The Project Gutenberg EBook of Memoria sobre a cultura da Urumbeba e sobre
criação da Cochonilha, by Claude-Louis Berthollet

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Title: Memoria sobre a cultura da Urumbeba e sobre criação da Cochonilha

Author: Claude-Louis Berthollet

Release Date: June 26, 2012 [EBook #40093]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-1

*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIA SOBRE A CULTURA DA ***




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Cultura da Urumbeba





MEMORIA
SOBRE A CULTURA
DA
URUMBEBA,
E SOBRE A CRIAÇÃO
DA
COCHONILHA.

EXTRAHIDA POR M. BERTHOLET

Das Observações feitas em Guaxaca.

POR
M. THIERY DE MENONVILLE,

E Copiada do V. Tomo dos Annaes de
Chymica,
DEBAIXO DOS AUSPICIOS,
E ORDEM
DE SUA ALTEZA REAL
O
PRINCIPE N. SENHOR,
Por Fr. José Marianno da Conceição
Velloso.


LISBOA. M. DCC. XCIX.


Na Of. de Simão Thaddeo Ferreira.




SENHOR



O Extracto, que tenho a honra de apresentar a V. ALTEZA REAL, foi feito por M. Bertholet, Chymico Francez, de outra obra maior, composta por M. Menonville, que contém o resultado das suas Observações sobre a cultura do Nopal, como chamão os Mexicanos; ou da Urumbeba, como chamão os Brasilianos, e igualmente sobre a criação do Insecto da Cochonilha, quando só pelo fim de os examinar, e de os estabelecer em a Ilha de S. Domingos emprehendeo em 1777 a viagem a [IV] Guaxaca no interior do Mexico, auxiliado das graças do seu respectivo Soberano. Este mesmo extracto contém o juizo que por Ordem Ministerial fizerão os Chymicos Francezes, Bertholet, Desmarest, Fougeroux, o Abbade Tessier da Cochonilha, que o mesmo Naturalista estabeleceo em S. Domingos, a pezar da nenhuma correspondencia que tiverão os seus trabalhos.

Espero que, sendo esta Memoria espalhada pelo Brasil, e particularmente pelos póvos de Beira mar, que possuem tantos tratos arenosos, inuteis a toda outra planta, excepto esta, haja de produzir hum maravilhoso effeito no commercio Nacional, pela grande falta que se experimenta deste genero, assim na Europa, como na Asia. Que ella se dê bem nas areias, he hum facto da nossa Agricultura do Brasil; pois governando o Rio de Janeiro o
[V] Excellentissimo Luiz de Vasconcellos e Sousa, animou tanto a sua cultura nas freguezias que ficão pela praia ao Nórte da mesma Cidade, isto he, Taipú, Maricá, Saquarema, e Yraruama, de que se lembra a Relação do Inglez Stauton, que não só chegou a mandar grandes partidas para este Reino, compradas pela Real Fazenda, como tambem a dar hum tom de vida a estes ichthiophagos póvos, que só vivião dos peixes que pescão nas grandes lagoas, em cujas margens estão aquellas freguezias, e os vendem na Cidade. A longitude de 18 leguas, que ha entre as duas Cidades de São Sebastião e da Assumpção de Cabo Frio, sem contar o mais, e menos da largura, como roubada pela enfiada de lagoas, que se poderião cortar, e fazer navegaveis até ao Rio, sendo coberta de Urumbebaes, plantados, e cultivados em regra, quanta riqueza não [VI] deverião esperar de hum semelhante estabelecimento?

A latitude do Rio de Janeiro ao Sul, he a mesma do Mexico ao Norte. Deste se exportão todos os annos 880 mil arrateis, os quaes, segundo sabios calculadores Negociantes Hollandezes, lhe deixão o lucro de 15 milhões, e 50,690 libras Francezas. O que obrigou a dizer a hum Francez estas notaveis palavras. Este he o melhor elogio que se póde fazer dos cadaveres de insectos: ao qual se póde ajuntar: que elles são para o Mexico huma riqueza mais segura que as suas minas de prata: pois se dão muitos paizes, em que este metal abunda, e só o Mexico produz a Cochonilha. Se as latitudes são as mesmas, porque não rivalizaremos aquella rica producção? Isto será devido aos cuidados de V. ALTEZA REAL.

Ultimamente será esta obra precursora da mesma de M. de
[VII] Menonville, que fica já no prelo, e vai enriquecida de duas Monographias com figuras; huma da grande familia dos Cactos; e outra dos progalinsectos, chamados Cochonilhas, ou Coccos, e dos que lhe são affins, em ambas se acharáõ especies novas ainda não descriptas; a qual fará a III. Parte do II. Tomo do Fazendeiro do Brasil,

Beija o Supedaneo do Real Throno

DE V. ALTEZA REAL

o mais humilde Vassallo

Fr. José Marianno da Conceição Velloso.




EXTRACTO

DA OBRA

DE M. MENONVILLE

SOBRE A CULTURA

DA

URUMBEBA,

Cactus Coccinillifer,

E CRIAÇÃO DA

COCHONILHA.

Coccus Cacti




O Extracto desta obra parece estranho ao fim, que se propoz, quando se publicou esta collecção; mas a Cochonilha he hum objecto de tanta importancia ao commercio, e de tanto interesse ás Artes, que não deve ser indifferente a aquisição dos seus costumes, e dos cuidados, que requer a sua criação.

Além deste me obrigou outro motivo, o qual foi, ter achado nesta obra os fructos de huma generosa empreza, feita totalmente só pelo ardor de enriquecer as nossas Colonias de hum dom da natureza, o qual huma Nação estranha monopoliza.

Tendo os Hespanhoes observado que os Indios do Mexico se servião deste insecto, para pintarem as suas casas, e tingirem os seus algodões, attrahidos da belleza desta côr informárão a seu respeito o Ministerio, que passou ordens a Cortes [10] em 1523. de promover a multiplicação deste precioso insecto.

Reamur propoz ao Regente de França o transferir-se a Cochonilha para as nossas Colonias; mas este projecto não teve a sua devida execução. M. Thiery de Menonville, concebendo o novamente, sem se assustar dos empecilhos, que o poderião embaraçar, apenas acceitou a metade da consignação feita a este fim, isto he, 2 mil libras, reservando a outra ametade, outras 2 mil, para que, no caso que, por qualquer impedimento, visse frustrada esta sua primeira diligencia, podesse por huma segunda conseguir o seu proposto, e premeditado fim. Elle (conforme disse) se contentaria de sustentar a sua vida com pão, e agua.

Embarcou-se aos 21 de Janeiro de 1777 em o Porto do Principe, parando em Habana, chegou a Vera Cruz. Aqui se informou de que Guaxaca era o Lugar, em que a melhor Cochonilha se criava. Nada mais foi necessario para o decidir á empreza desta viagem. Mas, como Guaxaca lhe ficava em distancia de 70 leguas, e se não pode chegar a ella sem trepar montanhas inaccessiveis pela sua altura, atravessar rios caudalosos, e arriscados, e em huma palavra, só por caminhos pessimos: afóra isto ainda tinha de vencer o illudir a vigilancia dos multiplicados Satellites, e a desassocegada espreita [11] dos Governadores: nada disto, nem do Fysico, nem do Politico o intimida, e o faz parar: bem que se veja na precisão de empregar toda a sua manha nesta obra, quanta deve ter hum empreiteiro de natureza, ou politica, ou criminal. Principia pelos obsequiar sobremaneira a fim de os interessar. Rebuça o seu projecto com o gosto, e ardor que tinha pela Botanica, e com a necessidade, em que se via, pela sua má saude, de tomar banhos no rio da Magdalena distante de Vera Cruz algumas leguas. Mas, tomando caminho de Guaxaca, vio pela primeira vez a Cochonilha em Galatillan: palpita-lhe de alegria o coração; e logo se vê accommettido de reflexões amargurosas, que se entremisturárão com a embriaguez, ou transporte, em que se via. Como, dizia elle, poderei eu transportar hum animal tão debil, tão sujeito a machucar-se, e que, a primeira vez que cahir, se não apegará mais a sua planta! He impossivel que os abalos da cavalgadura em huma viagem de terra tão comprida não os acabe? Como poderei carregar as volumosas plantas, sobre que elles vivem? Como poderei eu isentallos das indagações, a que estão sujeitos?

Logo que chegou a Guaxaca, comprou caixões no paiz cubertos de Cochonilha, com pretexto de lhe serem necessarias para hum remedio contra a gotta. [12] Misturou com as Urumbebeiras outras plantas, e teve a felicidade de as poder trazer comsigo; porque julgarão que erão futilidades, que só podião interessar a hum botanico. Soffreo na sua viagem do mar hum grande temporal, que o obrigou a fundear em Campeche, donde elle apanhou plantas de hum Cacto, que póde servir de sustento a Cochonilha, e aportou em Porto do Principe aos 25 de Setembro do mesmo anno.

Empregou toda a sua actividade em estabelecer hum urumbebal, e em aprender os cuidados, que requer a criação das duas especies de Cochonilhas. Conhecia que a Cochonilha silvestre, ou bravia se criava em huma especie de urumbeba na mesma Ilha de S. Domingos.

Mas sua alma altiva, offendida, e ulcerada de ver que hum tão relevante serviço, como o que acabava de fazer, era tido em pouca monta, e como tal, muito mal correspondido, finalizou os seus dias de huma paixão em 1780.

O circulo dos Filadelfos, que a nenhuma outra circumstancia deve o seu estabelecimento, senão ao desejo de fazer uteis as nossas Sciencias a S. Domingos, ajuntárão os seus papeis, e os fizerão imprimir, e destes he, que eu agora tenho a honra de apresentar este resumo, ou Extracto, cingindo-me tão sómente ao que diz respeito á Cochonilha, e ás [13] urumbebas, que lhe servem de sustento.

Eu começarei, como o Author, fazendo conhecer as Urumbebas: ao depois passarei a fallar das duas especies de Cochonilhas: finalmente descreverei as experiencias comparativas, que fiz das duas Cochonilhas fina, ou metesca, e a Cochonilhas bravia do Mexico, e da que se cria em S. Domingos.


Cactos.



A Urumbeba he huma familia de plantas, muito numerosa em individuos; e particular d'America. Esta planta penetra a terra com huma raiz mestra mui profundamente; e ao mesmo tempo espalha quasi a flôr da mesma muitas raizes fibrosas, horizontaes, e de rojo, apenas enterradas huma pollegada. O seu verdor goza de varios matizes, segundo as suas diversas especies: a substancia he tenrissima, e carnosa, mas volta-se em hum durissimo lenho á força da velhice. He cheia do huma seiba mucilaginosa, que algumas vezes se extravasa, como uma gomma opaca, farinhosa, branca, ou amarella, que promptamente se enrija, e se dissolve como a gomma; mas que tem menor viscosidade, e tenacidade: suas hastes, ou tálos se levantão em arvores pelo nascimento successivo de outras hastes, que sahem [14] humas de outras, como ensartadas, ou unidas por articulações, mas a apparente solução de continuidade se desfaz pela idade da planta, e todas estas articulações desapparecem pelo crescimento das partes, de modo que as articulações dos Cactos, que são espalmados, ou chatos, se enchem, e se arredondão em troncos de arvore, em a qual se não distingue mais o menor rasto, ou signal do seu nascimento, da sua fórma primitiva, da posição de humas a respeito de outras. Dão-se arvores destas, que chegão a ter seis pés de circumferencia, e trinta ou quarenta de altura.

As articulações, ou ramos, que nascem em lançamentos cylindricos nos Cacteiros Opuncias, trazem nos ultimos, por hum ou dous mezes, folhinhas conicas, curvas, de huma ou duas linhas de alto, dispostas em quinconce, sobre linhas paralellas. Na axila destas folhinhas se acha posto hum feixe de sedas innumeraveis, subsistentes, quebradiças, mais, ou menos sahidas, espalhadas nos dous lados da articulação achatada. Ao redor deste feixe se vê em todos os Cactos achatados, á proporção da sua maior, ou menor cultura, 1, 2, 3, e ainda 12 espinhos de differentes cores, regulados estes pelas suas differentes especies, compridos de 6 até 30 linhas, agudos, sólidos, perigosissimos, quando pungem, e dispostos em rosa, ou em [15] molhos: do centro destes, e do feixe das sedas se vê sahir indifferentemente, ou a flôr, ou o garfo, que ha de continuar a haste. As sedas, que se enfeixão, nada mais são que as pontas dos espinhos das axillas das flores, ou dos garfos futuros, que já se achão, como em resumo, debaixo destes pontos quinconceaes armados de 2, 3, ou 20 espinhos da seiba precedente, e ellas farão, ao chegar a sua vez na seiba seguinte, o officio dos espinhos, que antecedentemente tem existido.

As flores sahem do topo de hum calis armado das mesmas sedas, e espinhos que os garfos: são brancas, vermelhas, amarellas, purpureas, carmezins, confórme as differentes especies: tem de 2 linhas até 6 pollegadas de grandeza. Os petalos tem algumas vezes o número de 10, 12, 18, redondos, ovados, oblongos, farpados, acuminados, algumas vezes mui abertos outras fechados, ou conniventes, passando, atravéz delles os estames, e pistillo, que os excede em longura, e talvez menores. Os Estames são aos centos, os filamentos em fio, algumas vezes deitados: a Anthera oblonga, e amarella, de huma grossura dobrada do filamento. O Estigma ás vezes em fórma de prego com a cabeça, ou topo fendido em tres, seis, ou mais partes.

Cahidas as partes da flôr, só fica o [16] calis com o germe: o calis se transfórma em huma baga oblonga, oval, muitas vezes redonda, como hum pomo, unilocular, cheia de polpa, que, quando madura, he branca, amarella, vermelha, carmezim, morada, purpurea, parda, ou verde, regulada pelas suas differentes especies. Aninhão-se nesta polpa as sementes, que tem a figura de hum rim, maiores que lentilhas, cobertas de huma casca negra, parda, esmigalhadiça, costracea, e cheia de hum pó branquissimo.

M. Linne ajuntou no Genero Cactus as plantas que Tournefort chamou Melocactus opuntia, as que Dillenio chamou Tuna, e as que Plumier chama Pereschia. Dividio este genero em tantas Secções, quantas erão as suas figuras exteriores, pela singularidade de suas differenças, conservando a cada huma destas plantas na sua Secção o nome especifico dos AA., que se acabão de nomear: por tanto dividio o genero dos Cactos em oiriçados, cacteiros melões, cirios angulosos rectos, cirios angulosos de lastro, ou de rojo, e em opuncias, ou comprimidos, e de artigos proliferos.

Nesta Secção ultima he, que se achão os Cactos, em que até aqui se encontra a Cochonilha bravia, e nos que se póde criar a fina. Contém hum grande número de especies muito differentes de todas, as que tem sido descritas pelos Botanicos; [17] porém o A. não teve tempo, nem liberdade, de as descrever, nem meios de as trazer comsigo do Mexico. Por tanto hiremos sómente apontar as especies, cujo conhecimento he mais interessante em razão da sua relação com a Cochonilha.

A Tuna de Dillenio, a qual os Hespanhoes de Vera Cruz chamão Tuna, e os Colonos de S. Domingos chamão Raquetas da borda do mar. (Raquetes des bords de mer.) rara vez cresce em arvore: as suas articulações são sólidas, espessas, rijas, de hum verde gaio, tirante a verde mar: seus espinhos amarellos. Continuamente se vêm nellas em Vera Cruz as Cochonilhas silvestres.

A Pereschia, conhecida em S. Domingos pelo nome pata de Tartaruga, existe no Mole de S. Nicoláo, e na planicie de Cul de Sac de S. Domingos: he muito espinhosa, e da idade de 3 ou 4 annos se faz huma arvore: suas articulações são menores que as das outras, mas o tronco he provido de formidaveis espinhos, que são muito mais compridos, e em maior quantidade que os da Tuna. A Cochonilha silvestre se acha sobre esta Opuncia, e sobre ella foi, que o Author a descobrio em S. Domingos no seu regresso do Mexico. Ella a prefere a Tuna; pelo facto de S. Domingos, onde abandonou a ultima.

O Author trouxe de Campeche huma [18] especie de Opuncia commua em as Antilhas: este Cacto he pouco armado nas suas articulações, e nos garfos tem hum, ou dous espinhos: as novas articulações rara vez os tem: são oblongas, perfeitamente lisas, de hum verde sombrio, e mui lustroso nas adultas, e de hum verde claro nas articulações novas: Cresce como arvore. A Cochonilha silvestre se cria muito bem nesta Opuncia, que tem a mesma vantagem de poder tambem criar a Cochonilha fina, quando se pertende sómente semealla, ou entretella: porque nella se multiplica muito pouco, para que se possa ter em vista fazer alguma colheita em termos.

A Opuncia, que os Colonos chamão Raqueta Hespanhola, he huma grande especie, articulada, em forma ovada, cujas hastes crescem em arvore; seus garfos são sómente armados de seda, com hum, dous, ou tres espinhos curtos. A Cochonilha silvestre se cria muito bem sobre esta especie de Opuncia.

O Author dá o nome de Nopal silvestre a huma Opuncia, que he a especie dominante nos campos do Mexico: levanta-se em arbustos de 18 a 20 pés de alto: suas articulações são redondas na cabeça; e todos os garfos armados de rosas de espinhos brancos, curtos, que se entrelação huns com outros, e embaração absolutamente applicarem-se os dedos na superficie [19] desta articulação. Esta especie serve muito bem de sustento á Cochonilha silvestre.

As Opuncias, que sustentão melhor a Cochonilha, que as precedentes, são a verdadeira Urumbeba do Jardim do Mexico, e a Urumbeba de Castella; a Cochonilha silvestre nella fica tamanha, como a Cochonilha fina, e he nella menos algodoenta que nas outras especies de Cacteiros: o seu algodão he tão bem menos tenaz, mais frôxo, e mais espalhado.

A Urumbeba dos Jardins de Mexico, da qual o A. não vio, nem as flores, nem os fructos, tem as suas raizes de hum pardo acinzentado com longes, ou laivos de amarello, e que ficão lenhosas com a idade: levanta-se em arvore, como a maior parte das Opuncias: as suas articulações são de huma fórma oblonga e oval: tem huma superficie macia ao tocar, de hum verde sombrio nas adultas, e verde claro e luzidio nas novas: os garfos são armados de hum, dous, ou tres espinhos desiguaes no tronco da planta.

A Urumbeba de Castella he a melhor das Opuncias: dão-lhe este nome para caracterisar a sua belleza pelo costume, em que estão no Mexico, de applicar huma idéa de nobreza ao nome de Castella: as suas articulações tem algumas vezes 30 pollegadas de comprimento, e 12 e 15 de largura.

[20] O Author diz que a experiencia tem approvado que a côr vermelha, violete, amarella, ou branca dos fructos das Opuncias differentes não prestão, nem offendem a côr da Cochonilha, que se sustenta nestes Cactos, nem he huma causa, ou indicio da sua aptidão maior, ou menor em sustentar este insecto.

M. Thiery de Menonville, arranja por este modo as Opuncias pela propriedade, que ellas tem de sustentar a Cochonilha silvestre: põem a Tuna em o mais baixo gráo, ao depois a Pereskia, ao depois a Opuncia de Campeche, o Nopal silvestre, a Raqueta Hespanhola: e finalmente a verdadeira Urumbeba do Jardim de Mexico: e no ultimo e supremo lugar a Urumbeba de Castella: com tudo não he este o unico alvo, a que se deve olhar nas Opuncias: as que são muito espinhosas se oppõem á colheita da Cochonilha, e devem ser rejeitadas, ainda que sejão proprias a nutrillas; por esta razão não podem servir as Tunas, as Pereskias, o Nopal silvestre do Mexico, de sorte que he preciso limitarem-se a Opuncia de Campeche, a Raqueta Hespanhola, a verdadeira, e a Urumbeba de Castella.

A Cochonilha fina não póde viver sobre todas as Opuncias: morre nas Tunas, nas Pereskias, nas Raquetas Hespanholas: mas nutrem se sobre a Opuncia de Campeche, ainda que mais espinhosa que a Raqueta [21] Hespanhola: todavia ella só se póde criar sobre a Urumbeba dos Jardins de Mexico, e sobre a de Castella.

Logo que se pertende criar a Cochonilha, he preciso começar se por estabelecer hum viveiro de Urumbebas, ao qual se dará o nome de Urumbebal.

M. Thiery de Menonville, dá huma instrucção muito extensa e mui circumstanciada ácerca da natureza do terreno, que convém a hum rendoso Urumbebal, e aponta todos os cuidados, que se requerem, assim para o seu estabelecimento, como para a sua mantença.


Da Cochonilha silvestre, e da Mesteca.


Plinio, e outros antigos tinhão dado o nome de Coccus á côr vermelha, que se tira do Kermes, e a este mesmo insecto, que olhavão, como o grão da arvore, em que se propagava.

Linne reteve o nome de Coccus para designar esta familia de insectos hemipteros, cuja cabeça he hum ponto na superficie do peito, e o abdomen acaba em pequenas sedas: cuja femea carece de azas, tendo o macho todavia duas levantadas. Abrangeo neste genero 22 especies, em cujo número entra o Kermes, o Cocco de Polonia, o Cocco do Cacto Cochinilheiro, que produz a Cochonilha.

[22] Além das 22 especies descriptas por Linne, M. Thiery de Menonville, descreve huma Cochonilha aptera, que se encontra em muitas especies de arvores de S. Domingos, que forão reputadas pelo Padre Labat, Plumier, Nicolson, e outros pela Cochonilha de Mexico.

Parece que os Naturalistas, até agora, não tem conhecido a Cochonilha silvestre, pois que só descrevérão as que ficão ditas acima; mas, antes de determinar as differenças da Cochonilha mesteca, e da silvestre, he preciso considerar se a Cochonilha em geral.

A Cochonilha he hum Cocco que habita no Cacto cochinilheiro: a femea tem o corpo chato da parte do ventre, e abaulado, ou emisferico pela parte das costas, as quaes são raiadas por listras transversaes, que acabão no ventre, formando nelle hum beiço, ou margem dobrada, das quaes a superior he menor: toda a pelle he de huma côr parda de sombra, a bocca nada mais, que hum ponto, que sahe do meio do arcabouço, ou thorax: tem 6 pés, pardos, curtissimos, e nada de azas. O macho tem o corpo alongado, de huma côr vermelha, escura, coberto de duas azas horisontalmente abatidas, e algum tanto encruzadas sobre o dorso, ou costas: tem duas pequenas antennas; a cabeça menor hum terço, que o corpo; o abdomen terminado por duas [23] sedas posteriores, e, do mesmo modo que as antennas, divergentes: tem igualmente 6 pes, porém maiores que os da femea: não tem hum vóo continuado, mas de pousa lousa em voltas, saltando raramente. Em Mexico chamão á Cochonilha Grana da palavra Hespanhola, que faz lembrar o erro dos antigos, que julgavão ser este insecto hum grão produzido por hum vegetal.

Julga-se que a Cochonilha silvestre se acha em a Urumbeba silvestre, e na Tuna do Mexico; mas cria-se tambem nas hortas, nas verdadeiras Urumbebas, que não tem espinhos. M. Thiery de Menonville, ao depois de ter aprendido a conhecella no Mexico, as veio encontrar em S. Domingos no Cacteiro Pereskia.

As pequenas Cochonilhas silvestres são contidas no seio da Mãe em figura de ovos ensartados pelo embigo, huns ao depois dos outros, na placenta commum. Quando a prenhez chega ao seu termo prefixo pela Natureza, estas contas se desenfião grão por grão: e a Mãe figura então em vivipara: porque os filhos sem dúvida deixão na passagem o véo, em que estão contidos debaixo da apparencia de ovos; e sahem á luz, como animaes vivos perfeitamente organisados: neste tempo serão do tamanho da cabeça de hum alfinetesinho: o macho he menor hum terço que a femea: parece ser alguma [24] cousa mais comprido: tem as sedas muito curtas, e em menor quantidade que a femea, que tem doze pares em a margem dobre, que termina as costas no ventre: os filhos se demorão já em baixo do ventre da Mãe, já nas costas por dous ou tres dias, e algumas vezes estão pendurados por baixo do abdomen, em figura de hum pequeno cacho de uvas, por oito dias, principalmente quando ha tempestades, ou chuvas: em fim, ou; porque o cordão, que retem os filhos, esteja secco; ou porque obrigados pela fome possão romper este vencelho, ou atilho, correm pela planta: e esta he a unica vez, em todo o tempo da sua vida, que caminhão as femeas. Chegados, que sejão, as articulações da Urumbeba desde o mesmo dia, ou, quando tarde, no seguinte, estes pequenos insectos se fixão e cravão sobre o reverso da folha, ou articulação, que o seu instincto lhe fez escolher: preferem a todos os outros as articulações mais novas, isto he, das seibas precedentes, e se vem, principalmente, escolher o lado da articulação, que olha para Oes-Sud'Oeste, para evitar os golpes de vento do Nordeste, e sobretudo, a força da briza de Leste sempre igualmente regular, e violenta no Valle de Guaxaca.

As novas Cochonilhas se fixão nas articulações da Urumbeba, cravando seu bico assovellado em a casca: se este delicado [25] fio se quebra, morre a Cochonilha, sem que lhe seja possivel agarrar-se com os pés, e tornar a cravar de novo em a planta esta sorte de tromba, para lhe chupar o succo gommoso, que serve de seu sustento. O corpo da femea se cobre por toda a sua superficie de hum certo algodão fino, e pegajoso, o qual se estende por toda a sua circumferencia, menos no arcabouço pelos seus movimentos. Em quanto ao macho, este abandona a sua coberta no fim de hum mez, e se manifesta em feição de huma pequena mosca, formosa, de huma côr affogueada carregada, elle se arremeça, dando voltas, e saltos até á altura de 6 pollegadas embusca da femea: topando-a, a fecunda, e morre: a femea se emprenha, pare no fim de hum mez: este he tambem o termo da sua vida.

A Cochonilha silvestre, pousada huma vez em a Urumbeba, se perpetuaría nella, sem que houvesse mister outro cuidado, e nella se multiplicaria até cansar, e esvair a planta, cujas articulações se apodrentarião e cahirião successivamente, humas depois de outras, no caso de que senão tivesse o cuidado de as tirarem, ou colherem de dous em dous mezes.

Para se embaraçar a degeneração do insecto, que aconteceria, deixando-o estar amontoado em qualquer Urumbeba esvaida; e pelo contrario: para se manter huma bella [26] qualidade; e ainda, para se aperfeiçoar ou melhorar a sua raça, e precaver a ruina e estrago da planta, se faz preciso proporcionar sempre a sua força e vigor com a quantidade da Cochonilha, que nella se cria, e habita. He mister apanhalla radicalmente todos os dous mezes, e alimpar a planta do algodão, que ellas deixão, esfregando a toda com hum pano molhado, que o tire. Por este meio fica livre assim dos ovos, como das chrysalidas dos insectos destruidores, que podem muito bem estar apegados, e occultos no algodão da Cochonilha.

Sería impossivel recolher a Cochonilha silvestre, que existe sobre a Opuncia espinhosa com proveito; os obreiros, que tem maior arte, e mestria, não pódem colher por dia huma tal quantidade dellas, que lhes haja de dar, ao depois de seccas, duas onças; pela difficuldade de as tirar d'entre os espinhos: e com tudo hum só obreiro póde colher quantidade, que lhe renda, ao depois de seccas, tres arrateis por dia, quando as tirar a Urumbeba das hortas. Tambem he sabido que se melhora, e aperfeiçôa sobre a Urumbeba por meio da multiplicidade de colheitas, e semeaduras; e pela bondade da planta, em que ella pérde muito da sua quantidade, e da tenacidade do seu algodão, e constantemente se faz mais grossa outro tanto, quanto se não encontra nas que [27] vivem sobre as Opuncias espinhosas, assim nos matos, como nos campos. He por tanto mister, para se poder conseguir a melhor Cochonilha silvestre, semealla de dous em dous mezes, tanto quanto consentir a constituição das estações, ou quadras do anno, sobre a Urumbeba das hortas, e desprezando se todas as outras especies de Opuncias. Porém, quando se não tem huma grande quantidade da sobredita Urumbeba, neste caso se semeará, e creará na Opuncia de Campeche, e tambem na Raqueta Hespanhola.

Dizem, semear a Cochonilha (como se ella fosse algum grão) quando espalhão os pequenos insectos, pela planta, que a deve criar, e sustentar.

O Urumbebal põe-se em estado de poder acceitar os insectos, para os manter ao decimo outavo mez depois de plantado. Semeão-se, como dizem, as Cochonilhas em ninhos feitos da parenchyma das folhas da palmeira: em cada ninho se põe de 4 até 6 mães, quando estiverem proximas ao seu parto, proporcionando se o número dos ninhos, e o das mães ao das articulações da Urumbebeira: fixão-se os ninhos nas axillas dos ramos, tendo-se o cuidado, de que fiquem expostas ao Sol de nascente.

Passados dous mezes, depois que as Cochonilhas forão semeadas, e precisamente hum mez, depois das mães serem [28] fecundadas, se vem sahir algumas pequenas Cochonilhas do seio de suas mães: este he o momento, em que se devem escolher para fazer a colheita. Passa se o ferro, ou folha de huma faca, que tenha o fio embotado, e arredondado entre a casca da Urumbeba, e as pinhas da Cochonilha, que a cobre: fazem se cahir em hum panno de linho, ou em alguma vasilha prompta a recebella. Quando a colheita estiver feita, se mergulha a Cochonilha, mettida em dous pannos, dentro da agua fervendo, por dous ou tres minutos: estendem-se ao depois em taboas, ou taboleiros: ou, o que he muito melhor, em bacias de arame: expõe-se ao ardor do Sol, para se assegurarem melhor da sua dessecação, e se repete por segurança ainda outra vez no outro dia. Este methodo he muito melhor, e preferivel ao do forno, e ferro quente, pelo inconveniente de huma dessecação desigual, e de calcinar, ou torrar as partes, que immediatamente o tocão. Mr. Thiery de Menonville assegura que, na sua viagem, não víra praticar outro methodo fóra do d'agua fervente em ambas as especies de Cochonilhas.

A Cochonilha fina não se encontra nos campos, ou matos do Mexico, e só sim nas casas, e hortas dos Indios, que a colhem.

As femeas pequenas desta especie tem as costas listradas com rugas transversaes, [29] que terminão na aba dobrada do ventre, e sobre a qual se vêm doze pequenas sedas, que desapparecem nos adultos. Dez dias, ao depois do nascimento, as femeas se despem destas roupas franjadas, e bordadas de pequenas sedas, e se cobrem de hum pó branco muito fino, que as preserva da humidade; 20, ou 25 dias, depois do seu nascimento, se despojão das suas segundas roupas, operação que muitas vezes lhe causa a morte, então ellas apparecem de huma côr parda clara; mas no dia seguinte se achão já cobertas de pó: 3, ou 4 dias depois, estão habeis a serem fecundadas. Ellas se engrossão ao dobro quasi da Cochonilha silvestre.

O macho da Cochonilha fina he perfeitamente semelhante ao macho da Cochonilha silvestre, menos em ser a sua grossura dobrada.

O Author discute a questão: se a Cochonilha fina he da mesma especie da silvestre, aperfeiçoada porém por hum sustento melhor, e pelos cuidados da cultura? ou se ellas fórmão duas especies essencialmente distinctas? A grossura, que adquire a Cochonilha silvestre, quando se cria, e a diminuição, que experimenta o seu frouxel, ou pluma algodoada: assim como a pequenhez, a que se reduz a Cochonilha fina, quando lhe falta o sustento conveniente, parece que dão muito pezo á primeira opinião; com tudo, o [30] Author acha que estas razões não bastão para a solução deste problema interessante, requer para a qual novas observações.

Devem observar-se tres circumstancias essenciaes na creação da Cochonilha fina.

I. Convém, quando as semeão, escolher para cada huma das novas gérações, as mães mais bellas, e mais grossas.

II. Precisa que sejão semeadas em os melhores Urumbebaes.

III. Cumpre que sejão recolhidas na estação das chuvas, para hum lugar coberto, e multiplicallas nelle, até que voltem as seccas, para semeallas em o ar livre. Deve se tambem acautellar, que a Cochonilha silvestre se misture, e se confunda com a fina, e para isto se faz indispensavel, que estejão humas das outras distantes cem varas, dando a vantagem do lugar do nascente á Cochonilha fina. A temperatura do ar, que melhor lhe convém, he a de 12 até 20 gráos do termometro. No Mexico se fazem tres colheitas no bom tempo.

Mr. Thiery de Menonville não póde conseguir huma instrucção certa do methodo, que se emprega no Mexico, para conservar a Cochonilha pelo inverno: com tudo convenceo-se por algumas razões, que lhe parecêrão fortes, que se conservão nas mesmas Urumbebas, cobrindo-as com esteiras. Elle aconselha hum methodo [31] excogitado por elle, e tambem experimentado. Prescreve a construcção de huma alpendrada, coberta de caixilhos, que se desção no tempo das aguas, e que se levantem quando o tempo estiver bom; e de se plantar debaixo desta alpendrada Urumbebeiras, cuja terça parte seja destinada successivamente em manter a Cochonilha os seis mezes das aguas.

O preço da Cochonilha fina excede em hum terço ao da Cochonilha silvestre. Além disso: duas Urumbebeiras de igual grandeza, carregadas ambas, huma da Cochonilha fina, outra da bravia: esta dará hum terço menos em pezo, que aquella, que o dará mais forte.

O Author compára as despezas da cultura, que a Cochonilha requer no Mexico, com o preço da mão d'obra ordinaria em S. Domingos, e conclue da facilidade, em que vivem alguns Indios, aos quaes pertence principalmente esta producção, que esta grangearia, ou cultura se poderia estabelecer com muita vantagem em S. Domingos; e tanto mais, quanto os Indios do Mexico tem pouca actividade, e que os multiplicados monopolios os privão de huma grande parte da producção da venda da Cochonilha na Europa.

Á primeira vista a Cochonilha fina parece apresentar grandes vantajens ao Granjeiro sobre a Cochonilha silvestre: mas, attendendo-se que a criação da ultima requer [32] muito menos trabalho; que o frouxel, que a cobre, a defende das chuvas, dos temporaes, os quaes muitas vezes causão grandes prejuizos á Cochonilha fina; e que ella póde ser colhida seis vezes no anno, e que neste comenos, na estação das chuvas, não ha producto algum da Cochonilha fina; e que a final sendo preciso muito menos despeza para o estabelecimento, que ella requer, se concluirá: que as vantajens de huma, e outra se compensão, e equivalem: e tambem, que os Colonos pobres devem dar preferencia á grangearia da Cochonilha silvestre; por que esta lhes póde apresentar hum precioso soccorro, ou recurso.

Ao depois da morte de M. Thiery de Menonville, pereceo a Cochonilha fina, que elle criava em o Jardim do Porto do Principe; mas M. Bruley, substituto do Procurador geral, cheio de zelo, não querendo que se perdessem todos os fructos das emprezas de M. Thiery de Menonville, formou hum Urumbebal, com os fragmentos do seu plano, e nelle criou a Cochonilha silvestre. Em 1788 escreveo que o seu Urumbebal já lhe podia dar huma colheita de cem libras de Cochonilha secca, se huma molestia o não embaraçasse de aproveitar a bella estação.

M. Bruley communicou o grão da Cochonilha silvestre ao circulo dos Philadelfos, que começou em 1785 a occupar-se na criação deste insecto precioso.


[33]
Comparação da Cochonilha mesteca, da Cochonilha
silvestre, e da que se cria em
S. Domingos.


Fazendo-se digerir no alcohol o extracto, que a decocção da Cochonilha dá por evaporação, as partes colorantes se dissolvem, e deixão hum residuo, que retém unicamente a côr da borra, ou pé do vinho, a qual o novo alcohol não lhe póde tirar. Esta parte dá na analyse pelo fogo os productos das substancias animaes.

O alcohol da Cochonilha deixa por evaporação hum residuo transparente, que he de hum vermelho escuro, e que secco parece huma resina. Igualmente por distillação dá os productos das substancias animaes, o que confirma que esta parte colorante he huma producção animal.

Entretanto a decocção da Cochonilha entra difficultosamente em putrefacção: tenho-a conservado por mais de dous mezes ao ar livre, e em hum frasco fechado. A primeira, passado este espaço de tempo, não apresentou indicio algum de putrefacção; a segunda tinha hum leve cheiro putrido. A primeira se turvou nos primeiros dias; e deixou no filtro hum depósito arroxado pardo, devido á combinação do Oxigeno com as partes colorantes, conforme as observações de M. de Fourcroy; a segunda conservou por muito [34] tempo a sua transparencia, e provavelmente a perdeo pelo effeito do principio de putrefacção, que experimentou. A cor de huma e outra se mudou para Carmesim; mas a da primeira era mais fraca; porque huma grande parte das moleculas colorantes se tinha precipitado.

Ao depois da morte de M. Thiery de Menonville, a Cochonilha mesteca, que tinha trazido, acabou, como acima se disse; mas, occupando-se M. Bruley com muito cuidado em criar a Cochonilha silvestre: e em 1787 enviou huma grande quantidade desta ao Ministro da Marinha com huma Memoria Ensaios da Cultura do Nopal, criacão e preparação da Cochonilha. A Academia das Sciencias encarregou a MM. Desmarest, Fougeroux, o Abbade Tessier, e a mim de examinarmos esta Cochonilha, e a Memoria, que a acompanhava.

Resultou dos ensaios da tinta, que fizemos em casa de M. Moneri, proprietario de huma manufactura de Escarlate nos Gobelins, que a Cochonilha, remettida por M. Bruley, dava ao panno a mesma côr, que a Cochonilha mesteca, com tanto porém que se lhe augmentasse a quantidade na proporção de 12 a 5.

M. Bruley fez huma segunda remessa da Cochonilha, colhida em 1788, e voltárão os mesmos commissarios a serem de novo incumbidos do seu exame. Por outro [35] methodo vierão a obter com pouca differença os mesmos resultados, que tiverão com a primeira Cochonilha.

Por se terem repetido os ensaios, que se fizerão em commum, fazendo entrar em comparação a Cochonilha silvestre do commercio, contentar-me hei agora de fallar das minhas ultimas experiencias.

A decocção da Cochonilha silvestre tem o mesmo matiz que a Cochonilha de S. Domingos. Este matiz tira mais para o Carmesim que o da Cochonilha mesteca: mas os precipitados, que della se obtem, quer pela dissolução do estanho, quer pelo alume, são de huma côr perfeitamente igual á da Cochonilha mesteca, e estes precipitados são, os que colorão as substancias, que se tingem, combinando-se com ellas.

Já disse em a minha Memoria sobre a branqueação (Ann. Chym. Tom. II.) que M. Wat se servira da decocção da Cochonilha, para determinar a força do Acido muriatico oxigenado pela quantidade desta decocção, que elle pode destruir: eu fiz ás avessas, e me servi do ácido muriatico oxigenado para determinar a proporção de partes colorantes, que as decocções de differentes Cochonilhas continhão. Fiz ferver por tanto, por huma hora, hum igual pezo de cada huma das tres Cochonilhas, fazendo-lhe todas as circumstancias tão iguaes, quanto me fosse possivel: [36] lancei cada huma destas tres decocções filtradas em hum cylindro de vidro graduado, e lhe misturei o mesmo ácido muriatico oxigenado, até que todas as tres fossem levadas ao mesmo matiz amarello. As quantidades do ácido, que representão as partes colorantes, se acharão quasi o mesmo em razão dos números seguintes: 8 para a Cochonilha de S. Domingos, 11 para Cochonilha silvestre do commercio, 18 para Mesteca.

Disto se vê que a Cochonilha de S. Domingos he, não sómente muito inferior á Cochonilha mesteca, mas tambem á Cochonilha silvestre do Mexico, e effectivamente muito mais algodoada, e mais pequena; mas estas desavantagens não devem diminuir o zelo, dos que se occupão nesta criação.

As observações de M. Thiery de Menonville tinhão já mostrado que a Cochonilha silvestre perdia seu algodão, e se fazia mais grossa por huma successão de gérações cuidadosas: e nos princípios forão obrigados a empregar as urumbebas, que não tinhão chegado á sua grossura ordinaria. Ha por tanto lugar de esperar que a Cochonilha de S. Domingos poderá vir a ser, havendo hum cuidado effectivo, tão boa, como a Cochonilha silvestre do Mexico, e póde ser que ainda a exceda; mas sempre lhe será inferior em quanto a quantidade de partes colorantes: [37] mas não sería huma razão bastante, para se desprezar o adiantamento de hum ingrediente tão precioso ás tinturarias.

Relativamente a qualidade da côr, se vio que a Cochonilha de S. Domingos não cedia em cousa alguma a Mesteca; mas se o algodão, de que ella se reveste, póde prejudicar nas operações em grande a belleza do escarlate, do qual a vivacidade se póde mui facilmente alterar, se acharia huma applicação vantajosa para elle assim nos meios escarlates, como nos carmezis, e em outros matizes, que são menos delicados, que as côres mais vivas.

Mr. Bruley indagou os meios de poder separar o algodão da Cochonilha de S. Domingos; porém ficavão-lhe muitas partes colorantes nos seus residuos, o que parece dever-se principalmente ás pequenas Cochonilhas, que ficaráõ adherentes ao algodão.

As opiniões, que Mr. Bruley expoz na sua Memoria, não concordão algumas vezes com as de Mr. Thiery de Menonville: e he natural que observações encontradas requeirão conhecimentos mais exactos ácerca de hum objecto, que para nós he tão novo, mas sobre isto se deve esperar que as diligencias do circulo dos Filadelfos, e as de Mr. Bruley nos hajão bem depressa de fazer, que nada tenhamos mais que desejar a este assumpto.

[38] He muito difficultoso fazer huma idéa da utilidade, que nos póde dar esta Cochonilha de S. Domingos, que possue tão ricas producções. Mr. Thiery de Menonville a olhava, como hum soccorro precioso, para aquellas partes da Ilha, cujo terreno ingrato recusa outro genero de grangearias; e para aquelles pobres Colonos, que não podem fazer as despezas necessarias ás outras producções. Mr. Bruley ainda he mais favoravel as vantagens, que se póde esperar da Cochonilha; mas o circulo dos Filadelfos se absteve de proferir o seu parecer; e não julga que se deva dizer ainda cousa alguma.

As tentativas feitas merecem ser proseguidas, e favorecidas com tanto maior empenho, com quanto tem por seu objecto hum ramo de tanta importancia para o commercio, como este; e com quanto huma industria illuminada sabe tirar grandes proveitos sobre huma ignorante indolencia.

FIM.





METHODO

DE PREPARAR

A

COCHONILHA

NO RIO DE JANEIRO,

SEGUNDO

STAUTON,


Secretario, e Author da Relação da Embaixada
á China do Lord Macartnei.



[41]


O Proveito que os Portuguezes tirão da Cochonilha no Rio de Janeiro he pouco consideravel, em consequencia de hum erro na sua preparação. Duas ou tres vezes cada semana, os escravos destinados a este objecto, buscão as plantas Cactus, e com huma varinha de Bambú, cortada de algum modo na figura de huma penna, tirão todo o insecto plenamente crescido com muitos outros, que ainda não tem chegado ao seu estado de perfeição: a consequencia disto he, que as plantas nunca tem a metade dos insectos, que podião sustentar, pois que muitas das femeas, morrem antes de terem feito os seus depositos. Os Naturaes do Mexico seguem hum methodo muito differente. Logo que passão as chuvas periodicas, e que o tempo he mais quente, e mais secco, fixão nos bicos das folhas do Cactus pequenas porções do mais fino musgo, servindo como de ninhos, capaz cada hum de encerrar dez ou doze Insectos femeas, no [42] seu estado de pleno crescimento. Estes Insectos no decurso de poucos dias, produzem huma innumeravel familia de pequeninos, que se espalhão pelas folhas, e ramos da Planta, até que se fixão naquelles pontos, que achão mais proprios a dar-lhe succo nutritivo; onde crescendo em pouco tempo o mais a que podem chegar, ficão immoveis, e então se tirão para uso; deixando sempre hum número sufficiente, para a producção de novas criações. Hum muito simples processo converte em pouco tempo os Insectos em Cochonilha; mas se, em soffrimento corporeo, o pobre Escaravelho sente tormento igual ao do Gigante, quando morre, este processo não he mais simples, do que he cruel. Apanhão-se os Insectos em huma taça de madeira, e daqui se estendem espessamente sobre hum prato chato de barro, e assim vivos se põem sobre fogo de carvão de lenha, onde se vão lentamente torrando, até desapparecer a coberta cheia de penugem, e que os succos aquosos do animal estejão totalmente evaporados. Em quanto dura esta operação, mechem-se continuamente com huma colher grande de estanho os Insectos, e algumas vezes se borrifão com agua, para prevenir que de todo se torrem, o que destruiría a côr, e reduziría o Insecto a carvão; mas pouco habito basta para ensinar, quando se devem tirar do lume. [43] Ficão então na fórma de grãos redondos, escuros de alguma sorte, vermelhos, e tomão o nome de Cochonilha, conservando tão pouco a fórma original do Insecto, que esta preciosa tintura foi por muito tempo conhecida, e buscada na Europa antes dos Naturalistas decidirem, se era substancia animal, vegetal, ou mineral. O Jardim do Rio de Janeiro não produz annualmente mais do que trinta arrateis desta fazenda: com tudo, tendo bom trato, este mesmo número de plantas podia produzir dez vezes esta quantidade. Em Maricá, e Saquarema, ambos lugares contiguos ao Cabo Frio, ha plantações consideraveis do Cactus, que facilmente se augmentão com garfos da mesma, plantados na estação fria, e chuvosa, ainda que depois medrão menos, quando não expostas ao Sol. Os Insectos crião, e colhem-se em tempo secco desde Outubro até Março. Animou-se a preparação da Cochonilha, deixando livre este ramo de commercio, que antigamente era hum monopolio da Coroa[1].



FIM.





ADVERTENCIA.



Os Brasilianos dividião a familia dos Cactos, ou Cacteiros em duas, aos que tinhão a folha chata e espinhosa, a que os Botanicos dão geralmente o nome de Opuncias, chamavão Ju-ro beba, de espinho, oba, folha ou vestido beba chata, o qual por corrupção se diz Urumbeba; e aos que erão esquinados a que os Botanicos com Jussieu chamárão Cirios, pela configuração com as tochas quadradas, davão o nome de Ju-macarú, e hoje Nanacurú, e nesta familia ha huma que dá hum fructo delicioso. Na obra grande, que traduzimos de M. de Menonville, nos esforçaremos em fazer vêr todas as especies, que encontrámos no Brazil. Aqui sómente daremos a figura do Cacto Cochinilheiro, copiada da que traz Dillenio no Horto Elthamense, que he a cilanda por Linne, como tambem a da Cochonilha, e reservamos para a outra dar a Estampa de Menonville.



Notas:

[1] A Coroa nunca monopolisou este genero: só o comprava por hum maior preço, para animar os moradores á sua cultura.





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sobre criação da Cochonilha, by Claude-Louis Berthollet

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number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
http://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
business@pglaf.org.  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at http://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     gbnewby@pglaf.org


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit http://pglaf.org

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including checks, online payments and credit card donations.
To donate, please visit: http://pglaf.org/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.


Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.


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