The Project Gutenberg EBook of Portugal perante a revolução de Hespanha, by 
Antero de Quental

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org


Title: Portugal perante a revolução de Hespanha
       Considerações sobre o futuro da politica portugueza no
              ponto de vista da democracia iberica

Author: Antero de Quental

Release Date: June 18, 2010 [EBook #32873]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-1

*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PORTUGAL--A REVOLUCAO DE HESPANHA ***




Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
of public domain material from Google Book Search)






 

PORTUGAL

PERANTE A

REVOLUÇÃO DE HESPANHA

CONSIDERAÇÕES

SOBRE O FUTURO DA POLITICA PORTUGUEZA

NO PONTO DE VISTA DA DEMOCRACIA IBERICA

POR

ANTHERO DE QUENTAL

 

Alea jacta est

LISBOA
TYPOGRAPHIA PORTUGUEZA
25, Travessa da Queimada, 35
1868

 

PORTUGAL

PERANTE A

REVOLUÇÃO DE HESPANHA

CONSIDERAÇÕES

SOBRE O FUTURO DA POLITICA PORTUGUEZA

NO PONTO DE VISTA DA DEMOCRACIA IBERICA

POR

ANTHERO DE QUENTAL

 

Alea jacta est

LISBOA
TYPOGRAPHIA PORTUGUEZA
25, Travessa da Queimada, 35
1868

{3}

 

I

Ha dois mezes que admiramos a revolução de Hespanha: será tempo talvez de tratarmos de a entender. O enthusiasmo é bom, porque eleva o espirito; mas a critica é melhor ainda, porque o esclarece. As revoluções, sem por isso desdenharem a commoção e o applauso, não pedem ao mundo senão uma coisa: serem comprehendidas. Dramaticas, épicas, phantasticas, as revoluções não são todavia nem dramas, nem epopeias, nem contos de Hoffman: sob as apparencias ardentes e brilhantes da paixão e da poesia são simplesmente, friamente problemas. O olhar impassivel d'essas esphinges não diz aos povos-edipos, que as encontram no seu caminho secular, ama-me ou odeia-me: dizem apenas explica-me. Sómente o abysmo que se abre ao lado, lá está commentando, com a sua bocca tenebrosa, aquella serena palavra...

Reduzido aos seus termos mais simples, o problema que a nação hespanhola acaba de escrever nas paginas da historia do seculo XIX, póde formular-se d'este modo:{4} «menos um throno em Hespanha; mais uma mulher em França; mais um povo livre no mundo.» A incognita do problema vem envolvida n'esta ultima proposição: mais um povo livre. Traduzindo-a para a sua verdadeira fórma, que é a interrogativa, fica-nos isto: o que vae a Hespanha fazer da sua liberdade?... O destino de 18 milhões d'homens depende da palavra que se escrever adiante d'aquella interrogação. E depende irremediavelmente, fatalmente. Irremediavelmente, porque n'este caminho d'uma nação que abandona uma fórma social condemnada, como a familia de Loth a condemnada Sodoma, não ha retroceder, não ha mesmo volver atraz um olhar saudoso ou simplesmente curioso: fatalmente, porque todos os interesses, todas as questões, todas as paixões, crescidas, accumuladas, em fermentação no seio da sociedade hespanhola desde 1812, acabam de ser por ella jogadas, n'uma hora só e sobre uma só carta, no jogo sangrento das revoluções...

Alea jacta est.

II

Entretanto essa resposta, essa palavra, é o mysterio do destino. Ámanhã póde radiar brilhante como a consciencia visivel d'uma grande raça. Hoje é ainda obscura como uma inerte possibilidade. O que a Hespanha fará da sua liberdade é o seu segredo d'ella. É um problema que agitado no mundo dos factos, só os factos têem de resolver. Mas, para a philosophia politica, que vive de idéas, é no ponto de vista das idéas que o problema tem de ser formulado. Não perguntaremos pois o que vae, mas sim o que deve a Hespanha fazer de sua nova liberdade...{5} Isto só nos interessa. Os factos sociaes, sem as idéas que os virificam, são inertes e incomprehensiveis, são corpos sem alma. Ora a alma, no mundo da politica, chama-se logica. A revolução de Hespanha, consequente, é uma coisa viva, cheia de luz, de espirito, de palavra fecundissima. Inconsequente, é uma massa desorganisada, sombria, informe, tediosa para si mesmo, e para o resto do mundo despresivel e vã... A philosophia politica, hoje, e já ámanhã a philosophia da historia, passarão por ella sem a verem, ou, se a virem por acaso, um sorriso de desdem com estas palavras não fostes logica, senão o epitaphio miserando das vidas, do sangue, das paixões, que uma manhã se ergueram ardentes ao bello sol da liberdade, para cairem á tarde extenuadas, descrentes, exsangues, só por isto, porque não foram logicas. Sim, Hespanhoes! a magnanimidade da vossa revolução, a fraternidade, o heroismo, tantos rasgos admiraveis, tantas veneraveis dedicações, tudo isso será vão e esteril no momento em que não for consequente, assim como o melhor grão, caído no chão mais fecundo, não germina, apodrece, morre, se lhe falta o calor e a luz eterna do sol... O sol da seara das revoluções é a coragem dos principios.

III

Mas o que é a logica para um povo em revolução? Facil resposta: ser revolucionario.

Ser revolucionario! grande palavra, e coisa maior ainda! mas coisa tão terrivel quanto grande! momento solemne, mas fatal, e cheio d'uma responsabilidade tamanha,{6} que não é raro encontrarem-se na historia dez seculos votados á miseria e ás luctas, e vinte gerações condemnadas á oppressão e á dôr, só pelos erros ou pelas traições commettidas n'um d'estes momentos rapidos e sinistramente decisivos...

Se apenas se tratasse, com effeito, de exalar no ar ardente das praças publicas a alma enthusiasta e fraternal que ainda os mais frios e os mais timidos sentem agitar-se-lhes dentro n'estes momentos de fermentação universal; se apenas se tratasse de nobres sentimentos, de inspirações formosas, de palavras de fé--nenhuma missão tão bella como a do revolucionario e nenhuma tão facil...

Se se tratasse ainda de concentrar todas as forças da revolução, as boas como as más, as violentas com preferencia ás outras todas, n'um momento de lucta supprema, louca, feroz; se se tratasse de metter medo como Mario em Roma e Danton em Paris--a missão do revolucionario seria formidavel, tremenda, mas era, ainda assim, facil...

Mas essa missão é, pelo contrario, de paz, de reflexão, quasi de sciencia. N'isto está a sua superioridade, mas n'isto tambem a sua difficuldade suprema. Não se trata de palavras, mas de obras; de proclamações sonoras, mas de estabelecimentos duraveis; de sentimentos, mas de instituições. Uma das muitas traducções livres da palavra revolução é esta: revelação. No momento da crise apaixonada, as forças mais intimas, os elementos mais profundos da sociedade revolvida nos seus abysmos, agitando-se por chegar á claridade, sobem até á superficie e mostram-se á luz do dia com uma energia, uma verdade irresistiveis. É uma revelação: vê-se o{7} que ha, e vê-se com que tem de se contar, em bem e em mal, durante o longo periodo que se segue sempre áquelles momentos de impulso decisivo. Por vinte, por quarenta annos, por um seculo ás vezes, a vida nacional não é mais do que o desenvolvimento, a combinação ou a lucta d'aquelles elementos revelados na hora prophetica da revolução. A França do seculo XIX viu-se toda, sem lhe faltar um traço, como reflectida n'um espelho concentrador, nos dez annos terriveis mas gigantescos de 89 a 99.

E Roma, a Roma imperial e plebeia, que tinha de durar quinhentos annos, revelou-se inteira no dia em que Julio, Cesar apoiando-se no hombro rude dos seus legionarios, atravessou o Rubicon para inaugurar sobre as ruinas da legalidade aristocratica a egualdade despotica dos Cesares. N'estes momentos de crise, parece que cada um dos elementos da nova sociedade, cada uma das classes, cada um dos interesses que se repartem o chão e o sol da patria, levanta a mão diante da estatua velada do futuro, com esta exclamação: contae commigo!

Tomar nota de cada um d'estes gritos supremos, dar o seu logar, na constituição futura, a cada uma d'estas forças, pôr em harmonia, como diz Proudhon, a politica com a economia, crear uma fórma á imagem da substancia social revelada, um governo, emfim, que seja a expressão completa da vida intima da nação--eis a alta, a verdadeira missão do revolucionario, ou antes, a missão das gerações revolucionarias. Uma grande epoca historica, ou um miseravel aborto, podem sair (e irremediavelmente) das mãos d'aquelles que recebem nos seus braços o recemnascido das revoluções, o futuro, conforme--intelligentes ou inhabeis, generosos ou perfidos--o{8} envolvem em veste que, acalentando-o, o deixe mover-se á vontade, crescer e desenvolver-se, ou o apertam em faichas estreitas e duras aonde se atrophia, estrebucha e morre. Ai da nação, que no dia seguinte ao do seu renascimento revolucionario, só encontrou nas fontes do baptismo politico, traidores ou imbecis por padrinhos! Os maiores heroismos tornam-se então infecundos. Um sophisma gangrena todos os centros da vida nacional. Os protestos e as revoltas estereis, as repressões e as tyrannias absurdas succedem-se, redobram-se, tão inuteis uns como os outros, porque o mal é intimo e indestructivel. A politica não corresponde á economia, o governo é uma coisa e outra coisa a sociedade, os interesses são de uma naturesa e a direcção dos interesses obedece a principios de naturesa opposta, povo e administração, governados e governantes, como duas raças hostis, sentindo e pensando de modos desvairados, fallando diversas linguas, adorando deuses diversos, não fazem em cada dia senão cavar o abysmo aonde se affundem a liberdade, a honra, a moral, a riqueza, a intelligencia e, a final, o corpo todo da nação. Este é o segredo das grandes decadencias que têem affligido e escandalisado a humanidade. Por aqui se têem arruinado as mais florescentes civilisações, porque nenhum organismo, por mais robusto que seja, resiste a esta dilaceração intima de cada dia e de cada hora, em cada membro e em cada parte de cada membro...

É n'este abysmo que não quizeramos ver despenhar-se a nobre, a heroica, a inspirada Hespanha. Para isso só temos a dar-lhe um conselho: é o da philosofia politica d'este seculo: o conselho que lhe dá Victor Hugo,{9} Girardin, Cremieux; que lhe dariam Tocqueville e Proudhon, ou antes, que lhe dão através do tumulo, e mais alto e mais eloquente ainda, porque o espirito d'estes nobres apostolos vive e cresce, á maneira que se desenvolvem e frutificam as verdades descobertas por elles, e por elles depositadas no seio da sciencia, entre todas humana e entre todas divina, a sciencia da Justiça social.

Eis aqui o que ella diz, a sciencia, e o que elles repetem, os seus prophetas. «Não atraiçoeis com fórmas timidas e mentirosas a originalidade e a franqueza da vossa revolução. Hespanhoes, não encarcereis nas vestes estreitas da Hespanha velha e rachitica, a Hespanha rejuvenecida e engrandecida. O moço coração d'esta, que quer bater em liberdade, estalaria comprimido pelo duro espartilho de que aquella, impotente e senil, precisava para se suster direita. Não comeceis por baptisar a nova sociedade com um nome de contradicção e de guerra. Olhai para ella na sublime nudez d'este momento unico, e tal como a virdes, o que virdes que ella é, seja esse o seu nome de baptismo, embora estranho e incomprehensivel para uns, inaudito e terrivel para outros, com tanto que seja o seu nome verdadeiro. O governo é para a nação, não a nação para o governo. A nação é o navio, o governo a vella. E dareis vós á nau alterosa, para a levar pelos mares aparcelados da historia, a vella esguia e estreita do humilde barco costeiro? E essas construcções simples, geometricas, rigorosas da arte nautica do seculo XIX, sobrecarrega-las-heis vós com a armação pesada, grosseira e complicada dos galeões do seculo XVI?

Cada momento da historia dos povos tem a sua fórma,{10} o seu governo, assim como a cada edade correspondem as suas aptidões, os seus sentimentos, os seus modos particulares. Chegastes á virilidade? fallai como homens! andai, obrai como homens feitos! Não imiteis a Europa illudida ou timorata: espantae-a. Não lhe aceiteis os conselhos de prudencia senil: não sejaes discipulos, sêde mestres. Admira-vos já na coragem, na generosidade, na força serena: pois bem! que vos tome agora por exemplo n'uma coisa tão bella como essas, e maior ainda que qualquer d'ellas: na logica

IV

Mas essa sociedade hespanhola, de cuja intima essencia deve saír a fórma do novo governo, e de cujo pensamento elle deve ser apenas a palavra (sob pena de uma disformidade tão monstruosa, na ordem dos organismos politicos, como na ordem dos organismos naturaes, seria um animal com membros e entranhas de uma especie e cabeça de uma especie diversa), essa sociedade hespanhola o que é ella então, e como acaba a Revolução de 1868 de nol-a revelar?

«La démocratie est comme le soleil: aveugle qui ne la voit pas.» O facto mais decisivo da historia da peninsula, tão irresistivel como a cavallaria do Cid, tão caracteristico como a Inquisição, tão dominador como a unidade de Filippe II, o suffragio universal, acaba de collocar a Hespanha n'uma das situações mais francas, mais logicas, mais decididas, entre os actores do grande drama democratico da Europa occidental. Facto sobre tudo indestructivel. A soberania popular tornada agora instrumento ou condicção de tudo em Hespanha, todas{11} as eventualidades são possiveis, menos a queda d'essa soberania, fóra da qual não se concebe já um movimento, uma vontade, uma ideia sequer. A philosophia politica, ainda mesmo que o considere extemporaneo, tem de o aceitar como se aceita uma coisa superior á razão, que a domina, ainda quando ella a condemne, com a omnipotencia dos acontecimentos, contra que não ha revolta nem protesto e com que não póde deixar de contar nos seus calculos, sob pena de se tornar incompleta, parcial, estreita, isto é, de não ser já a razão. Se fosse possivel á Hespanha feudal de Fernando, o santo e Affonso, o sabio, ou á Hespanha absolutista e theocratica de Filippe II, achar-se, de um para o outro dia, nivelada e senhora de si, pela intervenção milagrosa do suffragio universal, caído uma noite do céu, como chuva de oiro, desde o castello do fronteiro e dos paços conventuaes do abbade, até á loja do burguez e á choça do pastor, se esta coisa sobrenatural fosse possivel, por mais violenta e mais absurda que tal revolução nos parecesse, tinhamos ainda assim de a aceitar, de contar com ella, de a proclamar á face do mundo, porque era irrevogavel. Tecto por tecto, homem por homem, cada qual se tinha magicamente tornado, na sua pessoa, bens, ideias, senhor da sua inteira e absoluta personalidade. N'esse momento, feudalismo, absolutismo ou theocracia, sumia-se por encanto no abysmo mysterioso e a Hespanha ficava sendo, e sem remedio, uma democracia.

Mas não é esse o caso da democracia inaugurada pela Revolução de 1868. Aqui, a proclamação da soberania popular não é um phenomeno phantastico e imprevisto: é, pelo contrario, o termo ultimo e naturalissimo de{12} uma serie de movimentos accidentados mas progressivos, que durante meio seculo constituem a historia social da Hespanha no seculo XIX. Com uma rigida disciplina (que só espanta a quem não conhecer as leis irresistiveis que se encobrem sob a apparencia dos factos inconsistentes), homens e instituições, revoltas e reacções, interesses e ideias, tudo se encaminhava surdamente para aquelle grande desfecho. O que hoje se vê póde dizer-se afoitamente que foi o sonho, vago e inconsciente, mas constante, da sociedade espanhola durante meio seculo. 1812 é o ponto de partida. Quem dissesse então aos bispos, generaes, altos dignatarios, e grandes possuidores do solo, reunidos na ilha de Leon, que o edificio conservador da sua constituição não era mais do que o alicerce de uma futura construcção democratica e radical, quem tal dissesse faria por certo surrir com grave desdem os solemnes e prudentissimos revolucionarios de 1812.

Mas tal é a lei da historia. A liberdade dos homens serve-lhe apenas de instrumento para as suas combinações inexoraveis. A constituição de Cadiz era o primeiro passo na senda escorregadia da revolução democratica. Que se dizia ali, com effeito? «Soberania da nação: liberdade de imprensa: abolição dos privilegios em materia de imposto.» E o que é isto senão um programma democratico--sómente um programma democratico redigido por um conservador? Da soberania da nação á soberania popular que distancia vai? Em ideias, nenhuma: questão de tempo, apenas. E da liberdade de imprensa á liberdade de cultos, da abolição dos privilegios fiscaes á abolição de todos os privilegios civis, que outra distancia ha mais do que a que medeia entre as{13} premissas e a conclusão? Foram precisos cincoenta annos para que a conclusão apparecesse. Cem ou mil que se gastassem, pouco importa: tudo está em que havia de apparecer, por que lá se continha, nos principios. E esses principios faz gosto ver como a Hespanha, no meio da sua apparente anarchia, ao som da fuzilada das barricadas e por entre a vozeria dos partidos delirantes, os desenvolve dia a dia com uma tenacidade tão extraordinaria que bem se deixa ver que não é a ephemera liberdade dos individuos, mas a fatalidade lucida das leis sociaes, quem desenrola uns após outros os termos d'aquella deducção soberana. De 1812 a 1820, para quem considerar apenas a superficie da politica, tudo parece retrocesso e reacção. Mas o trabalho da renovação social proseguiu-se surdamente, superior ao despotismo, ajudando-se d'elle até muitas vezes, e a constituição de 1820, pela expulsão dos Jesuitas, pela extincção do Santo Officio, cujos bens são secularisados, tornados propriedade da nação e vendidos, dá um passo adiante dos constituintes da ilha de Leon e prova ao mundo que a revolução democratica, na sua corrente profunda, é superior aos diques artificiaes de uma politica de interesses relativos e de influencias pessoaes. Mas a constituição de 1820 cáe por terra com o mesmo golpe que decepa a cabeça inspirada de Riego. A Hespanha parece desandar violentamente: tudo são trevas e oppressão--. Entretanto em 1834 apparece o Estatuto Real, dado (note-se), concedido pela realeza. Que diz elle? Seguramente, depois de quinze annos de reacção, proclama os principios da monarchia dos Filippes e a politica theologica do cardeal Ximenes? Admirae a força irresistivel das leis economicas!{14} O estatuto real fixa definitivamente em Hespanha o principio e a pratica da representação nacional, estabelece d'um modo quasi inabalavel as classes medias no governo, e abaixando consideravelmente o censo eleitoral, dá entrada na vida politica á pequena propriedade e á pequena burguezia. O estatuto real, apesar de doctrinario e moderado, marca uma notavel acceleração na carreira da revolução democratica. De 1834 em diante o chão parece fugir debaixo dos pés a tudo quanto em Hespanha tenta recuar ou apenas parar um momento. A vertigem apodera-se da velha sociedade, que levada em dança phantastica, vae semeando ao acaso os pedaços d'aquellas insignias que marcavam outr'ora a sua dignidade, os seus privilegios ou os seus abusos. Em 1837 extincção dos conventos; em 1838, constituição nova, mais niveladora; extincção dos dizimos ecclesiasticos; os bens do clero considerados bens nacionaes: em 1855, finalmente, os bens do clero definitivamente secularisados; abolição dos morgados; a tolerancia religiosa proclamada...

Que quadro este! e como todas estas cores se combinam, se dispõem de fórma a exigirem aquelle toque final e decisivo, que, assim preparado, tem por seu lado tambem de dar ao todo a sua expressão, enchendo a tella de luz e vida--o suffragio universal!

Assim pois, pelo facto e pela ideia, pela revolução e tradição, é a Hespanha (e não póde já ser outra coisa) uma democracia, uma vasta democracia de 18 milhões de homens. São 18 milhões de homens, livres e em face uns dos outros armados de direitos iguaes. Todas as velhas cathegorias, degraus, grupos particulares, tudo isso desappareceu, fundiu-se na uniformidade d'um vasto{15} pantheismo social. Grande situação, por certo, mas cheia de perigo; porque, para este mundo novo, é necessaria uma nova fórma; porque para fechar esta abobada de tão diversa construcção, não podem já servir as pedras talhadas pelos moldes antigos; porque finalmente não se encontram nos livros canonicos da velha politica as formulas do exorcismo com que se faça curvar á obediencia aquelles 18 milhões de cabeças erguidas...

É que são, com effeito, 18 milhões de cabeças livres. Agora só a liberdade poderá arrogar-se o direito de as guiar. Por outras palavras: trata-se de dar á democracia hespanhola um governo democratico.

V

N'este ponto ha uma palavra que sae de todas as boccas: a Republica. No centro dos encruzilhados caminhos do mundo politico, levanta-se esta grande figura, como a estatua colossal do deus Termo, conciliação para tantas discordias, luz para tantas trevas, erecta na sua base inabalavel e visivel dos quatro pontos do horisonte. Ella tambem é como o sol «aveugle qui ne la voit pas». Quem diz democracia diz naturalmente republica. Se a democracia é uma ideia, a republica é a sua palavra; se é uma vontade, a republica é a sua acção; se é um sentimento, a republica é o seu poema. Dos longinquos caminhos do desterro é para ella que se levantam os olhos de todos quantos na terra padecem fome e sêde de justiça. Sem a conhecerem, prophetisaram-na herois, philosofos e poetas. E se á rectidão do seu codigo, copiado do direito absoluto, ajuntarmos a fé dos seus crentes e a santidade dos seus martyres,{16} a republica deixa de ser um governo para se tornar uma religião.

Mas como se organisa a republica? Aqui, á claridade de um sentimento divino, succede-se o nevoeiro dos systemas humanos. E o systema, o espirito systematico matou a republica. Rousseau, e atraz d'elle Robespierre, o bastardo de Rousseau, como disse Michelet, os Jacobinos, Danton e a Convenção, na energia do seu plebeismo, conceberam a republica como uma dictadura permanente, executada em nome da multidão pelos chefes da sua escolha. Foi assim que, julgando consolidar a egualdade, fundavam apenas o peior dos despotismos, o despotismo da plebe. A razão scientifica é facil de colher-se. Pela delegação aglomeravam todos os poderes, todas as forças collectivas no centro poderoso da republica una e indivisivel. Esse centro, e só elle, legislava, administrava, julgava, absorvendo no seu immenso pulmão o ar e a vida que devera animar o corpo inteiro da sociedade. Mas não se julga, legisla, administra sem força; e força tanto maior quanto mais concentrado está o poder, quanto mais tem que governar, que impor, por conseguinte, a vontade omnipotente com que o armou a nação. Mas impor a quem? á mesma nação! Contradicção estranha! a delegação tornou-se tyrannia: o suffragio universal converteu-se n'uma arma de dois gumes com que o povo, brandindo-a, se fere, e tanto mais se fere quanto mais valente é o braço com que a brande. O divorcio entre o governo e a nação succede-se rapido. Elle, armado com o seu direito, a delegação, quer ser obedecido e faz-se em todo o caso temido: ella, armada com a sua liberdade, accusa o governo de traição e tyrannia, revolta-se e a{17} republica cae estrebuchando n'um lago de sangue. Qual dos dois tem rasão? nenhum d'elles ou ambos. Mas quem, com certeza, não tem rasão é o systema, o rude e estreito systema da unidade e da concentração. Tem razão Robespierre e têem-na tambem os thermidorianos que o guilhotinam: quem não a tem, em todo o caso, é Rousseau dando no Contracto social as formulas da Republica una e indivisivel. Ah! grande mas desvairado philosopho! a tua liberdade é a selvageria e a tua igualdade o despotismo! É do teu doce mas louco coração que saiu a peçonha, que envenenou as fontes vivas sebentadas, em hora de bençãos, da nobre, da heroica, da eterna Revolução Franceza!...

O mundo, entretanto, seguiu Rousseau. Ninguem viu que a unidade matava a liberdade, a delegação a iniciativa, a organisação republicana a republica democratica. Ninguem viu que era esta contradicção, e só ella, que explicava o phenomeno extraordinario da decadencia rapida das instituições republicanas, criadas para serem eternas pelo enthusiasmo das multidões, e abandonadas em poucos annos pelas mesmas multidões, scepticas e desmoralisadas. Tudo serviu de explicação, as paixões dos homens, a cegueira das massas, a ambição dos chefes, tudo, menos a unica explicação simples--que não era aquillo republica, mas uma tyrannia plebeia, e nada mais.

Armand Carrel e a geração revolucionaria da primeira metade d'este seculo seguiram cegamente o mesmo ideal: para elles a republica é sempre a Convenção, dispondo da pessoa e dos bens do povo em nome do povo, salus populi suprema lex: para elles o chefe republicano é sempre Robespierre, concentrando n'uma{18} mão todos os poderes politicos e estendendo já a outra para a auctoridade religiosa. Esse ideal viu-se um momento realisado em 1848. Cruel, cruelissimo desengano! A bella, a poetica, a inspirada Republica de fevereiro afunde-se no meio de um rio de sangue, condemnada pela sombra de Rousseau, que ainda de longe a cobria, porque não houve um só dos chefes do povo que em 1851 preferisse a liberdade á unidade, porque não houve um só que não temesse mais a descentralisação absoluta, o provincialismo e o desmembramento da França, do que o espectro sinistro do cezarismo que se approximava! Salvou-se ainda uma vez a centralisação! a liberdade, essa ficou sendo o mitho, a visão apenas da politica franceza....

Cruel, amarga experiencia foi aquella, mas salutar. E como aproveitou com ella a robusta geração revolucionaria saída d'essa terrivel provação de quatro annos de sangue e desespero! Proudhon, Vacherot, Simon, Frederico Morin, Tocqueville, Renan, não são já, como os poetas do governo provisorio, os amantes platonicos de uma republica ideal, ajuntamento hybrido de bellos sentimentos e de pessimas instituições, aonde a selvagem razão d'estado se mascarava com as flores candidas da corôa da fraternidade... Estes vêem os phenomenos sociaes na sua dura realidade: conhecem que o mal não está tanto em ser este ou aquelle quem nos governe, como no facto de sermos governados. Que importa que o poder saia do seio da nação, se é sempre poder? e a tyrannia, porque somos nós que a criamos, deixa de pesar menos por isso, de ferir, de rebaixar a nossa dignidade de homens livres? Não é pois na substituição da dictadura de Sylla á de Mario, da de Napoleão{19} á de Robespierre, da de Espartero á de Isabel II, que está o segredo das revoluções, mas na extincção total da dictadura, fosse ella a de um santo, da tyrannia, fosse ella a de um deus. Ora tyrannia e dictadura é a unidade politica, a centralisação dos poderes; tyrannia e dictadura da peior especie, porque são systematicas, legaes, organisadas, destruindo a ordem natural com o pretexto da ordem politica, esmagando toda a iniciativa, toda a individualidade, toda a nobreza, e reduzindo uma nação ao estado de um rebanho paciente e uniforme a que, por unica consolação, se deixasse o direito de eleger o pastor que o guia, e o cão que ás dentadas o faz entrar na fórma. Será isto um ideal humano?

Na uniformidade, na homogeneidade de composição das sociedades democraticas é que está o perigo todo. Como já não ha grupos, classes, variedade de interesses e de individualidades, que equilibrem o poder central e lhe opponham resistencia, a pressão do governo não encontra obstaculos, communica-se, estende-se, com rapidez e força incalculaveis, n'aquella massa homogenea. Uma aristocracia, um clero livre e organisado, uma burguezia com seus privilegios, cidades com seus fóros, tudo isto eram barreiras formidaveis que a auctoridade central, durante a idade media, encontrou erguidas contra si cada vez que tentou alargar-se e absorver a actividade da nação. Mas aquellas barreiras, salutares no ponto de vista da liberdade, eram, no ponto de vista da igualdade, abusos e vexames, porque eram outros tantos privilegios. A questão hoje, para a philosophia politica, reduz-se a isto: criar na sociedade esses diversos grupos, por onde se reparta a auctoridade e se equilibre a força expansiva do centro, sem que por isso{20} se altere a simplicidade intima do meio social, a igualdade absoluta de direitos, filha da revolução democratica do seculo XIX. N'outros termos: trata-se de conciliar a igualdade e a liberdade, cujo divorcio tem causado a ruina das mais heroicas republicas, o abatimento das mais florescentes democracias. Para isso o que é preciso? criar tantos centros de auctoridade local quantos forem os centros naturaes da vida nacional. Somente esses grupos devem estar uns para com os outros na mesma razão juridica, possuir os mesmos direitos, ser semelhantes ainda que independentes, e formando outras tantas individualidades, devem essas individualidades ser uniformes e iguaes. Por outras palavras: trata-se de criar a diversidade (garantia unica da liberdade) na massa da nação, fundando-a d'esta vez, não sobre o privilegio odioso e alem d'isso instavel, mas sobre a base mais solida e mais natural, a igualdade.

Dito isto, o nome da coisa sáe de todas as boccas: chama-se federação. Conciliação para todos os interesses, garantia para todas as liberdades, campo aberto para todas as actividades, equilibrio para todas as forças, templo para todos os cultos, a federação é a unica fórma de governo digna de homens verdadeiramente iguaes, porque é a unica fórma de governo verdadeiramente livre. Ella extingue os velhos odios, supprime os velhos partidos, não destruindo-os violentamente, mas, ao contrario, fazendo-os viver em commum, conciliando-os, mostrando que podem coexistir no seu vasto seio, no seu espirito comprehensivo e amplissimo. Estas palavras federação democratica resumem hoje o credo revolucionario, como ha oitenta annos as de republica indivisivel resumiam as aspirações da geração heroica,{21} mas pouco experiente, que criou na historia a grande data de 1793. Quem hoje percorrer com a vista as legiões do grande exercito revolucionario europeu, raro topará com uma bandeira em que se não leia a magica legenda republica democratica federativa. Estes pendões são hasteados por mãos que têem feito, já no mundo dos factos, já no mundo das ideias, um trabalho formidavel. São homens que se chamam Proudhon, Shultz-Delitz, Gladstone, Vacherot, Morin, Simon, Littré, Bright, Langlois, e que são para o drama final a que se encaminha o seculo XIX o mesmo que Rousseau, Sieyès, Condorcet, Volney, foram para a tragedia dos ultimos annos do seculo XVIII. O sonho unitario dissipou-se. Uma amarga experiencia lhes mostrou que a existencia d'essa entidade puramente geographica de uma grande nacionalidade compacta não compensa a falta d'aquella outra entidade realissima, necessaria, vital, o cidadão livre. O homem, o homem no goso pleno das suas liberdades, das suas forças variadissimas, industriaes, scientificas, politicas, religiosas, esse homem não o criam as unidades artificiaes e violentas organisadas segundo o principio das grandes nações centralisadas. Era escusada, para chegarmos a isto, a experiencia custosa da França de Napoleão III. Bastava a historia, que não nos offerece o exemplo de uma unica republica democratica centralisada que chegue a durar a vida de uma geração. Fluctuam entre a anarchia e a tyrannia, até acabarem pela morte da nacionalidade, ou pela abdicação nas mãos de um chefe absoluto, pelo cezarismo. No dia em que a republica aristocratica de Roma se transforma em democracia unitaria, a sociedade romana, perdido o equilibrio, passa violentamente{22} de tyrannia para tyrannia, até que os Cezares a acolhem á sombra mortal do seu despotismo nivelador. Florença abdica nas mãos dos Medecis: e a França, em menos de cem annos, abdica tres vezes nas mãos dos seus chefes populares e republicanos; em 1793, Robespierre; em 1804, Buonaparte; em 1851, Luiz Napoleão. Eis como vivem e quanto duram as republicas unitarias! As unicas republicas democraticas, cuja vida serena absorve já a vida de muitas gerações, são duas republicas federativas: a Confederação Suissa, na Europa; na America, os Estados-Unidos. Ricas, pacificas, intelligentes, não é ainda assim a riqueza, nem a sciencia, nem a paz quem as mantem: é a liberdade; a liberdade que sabem conservar na igualdade. Typos ainda incompletos em relação ao ideal que abstractamente formamos das sociedades humanas, são todavia, para as informes agglomerações de homens, a que no resto do mundo se chama nações, verdadeiros ideaes, modelos admiraveis e quasi columnas de fogo no deserto das miserias politicas. É para ali, Hespanhoes, que deveis virar os olhos! E essa federação que é para o resto do mundo uma aspiração, um sonho apenas, é para vós uma realidade secular, uma tradição do vosso solo, um caminho por muito tempo aberto e trilhado na vossa historia, desde o Cid até Padilha, até aos heroicos communeros, até á grande revolta dos Catalães, até Palafox, até á revolução actual, que partindo das extremidades e arrastando o centro no seu movimento, tem um caracter eminentemente senão exclusivamente federal...

Assim pois, a philosophia e a tradicção secular combinam-se no conselho que vos dão. É o espirito novo{23} abraçando-se com a antiga virtude. É o seculo XIX que, para vós, póde sem esforço ser quasi uma deducção dos seculos XI e XVI. Duas edades em tudo mais hostis, o passado feudal e o presente democratico, n'esta só coisa poderam concordar, apontando-vos como o caminho da justiça, da paz, da força, da liberdade, do progresso, um unico caminho: a Federação.

VI

Mas Portugal, membro amputado desnecessariamente, ainda que sem violencia, do grande corpo da peninsula iberica, vivendo desde então uma vida particular, estreita talvez mas sua e original, e tão apartado do movimento dos outros povos hespanhoes como se fosse a fronteira, que d'elles, o separa um insondavel oceano, que tem que ver Portugal com a revolução que acaba de trazer á superficie da sociedade hespanhola, como em tumultuosa fermentação, os maiores problemas da politica moderna, e com as resoluções que a philosofia e a necessidade, os principios e os acontecimentos, impõem aos chefes em cujas mãos vão caír as redeas agitadas d'essa revolução?

É sobre tudo para este ponto que eu invoco a attenção de todos os homens que, vendo na historia leis fixas e não acontecimentos fortuitos, sabem comprehender que a politica é uma questão de ideias e não de paixões, de necessidade e não de sentimento. Por uma coincidencia, a que chamariamos providencial se houvesse para as nações outra providencia alem da força inexoravel das coisas, coincidencia unica em toda a historia de Portugal e da Hespanha, as duas sociedades,{24} ainda que postas em face de problemas differentes, acham-se hoje obrigadas a uma mesma solução, exactamente como dois doentes que, padecendo males diversos, encontrassem a salvação n'um mesmo e unico remedio. O ideal da Hespanha em revolução confunde-se com o ideal de Portugal que precisa ser revolucionado. A politica, morta entre nós ha tantos annos para os principios e para a justiça, renasce, tem outra vez alma e palavra, e essa palavra affirma o mesmo que alem da fronteira sáe dos corações que melhor sentem, das intelligencias que melhor comprehendem os verdadeiros destinos da peninsula. Para portuguezes como para hespanhoes não ha hoje senão um ideal politico: democracia e federalismo. A differença está só em que para a Hespanha metade do programma é já um facto inabalavel e a outra uma necessidade fatalmente imperiosa; em quanto que para nós, portuguezes, o programma todo, ainda que igualmente imperioso e fatal, não passa por ora de uma indicação da pura logica, é simplesmente uma aspiraçao.

Portugal é uma nação enferma, e do peior genero de enfermidade, o languor, o enfraquecimento gradual que, sem febre, sem delirio, consome tanto mais seguramente quanto se não vê orgão especialmente atacado, nem se atina com o nome da mysteriosa doença. A doença existe, todavia. O mundo portuguez agonisa, affectado de atonia, tanto na constituição intima da sociedade, como no movimento, na circulação da vida politica. Na sociedade, a estagnação de todas as classes, incapazes do menor desenvolvimento, pelo predominio de uma classe gasta e impotente, mas que tem monopolisado, desde 1834, a direcção dos negocios, a burguezia,{25} dá-nos essa paz e liberdade apparentes que não são no fundo outra coisa mais do que a immobilidade e a indifferença, symptomas de morte proxima, não harmonias de uma existencia cheia e ordenada. No mundo politico a atonia manifesta-se pelo abatimento de todos os centros locaes, pelo desapparecimento de qualquer iniciativa, independente da direcção official, pela substituição de um mecanismo artificial e mesquinho á bella e rica manifestação espontanea das forças livres e originaes, pelo arrefecimento, pelo empobrecimento da vida nacional em proveito de uma coisa falsa, artificiosa e esteril, a centralização. A centralisação como meio, os interesses burguezes como fim, eis o miseravel resumo da nossa actividade social ha perto de quarenta annos. Hoje a burguezia está rica; a centralisação, constituida; mas o paiz, esse, está pobre, fraco, indifferente, vulgar, e mais miseravel e triste, na sua paz e liberdade convencionaes, do que muitos outros no meio das luctas e das tempestades da guerra civil e da tyrannia.

É n'esta hora de abatimento profundo que uma revolução, para nós quasi providencial, faz rebentar a democracia do solo ardente da Hespanha, e encaminha fatalmente essa democracia para a sua unica fórma, a federação. Maravilhoso acaso, que a ponto nos deixa caír no regaço o remedio que exigem os nossos males, e une finalmente os dois povos da peninsula, por uma mesma necessidade, n'uma mesma aspiração, n'um mesmo ideal. A democracia e a federação vão resolver em Portugal a crise que chocavamos ha quarenta annos, porque a democracia é a queda do reinado burguez, e a federação, o renascimento da vida local e a ruina da unidade centralisadora.{26}

VII

A burguezia europea tinha uma bella missão no seculo XIX. O edificio feudal fôra derrocado, mas o povo continuava no miseravel estado de indifferença e incapacidade politica a que o tinham reduzido, em acção combinada, a monarchia absoluta e a exploração aristocratica. Tornada assim a igualdade um direito popular e ao mesmo tempo um perigo para a civilisação, incumbia á burguezia, assumindo uma especie de dictadura philosophica, aproveitar-se d'este interregno para guiar a multidão ao encontro do seu direito, para estabelecer sem grande abalo a passagem da antiga incapacidade para a nova soberania, encaminhando, illustrando, moralisando, fazendo-se, emfim, não classe dominadora, mas simplesmente classe iniciadora. Mas esta casta avida e egoista, incapaz de comprehender uma tão alta missão, preferiu exercer a dictadura, que o acaso lhe offerecia, em proveito exclusivo dos seus interesses e das suas paixões, considerando como uma conquista eterna o que era apenas uma concessão momentanea da força das coisas. Achou mais simples, em vez de iniciar e illustrar, explorar e desmoralisar. Estabelecido assim o divorcio entre os interesses burguezes e os populares, a ruptura das vontades era facil de prever. Assim succedeu. A revolução franceza de 1848 deu o signal; e desde então para cá a burguezia, caída em França, no resto da Europa vacilla desequilibrada, sustendo-se apenas pela inercia ou pela incapacidade popular.

A burguezia portugueza tem sido talvez uma das{27} mais ineptas, o seu dominio certamente um dos mais estereis. Pelo lado economico, fugindo systematicamente a todo o trabalho oneroso, a toda a exploração que peça intelligencia e actividade, estabeleceu-se commodamente no funccionalismo, a que tem dado um desenvolvimento fatal, e na divida publica, que absorve d'este modo os capitaes destinados a fecundar a industria e a producção nacionaes. É assim que se creou no paiz uma massa formidavel de consumidores absolutamente estereis, e se estabeleceu esse desequilibrio entre a producção e o consumo, causa principal da nossa pobreza, origem da divida que nos corroe, e da estagnação assustadora do movimento industrial. Não ha capitaes para tantas explorações necessarias, por que um Estado famelico premeia os seus credores com juros fabulosos, cuja concorrencia nenhuma empreza particular póde sustentar. Não ha homens para essas explorações, por que um Estado governado em familia, considerado padrinho universal dos filhos d'uma classe sedentaria e inactiva, abre na meza do orçamento um logar commodo para quem, sobre tudo, evita pensar, calcular e agitar-se. Este é o lado economico: quanto ao lado moral, a decadencia é mais profunda ainda. Quem dirá jámais a pobreza e o abaixamento a que o proprietario avaro e o empregado oppressor têem reduzido o povo dos campos? E o povo das cidades, quantas miserias não deve elle á dura avidez do capitalista, quantas indignidades ao orgulho do funccionario, quantas corrupções ao exemplo dos vicios d'um e do outro? Assim é que elles educam e iniciam. A instrucção é esta: por que a burguezia portugueza póde, por ostentação, levantar uma estatua a Luiz de Camões; mas o povo{28} portuguez, esse, não sabe soletrar o titulo do poema que o poeta consagrou ás suas glorias...

Resumindo: o privilegio, sem se atrever a negar em face o direito, estabelecendo-se de facto e enchertando-se surdamente na grande arvore da igualdade social: o luxo e riqueza improvisada d'um pequeno numero mascarando a pobreza universal: os capitaes, desviados do seu verdadeiro curso, deixando que se esterilisem, em vez de as fecundarem, as industrias nacionaes: todas as grandes emprezas, navegação, exploração de minas, nas mãos de companhias estrangeiras, verdadeira abdicação economica do povo portuguez: o desequilibrio crescente entre o consumo e a producção, pelo desenvolvimento extremo de duas classes, os empregados e os credores do Estado, que, sem entrarem com um só elemento para a riqueza publica, absorvem inexoravelmente a melhor parte d'ella: a agiotagem substituida ao commercio e a intriga ao trabalho: o abatimento economico prestando o paiz, no meio da agitação febril de meia duzia de especuladores: o abatimento moral, pela indifferença, pela inercia, gastando os caracteres, amolecendo as vontades, tornando impossivel toda a iniciativa e toda a originalidade: o povo sceptico e desmoralisado: a ociosidade tornada o ideal d'aquelles mesmos que trabalham: a ignorancia real mascarada pela illustração ficticia dos programmas officiaes: muito sophisma: muita illusão: muita miseria: eis aonde nos achamos depois de 40 annos de tutela burgueza, eis o saldo de contas da gerencia d'estes nossos curadores officiosos...

Para esta obra de decadencia houve um instrumento digno d'ella, por que é um instrumento de compressão,{29} a centralisação. A dictadura das classes soi-disant superiores torna-se impossivel sem essa apertada rede administrativa, que por todos os lados envolve o corpo da nação, e no centro da qual uma minoria compacta e audaciosa, uma vez estabelecida, póde á vontade dirigir, governar e explorar. N'este ponto de vista, a historia do periodo constitucional entre nós póde definir-se uma administração centralisada, explorando o paiz no sentido dos interesses d'um pequeno numero de monopolistas politicos. A primeira consequencia d'este estado de coisas é a extenção progressiva, incalculavel, verdadeiramente phenomenal do funccionalismo. Ha uns annos que a consciencia e o interesse populares reagem contra esta monstruosidade, este aleijão da nossa sociedade. Depois do movimento de janeiro, sobre tudo, o clamor tornou-se universal. Mas pedem-se reducções, e n'isto é que está o engano. O funccionalismo não é uma anomalia, um facto exclusivamente portuguez. É um dos elementos essenciaes dos governos centralisados. Foi elle quem devorou o mundo romano, nos ultimos dois seculos do imperio. É elle que abate a França debaixo d'um montão de parasitas officiaes, que lhe não deixam completar a sua reorganisação economica. É elle, emfim, que nos tem assim exsangues e pallidos á beira do nosso sepulchro entreaberto. Mas quem acceitar a unidade e a centralisação não póde logicamente recusar o que é o elemento essencial da sua acção, o instrumento das suas concepções, o organismo com que vive, respira e se move. Com effeito, desde que se admitte governo, um centro que se encarrega de todas as funcções sociaes, as innumeras forças, que a liberdade individual, abdicando, concentra n'aquella individualidade{30} absoluta, tendem a encarnar-se em symbolos visiveis, que lhes deem acção e vida, e a ajuntarem outros tantos membros ao ser prodigioso aonde se resume a existencia de muitos milhões de homens. A cada um dos elementos da actividade individual vem a corresponder no estado, que os absorve, outras tantas funcções. O que o cidadão deixa de fazer por si, fal-o o estado por meio d'um organismo novo, por que a sua força e complexidade estão na razão inversa da força e do desenvolvimento da esphera de acção de cada cidadão. Ora a força do estado não póde existir senão organisada; isto é, não existe sem repartições e sem empregados, repartições tanto mais complicadas quanto mais perfeita é a organisação, empregados tanto mais remunerados quanto são mais importantes os negocios de que se occupam. O funccionalismo é pois o triumpho da centralisação, a sua expressão mais completa, e póde sem ironia dizer-se que uma nação centralisada não chega á sua plenitude, não é, por conseguinte, perfeita, em quanto uma metade dos cidadãos não estiver constantemente occupada em vigiar, governar e corrigir a outra metade...

Mas toda essa gente vive: vive, absorve... e não produz. A ruina das nações centralisadas começa por aqui. Não ha relação entre o que sáe do trabalho e o que exige o consumo. Para accudir ás necessidades do dia é necessario hypothecar o futuro. Mas o futuro ha uma hora em que chega a ser presente, e n'essa hora apparece por tal fórma enfraquecido e sobrecarregado, que já para viver precisa pedir a um outro futuro mais longinquo o dobro e o triplo do que lhe tinham pedido a elle. Eis a progressão terrivel da divida publica! Progressivamente,{31} não proporcionalmente, crescem as exigencias do estado: e progressivamente, não proporcionalmente, diminuem os recursos do paiz, onerado, compromettido n'uma razão mathematicamente assustadora. É n'este momento que o fisco, até ali simples organismo como os outros, se desmascara e deixa ver o monstro cruel, tyrannico e disforme que é realmente. N'esse momento de brutal franqueza, toda a politica se resume n'uma unica palavra: dinheiro! todo o programma de governo se resume n'uma unica phrase: é necessario que o povo pague! O estado transforma-se n'uma horrivel machina de triturar fortunas, homens, vontades, com tanto que d'esses restos sangrentos possa extrair um pouco de ouro. Mas para isso é necessario ser forte: e o estado fatalmente se concentra, toma a feição d'um exercito sempre em armas no meio d'um povo mal submettido, até assumir a sua verdadeira fórma, a tyrannia uma tyrannia administrativa e fiscal, como a de Diocleciano em Roma, como a de Luiz XIV em França, como a que talvez vejamos dentro em poucos annos em Portugal. Mas a tyrannia do governo dá origem irremediavelmente á sua antithese, a anarchia na sociedade. Como o centro vê tudo, póde tudo, é tudo, como é a unica cabeça, o unico pulmão, o unico braço, todos os grupos de interesses, todos os partidos, privados de qualquer acção fóra da esphera governamental, empenham os maiores esforços em se apoderarem da formidavel machina, e não têem outro fito senão serem um dia poder. Conspiram, intrigam, combatem, até lançarem mão das chaves fataes com que se abrem todas as portas e todas as consciencias. O governo, sempre forte, sempre concentrado, passa assim rapidamente de tyrannia em{32} tyrannia, representando de hora para hora os interesses diversos de classes e de partidos, que, succedendo-se vertiginosamente, apenas têem tempo para as represalias e para a oppressão...

Será isto um quadro de phantasia? não: leia-se a historia dos ultimos dois seculos do imperio romano: leia-se, sobre tudo, a historia da decadencia byzantina, e ver-se-ha que ainda encobrimos mais de metade das miserias, das desordens, das corrupções, a que arrasta fatalmente as nações o funesto principio do estado centralisado. E Portugal, quem ha ahi que não lhe veja já distinctamente nas faces a pallidez sinistra d'uma inexoravel decadencia? Quem não presente, pelas sombras do horizonte, que vamos entrando no passo temivel da tyrannia fiscal e da anarchia dos interesses hostis? A centralisação dá os seus fructos: e, á sombra d'essa arvore de morte, quantos não nos sentimos já enfraquecidos e cheios d'uma tristeza e d'um desalento mortaes?...

Não é com reformas, com economias, que se sáe d'uma tal situação. A arvore peçonhenta só cortada pela raiz deixará de cobrir a terra da patria com a sua sombra funesta. O mal é intimo e profundo. Só um revulsivo energico poderá chamar á vida o sangue que se gela nas veias d'este corpo, mais intorpecido ainda do que envelhecido. Por outras palavras: a philosophia politica não indica uma reforma, mas uma revolução, para a situação desesperada em que nos achamos. E como os dois elementos de morte, que temos em nós, são a burguezia e a centralisação, appellando para dois principios de vida, a democracia e a federação, não faremos senão seguir as indicações mais claras da sciencia, e as leis mais evidentes do mundo economico e politico.{33} Tanto pelos principios como pelos acontecimentos um caminho está traçado para a politica portugueza, de que não ha desviar-se. Quebrando, por meio do suffragio universal, os diques estreitos entre os quaes a vida publica tem até hoje corrido apertada; profundando-lhe o leito, e fazendo entrar na sua corrente, com as multidões triumphantes, esses elementos de força e de vida que ainda possa conter o mundo portuguez; a democracia abate ao mesmo tempo a oligarchia burgueza, e realisa entre nós o unico progresso que nos póde pôr á altura da Hespanha rejuvenecida pela sua revolução. Mas a democracia com a centralisação não é mais do que a igualdade sob uma mesma tyrannia. A descentralisação, quebrando nas mãos da razão de Estado a temivel arma da unidade, restituindo á provincia e á iniciativa local todas as funcções de que tinha sido cavilosamente despojada, ou de que cegamente abdicára, appellando fortemente para a energia individual, é quem só póde acabar por uma vez com o parasitismo do funccionario, chamar os capitaes e as vontades para o trabalho, restabelecer o equilibrio economico alterado, e revestindo Portugal da luz serena e immaculada da republica democratica, fazel-o brilhar, gravitando, entre os astros da constellação iberica.

A republica sáe assim naturalmente da democracia; e, da republica, a federação.

VIII

Chegados a estas conclusões, vemos o ideal revolucionario de Portugal tocar-se, confundir-se com o ideal{34} da revolução hespanhola. Para toda a peninsula não ha hoje senão uma unica politica possivel: a da federação-republicana-democratica. E, em face d'esta formidavel unidade de interesses, de ideas, de vontades, e de aspirações, que podem as barreiras da nacionalidade significar mais do que uma tradição, um symbolo poetico, cujo sentido se perde de dia para dia, até se tornar de todo incomprehensivel, até desapparecer? Moralmente essas barreiras cairam já. Para as consciencias mais rectas, para as intelligencias mais seguras dos dois povos, unidas nos mesmos desejos e n'um pensamento commum, a nacionalidade não passa d'um obstaculo desgraçado, resto das hostilidades fataes de seculos barbaros, e que só por um lamentavel accordo dos interesses da minoria dominante e dos prejuizos da multidão inintelligente se tem podido sustentar. Mas esse accordo desfez-se. O irresistivel movimento democratico da nossa sociedade vai tornar inevitavel a queda da nacionalidade, nas opiniões, a principio, e mais tarde nos factos, no grande dia do abraço fraternal das populações da peninsula iberica. A revolução social é identica para os dois povos: identica, para os dois povos, deve ser a revolução politica. E o successo ou insuccesso da actual revolução hespanhola, o seu desfecho feliz ou infeliz, em nada altera este ponto de vista puramente ideal da politica iberica. Organisado o federalismo democratico em Hespanha, é um facto, um facto visivel e soberano, que se torna o alvo das nossas aspirações, o nosso exemplo, o programma do unico partido com vida e significação em Portugal. Nem, em tal caso, é só um partido, mas a nação toda, que levada por um impulso irresistivel gravita para o centro de attracção da{35} constellação federal--Mas, perturbado o desenvolvimento logico da revolução pela ignorancia, a pusilanimidade, ou a intriga, como nenhum governo estavel, alem da federação, se póde estabelecer em Hespanha, a violenta anarchia, que se seguir, será ao mesmo tempo uma prova irrefutavel, ainda que indirecta, da verdade do programma que traçámos á revolução, e um signal para todos os homens intelligentes, sinceros, e corajosos se unirem, sem distincção de nacionalidade, em volta da bandeira da republica democratica e federal. Em qualquer dos dois casos, a politica, para nós portuguezes, é sempre a mesma: o nosso caminho está traçado, invariavel e superior ainda ás oscilações e tremores do terreno por onde a força inexoravel das coisas o obriga a passar. Em qualquer dos dois casos, a nacionalidade, esta estreita nacionalidade dentro da qual nos está comprimindo a monarchia burgueza, tem de ser sacrificada, quer no facto d'uma revolução, quer no programma d'um partido revolucionario, a uma forma mais larga, mais livre, e mais fraternal. Em qualquer dos dois casos, para todos os elementos moços, intelligentes, activos da sociedade portugueza, não ha outra saida aberta senão esta: a democracia iberica; nem outra politica, politica capaz de idéas, de futuro e de grandeza, possivel em Portugal, senão esta: a politica do iberismo.

IX

E agora, por despedida, duas palavras sinceras aos patriotas portuguezes. O patriotismo póde symbolisar-se{36} hoje n'uma ideia falsa e estreitissima: mas nem por isso deixa de ser um sentimento respeitavel. Certamente que, para os Fuas Roupinhos e os Espadeiros do jornalismo a tanto por linha, o patriotismo não passa de uma palavra sonora, o enthusiasmo nacional de uma boa especulação. Assim tambem não é com elles que fallo. Dirijo-me aos espiritos candidos e rectos, mas cheios de illusões e pouco esclarecidos sobre a natureza dos movimentos sociaes, ás vontades energicas, mas falsamente encaminhadas, aos homens verdadeiramente bons e dedicados das nossas provincias, que, obedecendo a um dos mais bellos sentimentos humanos, o amor da patria, tomam a nacionalidade pelo symbolo unico, pela fórma mais perfeita d'esse sentimento.

Sem faltar ao respeito devido a tão honestas convicções, atrever-me-hei a ponderar-lhes que o amor da patria não coincide rigorosamente com o facto da nacionalidade: são duas coisas distinctas, ainda que ligadas estreitamente e servindo uma de manifestação á outra, como serve a palavra de manifestação ao pensamento. Mas são distinctas: e assim como a palavra falta mais de uma vez ao pensamento, e o atraiçôa, póde uma nacionalidade gasta ou acanhada faltar ao amor da patria com as condicções do seu inteiro desenvolvimento, atraiçoando as suas mais formosas aspirações, os seus mais intimos impulsos. A patria, com effeito, não é o chão, o ar, o sol, os rios e os montes nataes: patria assim tem-na igualmente as arvores d'esses campos e os musgos d'essas rochas: o patriotismo, n'esse caso, deixava de ser um sentimento exclusivamente humano, para se confundir com as simples leis do mundo organico. É no homem, na sua natureza moral, que se devem{37} procurar as razões intimas d'este facto universal e até hoje indestructivel. Ao ceu dos campos e dos montes patrios, á sombra das suas igrejas e dos seus castellos, á lingua dos seus habitantes, aos costumes, ás tradicções, não nos prende um instincto cego, uma fatalidade de especie, ou uma attracção poetica da phantasia. Tudo isso, se é bello para nós, é só por que nos representa, em symbolo harmonioso, o pensamento intimo do nosso ser, e parece traduzir-nos o segredo mysterioso da nossa consciencia. N'esse conjuncto de coisas, ideias, e sentimentos, vemos as condicções do desenvolvimento mais perfeito da nossa natureza moral, o instrumento da exaltação da nossa personalidade, na sua mais rica complexidade, como homens perante os homens, criaturas perante a criação, espiritos perante o nosso proprio espirito. Por isso, e só por isso, amamos a patria. Ella não é somente o berço das nossas affeições instinctivas: é mais: é o ninho aonde crescem e vigoram os filhos mais queridos da nossa alma, as energias da nossa livre actividade. A patria não é um accidente da natureza material, mas um facto da consciencia humana.

A nacionalidade, essa, é apenas a fórma passageira e artificial de tudo isto. É um facto do mundo politico e, como elle, transitorio e alteravel. No momento em que muitos interesses se reconhecem semelhantes, muitos patriotismos irmãos, tendo em commum o mesmo ideal e as mesmas condicções de o realisar, agrupam-se, fundem-se, levados pela attracção irresistivel entre naturezas homogeneas, e pela necessidade de se deffenderem e affirmarem em face do mundo. Eis uma nacionalidade, obra de momento, sugeita á dupla acção do{38} tempo e do movimento humano, e por isso instavel e transitoria como o correr dos annos e o transformar-se dos interesses e das ideias sociaes. Concebe-se facilmente que esses interesses deixem de ser homogeneos, que essas ideias se possam contradizer: concebe-se que a fórma nacional, em vez de realisar o ideal de pleno desenvolvimento material e moral symbolisado no amor patrio, lhe suffoque os impulsos mais generosos, e atraiçoe as suas mais legitimas aspirações. A nacionalidade deixa então de ser o pavilhão luminoso, que sob os seus tectos doirados cobria muitas cabeças irmans, para se transformar n'uma abobada escura e fria de ergastulo, aonde gemem muitos miseraveis escravos...

Será este o caso de Portugal? Atrevo-me a dizer que é. As forças mais vivas, as energias mais moças e intelligentes, os elementos mais generosos da nossa sociedade, estão comprimidos, asphixiados por esta fórma estreita da velha nacionalidade. Entre uma coisa e outra é necessario escolher. Ora eu sustento que, entre as realidades eternas da natureza humana, de um lado, e, do outro, a criação artificiosa e antiquada da politica, não ha que hesitar. Se não é possivel sermos justos, fortes, nobres, intelligentes, senão deixando caír nos abysmos da historia essa coisa a que já se chamou nação portugueza, cáia a nação, mas sejamos aquillo para que nos criou a natureza, sejamos intelligentes, nobres, fortes, justos, sejamos homens, muito embora deixemos de ser portuguezes. Uma nação moribunda é uma coisa poetica: infelizmente a melhor poesia, em politica, não passa de uma politica mediocre. Chorar, recordar-se, ou ameaçar em sonoros versos, póde ser extremamente sentimental: mas não adianta uma polegada{39} os nossos negocios... Eu, por mim, pondo de parte toda a poesia e toda a sentimentalidade, contentar-me-hei de affirmar aos patriotas portuguezes esta verdade de simples bom senso: que, nas nossas actuaes circumstancias, o unico acto possivel e logico de verdadeiro patriotismo consiste em renegar a nacionalidade.

 

 

 

PREÇO 200 RÉIS






End of the Project Gutenberg EBook of Portugal perante a revolução de
Hespanha, by Antero de Quental

*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PORTUGAL--A REVOLUCAO DE HESPANHA ***

***** This file should be named 32873-h.htm or 32873-h.zip *****
This and all associated files of various formats will be found in:
        https://www.gutenberg.org/3/2/8/7/32873/

Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
of public domain material from Google Book Search)


Updated editions will replace the previous one--the old editions
will be renamed.

Creating the works from public domain print editions means that no
one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
(and you!) can copy and distribute it in the United States without
permission and without paying copyright royalties.  Special rules,
set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark.  Project
Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
charge for the eBooks, unless you receive specific permission.  If you
do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
rules is very easy.  You may use this eBook for nearly any purpose
such as creation of derivative works, reports, performances and
research.  They may be modified and printed and given away--you may do
practically ANYTHING with public domain eBooks.  Redistribution is
subject to the trademark license, especially commercial
redistribution.



*** START: FULL LICENSE ***

THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK

To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
distribution of electronic works, by using or distributing this work
(or any other work associated in any way with the phrase "Project
Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
Gutenberg-tm License (available with this file or online at
https://gutenberg.org/license).


Section 1.  General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
electronic works

1.A.  By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
and accept all the terms of this license and intellectual property
(trademark/copyright) agreement.  If you do not agree to abide by all
the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.

1.B.  "Project Gutenberg" is a registered trademark.  It may only be
used on or associated in any way with an electronic work by people who
agree to be bound by the terms of this agreement.  There are a few
things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
even without complying with the full terms of this agreement.  See
paragraph 1.C below.  There are a lot of things you can do with Project
Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
works.  See paragraph 1.E below.

1.C.  The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
Gutenberg-tm electronic works.  Nearly all the individual works in the
collection are in the public domain in the United States.  If an
individual work is in the public domain in the United States and you are
located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
are removed.  Of course, we hope that you will support the Project
Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
the work.  You can easily comply with the terms of this agreement by
keeping this work in the same format with its attached full Project
Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.

1.D.  The copyright laws of the place where you are located also govern
what you can do with this work.  Copyright laws in most countries are in
a constant state of change.  If you are outside the United States, check
the laws of your country in addition to the terms of this agreement
before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
creating derivative works based on this work or any other Project
Gutenberg-tm work.  The Foundation makes no representations concerning
the copyright status of any work in any country outside the United
States.

1.E.  Unless you have removed all references to Project Gutenberg:

1.E.1.  The following sentence, with active links to, or other immediate
access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
copied or distributed:

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever.  You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org

1.E.2.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
and distributed to anyone in the United States without paying any fees
or charges.  If you are redistributing or providing access to a work
with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
1.E.9.

1.E.3.  If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
with the permission of the copyright holder, your use and distribution
must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
terms imposed by the copyright holder.  Additional terms will be linked
to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
permission of the copyright holder found at the beginning of this work.

1.E.4.  Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
License terms from this work, or any files containing a part of this
work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.

1.E.5.  Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
electronic work, or any part of this electronic work, without
prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
active links or immediate access to the full terms of the Project
Gutenberg-tm License.

1.E.6.  You may convert to and distribute this work in any binary,
compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
word processing or hypertext form.  However, if you provide access to or
distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
form.  Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
License as specified in paragraph 1.E.1.

1.E.7.  Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.

1.E.8.  You may charge a reasonable fee for copies of or providing
access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
that

- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
     the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
     you already use to calculate your applicable taxes.  The fee is
     owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
     has agreed to donate royalties under this paragraph to the
     Project Gutenberg Literary Archive Foundation.  Royalty payments
     must be paid within 60 days following each date on which you
     prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
     returns.  Royalty payments should be clearly marked as such and
     sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
     address specified in Section 4, "Information about donations to
     the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."

- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
     you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
     does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
     License.  You must require such a user to return or
     destroy all copies of the works possessed in a physical medium
     and discontinue all use of and all access to other copies of
     Project Gutenberg-tm works.

- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
     money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
     electronic work is discovered and reported to you within 90 days
     of receipt of the work.

- You comply with all other terms of this agreement for free
     distribution of Project Gutenberg-tm works.

1.E.9.  If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
electronic work or group of works on different terms than are set
forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark.  Contact the
Foundation as set forth in Section 3 below.

1.F.

1.F.1.  Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
collection.  Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
works, and the medium on which they may be stored, may contain
"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
your equipment.

1.F.2.  LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
liability to you for damages, costs and expenses, including legal
fees.  YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
PROVIDED IN PARAGRAPH F3.  YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
DAMAGE.

1.F.3.  LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
written explanation to the person you received the work from.  If you
received the work on a physical medium, you must return the medium with
your written explanation.  The person or entity that provided you with
the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
refund.  If you received the work electronically, the person or entity
providing it to you may choose to give you a second opportunity to
receive the work electronically in lieu of a refund.  If the second copy
is also defective, you may demand a refund in writing without further
opportunities to fix the problem.

1.F.4.  Except for the limited right of replacement or refund set forth
in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.

1.F.5.  Some states do not allow disclaimers of certain implied
warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
the applicable state law.  The invalidity or unenforceability of any
provision of this agreement shall not void the remaining provisions.

1.F.6.  INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
with this agreement, and any volunteers associated with the production,
promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
that arise directly or indirectly from any of the following which you do
or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.


Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
https://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
business@pglaf.org.  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at https://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     gbnewby@pglaf.org


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit https://pglaf.org

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including including checks, online payments and credit card
donations.  To donate, please visit: https://pglaf.org/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.


Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.


Most people start at our Web site which has the main PG search facility:

     https://www.gutenberg.org

This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.