca-se este acontecimento no seculo XIII A. C.; mas todas as datas attribuidas aos factos dos tempos mythicos são absolutamente incertas. Um dos episodios mais remotos das tradições nacionaes gregas é a guerra de Thebas, ou, como ordinariamente se diz, a guerra dos septe chefes deante de Thebas.

Eteocles e Polynice, filhos de Œdipo, da tragica familia de{16} Laio, disputavam o throno paterno. Polynice, expulso por seu irmão, refugiou-se na côrte de Adrasto, rei de Argos, o qual lhe deu uma filha em casamento e o acompanhou até deante de Thebas com um exercito commandado por elles ambos e por mais cinco chefes illustres. Todos os chefes morreram, com excepção de Adrasto. Eteocles o Polynice mataram-se um ao outro em combate singular; e Créon, seu tio, sentou-se no throno que os dois irmãos haviam disputado. Créon mandou matar sua sobrinha Antigona por haver infringido as ordens dadas por elle para que não fôsse concedida sepultura aos dois irmãos; mas Theseu, guarda e vingador das leis moraes, declarou-lhe guerra e matou-o.

Tempos depois os filhos dos septe vingaram sobre os Thebanos a morte de seus paes na guerra dos Epygonos (Posthumos). Laodamas, filho de Eteocles, ou foi morto ou fugiu para a Thessalia; e Thersandro, filho de Polynice, reinou em Thebas devastada.

 

4:º Expedição dos Argonautas.—Este grande facto parece ter sido ainda anterior á guerra de Thebas. N'elle teem querido alguns criticos vêr um resumo poetico das primeiras impresas maritimas dos Gregos para o Mar Negro. A expedição dos Argonautas foi dirigida por Jasão, de Iolchos, na Thessalia, de parceria com 54 heroes entre os mais illustres d'aquelle tempo: Heracles, Theseu, Castor e Pollux (lacedemosios), Peleu, pae de Achilles (thessaliano), o cantor thracio Orpheu, Pirithoo, Meléagro, Esculapio, e muitos outros. Partiram para o remoto Oriente, no navio Argos, com o fim de conquistarem o vélo de oiro, especie de palladio da Colchida, que um principe thessaliano, Phryxo, tinha collocado n'uma floresta consagrada a Ares (Marte), e que, segundo a fabula, era guardado por um dragão. O mastro da nau Argos era feito do tronco de um carvalho cortado na floresta de Dodona, no Epiro, e pronunciava oraculos.

Hercules abandona a expedição, depois de ter libertado, nas costas da Mysia, Hesione, a quem um monstro marinho ia devorar.

Jasão inspira uma paixão exaltada a Medéa, filha do rei da Colchida e conhecedora de todos os segredos da magia; subjuga dois toiros com pés e armas de bronze, e que vomitavam chammas, junge-os a uma charrua de diamante e lavra com elles qualro geiras de terra consagradas a Marte; semeia os dentes de um dragão e d'estes nascem homens armados; vence e mata o monstro que guardava o velocino,{17} e brilhantemente logra conquistar por esta fórma o suspirado thesouro; depois, volta com Medéa no seu navio, e a feiticeira Circe protege-o.

As Nereides levantam nos braços a nau, para ella passar sem perigo entre Scylla e Charybdes. As Sereias intentam perder os nautas com os seus cantos melodiosos, mas Orpheu desfaz-lhes o incanto com os accordes da sua lyra. Visitam, em Africa, o jardim das Hespérides onde Hercules tinha, pouco antes, colhido os pomos de oiro, e chegam finalmente á Grecia.

Durante a viagem, e aqui, Medéa practica os maiores horrores. Corta em bocados o cadaver de seu irmão e semeia-lhe os ossos ao longo do caminho para demorar com esse espectaculo horroroso seu pae que a vinha perseguindo. Rejuvenesce, em Iolchos, o velho Eson; e induz as filhas de Pélias a trucidarem seu pae, cozendo-lhe os membros n'uma caldeira com hervas magicas. Abandonada por Jasão, degola seus proprios filhos; dá á sua rival, Creusa, filha do rei de Corintho, uma tunica envenenada; e, erguendo-se aos ares n'um carro puxado por dragões com azas, refugia-se na Attica, onde desposou Egeu.

Como se vê, a poesia grega inriqueceu com todas as galas da ficção mais ingenhosa, a lenda heroica d'esta aventura maritima.

 

5.º Guerra de Troia.—De todos os grandes acontecimentos pertencentes ao periodo heroico da Grecia, este foi o mais notavel e é o mais conhecido. Incumbiram-se de perpetuál-o, desde os mais remotos tempos, a lenda, a arte, a poesia.

A guerra de Troia é um facto evidentemente historico, imbora as particularidades de que o revestem sejam meras ficções poeticas. A quéda da grande cidade asiatica serviu muito tempo de era á chronologia grega. Muitos historiadores consideram este episodio bellico como o termo da lucta entre a nacionalidade hellenica e a nacionalidade pelasgica; Herodoto via n'elle simplesmente um grande imprehendimento da Grecia contra a Asia; a poesia explicou-o por um odio hereditario entre as familias reaes de Troia e do Peloponeso, aggravado por uma affronta mortal feita por um principe troiano á honra do lar domestico de um monarcha grego.

Priamo reinava em Ilion ou Troia, na costa noroeste da Asia-Menor. Seu filho Páris (ou Alexandre) raptou Helena, mulher do rei lacedemonio Menelau, que lhe havia dado magnifica hospitalidade na sua casa. O marido insultado pediu{18} aos outros reis da Grecia que o auxiliassem a vingar-se, e em breve se organizou uma expedição commandada por Agamemnon, rei de Mycenas e irmão de Menelau.

A espontaneidade com que tantos principes e tantos povos diversos se unem para a mesma impresa commum é significativa. Não ha, como nunca houve, entre aquellas pequenas agglomerações de homens ciosos e independentes, entre tantos e tão varios Estados, a necessaria unidade politica; não ha uma federação geral; mas vê-se que existem em germen todos os elementos de uma nacionalidade. Cincoenta e septe Estados e outros tantos chefes tomaram parte na impresa. Alêm do Atrida Agamemnon, rei de Mycenas, de Corintho e de Sicyonia, fizeram parte da expedição: Menelau, rei de Esparta; Achilles e o seu amigo Patroclo da Thessalia; Ulysses, rei de Ithaca; Diomedes, rei de Argos; Ajax, rei da Lócrida e Ajax, rei de Salamina; Nestor, rei de Pylos; Idomeneu, rei de Creta; Philocteto, que possuia as flechas de Hercules; e muitos outros. Partiram do porto de Aulida 1:186 navios, transportando para a Asia mais de 100:000 guerreiros. Uma tradição posterior affirma que, em Aulida, Agamemnon sacrificou a Artemis sua filha Iphigenia.

Prolongou-se por dez annos a resistencia da cidade, a qual finalmente foi tomada por artificio, incendiada, e destruida. Heitor, filho de Priamo, morrêra traspassado pela lança de Achilles; Priamo foi degolado; Hécuba e suas filhas, levadas para o captiveiro; uma d'ellas, Polyxena, immolada sobre o tumulo de Achilles; Andromaca, viuva de Heitor, dada a Pyrrho, filho de Achilles, e Cassandra, outra filha de Priamo, a Agamemnon. Dos Gregos morreram Patroclo, Achilles, Ajax de Salamina, e outros. Os vencedores expiaram terrivelmente a sua victoria. Ulysses vagueou dez annos sobre as ondas antes de tornar a vêr a sua Ithaca; Menelau, tambem, durante oito annos andou perdido e acossado pelas tempestades; Agamemnon, depois de um regresso attribulado, foi morto por Egistho, a instigações da sua infiel esposa Clytemnestra. Ajax, da Lócrida, naufragou de incontro a um rochedo onde pereceu. Teucer, repellido pela maldição paterna, por não ter vingado seu irmão Ajax, foi edificar em Chypre uma nova Salamina. Diomedes fugiu para a Italia afim de se subtrahir, no seu reino, a uma sorte analoga á de Agamemnon. Philocteto, Idomeneu, e Epéos, tambem foram ter ás costas de Italia, onde egualmente incontraram asylo os troianos Antenor e Enéas, filho de Anchises, considerado, depois, pelos Romanos, como tronco da sua raça.{19}

As façanhas e as desgraças d'estes heroes foram cantadas pelos poetas nacionaes; mas d'esses cantos, que formavam dois cyclos épicos, só nos restam a Iliada e a Odysséa, attribuidas a Homero, poeta que viveu provavelmente no seculo X antes da nossa era.

 

CAPITULO II

TEMPOS HISTORICOS

1.º As migrações dos Dorios. Jonios e Dorios, raças rivaes. Athenas e Esparta.—Os tempos immediatos á guerra de Troia foram de violentas commoções politicas e de longa anarchia. Desappareceram quasi todas as antigas familias reaes, victimas ou de tragedias domesticas ou de luctas cruentas com outras familias. Houve alêm d'isto um grande embate de tribus, ao fim do qual as mais fracas succumbiram, estabelecendo-se as mais poderosas em regiões novas.

A mais importante d'estas migrações foi a dos Dorios para o Peloponeso. Viviam os Dorios a sua vida pastoril e agricola junto ao monte Œta, onde tinham, ao cabo de muitas peregrinações, fundado uma republica livre, cujo centro moral era o culto de Apollo, no sanctuario de Delphos, quando os Thessalianos e os Beocios os expulsaram d'ahi para o sul. Conduzidos pelos Heraclidas (suppostos descendentes de Heracles) sustentaram longos combates para fazerem valer as pretenções hereditarias de seus chefes á soberania da Argolida e da Laconia, onde reinavam os descendentes de Pelops, e conquistaram porfim a peninsula do Peloponeso. A pouco e pouco assenhorearam-se da Argolida, da Laconia, da Messenia, de Sicyonia, de Corintho e da Megarida; intraram na Attica; e ameaçavam já Athenas, quando esta foi salva pelo heroico sacrificio de Codro, seu rei.

Os Acheus, até então o mais poderoso dos quatro ramos da raça hellenica, fugindo deante d'esta invasão, expulsaram por sua vez os Jonios do littoral septentrional e occuparam o paiz, que recebeu d'elles o nome de Achaia. Os Jonios atravessaram o isthmo de Corintho e estabeleceram-se na Attica, onde já tinham sido precedidos pelos Eolios de Messenia e outros fugitivos do Peloponeso. Irradiando ainda d'ahi para as costas occidentaes da Asia-Menor e para as ilhas de Lesbos, de{20} Chios, de Samos, etc., fundaram as colonias jonicas tão celebres pelo alto grau de cultura, de civilização, e de actividade commercial e industrial a que chegaram.

Os Dorios e os Jonios são as duas grandes familias que d'aqui em deante (seculo X A. C.) occupam o plano da Historia; são os dois povos rivaes que vão desinrolar parallelamente com o seu antagonismo duas civilizações, nas quaes, sob os mais diversos aspectos, se manifestam todas as fórmas do genio grego.

«A raça dorica, diz um historiador moderno, menos mesclada, tinha um caracter de gravidade, de energia, de rudeza, de orgulho, que se reproduzia no seu dialecto, nos seus costumes, no seu culto e nas suas instituições politicas. Exclusivamente militar, constituiu quasi por toda a parte poderosas aristocracias que reinavam sobre bandos de escravos ou de servos (hilotas).

«A raça jonica era movel, aventureira, impressionavel, enthusiasta; e amava apaixonadamente os prazeres, a liberdade, a gloria e as artes. Inclinada para o commercio e para a navegação, era, como todas as populações maritimas, intensamente dominada pelo espirito democratico.

«São estas as feições geraes que nos cumpre indicar aqui, e que veremos de cada vez mais energicamente accentuadas na physionomia dos Espartanos (Dorios) e dos Athenienses (Jonios), pelos quaes estas raças hão-de chegar ao seu mais completo desinvolvimento, e que, pelo importante papel que desimpenharam, pelo esplendor das suas victorias, e finalmente pela sua rivalidade sangrenta, mereceram representar, durante muito tempo, os destinos da Grecia toda.»

 

2.º Organização social e politica.—A Grecia nunca poude attingir a majestosa unidade a que chegou Roma; nunca formou um Estado unico. Compoz-se de uma infinidade de Estados, communidades urbanas, especies de cantões, entre os quaes, de tempos a tempos, havia um que, pelas eventualidades da boa sorte na guerra, passava a exercer predominio nos outros (hegemonia). Assim succedeu com Esparta, Athenas, e Thebas.

Havia, porêm, um certo numero de laços que uniam todos os diversos Estados entre si, formando por esse modo, até certo ponto, uma nação unica, composta de Hellenos, e para os quaes todos os mais povos tinham o nome commum de Barbaros. Esses laços eram a lingua, os costumes, e as instituições religiosas.{21}

Na Grecia não havia castas propriamente ditas, não havia barreiras insuperaveis entre as classes; as prerogativas da nobreza eram pouco extensas. Abaixo dos nobres havia os homens livres, que formavam as assembléas publicas e que exerciam uma grande influencia moral nas deliberações dos chefes.

Dependiam, porêm, principalmente da religião as instituições communs a todas as tribus hellenicas. Occupava o primeiro logar a liga dos Amphictyões, cujo centro era o oraculo de Delphos, e á qual inviavam deputados doze Estados gregos. Antes de qualquer impresa importante era sempre consultado o Apollo delphico, sendo as respostas, obscuras e muitas vezes equivocas ou enigmaticas, formuladas em sentenças por uma sacerdotiza inspirada (pithoniza).

Todas as tribus e todos os Estados gregos estavam egualmente unidos pelo laço das festas nacionaes com sacrificios, jogos gymnasticos, e concursos de musica. As mais antigas e mais celebres eram as festas olympicas que, de quatro em quatro annos, se celebravam n'uma planicie da Elida, nas margens do Alpheu; emquanto duravam, havia treguas geraes em toda a Grecia.

 

CAPITULO III

ESPARTA. LEGISLAÇÃO DE LYCURGO. GUERRAS DE MESSENIA

Os Dorios, que se fixaram na Laconia, consentiram que os indigenas d'este paiz (isto é, os Laconios) vivessem nas terras que lhes tinham pertencido, mas reduzidos á qualidade de vassallos. Umas tribus submetteram-se; outras, porêm, intentaram sacudir o jugo, e, sendo vencidas, foram collocadas na dura condição de escravas (hilotas). Ficou, portanto, havendo na Laconia tres especies de homens: os Dorios, ou os dominadores; os Laconios, ou os vassallos; os Hilotas, ou os escravos.

Quando os Dorios conquistaram o Peloponeso, coube a Laconia em parte aos dois filhos de Aristodemos, Eurysthenes e Procles, os quaes fundaram ahi duas dynastias simultaneas que reinaram em Esparta durante mais de nove seculos.

Os tempos decorridos desde a invasão dorica até Lycurgo (1100?—884? A. C.) são quasi completamente desconhecidos não só pelo que respeita a Esparta como a todo o resto da{22} Grecia. Nem as tradições nem a poesia, tão fecundas nos tempos heroicos, se quizeram occupar com esta primeira phase dos tempos historicos. O que se sabe é que os Dorios, relativamente em pequeno numero, e estabelecidos no seio de um paiz hostil, se concentraram em Lacedemonia ou Esparta, e d'ahi tomaram o nome especial de Espartanos. Viviam n'um estado de armamento constante, submettidos a uma rigorosa disciplina militar, habituados, por necessidade da propria conservação, ao jugo de leis durissimas.

Quando Lycurgo, patriota espartano da estirpe regia dos Proclidas, pretendeu restituir á sua cidade natal a tranquilidade interna perturbada desde longa data pelas dissensões de algumas familias poderosas e pelas usurpações de uma aristocracia absorvente da propriedade e dos direitos dos cidadãos, assegurando-lhe assim a antiga preeminencia sobre os outros Estados, não teve de inventar as leis que lhe são attribuidas; o que fez apenas foi restaurar o antigo regimen dorico.

Das leis de Lycurgo eram umas de caracter politico, as outras de ordem civil. As primeiras mantiveram as relações estabelecidas entre os Espartanos dominadores e os Laconios avassallados; conservaram os dois reis de Esparta, regulando os direitos da realeza dividida pelas duas casas. Os dois reis deviam pertencer á raça dos Heraclidas, possuindo portanto a sua dignidade por direito hereditario; eram investidos nas mais altas funcções do sacerdocio e da justiça; pertencia-lhes o commando dos exercitos e o cuidado de velarem pela execução dos decretos formulados pelo senado, e livremente acceites pela assembléa do povo. O senado (Gerusia) compunha-se de 28 velhos, cuja edade minima fosse a de 60 annos, pertencentes a familias nobres. A assembléa do povo (Ecclesia), na qual tomavam parte todos os cidadãos de mais de 30 annos de edade, tinha o direito de adoptar ou de regeitar sem discussão as propostas feitas pelo senado e pelos reis. Finalmente, o collegio dos Ephoros (cinco nomeados por um anno) era composto de magistrados que, sendo nos primeiros tempos da sua creação simples governadores de districtos e juizes nas questões civis, chegaram em tempos posteriores a um alto grau de poder, superintendendo nos serviços de todos os funccionarios, sem exceptuar mesmo os Gerontes (senadores), e chegando a tomar contas aos proprios reis.

As leis civis de Lycurgo assentaram sobre o principio da mais estricta egualdade entre todos os cidadãos, a começar pela egualdade dos bens. Dividiu elle o sólo da Laconia em{23} 39:000 quinhões, sendo 9:000 para as 9:000 familias espartanas, ficando esses quinhões indivisiveis e transmissiveis por direito de primogenitura, e 30:000 para os Laconios, que talvez não passassem de usufructuarios. Os Hilotas não só não tiveram quinhão na partilha, mas ainda foram obrigados a cultivar, como servos e jornaleiros, as terras dos Dorios. As terras assim distribuidas, com a condição de não passarem a mãos estranhas, constituiam uma especie de feudos militares inalienaveis. Com o mesmo pensamento de manter a egualdade, Lycurgo prohibiu o luxo; e, para desacreditar a riqueza e tornál-a de um certo modo impossivel, proscreveu toda a moeda de oiro e de prata, permittindo apenas a de ferro, com pezo consideravel e diminuto valor, afim de obstar á accumulação d'ella. Instituiu as refeições publicas subordinando-as á mais apertada frugalidade. Prohibiu tambem o commercio, as artes e as lettras; e ordenou que todos os cidadãos concorressem aos mesmos exercicios physicos, afim de preparar rijos defensores para o paiz. No mesmo intuito incaminhou a educação da mocidade, de modo que as creanças pertenciam mais á republica do que a seus paes; as que nasciam fracas ou disformes eram impiedosamente mortas, afim de não alterar o vigor e a belleza da raça.

Assim Lycurgo constituiu sobre bases novas a cidade, a familia, a propriedade, a educação. Ha muitas duvidas sobre o tempo justo em que esta revolução se effectuou, tornando-se provavel que levasse a consummar-se um longuissimo prazo, sendo muito mais resumida a obra de Lycurgo.

Na opinião de muitos criticos é contestada a existencia do proprio Lycurgo, sendo este nome apenas admittido como symbolo de uma serie de revoluções politicas e sociaes, comprehendidas n'um periodo de tempo indeterminado.

 

Guerras de Messenia.—Esparta, vendo-se livre das suas dissensões internas, graças á rigorosa legislação de Lycurgo, resolveu continuar a conquista do Peloponeso, e estabelecer a sua supremacia sobre os povos que a rodeavam. De 860 a 815 A. C. occupou-se em reduzir as cidades laconias que se haviam emancipado do seu jugo durante o periodo que ella consumira na sua reorganização civil e politica. Depois voltou as suas armas contra Messenia.

Eram os Messenios de raça dorica, como os Espartanos; e, bem como os d'estes, os seus reis pertenciam ao tronco real dos Heraclidas. Muito tempo viveram em boa paz os dois povos irmãos, prestando culto a Diana no mesmo templo, erguido{24} na fronteira commum, em memoria da sua origem fraterna.

Talvez rivalidades de supremacia e de poderio começaram a dividir os dois Estados, alimentando entre ambos hostilidades surdas durante mais de meio seculo. Porfim, em 766, rebentou uma guerra aberta e geral. Foi a primeira guerra de Messenia, a qual durou vinte annos.

Os Messenios depois de uma serie de desastres consultaram o oraculo de Delphos, o qual, pela voz da pythoniza, lhes ordenou a immolação de uma virgem pura, da familia real dos Epytidas, para acalmar a vingança dos deuses infernaes. Aristodemo immolou sua filha para obedecer ao oraculo; mas, vendo cahir Itoma, cuja defesa sustentára durante dez annos, e perdendo a esperança de ver salva a patria, matou-se sobre o tumulo da filha, tão impiedosa e barbaramente immolada. Os Messenios submetteram-se porfim (723) e os Espartanos impuzeram-lhes condições que os escravizavam.

Volvidos quarenta annos de jugo, rebentou a segunda guerra de Messenia. Aristomenes, o heroe da independencia nacional, não sómente bateu os Espartanos, mas chegou a penetrar de noite na cidade e a ir collocar um trophéu n'um dos templos d'esta. Os Espartanos, aterrados, vêem-se reduzidos a pedir um general aos seus rivaes, os Athenienses. Estes inviam-lhes, por escarneo, um poeta obscuro, Tyrteu, o qual perde successivamente tres batalhas, mas consegue reaccender a coragem abatida dos Lacedemonios com os seus hymnos heroicos, acabando por conduzil-os á victoria.

Aristomenes, trahido pelo seu alliado Aristocrates, rei dos Arcadios, é vencido na renhida batalha das Trincheiras (680) e retira-se para o monte Ira, onde prolonga por onze annos uma resistencia merecedora de melhor exito. Porfim succumbiu na lucta pertinaz, e retirou-se, preferindo o exilio á escravidão. Esparta submetteu de todo a Messenia, reduziu os habitantes á condição dos hilotas, mas não conseguiu nunca diminuir o odio implacavel dos opprimidos, os quaes lhe votaram uma inimizade perpetua.

 

Esparta desde a segunda guerra de Messenia até ás Guerras Medicas.—Seguiu-se para Esparta um longo periodo pacifico, de mais de quarenta annos. Ao cabo d'elle, rompeu a lucta com os Arcadios, lucta que durou quasi sessenta annos, terminando, cêrca de 600, pela affirmação da supremacia espartana. Argos teve de renunciar á hegemonia sobre o Peloponeso que lhe pertencêra de um modo fugitivo durante algum{25} tempo (768-740), depois de ter perdido, pela bravura do espartano Othryades, a provincia de Cynuria e a cidade de Thyréa (550), e de ter sido desbaratada perto de Tiryntho pelo rei Cleomenes (524). Os episodios de todas estas luctas pertencem mais á poesia heroica do que á Historia.

Os Argivos, depois dos seus desastres, e sentindo a sua humilhação, tomaram por systema o conservarem-se afastados, d'ahi em deante, de todas as impresas dirigidas pelos Espartanos, bem como estes se satisfizeram com a honra de terem abatido o poderio dos seus rivaes. Nas guerras geraes, em que intervinham todos os Estados do Peloponeso, os Espartanos determinavam as forças que cada Estado tinha de fornecer ao exercito confederado, presidiam ao conselho da Liga, e exerciam o commando superior das tropas. Um pouco antes das Guerras Medicas, cerca de 690 A. C., eram o povo mais poderoso da Grecia continental.

 

CAPITULO IV

ATHENAS. LEGISLAÇÃO DE SOLON. OS PISISTRATIDAS. A DEMOCRACIA ATHENIENSE

É capital a differença entre os Espartanos e os Athenienses, se os considerarmos na escolha da sua fórma de governo: ao passo que os primeiros conservam durante seculos a constituição de Lycurgo, os segundos passam vezes sem conto de uma para outra constituição, experimentando todas e não os satisfazendo nenhuma.

Com a morte corajosa de Cedro (1068 A. C.) acabou a realeza dos tempos heroicos, e acabou tambem, ou foi modificada a realeza propriamente dita. Os Athenienses escolheram então na familia dos Medontidas (Codridas) um magistrado vitalicio, chamado archonte, que exercia funcções régias, mas privado das principaes prerogativas da realeza.

Esta revolução, que a poesia tradicional cercou de lendas, não pode ser explicada por ellas, em boa critica; e parece mais provavel que fosse antes uma victoria das familias aristocraticas sobre o poder supremo. Essa aristocracia (Eupatridas) formada dos chefes das antigas tribus pelasgicas e dos das diversas emigrações eolias e jonias ficou d'ahi em seguida{26} senhora absoluta do Estado. Instituindo uma sombra de realeza em logar da realeza antiga, attribuiram, por deferencia, a nova magistratura a Médon, filho de Codro, e conservaram-a em doze dos seus descendentes, sem comtudo deixarem de fazer ao archontado a mesma guerra que haviam feito á realeza. Por fim, cêrca do anno 752, deram profundo golpe no archontado perpetuo, reduzindo-lhe a duração a um decennio.

Succederam-se septe archontes decennaes, até que, em 684, o archontado se tornou annual e composto de nove archontes tornando-o assim accessivel a todas as familias nobres e aos muitos elegiveis que ambicionavam tão alto logar. Nas mãos d'elles estavam todos os poderes: o politico, o judiciario, o civil, o religioso, o militar. Athenas era uma oligarchia pura, governada pelas familias nobres.

As classes baixas foram então muito opprimidas, tornando-se, em breve, ameaçador o seu descontentamento. Muitos nobres, despeitados com os seus rivaes e querendo hostilizál-os, procuraram apoio na opposição popular e deram-se ao incargo de regularizál-a para a fazerem servir aos seus fins. Entre essa nobreza contavam-se as grandes familias athenienses dos Alcmeonidas e dos Pisistratidas. O povo, incitado e aconselhado por elles, reclamou um codigo de leis escriptas, porque até ahi apenas havia costumes e leis oraes que os Eupatridas, unicos juizes, interpretavam ao sabor das suas paixões ou dos seus interesses.

A nobreza, assim atacada nos seus baluartes, condescendeu com as aspirações do povo e serviu-se d'essas mesmas pretenções para comprimir a emancipação do espirito popular. Incarregou um dos seus, o archonte Dracon (620), de redigir a legislação nova. As leis de Dracon eram severissimas na applicação das penalidades, sendo castigadas com a morte até mesmo pequenas faltas. A sua dureza inflexivel tornou-se proverbial, e ainda hoje se diz lei draconiana de alguma lei excessivamente severa. D'ellas disse um orador grego, que tinham sido escriptas com sangue.

O effeito de taes rigores foi contraproducente. O povo atacou os Eupatridas, e estes mesmos se guerrearam uns aos outros infraquecendo assim o seu poder em luctas fratricidas. Levantou-se então em impetos desesperados a lucta dos devedores contra os seus poderosos credores, lucta analoga á que insanguentou os primeiros tempos de Roma, antes da sua constituição definitiva.

A aristocracia, quando se viu á beira do abysmo e sem esperança{27} de salvar-se, procurou um homem de alta consideração publica, que pudesse servir de arbitro e de medianeiro. Incontrou-o em Solon, que foi elevado á dignidade de archonte e depois dictador supremo e legislador (593 A. C.).

 

Legislação de Solon.—A constituição de Solon é um complexo de elementos aristocraticos e de elementos democraticos, como vamos vêr.

Solon começou por facilitar o pagamento das dividas e restituiu a liberdade a todos os devedores. Para attingir o primeiro resultado, lançou mão de um recurso que a moderna economia publica decerto não approva, mas que foi vulgar nas sociedades politicas dos antigos tempos:—estabeleceu uma especie de bancarrota legal; deduziu do capital das dividas os juros já pagos, e para o re-imbolso do resto elevou o valor nominal da moeda.

Recusou, porêm, aos pobres a partilha das terras que elles reclamavam, e que, para muitos, não era mais do que uma restituição dos proprios bens; e procedia assim, porque o seu intento, sendo o de abolir uma aristocracia oppressora, não era comtudo o de estabelecer uma democracia pura.

Atacando a aristocracia de raça, instituiu no logar d'ella a aristocracia da riqueza, dando assim á constituição do Estado uma base nova. Com este fim, dividiu a população em quatro classes:—á 1.ª pertenciam os cidadãos que tinham um rendimento annual de 500 medimnos, isto é, que recolhiam nas suas proprias terras 500 medidas de productos solidos ou liquidos (a estes cabiam os grandes cargos, taes como o archontado, o commando em chefe do exercito ou da esquadra); á 2.ª, os que possuiam uma colheita de 300 medimnos, sufficiente para fornecer dois cavallos de batalha, um para o amo e outro para o escudeiro; á 3.ª pertenciam aquelles cujo rendimento annual era de 200 medimnos, e que apresentavam uma parelha de muares ou de cavallos, ou uma junta de bois, e podiam servir nas tropas pezadas (hoplitas); á 4.ª competiam os que desfructavam um rendimento inferior a 200 medimnos, e serviam como tropa ligeira ou marinheiros, sendo dispensados de todos os impostos (tinham direito de voto nas assembléas do povo e nos tribunaes, mas eram excluidos de todas as magistraturas e dos commandos).

O governo compunha-se de quatro corpos politicos:—os archontes, o senado, a assembléa do povo, e o areopágo.

Os archontes, em numero de nove, eram eleitos annualmente e assim classificados: o 1.º archonte, que dava seu nome ao{28} anno; o archonte-rei, successor do antigo rei-pontifice hereditario; o archonte-general; e os seis guardas da lei (Thesmothétas). Eram todos responsaveis perante a assembléa do povo.

O senado compunha-se de quatrocentos cidadãos das tres primeiras classes, eleitos annualmente pelas tribus e posteriormente tirados á sorte, mas submettidos antes d'isto a provas rigorosas.

A assembléa do povo era formada pelos vinte mil Athenienses que compunham a cidade politica, e estava longe de constituir uma verdadeira democracia. Não passava de um grande corpo privilegiado.

O areopágo, essencialmente aristocratico, compunha-se de archontes que tinham findado o periodo de exercicio do seu cargo. Era uma especie de senado judiciario e politico.

Solon, ao mesmo tempo que regulou a ordem politica, legislou tambem para a vida civil. Attendeu ás condições da familia, ao casamento, dotes, tutella de menores, direito de testar, ordem de successões, etc.

Só não legislou para o caso de parricidio, pois não admittia que tal crime pudesse ser commettido.

Lycurgo tinha proscripto o trabalho; Solon animou-o e constituiu-o n'uma obrigação, punindo a ociosidade. Nas suas leis civis o legislador atheniense não sacrificou o homem ao cidadão, nem a moral á politica, como fez o legislador espartano.

 

Os Pisistratidas.—Apezar da promulgação das leis de Solon, as dissidencias entre as diversas facções recrudesceram; os nobres pretendiam a preeminencia absoluta; o povo, não satisfeito com o governo mixto de Solon, queria transformál-o n'uma pura democracia.

Á frente do partido popular estava um homem habil, pertencente á aristocracia da riqueza, Pisistrato. A influencia que elle exerceu na cidade chegou a contrabalançar a dos magistrados (565).

Pisistrato não era violento, nem exercia rudemente a sua tyrannia; protegia até as artes e as lettras. Em 560, simulando que o haviam querido assassinar no meio da praça publica, conseguiu que lhe fosse dada uma guarda para sua garantia pessoal. Com essa guarda, porêm, desarmou os cidadãos, poz em fuga os seus inimigos, e apoderou-se da cidadella e do governo (560).

No anno seguinte, foi expulso pelos chefes das outras facções,{29} Lycurgo e Megacles; mas conciliando-se com este ultimo, ajudado por elle, poude voltar a Athenas (556). Casou então com a filha do seu alliado Megacles, chefe dos Eupatridas, mas foi outra vez exilado por este, em 547. Voltou dez annos depois, á frente de um corpo de mercenarios, que ficaram sendo a sua guarda habitual, e conservou-se no poder até ao fim da vida. Soube, no emtanto, honrar, se não legitimar, a sua usurpação com uma gerencia habil e prospera.

Succederam-lhe (528) seus dois filhos, Hipparco e Hippias, os quaes governaram juntos e perfeitamente tranquillos até 514. N'este anno, dois moços athenienses, Harmodio e Aristegiton, movidos por uma violenta animosidade contra os dois irmãos, combinaram matál-os. No dia da festa das grandes Panathenéas, dirigiram-se ao Ceramico, levando os seus punhaes escondidos sob ramos de murta. Hipparco foi morto; mas Hippias salvou-se e impoz ainda durante quatro annos aos Athenienses, um despotismo cruel. A poderosa familia dos Alcmeonidas, que estava exilada, logo que achou momento opportuno, resolveu-se a derrubar o ultimo dos Pisistratidas. Procurando o apoio dos Espartanos e auxiliados por um exercito dorico, intraram em Athenas e constrangeram o tyranno a uma capitulação que o exilava. Este retirou-se para a corte da Persia,—e, vinte annos depois, incontramol-o combatendo a sua patria nas planicies de Marathona.

 

A democracia atheniense.—A queda de Hippias animou os Eupatridas, dirigidos por Isagoras, a intentarem o restabelecimento da oligarchia das familias nobres. Mas á frente dos Alcmeonidas estava Clisthenes, archonte eponymo ou primeiro archonte, que reformou as leis de Solon tirando-lhes os elementos aristocraticos, e foi o verdadeiro fundador do regimen popular em Athenas.

Dividiu a população em dez tribus, tendo cada uma dez démos ou districtos, e n'esta nova organização geographica e politica estabeleceu direitos eguaes para todos os cidadãos. Cada dois démos formavam uma naucraria, á qual incumbia armar e equipar uma triréme e fornecer um epheta (juiz) ao tribunal criminal do archonte-rei. Elevou a quinhentos o numero dos senadores, eleitos annualmente pelas dez tribus, sendo cincoenta por cada tribu. O archontado, continuando a ser apanagio dos maiores contribuintes, tornou-se cada vez mais um cargo puramente honorifico. A auctoridade do areopágo foi limitada na mesma proporção. As assembléas do povo reuniram-se com mais frequencia, adquirindo este uma{30} acção directa e preponderante nos negocios publicos. Todo o cidadão, quando chegava aos trinta annos, tinha voto consultivo e deliberativio na assembléa geral e era apto para juiz ou jurado.

Clisthenes forneceu, egualmente, ao povo uma arma nova e poderosissima, o ostracismo. Consistia este no direito de exilar por dez annos (honrosamente) todo o cidadão que, pelo seu poder, pela sua grande consideração, ou pela sua excessiva influencia, fizesse perigar a egualdade civil, a constituição democratica, e as liberdades publicas. Quando a conveniencia de exilar um cidadão n'estas condições era apresentada ao povo, este escrevia n'uma concha (em grego ostrakon; e d'aqui a palavra ostracismo) o nome d'aquelle que tinha de ser banido. Eram necessarios, pelo menos, seis mil suffragios, para a sentença poder ter execução.

O ostracismo não era uma pena applicada a um culpado; era uma demonstração de honra e de consideração, e ao mesmo tempo uma medida de prudencia contra a possibilidade de uma tyrannia.

Isagoras, chefe da facção aristocratica, pediu soccorro aos Espartanos, a exemplo do que haviam feito os Alcmeonidas, a cuja frente estava agora Clisthenes, e elles mandaram-lhe o rei Cleomenes á frente de um exercito. Clisthenes foi proscripto com mais septecentas familias athenienses, e Isagoras submetteu a cidade a um conselho oligarchico de trezentos Eupatridas. O povo sublevou-se, tomou a cidadella, expulsou os Espartanos e Isagoras, abriu as portas da patria aos banidos, e confirmou as leis de Solon com as reformas de Clisthenes.

D'esta fórma a democracia triumphou, porque o povo attingira um elevado grau de cultura politica e tinha a consciencia e o sentimento da sua força, e da sua liberdade. Com a victoria do novo systema de governo começou o periodo da grandeza e supremacia de Athenas. Decorrendo apenas vinte annos desde a queda de Hippias até ás Guerras Medicas, e sendo elles quasi completamente occupados com dissensões intestinas e com guerras externas contra os Beocios, os Eginetas, os Chalcidios e os Espartanos, Athenas conseguiu pelo acerto da sua politica e pelas vantagens das suas armas dilatar por toda a Héllada a sua influencia politica e o seu prestigio. Apossando-se da Eubéa, do Chersoneso da Thracia, e da ilha de Lemnos, que Milciades conquistou, tornou-se uma formidavel potencia maritima, potencia que Themistocles ainda ingrandeceu mandando construir 200 navios com o producto{31} das minas de prata do Laurion, como em seu competente logar diremos.

A democracia atheniense, com todas as suas consequencias, durou 200 annos, salvo algumas perturbações; e tão longa duração explica-se pela comprehensão que todos os cidadãos tinham da vida politica e pelas disposições naturaes do povo, de modo que a nova fórma de governo não era um accidente, mas sim uma constituição profundamente radicada. O povo comprehendia que a sua soberania propria estava na soberania da lei e na inviolabilidade d'esta, e não tolerava o arbitrio individual.

Aristides, uma das mais puras individualidades entre os estadistas de todos os povos, poz o remate ás instituições de Solon, abrindo a carreira do archontado e das outras funcções publicas a todos os cidadãos, sem privilegios de nascimento nem de riqueza.

 

Os septe sabios da Grecia.—Por esta designação vulgar, ficaram sendo conhecidos uns homens eminentes da Grecia, a quem o povo attribuia sentenças e maximas concisas de verdadeira sabedoria experimental e practica. Eram os representantes da sciencia e da experiencia moral, politica e social, do seculo VI. Ha, porêm, confusão e divergencia nos nomes d'elles, e nas sentenças que lhes são attribuidas. Segundo a maioria das versões, os septe sabios eram: os quatro philosophos da Grecia asiatica, Thales, Pittaco, Bias e Cleobulo, de Lindos, na ilha de Rhodes; e os tres da mãe-patria, Solon, de Athenas; Chilon, de Esparta; e Periandro, de Corintho, sendo ás vezes substituido este ultimo por Pherecydes, de Scyros, ou Myson, de Laconia.

 

Escravidão e servidão.—A escravidão na Grecia data dos tempos pelasgicos, como o provam os monumentos cyclopicos, demonstração evidente de que os homens empregados em erguêl-os viviam nas condições de uma escravidão durissima. Ha vestigios d'ella:—nas lendas dos tempos primitivos, como nos mythos, de Apollo, escravo de Admetto, e de Hercules, duas vezes escravizado; no tributo de mancebos e donzellas, imposto por Minos aos piratas athenienses; na constituição das republicas cretenses; e, finalmente, nos proprios poemas homericos.

No começo dos tempos historicos, os Thessalianos, submettendo os povos das regiões onde foram estabelecer-se, reduziram-n'os, pelo confisco das suas propriedades, a um regimen{32} analogo á servidão da gleba. Estes servos tiveram o nome de penestes. Durante a guerra do Peloponeso, um cidadão de Pharsalia poz 1:200 penestes á disposição de Athenas.

Os Dorios instituiram no Peloponeso as mesmas fórmas de servidão, e, quando terminaram a conquista da Laconia, dividiram os indigenas, em duas grandes classes de servos: os periecos e os hilotas.

Os periecos tinham-se submettido voluntariamente, e foram-lhes deixadas as suas cidades e uma parte dos campos. Tiveram 30:000 lotes na partilha attribuida a Lycurgo. Pagavam tributo, não tinham direitos politicos; eram, comtudo, de condição livre, e tomavam parte nos jogos olympicos. Dedicavam-se ao trabalho, ao commercio, á industria: teciam ricos mantos de purpura, faziam calçado luxuoso, fabricavam armas magnificas, obras cinzeladas, etc. Houve entre elles alguns artistas muito notaveis. Nos exercitos, formavam as guardas ligeiras; nas armadas eram marinheiros peritos,—e alguns periecos houve que as commandaram, nas guerras maritimas com os Athenienses. Finalmente, os periecos tinham escravos seus para os trabalhos agricolas.

Os hilotas eram verdadeiros escravos; não constituiam uma sociedade áparte e vivendo a sua vida propria, como os periecos. Eram inteiramente submettidos aos Espartanos. Cultivavam as terras, guardavam os rebanhos, trabalhavam nos serviços domesticos, e, na marinha, eram remadores. Desprezavam-n'os, tratavam-n'os barbaramente, chegando a ponto não só de serem açoitados todos os annos para se lhes lembrar a sua abjecção, como tambem de serem caçados e mortos (eryptia), em verdadeiras correrias pelos campos, como bestas-feras. O numero dos hilotas dos dois sexos, que havia na Laconia, elevava-se a 200:000, os quaes juntos com 120:000 periecos formavam uma população dez vezes maior que a dos Espartanos.

Estes ultimos tinham tambem escravos extrangeiros dos dois sexos. O direito de alforria era exclusivo do Estado. Os libertos não eram elevados á categoria de cidadãos; ficavam em differentes condições particulares, com os nomes de epeunactas, cructeros, aphétas, neodamodos, etc.

Em Creta, onde o regimen era o mesmo que em Esparta, incontram-se as mesmas fórmas de servidão: populações submettidas analogas aos periecos; escravos do Estado sob o nome de mnoítas; escravos empregados na cultura dos campos e no serviço dos cidadãos (aphamiotas e clarotas), bem como escravos comprados no estrangeiro.{33}

Incontram-se egualmente, as mesmas fórmas em todas as regiões, onde se estabeleceram os Dorios, taes como nos orneatas e nos gymnetas «homens nus» da Argolida; nos cynophylos «raça de cães» de Corintho; nos conipodos «de pés impoeirados» de Epidauro; nos craulidas de Delphos; nos callicyrios de Syracusa, etc.

Em Athenas o tratamento dado aos escravos era mais benigno, sem comtudo deixarem estes de ser considerados coisas, e, como taes, estavam submettidos ás leis que regem a propriedade.

Havia, tambem nos templos, em diversas cidades da Grecia, bandos de escravas que, com o nome sagrado de hierodulas, eram votadas ao culto de Venus. O templo de Venus, em Corintho, incerrava mais de mil d'essas cortezans, as quaes desfructavam grande consideração publica por concorrerem para a prosperidade da cidade, attrahindo a esta um grande numero de estrangeiros.

 

CAPITULO V

AS GUERRAS MEDICAS

Sublevação dos Gregos da Asia-Menor.—Quando a Persia, na expansão do seu ingrandecimento, attingiu os seus limites naturaes na Asia, só lhe restava aberto o lado de noroeste (isto é, a Europa) para a dilatação das suas fronteiras.

Começou por incontrar as ricas cidades gregas disseminadas pelas ilhas e pelo littoral do Mediterraneo, e submetteu-as. Mileto intregou-se sem resistencia; outras oppuzeram-se tenazmente ao jugo, mas porfim todas foram absorvidas pelo colosso asiatico. Annexadas ao imperio, carregadas de impostos, conservaram, no emtanto, uma tal ou qual autonomia sob a auctoridade absoluta de chefes escolhidos pelo vencedor no partido aristocratico de cada uma, responsaveis pela obediencia e fidelidade dos seus concidadãos e dependentes do satrapa da respectiva provincia.

Isto durou pouco mais de meio seculo. Porém, no tempo de Dario, manifestou-se uma sublevação geral contra o poderoso imperio.

Histieu, principe de Mileto, estava em Suza, capital da Persia,—e deixára Aristágoras, seu genro, com o governo da cidade. Parece que este, humilhado pela altivez do governador{34} da Asia-Menor, e receoso do castigo com que os Persas procurariam punil-o, por ter aconselhado e dirigido uma impresa contra Naxos, que a facção aristocratica queria intregar aos Persas afim de se apoiar n'elles para consolidar a sua preeminencia, quiz experimentar a sorte das aventuras provocando uma revolta entre os Gregos descontentes. Sublevou a Jonia (501),—e a sublevação propagou-se como um incendio por toda a costa da Asia, desde a Caria até Chalcedonia sobre o Bosphoro.

Os revoltosos mandaram pedir soccorros a Esparta e a outros Estados poderosos da mãe-patria; mas só Athenas e a pequena cidade de Erétria na Eubéa inviaram um pequeno numero de navios. Ao principio as vantagens foram todas do lado da sublevação; os Gregos conquistaram e incendiaram Sardes, capital da Asia-Menor. Mas dentro em breve a sorte das armas mudou: o exercito nacional grego foi derrotado em Epheso pelo governador persa; e porfim a desproporção das forças, a falta de unidade entre os confederados, e a traição, lançaram-n'os outra vez sob o jugo que pretendiam sacudir. Em 494 foi destruida Mileto. Dos Milesianos foram uns passados á espada, outros levados captivos para o Tigre inferior. Aristagoras fugiu para os Thracios da margem do Strymon, onde foi morto. Histieu, que, voltando á Jonia, se tinha ligado com os revoltosos, morreu crucificado; a Caria e a Jonia foram reduzidas e severamente castigadas; e Dario jurou tirar uma vingança cruel das duas cidades, Athenas e Eretria, que tinham auxiliado os revoltosos.

 

Primeiras expedições dos Persas.—Resolvido a pôr em práctica os seus projectos de vingança contra os Gregos, Dario, excitado tambem pelas instancias do antigo tyranno de Athenas, Hippias, deu a seu genro Mardonio (492) o commando de um exercito, que devia penetrar na Europa pela Thracia, seguindo a esquadra ao longo das costas. Ao mesmo tempo os arautos do grande rei reclamavam dos diversos Estados gregos a terra e a agua, symbolos de submissão.

Mardonio, por uma habil medida politica, assegurou a sua retaguarda e as suas bases de operações, acabando de pacificar a Jonia por meio de uma concessão singular: depoz em todas as cidades os tyrannos, e restabeleceu o regimen democratico, ou pelo menos o governo das cidades pelos seus proprios cidadãos.

Nada lhe valeu, porque todas as circumstancias conspiraram contra elle. A esquadra submetteu a ilha de Thasos,{35} mas foi despedaçar-se quasi toda por uma tempestade ao dobrar o promontorio do monte Athos. Perderam-se trezentas galeras e vinte mil homens; e Mardonio, que tinha já subjugado parte da Macedonia, reconhecendo que não podia continuar a conquista, voltou para a Asia (492), com o resto do seu exercito.

Os arautos que, em nome de Dario, se adeantavam reclamando a terra e a agua, segundo a formula de homenagem que os Persas exigiam dos povos que subjugavam, não foram melhor succedidos. Egina e muitas outras cidades obedeceram-lhes; mas, quando elles se apresentaram com a mesma exigencia deante de Esparta e de Athenas, a indignação dos habitantes d'estas cidades foi tão grande que, olvidando o direito das gentes, mandaram-n'os matar. Os Espartanos atiraram-n'os a um poço, dizendo que procurassem no fundo d'elle a terra e a agua que quizessem.

Dario, cheio de indignação com um tal insulto, inviou logo segunda esquadra, com muitas tropas de desimbarque, sob o commando de Datis e de Artaphernes. Esta atravessou o Archipelago, onde obrigou Naxos e as outras Cyclades a submetterem-se, e chegou em seguida á Eubéa, onde bloqueou Eretria, capital da ilha, a qual lhe foi intregue pela facção aristocratica. A cidade foi arrasada e os habitantes remettidos como escravos para o interior da Asia (490). Em seguida os Persas, conduzidos por Hippias, desimbarcaram nas costas da Attica, e acamparam, a algumas leguas de Athenas, na planicie de Marathona, habilmente escolhida como favoravel para as grandes evoluções de cavallaria.

 

Batalha de Marathona.—Mandou Athenas, n'este grande aperto, pedir o auxilio de Esparta; mas os Espartanos, detidos por um uso supersticioso, que lhes não permittia partir para a guerra antes da lua-cheia, pediram dez dias de espera. Os Athenienses, a quem a difficuldade das circumstancias não permittia delongas, marcharam ao incontro do inimigo. As dez tribus forneceram cada uma mil homens e um stratégo ou general, sendo o commando em chefe conferido a Milciades. O exercito dos Persas era dez vezes mais consideravel, o que não obstou a que a sua derrota fôsse completa. A batalha de Marathona (490) inaugurou com gloria o imperio e o prestigio da democracia atheniense.

 

Morte de Milciades.—Em seguida, Milciades convenceu os Athenienses a armarem uma esquadra para conquistarem as{36} ilhas do Mar Egeu que tinham prestado homenagem aos Persas. Foi sitiar Paros; mas teve de levantar o bloqueio com perdas, regressando com a esquadra a Athenas. Ahi foi accusado por Xantippo, um dos primeiros personagens da cidade, pae de Pericles, de ter inganado o povo, lesado o thesouro publico, e causado a morte de um grande numero de cidadãos. Milciades não poude comparecer no tribunal, por estar gravemente doente de uns ferimentos recebidos em Paros, e foi condemnado ao pagamento de uma multa equivalente ao dispendio que tinha feito a expedição. Morreu da sua ferida pouco depois,—e seu filho pagou a multa, para não ficar incurso na incapacidade legal para o exercicio de qualquer cargo publico.

 

Aristides e Themistocles.—Athenas subiu ao primeiro logar entre as nações gregas, e no seu seio travou-se em breve o conflicto de duas ambições rivaes. Dois homens, Aristides e Themistocles, disputavam um ao outro a influencia e o credito:—Aristides, dotado de tal rectidão que recebeu o nome da Justo; Themistocles, homem de genio militar o politico, tendo as mais altas qualidades, infelizmente maculadas por grandes defeitos. Themistocles era o chefe do partido popular. Quando se tratou de dar successor a Milciades no commando da esquadra, elle obteve a preferencia sobre o seu rival. Submetteu algumas das ilhas do Mar Egeu; mas, quando voltou a Athenas, incontrou Aristides á frente de um grande partido (o aristocratico) que o apoiava. Romperam grandes desintelligencias entre as duas parcialidades, e porfim Themistocles conseguiu obter a expulsão de Aristides, por meio do ostracismo. O povo não teve em vista, com esta medida, castigar um homem cujas virtudes apreciava; o que pretendeu foi enfraquecer o partido da nobreza, tirando-lhe o chefe.

Themistocles, ficando chefe da republica, e comprehendendo, ao contrario de todo o povo, que a derrota dos Persas em Marathoha não era o termo da lucta, mas sim o começo de guerras novas, viu com admiravel penetração que o futuro da Grecia dependia do seu ingrandecimento maritimo, e não deixou um momento de pugnar pela creação da marinha atheniense, afim de oppôl-a um dia a novas invasões dos Asiaticos, e ao mesmo tempo para garantir a Athenas o senhorio do mar e a preponderancia sobre os outros Estados gregos.

Para conseguir a realização dos seus projectos, obteve de Delphos uma sentença que o favorecia. O oraculo declarou que a salvação dos Athenienses dependia de se abrigarem cobertos{37} por «muros de madeira». Por estes muros o povo intendeu «navios». O producto das minas de prata do Laurion era até então consumido em festejos publicos ou distribuido pelos cidadãos. Themistocles obteve que fosse empregado na construcção de cem triremes de guerra, e para melhor fazer acceitar a sua proposta valeu-se do profundo rancor que os seus concidadãos tinham á ilha de Egina, por se haver rendido espontaneamente aos Persas, e levou-os a approvarem o augmento das forças navaes com a mira no castigo dos Eginetas.

 

Expedição de Xerxes.—Dario, o orgulhoso monarcha persa, humilhado com o desastre de Marathona, estava preparando os elementos para uma desforra memoravel quando a morte o surprehendeu. Seu filho e successor, Xerxes, herdeiro do seu odio e dos seus sentimentos de vingança, adoptou os projectos paternos e proseguiu nos armamentos que, em larga escala, se estavam accumulando havia tres annos. Segundo a narrativa de Herodoto, fundada na tradição popular e poetica, o exercito asiatico attingiu o numero de 1.700:000 homens, sendo a esquadra de mais de 1:200 navios de alto bordo.

Em 481, depois de ter atravessado o territorio de Ilion, chegou aquella immensa mole de gente ás praias do Hellesponto. Septe dias, sem interrupção, levou o exercito a passar sobre duas pontes de barcos. Era um mixto de povos e nações diversas: Persas, Médos, Assyrios, Arabes, Sacios, Indios, Mongoes, Ethiopes, etc. Depois da passagem do Hellesponto, dirigiu-se do Chersoneso para a Macedonia e para a Thessalia atravez da Thracia. Os povos das differentes regiões atravessadas, taes como os montanhezes da Dorida, do Pindo, do Ossa, do Pélion, do Olympo, os Thessalianos, uma parte doa Beocios, correram a offerecer ao grande rei as suas homenagens. A esquadra, n'este meio tempo, ia avassallando os mares e apossando-se das ilhas.

Themistocles conseguiu, com os seus esforços patrioticos, fundar uma liga composta dos restantes Estados gregos, que o terror do inimigo não abalára de todo. Formou-se uma dieta, sob a hegemonia de Esparta, no isthmo de Corintho. Por um momento foram esquecidas todas as dissensões internas.

 

As Thermopylas.—Em Julho de 480, exactamente quando se celebravam os jogos olympicos, appareceram as avançadas do exercito de Xerxes em frente do desfiladeiro das Thermopylas. Ahi as esperava Leonidas, um dos dois reis de Esparta, o qual, segundo o plano de defesa combinado, tinha por{38} missão deter os Persas n'essa estreita garganta, que conduzia da Thessalia para a Locrida, cobrindo ao mesmo tempo a Grecia central. Ao mesmo tempo o exercito naval dos Gregos esperava as esquadras de Xerxes no estreito de Artemision. Para defender o Peloponeso, ultimo refugio da independencia hellenica, estava um exercito de reserva acampado no isthmo.

O rei lacedemonio commandava septe mil homens, entre os quaes se distinguiam trezentos Espartanos. Foi com estes que Leonidas se postou no desfiladeiro, prompto a fazer frente a toda a inundação asiatica. Intimado a intregar as armas, Leonidas respondeu:—«Vem buscál-as!» Quando o inimigo appareceu á vista, disse um grego:—«Os Persas estão ao pé de nós», a que Leonidas replicou:—«Porque não dirás antes que nós estamos ao pé dos Persas?» Os soldados valiam tanto como o chefe. Disse um d'elles, atemorizado, que os inimigos eram em tão grande numero, que as suas flechas escureceriam o sol.—«Tanto melhor, respondeu outro, combateremos á sombra». Leonidas desejava salvar dois mancebos espartanos; deu a um d'elles uma carta, a outro uma commissão para os éphoros.—«Não estamos aqui para levar recados; estamos para combater».

Durante muitos dias procurou o Rei dos Persas forçar a passagem; e já quasi desesperava de conseguil-o, quando um traidor grego lhe ensinou um atalho por meio do qual se podia tornear a inexpugnavel posição.

No dia seguinte, os Gregos de Leonidas vêem-se cercados pelo inimigo. Os trezentos Espartanos, e septecentos habitantes da cidade de Thespia, resolveram sacrificar-se pela patria. Alli succumbiram todos, combatendo como leões. Xerxes, que tinha perdido vinte mil dos seus melhores soldados, sentiu a humilhação da sua victoria. Pelo contrario, o sentimento nacional dos Gregos exaltou-se com esta derrota gloriosa, e decidiram-se a defender a liberdade e a independencia até á morte.

 

Batalha de Salamina.—Durante este tempo, conservava-se no estreito de Artemision a esquadra grega, commandada superiormente pelo espartano Eurybiades, commandando Themistocles as galeras athenienses. Fazia-lhe frente a immensa esquadra dos Persas, e entre pequenas fracções das duas armadas haviam-se travado já algumas escaramuças e combates parciaes.

Quando se soube que tinha sido forçado o desfiladeiro das Thermopylas, e que Xerxes, depois de devastar a Phocida e{39} a Beocia, avançava sobre Athenas, determinado a destruil-a, os Athenienses esperavam que todas as forças alliadas tentariam defender a Attica. Mas os outros Gregos, cuidando especialmente em cobrir o Peloponeso, só pensavam em fechar o isthmo de Corintho, já fortificado por uma formidavel muralha.

Themistocles fez então revogar a lei de exilio contra Aristides, e determinou o povo a abandonar Athenas para se não expôr á lei do vencedor; as mulheres e as creanças foram para Trezena, para Egina e para Salamina; os homens recolheram-se á esquadra; e a cidade foi incendiada e devastada.

A esquadra persa ancorou na enseada de Phalera. Os Gregos, assustados, deliberam abandonar o estreito de Salamina e aproximar-se do isthmo onde estão reunidas as forças de terra. Contra esta deliberação insurgiu-se Themistocles, por intender que o combate sería mais favoravel n'umas aguas apertadas, onde a grande esquadra persa, não podendo mover-se á vontade, perderia parte das vantagens do numero. No conselho dos chefes, foi tal a energia da sua opposição, que o almirante-supremo, Eurybiades, levantou contra elle o bastão de commando.—«Bate, mas ouve!» replicou imperturbavel Themistocles, contendo assim o impeto do fogoso espartano.

De nada lhe valeu a perseverança com que procurou dissuadir os outros chefes. Recorreu então a um estratagema que, se não sortisse effeito, poderia ser tomado por uma traição horrorosa. Inviou a Xerxes um mensageiro secreto, a informál-o das divisões dos Gregos e do projecto de retirada, e lembrando-lhe que os fechasse no estreito, onde poderia aniquilál-os com facilidade.

Immediatamente Xerxes deu ordem para bloquear a ilha e a esquadra grega. Foi Aristides quem, regressando do exilio e tendo atravessado a esquadra inimiga, deu aos Gregos a noticia de estarem involvidos. Só restava combater desesperadamente. Foi o que se fez.

O papel de Themistocles, quaesquer que sejam as suspeitas que a Historia tenha de reservar sobre a fidelidade e boa fé d'este homem estranho, é incontestavel que foi decisivo n'esta batalha memoravel. A victoria dos Athenienses foi completa, e salvou a Grecia. Xerxes retirou-se abatido e com precipitação, atravez da Thessalia, da Macedonia e da Thracia, onde grande numero dos seus soldados morreram de fadigas, de frio e de fome; e tornou a atravessar o Hellesponto.{40} Os Espartanos, tão ciosos das glorias alheias, deram espontaneamente uma corôa de oliveira a Themistocles.

 

Batalhas de Platéa e de Mycale.—Na Thessalia ficaram trezentos mil homens, sob o commando de Mardonio, para effectuarem a submissão da Grecia. Passado o inverno, desceram atravez da Beocia; devastaram a Attica, de novo abandonada pelos confederados; e occuparam Athenas, quasi completamente em ruinas e deshabitada. Mas, na grande batalha de Platéa (479), os Gregos, commandados pelo espartano Pausanias, o qual tinha sob as suas ordens Aristides, general dos Athenienses, obtiveram sobre o exercito inimigo, tres vezes superior em forças, uma victoria tão completa que a maior parte dos inimigos, incluindo o seu general, ficaram no campo de batalha. Apenas 40:000 homens tornaram a atravessar o Hellesponto.

No mesmo dia d'esta assignalada batalha, a esquadra grega, commandada pelo rei espartano Leotychidas, derrotou a esquadra persa em frente do promontorio de Mycale, na Asia-Menor. Xantippo, pae de Pericles, commandante dos navios athenienses, teve uma parte importante na gloria d'esta grande acção naval.

 

CAPITULO VI

HEGEMONIA DE ATHENAS

Reacção da Grecia sobre a Asia.—Depois d'estas victorias, Aristides fez acceitar aos alliados a idéa de uma liga permanente contra a Persia; e decidiu as ilhas e os portos gregos a concluirem uma alliança com os Athenienses (476), obrigando-se a fornecerem dinheiro e navios para a continuação da guerra. O centro da Liga estabeleceu-se em Delos, e aos Athenienses coube a gerencia financeira da associação e o commando da esquadra commum.

Uma tendencia irresistivel impellia os Gregos para a Asia. Apenas a invasão fôra repellida e logo os Athenienses retomaram Sestos e o Chersoneso da Thracia. Em 477, a esquadra, commandada por Pausanias, apoderou-se de Chypre e de Byzancio, e chamou á liberdade as cidades gregas da Asia.

O contacto com os povos do Oriente causou a perda do general{41} espartano Pausanias. Este, quando tomou Byzancio, aprisionou alguns persas de elevada gerarchia, entre os quaes se contavam alguns parentes do Rei. Pausanias restituiu-os a Xerxes, contra vontade dos outros confederados, e mandou prometter ao Rei da Persia que o auxiliaria a combater Esparta e a dominar a Héllada, mediante a condição d'elle lhe dar uma filha em casamento e de o fazer governador do Peloponeso. O Rei da Persia acceitou a proposta, e Pausanias tornou-se tão arrogante que chegou a esquecer as leis e os costumes de Esparta. Adoptou o uso de vestuarios magnificos, intregou-se a excessos de mesa, tomou para seu serviço creados médos e egypcios, tornou-se odioso pela sua altivez, fazendo a auctoridade espartana detestada. Chamado a Esparta, continuou a manter intelligencia com Xerxes e a preparar os meios de se apoderar do poder absoluto. Sendo descoberta a sua traição, refugiou-se no Templo de Minerva Chalciœcos, d'onde não era possivel arrancál-o sem commetter sacrilegio; e por isso os Ephoros mandaram tirar o tecto ao edificio, e intaipar as portas, deixando-o alli morrer de fome.

Emquanto isto succedia com Pausanias, que, pela sua defecção, fazia perder a Esparta o commando supremo dos alliados,—Themistocles ingrandecia Athenas, cercando-a de muralhas, construindo o porto do Pireu que se tornou uma cidade, e que posteriormente foi unido a Athenas, que lhe ficava á distancia de 7 kilometros, por dois longos muros concluidos no tempo de Pericles. Attrahiu á Attica, por meio do offerecimento de grandes vantagens, excellentes operarios extrangeiros, e fez decretar que todos os annos se construisse um certo numero de triremes, para assegurar a supremacia maritima da sua patria. Em 474, os seus inimigos politicos conseguiram exilal-o por dez annos, por meio do ostracismo; e os Espartanos, que o detestavam, pelo modo como elle ingrandecêra Athenas, accusaram-n'o de ter tomado parte na traição de Pausanias, por não o haver denunciado, e citaram-n'o a comparecer perante um tribunal da confederação, cuja presidencia pertencia a Esparta. Themistocles, perseguido, conseguiu a muito custo e atravez dos maiores perigos, retirar-se para a Asia (466) onde o Rei da Persia o recebeu com a maior consideração dando-lhe por apanagio tres cidades da Asia-Menor. O fim da sua vida foi obscuro.

 

Cimon e a grandeza maritima de Athenas.—A Pausanias succedeu Cimon, filho de Milciades, no commando em chefe{42} dos confederados. Era da facção dos Eupatridas, que o oppunham a Themistocles. Comtudo, apezar de aristocrata e apoiado por elles, estava-lhe reservado o fazer triumphar por toda a parte a influencia da democracia atheniense; imbora adversario de Themistocles, coube-lhe o papel de realizar o pensamento patriotico d'este grande homem.

Começou por expulsar os Persas da sua ultima estação na Thracia, e conquistou o littoral onde os Athenienses então fundaram Amphipolis; expulsou os piratas da ilha de Scyros dividindo a ilha por colonos athenienses; percorreu como vencedor as costas da Caria e da Lycia, libertando do dominio asiatico as cidades gregas. Ganhou (em 466) duas batalhas no mesmo dia (uma terrestre, outra naval), nas margens do Eurymédon, o que assegurou a Athenas o imperio do mar, e tentou uma brilhante expedição contra a ilha de Chypre (460), para arrancál-a aos Persas. Em 458 foi votado ao ostracismo, pelas suas opiniões aristocraticas, que o levaram a oppôr-se ao movimento progressivo da democracia na cidade. Morreu em Chypre, em 449.

 

Athenas até á paz de Pericles.—Na lucta com a Persia crescia o poder atheniense, sem proveito particular para os outros povos alliados. Começaram estes a mostrar o seu descontentamento, que Cimon explorou com habilidade summa. Levou-os a substituir o seu contingente de soldados e de marinheiros por um augmento de contribuição para o cofre da Liga em Delos, e a intregarem-lhe as suas galeras vazias. D'este modo desarmou-os, transformando-os de alliados e de confederados em tributarios e em vassallos. Deixou até de os consultar, transportou para Athenas o thesouro hellenico, e dilatou a sua influencia energica até ao governo interno das cidades.

Naxos revoltou-se (463), mas foi castigada e teve de supportar o estabelecimento de uma colonia atheniense; a ilha de Thasos perdeu os seus navios, as suas ricas minas de oiro nas costas da Thracia, e a sua independencia; Egina foi conquistada (457) depois de uma grande lucta, os seus habitantes expulsos e ella repovoada por colonos atticos; Mégara cahiu tambem na dependencia de Athenas; Carystos, na Eubéa, teve a mesma sorte.

Os Espartanos, ciosos da preponderancia dos seus rivaes, preparavam-se para guerreál-os, apezar da lucta em que andavam com Argos e outras cidades do Peloponeso, quando uma serie de calamidades os feriu. Um espantoso terramoto,{43} que abalou, a Arcadia e a Laconia, precipitou sobre Esparta um grande desmoronamento do monte Taygeto (465). A maior parte da cidade ficou em ruinas, perecendo vinte mil pessoas.

Os hilotas, crendo favoravel o momento para a sua emancipação, atacaram os sobreviventes, mas foram repellidos. Dispersando-se e fugindo, ligaram-se com os Messenios que, revoltando-se de novo, se intrincheiraram no monte Ithoma, começando uma terceira guerra de Messenia, a qual durou dez annos (464-454).

Foi só depois de finda esta guerra, que os Espartanos puderam voltar as suas attenções para Athenas. Invadiram a Héllada com um formidavel exercito, sendo o seu fim contrabalançar a influencia de Athenas com o restabelecimento da hegemonia de Thebas sobre as cidades beócias, a qual tinha sido anniquilada durante as Guerras Persicas.

Ganharam a victoria de Tanagro (456) contra os Athenienses, commandados por Pericles. Mas, dois mezes depois, Myronidas inutilizou todas as vantagens adquiridas pelos Espartanos, ganhando a batalha de Œnophyta,—batalha que tornou os Athenienses senhores da Phocida, da Locrida e da Beocia.

Chegára, assim, Athenas ao apogeu da grandeza, d'onde em breve tinha de cahir, porque a propria extensão das suas possessões lhe havia de ser fatal. Romperam dissidencias entre Athenas e Esparta, por causa da intendencia no Templo de Apollo. Os Espartanos queriam-n'a para os de Delphos, seus alliados; os Athenienses, alliados dos Phocidios, sustentavam as pretenções d'estes, os quaes as fizeram triumphar pelas armas. Um exercito espartano restituiu o templo aos primeiros; um exercito atheniense, commandado por Pericles, retomou-o para os segundos (448). Estas excursões guerreiras dos dois povos dominantes, atravez da Beocia, accenderam os odios dos partidos; e os exilados beocios da facção aristocratica puzéram-se em campo, chegando a apossar-se de várias cidades. Tolmidas, general atheniense, atacou-os com pequenas forças, e foi completamente desbaratado na batalha de Choronea (447). A Beocia cahiu, de novo, sob o poder de Thebas; Mégara e a Eubéa revoltaram-se, e um exercito espartano, atravessando o isthmo, chegou ameaçador ás fronteiras da Attica. Pericles comprou a pezo de oiro o general lacedemonio; e concluiu com elle um tratado em virtude do qual Athenas, para não perder a Eubéa, restituiu todos os pontos de que se havia apossado nas costas do Peloponeso.{44}

As duas cidades rivaes ajustaram uma tregua de 30 annos (445), garantiram mutuamente as suas hegemonias. Assim ficou Esparta com a preponderancia continental; Athenas, com o dominio do mar.

 

CAPITULO VII

O SECULO DE PERICLES

Pericles, grande estadista e guerreiro, que nasceu em 494 A. C., era filho de Xantippo, o vencedor dos Persas em Mycale. Apezar da sua ascendencia nobre, adoptou os principios democraticos e poz-se á frente do partido popular.

Em 461 começou a apparecer nos negocios publicos, e induziu o orador Ephialtes a propôr um decreto que arrancava ao areopágo as suas mais importantes attribuições para as transferir para o povo, despojando assim aquelle supremo conselho da nobreza, de todo o seu poder moral e dos seus privilegios aristocraticos, transformando-o n'um simples tribunal de jurisdicção muito limitada. O decreto foi approvado; e quando Cimon, ao regressar de uma das suas expedições, tentou operar uma contra-revolução a favor da aristocracia, o povo votou-o ao ostracismo, como já dissémos.

Foi discipulo, em dialectica, de Zénon d'Eléa; e de Anaxagoras, nas altas concepções philosophicas,—adquirindo nos habitos serios de um estudo profundo e de uma reflexão aturada, uma certa majestade grave e serena, que em todas as suas palavras e em todos os seus actos transluzia, a ponto dos seus contemporaneos lhe darem o qualificativo de Olympico.

Pela morte, de Cimon, Pericles ficou em Athenas com um ascendente incontestado e absoluto. O seu governo foi uma verdadeira dictadura. Sob o titulo de stratégo (general) annualmente eleito, sem nenhuma outra dignidade (pois ha duvidas até sobre se alguma vez foi archonte), tomou a direcção de todos os negocios, e exerceu com nobreza e rectidão uma auctoridade cuja extensão podia ser um perigo.

Conservou as fórmas republicanas do governo e não reprimiu os habitos da liberdade. Os poetas comicos e muitos philosophos, todos partidarios da aristocracia, chegavam a diffamar{45} Pericles, nas suas peças e nas suas licções, sem nenhum receio de repressão para os abusos da sua critica. As magistraturas, em logar de serem dadas pelo suffragio, como até ahi, passaram a ser distribuidas pela sorte, processo mais democratico, porque deixava os cargos abertos a todos, ao passo que a eleição, imbora exercida pelo povo, os fazia recahir sempre nos grandes. Este systema de sorte não tinha inconvenientes em uma sociedade constituida como o era a atheniense. Aqui, os cidadãos (isto é, os athenienses de condição livre) não passavam de uns vinte mil, e constituiam uma verdadeira aristocracia popular, na qual todos os membros tinham sensivelmente a mesma educação politica, e estavam nas circumstancias de desimpenhar os mesmos cargos. Conservou-se, porêm, o processo da eleição para a nomeação dos stratégos, cujas funcções eram muito importantes, e comprehendiam todos os negocios militares, e todas as relações da politica externa. E, com respeito aos archontes e aos senadores, a sorte só podia exercer-se entre os que se apresentavam candidatos, os quaes se submettiam a um rigoroso exame prévio.

Attribuiu a gratificação de tres óbolos diarios a todo o cidadão que nas assembléas judiciarias e nas politicas tomasse assento, consagrando o seu tempo ao estudo e á regularização das questões ahi apresentadas e debatidas. Augmentou o estipendio dos soldados e dos marinheiros; ordenou distribuições gratuitas de trigo ás classes pobres; tomou a cargo da cidade a educação dos filhos d'aquelles que morriam pela patria; arbitrou soccorros periodicos aos invalidos e infermos; etc. Inviou colonos para muitos pontos da Asia e das ilhas, dando-lhes terras e conservando-lhes os seus direitos de cidadãos de Athenas; decretou grandes solemnidades nacionaes, festejos publicos para regosijo e illustração do povo; finalmente, cobriu Athenas com os mais sumptuosos e bellos monumentos que jámais se edificaram, alguns dos quaes estão ainda de pé, attestando a sua magnificencia primitiva debaixo das mutilações que os tempos lhes trouxeram.

Como os rendimentos da Attica não podiam chegar nem para o centesimo do custo de tantas obras primas, Pericles não hesitou em lançar mão das contribuições que os alliados derramavam no thesouro commum, e cujo fim era assegurarem, em caso de ataque, a defesa dos interesses geraes das cidades confederadas. Este proceder infiel, que a posteridade quasi não teve animo de estigmatizar, em vista das maravilhas artisticas a que deu origem, foi um aggravo que as{46} cidades juntaram a muitos outros já recebidos de Athenas, e que com elles concorreu para a queda d'esta potencia oppressora.

Pericles commetteu um grande erro mandando fazer o recenseamento dos verdadeiros cidadãos da Attica, excluindo d'esta classe todos os que não eram filhos de pae e mãe athenienses. Cinco mil habitantes perderam assim os seus direitos politicos.

É prodigioso o esplendor das artes na Athenas de Pericles. Atravez dos seculos ficou deslumbrando o mundo o sol de civilização que d'alli irradiou. Nomes immortaes, como os de nenhum outro povo, attestam a preeminencia da raça hellenica em todas as concepções do espirito, e dão lustre inolvidavel aos tempos que, por toda a posteridade, ficaram consagrados com o nome de seculo de Pericles.

Nas bellas artes monumentaes e decorativas basta citarmos os nomes de Phidias, de Ietino, de Mnesicles, de Zeuxis e de Parrhasio; na poesia dramatica Sophocles e Euripides (Eschylo foi um pouco mais antigo); na comedia politica e satyrica Aristophanes; na historia, na philosophia, etc., Herodoto, Socrates, Anaxagoras, Hippocrates, e tantos outros, logo pouco depois seguidos de Aristoteles, Platão, Xenophonte, Thucydides!

 

CAPITULO VIII

GUERRA DO PELOPONESO

Desde a revolta de Corcyra até á paz de Nicias.—A tregua de trinta annos celebrada, em 445, entre Esparta e Athenas, não poude durar mais de quatorze. Em 436, rebentou uma guerra entre Corintho e Corcyra, sua colonia, na qual Athenas tomou o partido d'esta contra a metropole. Ao mesmo tempo, os Athenienses tinham tornado tributaria a colonia corinthia de Potidéa, na Macedonia, e n'esse momento lhe estavam pondo cêrco por ella, confiada no apoio do Peloponeso, negar-se a pagar-lhe tributo (432).

Corintho, Esparta e as cidades do Peloponeso accusaram Athenas de ter rompido as treguas, e de opprimir os seus alliados. Estavam em presença duas ligas hostis: uma, a liga atheniense,{47} na qual intravam as colonias jonias e a maior parte das ilhas (Lesbos, Chios, Samos, etc.), apoiada pelo partido democratico de todas as cidades e firmando o seu poder material principalmente na sua marinha; outra, a liga peloponesica, a cuja frente estava Esparta, e que se compunha dos Estados doricos e da maior parte dos Estados eolios (Beocia, Phócida, etc.), tendo pelo seu lado o partido aristocratico das differentes cidades, e contando, como principal recurso material, com a bravura do exercito de terra.

Reunida a dieta geral do Peloponeso, em Esparta, os Corinthios apresentaram as suas recriminações, em virtude das quaes os Lacedemonios reclamaram de Athenas o levantamento do cêrco de Potidéa, o da interdicção pronunciada contra Megara, e a restituição da liberdade a todos os confederados, mórmente aos Eginetas. Como os Athenienses não satisfizessem nenhuma d'estas exigencias, um exercito espartano invadiu a Attica e devastou-a.

Ao principio a lucta foi-se protrahindo n'uma série de escaramuças e surpresas de saque. Todos os annos, pela primavera, os de Esparta vinham devastar a Attica, e a esquadra atheniense andava exercendo as suas rapinas pelas costas do Peloponeso. Ao terceiro anno de guerra, uma peste horrivel, vinda das bandas da Ethiopia, dizimou a população accumulada em Athenas. Pericles, depois de perder dois dos seus filhos, cahiu, tambem, fulminado pelo flagello (429).

O partido popular deu-lhe para successor Cléon, por nenhum modo capaz de se comparar a Pericles,—mas dotado, ainda assim, de talentos administrativos, e de patriotica energia. A guerra continuou. Athenas viu a destruição de Platéa, sua fiel alliada, pelos Espartanos e pelos Beocios, os quaes assassinaram os habitantes capazes de pegar em armas e reduziram á escravidão as mulheres e as creanças. Os Athenienses tomaram a ilha de Lesbos onde exerceram represalias crueis: no primeiro momento queriam matar todos os habitantes de Mitylene (427), reduzindo á escravidão as creanças e as mulheres; depois, reconsideraram, e condemnaram á morte mil revoltosos. A lucta tomára o caracter de uma vingança horrorosa.

No sexto anno da guerra, a peste reappareceu, e houve, grandes terremotos na Attica, na Beocia, e nas ilhas. Em 424, Brasidas, illustre general lacedemonio, consegue intrar em Amphipolis e faz pender as vantagens para o lado de Esparta; mas Demosthenes (não é o orador), general atheniense, contrabalança este exito do seu adversario, apoderando-se da{48} importante posição de Pylas (Navarino), na costa da Messenia, onde se mantêm, apezar dos ataques de Brasidas, o qual não poude conseguir mais, para inquietar o inimigo, do que desimbarcar quatrocentos e vinte Espartanos na pequena ilha de Sphacteria, onde, depois de uma defesa pertinaz, foram uns mortos, outros aprisionados por Cléon (425).

Admittia-se, desde as Thermopylas, que os Espartanos podiam ser mortos, mas nunca aprisionados, de modo que o resultado da lucta em Sphacteria produziu um grande effeito moral nos Athenienses. Os Espartanos começam a sentir uma série de revezes: perdem Cythera e outras posições importantes, vêem devastada a Laconia, teem de reprimir as insurreições dos Messenios e dos Hilotas, assistem a novas vantagens ganhas pelos Athenienses, e, vendo o Peloponeso como que bloqueado por estes, perdem a força moral e mandam implorar a paz, que lhes é affrontosamente recusada.

Em breve, porêm, a fortuna das armas muda de rumo. Os Athenienses são vencidos pelos Beocios em Delio; Brasidas, apoiado pelo Rei da Macedonia, Perdiccas, foi combater as colonias athenienses á Thracia e á Chalcidica, para ferir Athenas no seu poder maritimo, cortando-lhe as suas relações com os povos que lhe forneciam a cordoalha dos seus navios e as madeiras de construcção. O partido da paz, isto é, o partido aristocratico, tendo á sua frente Nicias, começou depois d'isto a crear preponderancia. Mas Brasidas e Cléon eram intransigentes e apoiavam a guerra a todo o transe. Em 421, Brasidas tomou Amphipolis, que os Athenienses perderam pela negligencia de Thucydides, tão mau general como grande historiador.

Cléon apresenta-se deante da praça para reconquistál-a aos Lacedemonios. Dá-se uma batalha, em que os Athenienses são vencidos, mas na qual os dois generaes perdem a vida, terminando assim os dois principaes obstaculos que havia contra a paz. Então os partidarios da paz adquirem de novo a superioridade, e conclue-se a paz de Nicias, pela qual foi garantida uma tregua de armas de cincoenta annos.

A tregua foi observada na apparencia durante uns septe annos, mas de facto rompida um anno depois da conclusão do tratado.

 

Alcibiades.—Os Corinthios, vendo que se concluira a paz entre Esparta e Athenas, sem contar com elles nem com os outros Estados secundarios, indignaram-se contra Esparta, e, ligando-se com Argos e algumas cidades da Arcadia, resolveram{49} tirar a Esparta a hegemonia do Peloponeso. Deu-lhes o seu apoio o atheniense Alcibiades, sobrinho de Pericles e discipulo de Socrates, homem com admiraveis dotes naturaes, riquissimo, formoso, espirituoso, sabio, eloquente, mas tambem ambicioso, desleal, corrompido, sem fé nem convicções, indifferente para tudo,—n'uma palavra, o mais brilhante, mas tambem o mais immoral e o mais perigoso cidadão de uma republica.

Logo que se involveu nos negocios do Peloponeso determinou uma guerra entre os Espartanos e os confederados. D'esta lucta sahiu Esparta victoriosa na batalha de Mantinéa (418). Apresentando-se como adversario de Nicias, chefe da aristocracia e do partido da paz, fez isso menos por suggestão da consciencia do que para explorar em proveito da propria ambição os sentimentos bellicosos das classes mais baixas.

Decidiu, com a sua eloquencia, os Athenienses a imprehenderem uma expedição contra a Sicilia, da qual teve o commando juntamente com Lamacho e Nicias. O pretexto era soccorrer Segesto contra Selinonte e Syracusa; o fim verdadeiro da expedição, ferir as colonas doricas e cosquistar as ricas cidades gregas da Sicilia. A impresa malogrou-se. Na vespera da partida da esquadra (415) appareceram mutilados durante a noite, em toda a cidade, os Hermes ou bustos de Mercurio. Os inimigos de Alcibiades atribuiram-lhe este sacrilegio, bem como o de ter profanado os mysterios de Elensis; e, transformando as suas suspeitas n'uma accusação capital, revocaram-n'o, mal elle tinha chegado á Sicilia, afim de ser julgado no tribunal. Segundo o relatorio apresentado pelo orador Andocides, aquelle sacrilegio fôra uma conspiração secreta contra a constituição democratica, e como suspeitos de cumplicidade n'elle foram presos e condemnados á morte muitos cidadãos respeitaveis. Alcibiades, temendo a mesma sorte, expatriou-se, e, sendo condemnado, retirou-se para Esparta, onde, por vingança, premeditou a ruina da sua patria, e determinou os Espartanos a renovarem a guerra. Por conselhos d'elle, os inimigos de Athenas apossaram-se da forte posição de Decelia, na Attica, e resolveram-se a soccorrer os Gregos da Sicilia, onde Nicias, contrario á guerra, conduzia as operações frouxamente. Gylippo, habil general espartano, foi em soccorro de Syracusa e deu um golpe fatal nos Athenienses, que cercavam a cidade. Lamacho morreu (414) com uma grande parte dos hoplitas; a propria esquadra atheniense foi toda destruida pelos navios mais poderosos dos Syracusanos{50} e dos Corinthios; Nicias e Demosthenes foram decapitados em Syracusa ás mãos do algoz; os que não morreram com as armas na mão, foram condemnados a uma escravidão durissima (413).

Em Athenas, ao saber-se d'estes desastres, quasi todas as familias vestiram lucto; os confederados athenienses desligaram-se da cidade feliz e procuraram o apoio de Lacedemonia; um exercito espartano, intrincheirado em Decelia, fechava as communicações; uma esquadra espartana, commandada por Tissaphernes, governador da Asia-Menor, em nome dos Persas, atacava as forças navaes de Athenas; a Eubéa cahiu no poder das forças do Peloponeso; e, dentro de Athenas, um partido oligarchico, dirigido por Pisandro, procurava derrubar a constituição democratica, de intelligencia com Esparta. Para isso, instituiu um conselho dos quatrocentos que a si mesmo se elegia, limitou a communidade do povo a cinco mil cidadãos, que nunca foram convocados para o exercicio dos seus direitos civis.

A esquadra atheniense, do commando de Thrasybulo, que estava em Samos, pronunciou-se contra esta revolução e manteve a antiga ordem de coisas. Alcibiades, a esse tempo descontente com os Espartanos, retirou-se para a Asia, chamou aos seus interesses Tissaphernes, tomou o commando da esquadra de Samos, ganhou proximo de Cyzico (410) e em mais dois combates gloriosas victorias contra os Lacedemonios, apoderou-se de Byzancio, de Chalcedonia, e de outros pontos da costa, e estabeleceu no Hellesponto um direito de navegação que fez affluir um novo rendimento para Athenas.

Alcibiades, amnistiado e glorificado por um decreto publico, introu em Athenas como triumphador, foi nomeado generalissimo do exercito e da esquadra, e o povo atirou ao mar as tábuas onde as suas faltas estavam inscriptas. Partindo para a Asia, afim de completar a submissão das antigas possessões athenienses e de bater a esquadra inimiga, foi infeliz n'uma impresa contra a ilha d'Andros. Durante uma ausencia sua, um de seus immediatos foi derrotado nas alturas de Epheso (407) pela esquadra de Lacedemonia, commandada por Lysandro. Os Athenienses, tristemente impressionados com estes revezes, retiraram o commando a Alcibiades e nomearam, para o substituir, dez generaes, entre os quaes se contava Conon. Então Alcibiades, reunindo alguns mercenarios extrangeiros, retirou-se para as fortalezas que mandára construir na Thracia, e d'alli começou a fazer guerra por sua propria conta, como um aventureiro.{51}

Os Espartanos, commandados por Callicratidas, atacaram Lesbos e bloquearam os navios athenienses no porto de Mitylene. De Athenas foi uma nova armada em soccorro da primeira. Travou-se um grande combate naval proximo das ilhas Arginusas (406), onde Callicratidas, successor de Lysandro, ficou morto. A victoria decidiu-se afinal pelos Athenienses.

Seis dos generaes vencedores foram condemnados á morte pelo povo, não só por terem deixado de recolher os cadaveres dos seus mortos (o que era um sacrilegio para as idéas religiosas dos Gregos), como tambem por terem deixado perecer sem soccorro as tripulações de 25 triremes desamparadas durante o combate e batidas pela tempestade.

 

Queda de Athenas.—Depois da derrota e morte de Callicratidas, Esparta restituiu a Lysandro o commando da esquadra. O almirante espartano soube conciliar habilmente o favor de Cyro «o Moço» governador da Asia-Menor, e com o auxilio dos Persas augmentou as forças navaes de Lacedemonia. Percorreu audazmente todo o Mar Egeu, tomou Lampsaco, e surprehendeu a esquadra atheniense ancorada em Ægos-PotamosRio das Cabras»); na costa do Hellesponto, não longe de Sestos. Só pudéram escapar oito navios athenienses que Conon salvou em Chypre, e um bom veleiro, o Paralos, que levou a triste noticia a Athenas (405). Assim acabou o predominio maritimo e a grandeza politica d'esta cidade.

A batalha de Ægos-Potamos foi uma horrorosa carnificina. Os marinheiros e soldados athenienses estavam na maior parte desimbarcados, em jogos e distracções, quando foram surprehendidos. Os navios eram capturados e destruidos quasi sem resistencia. Tres mil Athenienses, com muitos dos seus chefes, foram, em seguida, conduzidos a Lampsaco e sacrificados á vingança dos Espartanos.

Lysandro percorreu em seguida todas as cidades maritimas da obediencia de Athenas, nenhuma das quaes ousou resistir-lhe, destruindo n'ellas os governos democraticos e substituindo-os por oligarchias. Depois atacou Athenas pelo lado do mar, emquanto pelo lado de terra a cercavam os reis espartanos Agis e Pausanias. A grandiosa cidade, digna de melhor sorte, dilacerada internamente pelo furor dos partidos, prolongou quanto poude a sua defesa heroica; mas, porfim, nos apertos da fome, teve de render-se sem condição (404).

Os vencedores impuzéram-lhe:—a demolição dos seus muros e das fortificações do Pireo; a intrega de todos os navios, exceptuando{52} doze galeras, limite maximo a que ficava reduzida a sua marinha; a evacuação de todas as cidades conquistadas; o regresso dos exilados amigos de Esparta; o pagamento de um tributo annual; a abolição da constituição democratica, e a sua substituição pela oligarchia dos trinta tyrannos.

Para a humilhação ser mais completa, as galeras athenienses foram queimadas, e as muralhas bem como as fortificações foram arrasadas ao som de flautas, no meio de chascos grosseiros, e em presença de todos os alliados de Esparta coroados de flores.

 

CAPITULO IX

TYRANNIA DOS TRINTA EM ATHENAS. RESTABELECIMENTO DA DEMOCRACIA

A administração do governo atheniense foi confiada por Lysandro a 30 membros da nobreza, alliados de Esparta, os quaes receberam a missão de organizar o Estado no sentido aristocratico por meio de leis novas. Estes oligarchas, a cuja frente estava Critias, ficaram conhecidos pelo nome de trinta tyrannos; e o seu governo foi um verdadeiro periodo de terror; tantas foram as crueldades e prepotencias por elles practicadas, não só contra os democratas, mas até mesmo contra os aristocratas mais moderados. Só tres mil cidadãos gozavam do direito de burguezia, e os trinta chegaram a decretar que só os tres mil poderiam habitar em Athenas, sendo banidos os outros cidadãos. As diversas cidades regurgitavam de proscriptos athenienses.

Thrasybulo, chefe dos democratas, e um dos heroes da grande guerra, imprehendeu libertar a cidade. Sahiu de Thebas com um punhado de proscriptos, e intrando na Attica, onde se apossou de uma pequena fortaleza, repeliu dois ataques dos Trinta e dos Lacedemonios, surprehendeu de noite o Pireu e conseguiu chamar os oligarchas ao combate. Critias morreu combatendo; os outros tyrannos retiraram-se para Eleusis, com permissão de Thrasybulo, que restabeleceu a constituição democratica e promulgou uma amnistia, restituindo d'este{53} modo a tranquillidade ao Estado. Athenas offertou ao seu libertador a corôa de oliveira.

 

Socrates.—N'estes desgraçados tempos viveu o grande philosopho Socrates, um dos maiores nomes da historia da humanidade. Nascido em 469, pagou á patria o seu tributo de sangue combatendo em Potidea, em Amphipolis e em Delion. Na primeira d'estas batalhas salvou a vida a Alcibiades, na ultima ao moço Xenophonte. Não é aqui logar para expormos as suas idéas philosophicas, na manifestação das quaes empregava um methodo interrogatorio, que ficou celebre com a designação de ironia socratica.

Em 399, a democracia atheniense, usando de uma intolerancia que para sempre a maculou, instaurou processo a Socrates pelas suas opiniões religiosas e pela sua propaganda politica; e este grande homem foi condemnado a beber a cicuta, morrendo com admiravel serenidade.

 

CAPITULO X

HEGEMONIA DE ESPARTA

Vencida Athenas, os Espartanos procuraram completar a sua hegemonia sobre as ilhas e as cidades do litoral, conquistando a soberania do mar. Apoderaram-se de Samos, obrigando os cidadãos a emigrar e a abandonarem as suas riquezas; tiraram aos habitantes de Chio os seus navios, e mataram por traição 80 democratas de Mileto; subjugaram Elis; expulsaram novamente de Naupacta os infelizes Messenios; lançaram pezadissimos impostos ás cidades maritimas e substituiram em toda a parte as constituições democraticas pela sua organização aristocratica. Com as contribuições formaram o seu thesouro publico; as populações do Peloponeso forneciam-lhe soldados; as das cidades do litoral e das ilhas, esquadras e marinheiros.

O seu dominio era mais oppressor para os povos subjugados do que fôra o de Athenas, mais duro, mais cruel, e sem ter ao menos a compensação de manter n'uma alta esphera intellectual a cultura dos espiritos. Era a prepotencia da força,{54} o desprezo da justiça, o anniquilamento do direito. Era a decadencia inexoravel, sem remedio.

Decadencia em tudo, rapida, nas instituições, na grandeza, na civilização, no prestigio! Os éphoros tinham usurpado a auctoridade toda; os reis estavam reduzidos á condição de uns simples generaes hereditarios; uns mil cidadãos, quando muito, constituiam toda a oligarchia soberana. A propriedade estava em meia duzia de mãos; as classes servis, cada dia mais numerosas, principiaram a conhecer a força de que poderiam dispôr contra os seus oppressores, se conseguissem unir-se.

De toda a Grecia, apenas Argos, Corintho, Thebas, e a Etolia, não reconheciam o jugo terrivel de Esparta, e em breve haviam de ser o nucleo de uma formidavel coalisão.

 

A retirada dos Dez Mil.—No throno da Persia tinham-se succedido, a Xerxes, Artaxerxes Longomano (465-424), Xerxes II e Sogdiano (424), Dario II Nothos (ou o Bastardo) (423-404), e Artaxerxes II Mnémon, que deu a satrapia da Asia-Menor a seu irmão Cyro «o Moço». Este, pretendendo ter mais direitos ao throno do que seu irmão, intentou arrancar-lhe o poder; e, para isso, juntou um formidavel exercito, no qual tomou a seu soldo treze mil mercenarios gregos, tropas que lhe foi facil juntar, pois com o termo da grande guerra muitas forças militares estavam desoccupadas.

Esparta, pelo seu lado, tinha interesse em favorecer a guerra civil na Persia, como uma garantia da sua propria tranquilidade e segurança do seu dominio; e por esse motivo não só permittiu o levantamento das tropas, como tambem poz á disposição de Cyro 25 galeras e um corpo de septecentos hoplitas.

Cyro invadiu a Persia, penetrou até ás portas de Babylonia; e ahi, na planicie de Cunaxa, travou-se uma grande batalha, na qual os Gregos ficaram victoriosos, mas onde o régio aventureiro foi morto (401).

Cercados por todos os lados, os Gregos começaram a sua famosa retirada. Clearoo, seu general, e outros officiaes, foram aleivosamente assassinados n'uma conferencia a que os Persas os convidaram; mas o atheniense Xenophonte, que tinha tomado parte, como voluntario, na campanha, poz-se á frente das tropas, e, de accordo com o espartano Cheirisopho, conduziu-as; no meio das mais incriveis difficuldades, atravez de quatrocentas leguas de paiz inimigo, por meio das montanhas impracticaveis da alta Mesopotâmia, da Armenia e do{55} Ponto, até ás praias do Mar Negro. Quinze mezes durou esta extraordinaria operação militar, assignalada por cem combates, realizada por um punhado de homens, sem conhecimento do paiz nem da lingua, sem guias, passando a vau torrentes impetuosas, subindo cerros escalvados, atravessando vastidões inhospitas, cobertas de neve espessa, soffrendo toda a especie de privações, acossados de perto pelos inimigos, inquietados a todo o momento pelos habitantes.

A retirada dos Dez Mil foi um dos maiores feitos militares da Antiguidade, e immortalizou duas vezes Xenophonte, como capitão e como historiador. A Anabasis (ou a narrativa da expedição de Cyro «o Moço» contra a Persia e do regresso do exercito grego sob o commando do proprio historiador) é a melhor obra de Xenophonte.

 

Expedição de Agesiláu.—Os Persas, irritados com os factos que acabamos de narrar, e pretendendo vingar-se, procuraram submetter de novo as cidades jonias do littoral, que eram então tributarias dos Espartanos. Estas pediram auxilio a Esparta, que lhes mandou um exercito, cujas vantagens ao principio foram insignificantes; mas depois mudaram as coisas de feitio quando o rei Agesiláu (398-361) tomou o commando da expedição.

Agesiláu devastou a Phrygia, a Bithynia, a Caria, a Lydia; venceu perto de Sardes (396) o satrapa Tissaphernes, e outros governadores persas em diversos combates; inriqueceu de magnificos despojos os seus soldados. E preparava-se para chegar até ao coração do Imperio pelo caminho traçado pelos Dez Mil, quando recebeu ordem terminante de regressar a Esparta. Eram os Persas que tinham suscitado a Esparta uma guerra no interior da Grecia, e Agesiláu tinha de correr em auxilio da patria ameaçada.

 

Guerra Corinthia.—Incitada pelo oiro dos Persas, mas principalmente pela tyrannia espartana, Thebas foi a primeira cidade a insurgir-se contra a supremacia de Esparta; com ella se ligaram Corintho, Argos, Athenas, e a Thessalia. Lysandro, que partiu immediatamente para a Beocia, afim de remover o perigo imminente, foi vencido e morto na batalha de Haliarte (395). N'isto chegou Agesiláu, a tempo de ganhar sobre os alliados a batalha de Coronea (394).

A Persia deu ao atheniense Conon uma esquadra phenicia, com a qual foi destruida, em frente de Cnido, a armada lacedemonia. Esparta perdia o dominio do mar, e Athenas concebia{56} a esperança de rehavêl-o, sendo esse o pensamento de Conon. Este restituiu a independencia ás ilhas de Chios, de Lesbos, de Samos, expulsou os governos oligarchicos impostos pelos Espartanos, e, auxiliado pela Persia, effectuou o restabelecimento das fortificações da cidade e do porto de Athenas, e a construcção de mais navios.

A republica atheniense, sentindo-se renascer, inviou Thrasybulo com uma esquadra para reduzir Byzancio, o que elle fez, sendo, porêm, morto na Pamphylia; mas, ao mesmo tempo, Athenas commetteu um grande erro, soccorrendo Evagoras, rei de Chypre, contra os Persas, o que lhe retirou a protecção d'estes, inclinando-os de novo para o lado de Esparta.

Por outro lado, Iphicrates, atheniense, general muito habil, fundou uma tactica nova, servindo-se de soldados armados á ligeira e dando aos hoplitas uma organização e um armamento mais nacionaes. Assim conseguiu derrotar completamente n'um recontro a infantaria, até ahi invencivel, de Lacedemonia.

Esparta atemorizada com as vantagens dos Athenienses, tanto no mar como na terra, negociou com o grande rei o vergonhoso tratado d'Antalcidas.

 

Paz d'Antalcidas.—Por este tratado (387) foram submettidos aos Persas os Estados Gregos do continente asiatico com a ilha de Chypre, conservadas a Athenas as ilhas de Lemnos, de Imbros e de Scyros, e reconhecidas como independentes umas das outras todas as cidades da Grecia. Argos e Thebas, que se recusavam a obedecer ao tratado, foram a isso constrangidas por Esparta.

Por este tratado, imposto á Grecia por um monarcha extrangeiro, as costas occidentaes da Asia-Menor foram para sempre arrancadas ao dominio hellenico, todas as ligas foram dissolvidas, todas as confederações desmembradas, ficando assim destruidos todos os centros de força e de vida collectiva.{57}

 

CAPITULO XI

DECADENCIA DE ESPARTA. HEGEMONIA DE THEBAS

Pela paz d'Antalcidas tornou a affirmar-se a preponderancia de Esparta, mas por pouco tempo. A orgulhosa cidade, oppressora e despotica, principiou por conquistar e destruir Mantinéa (386) qua se não submettia ao jugo com a exigida complacencia; depois inviou novamente para todas as cidades os seus partidarios aristocraticos, carregando-os de honras e poder. A cidade grega de Olyntho, na Macedonia, formava com outras cidades proximas uma liga, a confederação chalcidica. Os Espartanos prohibiram essa liga como contraria á paz d'Antalcidas.

Os Olinthos não quizeram dissolvêl-a (382); e por isso viram o seu territorio invadido pelos Espartanos que lhes puzéram cêrco á cidade e os obrigaram a submetter-se depois da uma lucta de tres annos.

Em 380, o general lacedemonio, Phebidas, atravessando a Beocia, ligou-se com os chefes do partido aristocratico de Thebas para os ajudar a derrubar o partido democratico, e tomou de surpresa a Cadmea ou a cidadella, com desprezo de todos os direitos. Tres annos depois, Pelopidas surprehendeu a seu turno a Cadmea, libertou-a, e reuniu toda a Beocia n'uma alliança commum (379).

Os Athenienses alliam-se então com as Thebanos, e uns e outros conseguem tirar grandes vantagens contra Esparta, na terra e no mar. Na recontro de Tegyra (375), forças inferiores dos alliados derrotam a temivel infanteria dos Lacedemonios. Um certo numero de ilhas e de Estados maritimos, taes como Chios, Rhodes, Samos, Mitylene, formam uma segunda liga atheniense; a victoria do atheniense Chabrias, proxima de Naxos, em que toda a esquadra espartana foi anniquilada, restituiu a Athenas a supremacia maritima.

Juntamente com Pelopidas dirigia os negocios em Thebas um dos maiores homens da Antiguidade, Epaminondas. Pelopidas tinha estabelecido o batalhão sagrado, corpo em que os guerreiros eram unidos pelos laços da amizade mais apertada; e Epaminondas introduziu uma nova tactica, a ordem de{58} batalha obliqua. Graças aos seus esforços combinados, foram reduzidas á submissão as cidades menores da Beocia e destruidas Thespia e Platéa (374).

Athenas, descontente com o Engrandecimento e a ambição de Thebas, concluiu pazes com Esparta. Thebas foi intimada a dissolver a sua liga recente e a libertar as cidades confederadas. Epaminondas, negando-o formalmente, viu os Lacedemonios invadirem o territorio thebano. Marchou ao incontro d'elles, levando Pelopidas debaixo do seu commando, e derrotou-os completamente na memoravel batalha de Leuctra, na qual terminou todo o prestigio militar dos Espartanos (371).

Epaminondas ingrossou o seu exercito com as forças que lhe inviaram quasi todos os povos do norte da Grecia, atravessou o isthmo de Corintho em 369, penetrou na Laconia, desceu o valle do Eurotas e chegou até á planicie de Esparta a apresentar batalha ao velho rei Agesiláu. Este conservou-se habilmente na defensiva, com as suas tropas em posições fortissimas, d'onde o general thebano não poude desalojál-as. Epaminondas satisfez-se com esta humilhação imposta ao orgulho de Lacedemonia; e, depois de ter devastado toda a Laconia até ao mar, voltou para a Beocia com o seu exercito.

No seu regresso, chamou á liberdade os Messenios, e restituiu aos descendentes dos antigos habitantes o paiz de seus paes, o que fui um golpe mortal para Esparta. Estes conseguem levantar, contra Thebas, Athenas, a Persia e Diniz de Syracusa. Epaminondas invade segunda vez o Peloponeso, mas é forçado a retirar abandonando os seus alliados de Argos e de Mantinéa, os quaes perdem contra Esparta a batalha a que os Espartanos, por não terem perdido n'ella nenhum dos seus homens, ficaram chamando a batalha sem lagrimas.

Ainda Epaminondas invadiu o Peloponeso, pela terceira vez, em 366, e pela quarta vez, em 362, avançando direito sobre Esparta. Agesiláu reune todas as suas forças e corre ao incontro d'elle, apoiado pelos Athenienses e pelos aristocratas da Arcadia. Dá-se a batalha de Mantinéa em que a victoria é ganha pelos Thebanos á custa da vida de Epaminondas. Pelopidas tinha morrido, dois annos antes (364) n'uma expedição a Thessalia. Com a morte d'estes dois grandes homens, Thebas recahiu de novo na sua obscuridade. Mas nem Esparta nem Athenas puderam tambem levantar-se mais.{59}

 

CAPITULO XII

SUPREMACIA DA MACEDONIA

Os antigos reis da Macedonia haviam sido tributarios dos Persas. Alexandre I (498-454) ora alliado dos Persas, ora alliado dos Gregos, atacou e desbaratou parte do exercito persa, quando este fugia atravez da Macedonia, depois da batalha de Platéa. Os reis que se lhe seguiram, taes como Perdiccas II (425), introduziram nas altas classes do paiz os costumes civilizados dos Gregos. Archeláu (413-399) deu hospitalidade a Euripides e convidou Zeuxis a pintar-lhe o palacio e o templo de Pella. A este succedeu Amyntas II (399-369), cujo reinado foi muito tempestuoso. O filho mais novo d'este monarcha, Philippe, viveu algum tempo, como refens, em Thebas, em casa de Epaminondas, e ahi se familiarizou com a organização e os costumes dos Hellenos, estudando ao mesmo passo o segredo da força e da fraqueza das republicas gregas.

Chamado ao throno, por morte de seus irmãos, bate os seus competidores, compra a alliança de Athenas, estabelece amizade com os Thracios, derrota os barbaros Peonios e Illyrios, e consegue restituir á Macedonia as suas fronteiras naturaes (358). Feito isto, pensa logo em alargál-as. Começa por conquistar umas apoz outras as colonias gregas assentes no littoral dos seus Estados, e organiza uma esquadra. Penetra na Thracia e chega até ás proximidades de Byzancio; involve-se nos negocios da Thessalia onde então lavrava a guerra sagrada, e transforma insensivelmente este paiz n'uma provincia macedonica. Avança, em seguida, para as Thermopylas; mas ahi os Athenienses, cuja vigilancia era despertada pela eloquencia do grande Demosthenes, oppõem-se-lhe á passagem, desconcertando-lhe os projectos, e Philippe tem, prudentemente, o cuidado de retirar-se (352).

Demosthenes redobra de energia, solta do alto da tribuna grega as suas vigorosas Philippicas, e durante quinze annos lucta com toda a força do seu genio e com toda a sua penetração contra os designios do seu temivel adversario. Mas se a palavra do maior dos oradores impunha respeito á astucia do monarcha ambicioso, não teve força para conjurar a catastrophe.{60} Em 348, Philippe vibrou o seu grande golpe, tomando Olyntho, a poderosa metropole das cidades gregas da Chalcidica, que Athenas protegia e que Demosthenes tinha querido salvar.

Athenas, ameaçada na Eubéa e até mesmo na Attica, teve de assignar um tratado de paz. Mas Philippe, deixando de cumprir as clausulas juradas, ataca as Thermopylas, termina a guerra sagrada que lavrava entre os Phocidios e os Thebanos, subjuga os primeiros arrasando-lhes as cidades, e toma assento no conselho amphictyonico onde se arroga os dois votos que os Phocidios alli possuiam (346).

Eis, pois, Philippe, arbitro da Grecia, pela posse da Thessalia, das Thermopylas, e da influencia no conselho amphictyonico. Sabendo esperar, não quiz precipitar-se na conquista definitiva, afim de evitar qualquer reacção geral perigosa. Dirigiu-se para a Thracia, onde o atheniense Phocion, aliás seu partidario, o impediu de se apoderar das colonias gregas do Hellesponto; chegou até ao Danubio e ahi assentou os limites septentrionaes do seu reino; levou a guerra á Illyria, ao Epiro, ao Chersoneso, sitiou Perintho e Byzancio, que Phocion defendeu efficazmente. Os Athenienses apoderam-se da Eubéa, emquanto Demosthenes organizava ligas das diversas cidades, sublevando-as contra o inimigo commum.

Mas o orador atheniense Eschines, rival de Demosthenes, subornado pelo oiro de Philippe, consegue no conselho amphictyonico a investidura do rei da Macedonia no commando e direcção de uma nova guerra sagrada contra os Locrios. Philippe volta immediatamente á Grecia (338), esquece o pretexto da sua intervenção, apodera-se de Elatéa e dos desfiladeiros que conduziam á Beocia, e chega quasi ás portas de Athenas.

Demosthenes realiza então um supremo esforço, e obtém, á força de eloquencia, a alliança de Thebas. As duas cidades apresentam-se unidas no ultimo campo de batalha da liberdade e da independencia grega. Esparta conservou-se isolada no seu perpetuo egoismo. Incontraram-se os exercitos junto a Cheronéa, na Beocia. Os hoplitas athenienses, o batalhão sagrado dos Thebanos, despedaçaram-se contra a phalange macedonica. Demosthenes tomou parte na acção. A victoria de Philippe foi decisiva e completa.

O vencedor foi de uma desusada e honrosa moderação; reuniu uma assembléa geral dos povos em Corintho, e, para legitimar até certo ponto o seu dominio sobre a Grecia, renovou o projecto de uma grande expedição nacional contra os{61} Persas, e fez-se nomear generalissimo de todas as forças gregas. Quando estava a ponto de realizar os seus vastos designios, um dos seus guardas assassinou-o, crê-se que por suggestões da rainha repudiada, Olympias.

 

Alexandre Magno.—Philippe legava a seu filho, Alexandre, mancebo de vinte annos apenas, elementos preciosos para este levar a cabo a impresa por elle concebida. Deixava-lhe um exercito numeroso e aguerrido, generaes habeis e thesouros accumulados para aquelle fim.

Demosthenes conseguiu sublevar de novo as cidades á noticia da morte de Philippe. Alexandre, que tinha acabado de submetter as tribus illyricas, atravessou a Macedonia, a Thessalia, e chegando em frente de Thebas atacou a cidade e tomou-a, arrasando-lhe em seguida os muros. Os Gregos, aterrados, declaram-n'o, em Corintho, generalissimo e dão-lhe soccorros para a invasão da Asia. Não o acompanharemos na sua marcha triumphal, que determinou a destruição perpetua do Imperio dos Persas. A morte surprehendeu-o em Babylonia (328) no meio dos seus ambiciosos sonhos de grandeza e de monarchia universal. Este homem assombroso, que ao expirar contava apenas 33 annos incompletos, intregou, no leito da morte, o seu annel a Perdiccas. E quando os seus generaes lhe perguntaram a quem deixava a corôa, respondeu:—Ao mais digno.

 

CAPITULO XIII

DESMEMBRAMENTO DO IMPERIO DE ALEXANDRE

Alexandre deixava:—sua mulher, Roxana, de quem houve um filho pósthumo, Alexandre; um outro filho, bastardo, Hercules; um irmão imbecil, Arrhideu; duas irmans, Cleopatra e Thessalonice; e sua mãe, Olympias. A herança começou por ser attribuida ao filho posthumo do heroe e a Arrhideu, ficando Perdiccas com uma auctoridade similhante á de ministro supremo. Os diversos governos foram repartidos pelos generaes: Ptolomeu, teve O Egypto; Leonnato, a Mysia; Antigono, a Phrygia, a Lycia e a Pamphylia; Lysimaco, a Thracia; Antipater e Cratero, a Macedonia; Eumenes, a Cappadocia; Laomédon, a Syria; Pithon, a Média; Peucestes, a Persida.{62}

Pithon teve de suffocar em sangue uma revolta de 23:000 Gregos na Alta-Asia; e, na Asia-Menor, Eumenes incontrou inesperada resistencia ao tomar posse do seu governo da Cappadocia. Antigono recusou-se a auxiliál-o, tendo Perdiccas de lhe prestar apoio com o exercito real. Antigono é obrigado a fugir e acolhe-se á côrte de Antipater e Cratero. Eumenes tem de fazer frente a todos tres, ao passo que Perdiccas avança para o Egypto contra Ptolomeu, mas é morto pelos seus proprios soldados, nas margens do Nilo. Então Antipater apodera-se da regencia e proscreve Eumenes, cujos Estados são dados a Antigono (321). Mas Antipater morre logo depois (320) deixando a regencia a Polysperchon. Eumenes liga-se na Alta-Asia com os satrapas armados contra Seleuco de Babylonia, onde Antigono o persegue (317), conseguindo havêl-o ás mãos e mandando-o matar (316).

Ao mesmo tempo que os generaes se dizimavam entre si, a familia real ia-se anniquilando a si propria. Olympias, ligando-se com Polysperchon, fez morrer Arrhideu e sua mulher Eurydice; Roxana mandou matar Statira ou Barsina, filha de Dario, e uma das mulheres de Alexandre. Cassandro, filho de Antipater e rival de Polysperchon, cercou Olympias em Pydna, e, havendo-a ás mãos, matou-a (315). Havendo-se já apossado de Itoxana e do filho d'esta, casou com Thessalonice, irman do conquistador, e estabeleceu assim as suas preterições á herança. Quasi toda a Grecia, incluindo a Thessalia e a Macedonia, lhe obedeciam; Athenas cahiu sob o poder de Demetrio de Phalera, que a administrou sábiamente durante dez annos.

Pela morte de Eumenes, ficou a Asia a Antigono. Seleuco, governador de Babylonia, cedeu-lh'a sem combate e refugiou-se na côrte de Ptolomeu, no Egypto, a quem excitou á guerra. Ao mesmo tempo, Lysimaco na Asia-Menor e Cassandro na Europa avançam contra Antigono, que pretendia reunir todo o imperio de Alexandre. Demetrio, filho de Antigono, foi derrotado por Ptolomeu, em Gaza (312); e a paz foi estipulada em 311.

A agonia da Grecia durou mais de um seculo. Em 280 houve uma terrivel invasão de Barbaros. Os Gaulezes, seguindo o valle do Danubio, devastaram a Macedonia e a Thracia. Foram expulsos em 278.{63}

 

CAPITULO XIV

REDUCÇÃO DA GRECIA A PROVINCIA ROMANA

Em 251, Arato, banido de Sicyonia, refugiado em Argos, livrou a sua cidade natal do tyranno que a opprimia, organizou em Sycionia uma democracia temperada, e incorporou-a na liga achaica. Esta, que fôra até ahi obscura, só teve importancia quando Arato lhe communicou o impulso necessario para destruir a hegemonia macedonica e as tyrannias que pezavam sobre as cidades do Peloponeso.

Arato aggregou á liga achaica Megalopolis, Mantinéa, Argos, Trezena e outras cidades; combateu os Etolios; e arrancou aos Macedonios Corintho, Athenas, Megara, Salamina. Em 229, a confederação contava como alliados o maior numero dos Estados do Peloponeso, a Megarida, Salamina, e a Attica. Esparta e a Laconia mantinham-se fóra da liga. A Beocia, a Locrida, e a Thessalia, soffriam ainda o jugo dos Macedonios. A Etolia era então alliada dos Acheus.

Foi n'este mesmo anno 229 que os Romanos puzéram o pé na Illyria. Eil-os, pois, a caminho da Grecia. Já lhes estavam submettidas as ricas cidades gregas da Italia Meridional (Grande Grecia), seguiram-se a estas as da Sicilia, e dentro em breve a grande Syracusa reconhecia o seu dominio.

Os grandes planos de Arato foram, porêm, contrariados pelos Espartanos. Então Arato teve de chamar os inimigos da Grecia em seu auxilio. Antigono Doson, rei da Macedonia, introu em Esparta, e a cidade de Lycurgo cahiu para sempre.

Pela morte de Arato (213), Philopœmen, de Megalopolis, reorganizou a liga e combateu a influencia romana. Mas a liga etolia declarou-se a favor dos Romanos; e, em 197, os Gregos foram vencidos nas planicies de Cynocephalos. Pouco depois, o consul Flaminio proclamou, em nome do povo romano, a independencia local de todos os Estados Gregos, começando assim a acostumál-os ao protectorado romano. Em 189 foi destruida por estes conquistadores a liga dos Etolios. Em 183 os, Romanos apoderaram-se de Philopœmen, e condemnaram-n'o á morte pela cicuta. Em 168 Paulo Emilio alcançou a victoria de Pydna, que destruiu o poder da Macedonia. E finalmente em 146 a Grecia foi reduzida a provincia romana, com o nome de Provincia da Achaia.

 

FIM

 

{64}

 

Os Mysterios da Inquisição

POR

F. Gomes da Silva

Obra illustrada a cores

POR

MANUEL DE MACEDO E ROQUE GAMEIRO

Sob o titulo Os Mysterios da Inquisição condensam-se variadissimos factos historicos, desentranham-se os horrores d'epochas passadas, escalpellam-se figuras d'outros seculos, investigam-se particularidades estupendas, encadeiam-se acontecimentos dispersos e tenebrosos, enaltecem-se as grandes virtudes, faz-se rebrilhar a verdade, e põem-se em relêvo todas as personagens que entram n'este grande drama, em que vibram commoções da maior intensidade e affectos do mais exaltado amor.

O romance Os Mysterios da Inquisição constará de 3 volumes de grande formato. A distribuição será feita semanalmente, em fasciculos de 3 folhas ou 24 paginas com uma gravura a côres, pelo preço de 60 réis, ou em tomos de 15 folhas ou 120 paginas com 5 gravuras, por 300 réis.

Para as provincias a distribuição é feita em tomos, de 300 réis ou em fasciculos quinzenais de 48 paginas e 2 gravuras por 120 réis.

 

Precioso brinde a todos os Srs. assignantes

 

Uma magnifica estampa a cores, medindo 0,57x0.44