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Rita
Farinha (Novembro 2012)
MEMORIA
SOBRE O
MELHORAMENTO DA CULTURA DA BEIRA
E DA
NAVEGAÇÃO DO MONDEGO
POR
D. Antonio d'Almeida
ALFERES DO EXERCITO
COM O CURSO COMPLETO DE ENGENHARIA
EM COMMISSÃO HYDROGRAPHICA
NO CONCELHO DE MONTEMÓR O VELHO.
Dezembro de 1857.
COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1858.
MEMORIA
SOBRE O
MELHORAMENTO DA CULTURA DA BEIRA
E DA
NAVEGAÇÃO DO MONDEGO
MEMORIA
SOBRE O
MELHORAMENTO DA CULTURA DA BEIRA
E DA
NAVEGAÇÃO DO MONDEGO
POR
D. Antonio d'Almeida
ALFERES DO EXERCITO
COM O CURSO COMPLETO DE ENGENHARIA
EM COMMISSÃO HYDROGRAPHICA
NO CONCELHO DE MONTEMÓR O VELHO.
Dezembro de 1857.
COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1858.
Um grande numero de rios da Europa, que antigamente
corriam placidos entre as suas margens,
appresentam hoje um curso extremamente irregular;
as suas inundações formidaveis causam nos valles,
que deveriam fertilisar, desastres, cuja repetição deu
o alarme ás povoações marginaes.
O Sena, o Loire, o Saone, o Isère, o Rhodano
o Durance têm assolado a França 'nestes ultimos
annos com inundações cada vez maiores. Na Italia
o Tibre e diversos outros rios, pelas suas frequentes
enchentes, flagellam os valles. Em Portugal o Tejo
e o Mondego offerecem phenomenos similhantes;
se entre nós não foram estes tão desastrosos como
em outros paizes, a perda das sementeiras, das colheitas,
dos gados e dos instrumentos de lavoura,
têm sido por vezes o resultado funesto para a importante
classe dos lavradores.
Cabe pois ao Governo, sentinella avançada dos
interesses do Paiz, mandar estudar e executar os
trabalhos indispensaveis para remediar o mal, aos
[6]
homens da arte indagar qual deva ser o remedio
applicavel com mais vantagem e menos dispendio.
Conheço as minhas fracas forças para arrostar
com tão ardua tarefa, porém desejo ser util em alguma
cousa: se errar, sirva ao menos esta memoria
de lembrar a penas mais habeis a importancia da
questão, para, com a emenda, fazer surgir a verdade.
A causa das inundações é, como todos sabem, a
concurrencia rapida e quasi simultanea em o leito
dos rios das massas aquosas parciaes, trazidas pelos
seus affluentes quando as chuvas são copiosas ou
são reforçadas pelo derretimento das neves nas montanhas;
mas sendo a bacia dos rios a mesma que
outr'ora, não tendo variado as circumstancias climatericas,
por que motivo os mesmos phenomenos
naturaes produzem hoje na Europa effeitos que antigamente
se não davam e não têm lugar ainda hoje
na America, onde a civilisação está menos adiantada?
A razão é obvia: é porque na America as
montanhas ainda estão cubertas de mattas virgens
que demoram as aguas, em quanto que na Europa
a população mais densa roteou os montes para se
alimentar.
Quasi todos os autores estão concordes em
attribuir a esta causa os estragos produzidos pelas
aguas nos valles.
[7]
Juliano narra que no seu tempo o Sena corria
sempre limpido com um nivel quasi constante; hoje
as suas aguas são turvas, e o seu nivel eleva-se ás
vezes de 6 até 8 metros
[1]. Esta mudança, diz M.
Marry, é evidentemente devida á cultura dos terrenos
inclinados, antigamente cobertos de mattas. Mais
adiante, lê-se no mesmo tractado: «O que tem occorrido
durante alguns annos successivos na bacia do
Rhodano, prova que a roteação do Jura e principalmente
dos Alpes teve para as bacias que recebem as
suas aguas as consequencias as mais funestas.»
Voltando ao nosso Mondego, parece que antes de
1400 os senhorios obrigavam os rendeiros do campo
a
fazerem ahi pousadas e moradas, e a morar nas terras
corporalmente por si e suas pessoas.
No cartorio de S. Pedro em Coimbra existe uma
sentença proferida na éra de 1392 pelo Vigario da
dicta cidade contra um inquilino: no pleito foi allegado
pela senhoria que era costume antigo
pagarem
os lavradores que morassem nas terras que as Egrejas
de Coimbra tinham no campo o dizimo dos fructos e
crianças[2] á Egreja, cujas forem as dictas
terras[3].
[8]
Ouvimos pela primeira vez fallar nas inundações
do Mondego em uma Carta Regia de D. Affonso V,
do anno de 1464, que prohibe as queimadas e roteação
das alturas vertentes no Mondego. (Lei que
se não executou por iniqua.) Mais tarde o Marquez
de Pombal renovou esta lei com o mesmo resultado.
D'essa épocha em diante os clamores dos lavradores
do campo subiram ao throno de todos os nossos
Monarchas sem que se achasse o remedio.
Vê-se que já em 1464 se conhecia a causa das
cheias, a mesma que hoje apontamos, não só para
o Mondego, mas tambem para grande numero de
rios da Europa.
O mar é provavel banhasse em épochas anteriores
á Monarquia todo aquelle valle a que chamam campos
de Coimbra. Santa Eulalia ou Santa Olaia, pequeno
castello situado em um monte isolado ao Oeste de
Monte-mór o Velho, na entrada do paul de Fôja,
tendo sido tomado aos Mouros pelo Conde D. Henrique,
foi doado por elle ao Mosteiro de Sancta Cruz
com todas as rendas, portagens e mais direitos dos
navios que entravam pela foz do Mondego[4]. Quatro
seculos mais tarde, El-rei D. Manuel mandou edificar
uma ponte de pedra no paul de Fôja em lugar da
de madeira que existia
para obviar aos grandes fracassos
[9]
que occasionavam aos povos as marés que a
inundavam.
Em 1790 as marés ainda chegavam á barca de
Monte-mór, junto ao monte da Ladroeira
[5]; hoje
o seu limite é muito mais visinho ao Oceano; sómente
as marés grandes do equinocio do outomno
fazem-se sentir até alli pelo empate da agua do rio,
que então traz pouca.
Não me demorarei em demonstrar que o campo
levanta com os nateiros depositados pelas cheias:
O convento de Santa Clara, enterrado até ás impostas
da abobada da Egreja, edificios que desappareceram
completamente juncto a Coimbra, o provam
de sobejo; ora, suppondo que os nateiros elevem o
campo de um quarto de pollegada por anno, termo
medio; de certo não serei taxado de exagerado pelos
lavradores, admittindo que o rio começasse a transbordar
desde o anno 1400, pois no anno 1464 já
ouvimos queixas: serão 457 annos, o que nos dá
19 palmos d'elevação desde o anno 1400 até agora;
ora, segundo o nivelamento feito por Estevão Cabral
em 1790, a agua na ponte de Coimbra estava 63
palmos a cima do preamar, logo em 1400 achava-se
sómente 44 palmos acima d'este plano; se o terreno
[10]
conservou sempre a mesma inclinação relativa, resulta
que a maré em 1400 chegava a uma legoa de
Coimbra ou pouco mais, pois elle dá de declive 22
palmos á 1.ª legoa. Infelizmente não é sómente o
campo que levanta; o alveo do rio eleva-se mais
depressa pelos depositos d'arêa trazidos da Beira
no tempo das cheias, a ponto que chega á altura
dos campos, e o Mondego abre um novo leito; assim
tem ido correndo á revelia por todo o valle nos
seculos de que fallámos, apoiando-se, ora nos montes
do norte, ora nos do sul, cubrindo as terras com
camadas de arêa: haja vista o leito antigo ao nivel
do campo, e o novo encanamento feito em 1792, já
meio entulhado, deixando apenas um metro d'altura
entre seu alveo e o nivel do campo.
Resumindo: «
O valle levanta com os nateiros; as
marés retrogradam á proporção; o alveo do rio eleva-se
mais depressa que o campo; chegando á altura
d'este, as aguas procuram um novo leito.» Eis a indole
invariavel do Mondego desde seculos, demonstrada
tanto pelos documentos historicos como pela
observação dos factos que têm lugar á nossa vista.
Adiante procuraremos deduzir d'ella as legitimas
consequencias. Mas antes d'isso lancemos uma
vista d'olhos sobre os inconvenientes trazidos por
um regimen tão irregular. São de duas especies:
[11]
1.º considerados em relação aos campos; 2.º em referencia
á navegação.
Pelo que diz respeito aos campos, o defeito
capital do rio é sem dúvida a sua grande elevação,
que, como já vimos, tende sempre a augmentar. No
estado actual, um metro d'agua no rio, os campos
já estão alagados: quando essas inundações vêm no
inverno depois do recolhimento ou antes das sementeiras,
as aguas não causam mal aos campos, antes
pelo contrario os fertilizam, é o seu estrume, nem
se emprega outro; sem ellas o campo era improductivo,
pois o seu solo é formado de uma areia fina
misturada de humus sem argila quasi nenhuma;
mas, quando as cheias se apresentam em maio, fins
d'agosto ou setembro, o mal é irreparavel: vão-se
as esperanças e o suor dos lavradores; a colheita
está perdida. Mesmo quando as inundações vêm em
tempo competente, a grande velocidade que traz a
agua despenhada das serras, d'onde desce em torrentes,
escorregando sobre um terreno de grande
declive e nú, composto de areias roladas sem aggregação
quasi alguma, leva comsigo enormes massas
de arêa, que vai depositando pouco e pouco, á proporção
que a sua velocidade diminue, isso é no
leito do rio navegavel, de modo que por baixo do
rio temos um
rio d'arêas, parte das quaes, d'involto
[12]
com as aguas, penetram pelas quebradas, para
invadir o campo, que cobrem de suas camadas e
tornam o terreno improductivo por muito tempo;
vejam-se os campos de Bolão, onde as arêas esterilizaram
duas legoas de comprimento, sobre um quarto
de legoa de largura. Se ao menos o Mondego conservasse
durante uma grande parte do anno uma estiagem
regular, e um volume d'agua maior no intervallo
de cada cheia, as areias seriam conduzidas ao
mar pela corrente; mas 15 dias depois da chuva,
o rio tem mui pouca agua.
Em quanto á navegação, raras vezes no anno essa
se faz com commodidade e com a brevidade necessaria:
assim no verão, a pouca agua que traz o rio,
ainda essa espalhada em diversos caneiros no mesmo
leito, não dá profundidade sufficiente para os mais
pequenos barcos poderem navegar com facilidade;
a navegação faz-se então á vara, os barqueiros
vêem-se na obrigação de saltarem muitas vezes ao
rio, e mesmo escavar a areia para abrirem passagem;
os barcos levam menos de meia carga, e gastam dois e
trez dias para ir da Figueira a Coimbra, quando deveriam
gastar um, mesmo na ausencia de todo o vento:
d'ahi resulta uma grande despeza de transporte para
os generos que seguem esta via de communicação
principal de toda a Beira.
[13]
Para se conhecer a importancia d'essa navegação,
direi que a Figueira é hoje o 3.º porto do Reino;
12 barcos cada dia (termo medio) transitam pelo rio
com generos, o que dá annualmente 4320 barcos,
que, a 5 carradas cada um, transportam 21600 carradas
além dos passageiros, que são muitos visto que
no inverno, por falta d'estrada, a communicação
entre Coimbra e Figueira por terra torna-se de uma
difficuldade immensa.
Conhecida a causa do mal, que é, como já dissemos,
a velocidade com que as aguas da chuva descem
dos montes ao rio, cavando enormes barrocas nos
flancos da serra, arrastando comsigo as areias para
deposital-as no leito do Mondego e por cima dos
campos, ha duas especies de meios a empregar para
remover o mal: 1.º
os meios preventivos; 2.º
os meios
repressivos. Ninguem duvída, creio, que os primeiros
sejam os mais suaves e os mais valiosos tanto em
politica, em administração, na guerra como nas
sciencias. A Hygiene é preferivel á medicina, e esta
prefere quando póde a prevenção á repressão.
Os elementos são temiveis, não por si, mas pela
somma immensa dos seus esforços parciaes: é pois
antes do seu grande incremento que devemos combatel-os,
o que para os rios significa que devemos
atacal-os na sua origem, vêr se é possivel diminuir
[14]
o volume das aguas que chegam simultaneamente
aos valles, demorando-as sobre o declive dos montes,
e para o Mondego especialmente evitar a alluvião
d'arêas que vêm entulhar o alveo.
Os meios até hoje empregados no Mondego foram
todos repressivos,—construir marachões, fazer encanamentos
parciaes, ora pelo norte, ora pelo sul; o
resultado foi sempre o mesmo; o rio melhora por
algum tempo, entulha-se de arêas, é mister um novo
encanamento em cada seculo
[6]; ora, proseguir em
um systema de que a experiencia tem mostrado a
insufficiencia, é pertinacia pelo menos, é expôr-se a
enterrar novos milhões no rio, que tudo sepulta
debaixo do seu leito
[7]. Em quanto as aguas descerem
das serras em 24 ou 30 horas, em quanto as
arêas, despenhadas das barrocas e dos montes pela
impetuosidade da torrente, chegarem ao valle onde
o declive é quasi nullo e a largura muito maior,
em todo o rio e campo se hão de depositar, inutilisando
em poucos annos o melhor encanamento
possivel. Com effeito, qual será o leito que possa
conter uma massa d'aguas que cobre todo o valle
[15]
do Mondego no comprimento de 6 legoas, com meia
legoa de largura e altura de um até 2 metros? Se
não é possivel conter entre mottas esta enorme massa
d'aguas, que não conhece por margens senão os
montes que bordam o campo, se as mesmas causas
produzem sempre os mesmos effeitos na ordem dos
phenomenos naturaes, devemos procurar destruir a
causa, recorrer aos meios preventivos, por elles
diminuiremos o volume das enxurradas que sahem
de repente ao valle, tornaremos o rio navegavel de
verão, conservando-lhe as aguas; evitaremos que uma
grande parte das areias desçam ao rio, tornaremos
em fim o seu regimen uniforme e estavel; então
sómente deveremos tractar de um encanamento
regular, tornado muito mais facil, mais durador e
menos dispendioso. Estes meios são simples na sua
execução, e por uma grande felicidade favorecem a
agricultura dos montes, ao passo que evitam a ruina
do campo, harmonizando o interesse geral com o
bem dos particulares.
O primeiro meio é applicavel a todos os terrenos
d'encosta, desaguando no Mondego ou nos affluentes
d'este: consiste em cavar barrocas horizontaes de um
metro de largura (4-
1⁄2 palmos) proximamente, com
2-
1⁄2 palmos de
profundidade, e 130 até 140
palmos
de comprimento, fechadas nas extremidades, collocadas
[16]
em degráos por todo o declive dos montes,
com intervallo de cerca 300 palmos entre fileira e
fileira. Escuso dizer que encontrando-se algum obstaculo
como rocha, estrada ou valla, interrompe-se a
barroca para continuar do lado opposto.
Este meio tão simples, que todo lavrador póde
executar sem auxilio d'arte, traz comsigo vantagens
importantissimas: com effeito, sendo 6 legoas a distancia
entre Coimbra e Lares, sendo meia legoa a
largura media do campo entre estes dous pontos, e
sendo um metro a altura das cheias ordinarias,
segue-se que o volume d'agoa detido é 'neste caso
de 92,557,410
mc, se, como diz Estevão Cabral, a
superficie da Beira é de 200 legoas quadradas; admittindo
que
1⁄3 seja planicie, restam 134 legoas quadradas
de encostas ou serras, em que se devem abrir
barrocas; segundo o systema que apresentamos em
1000
m ou 100 hectares devem abrir-se 15 barrocas
de 1000
m de comprimento cada uma, ou 15000
m,
que a razão de 0,
mc5 por metro corrente, conterão
7500
mc d'agua; admittindo que a legoa quadrada
tenha 31 hectares, abriremos por legoa quadrada
465,000
m de barrocas as quaes darão um producto
de 232,500
mc, e as 134 legoas quadradas terão em
deposito 31,155,000
mc d'agua; isto é, o terço do volume
detido no campo, o que será sufficiente para evitar
[17]
as pequenas cheias de septembro ou de maio, que
causam damno ás colheitas; além d'isso as aguas da
chuva, obrigadas á descer os degráos d'esta grande
escada, mesmo depois das barrocas cheias, chegarão
mais lentamente ao rio, dando tempo para escoar as
primeiras aguas, quebrarão a sua grande velocidade,
e por consequencia não levarão tão facilmente a
terra vegetal e as areias; as terras levadas depositar-se-hão
'nellas, e facil será ao lavrador pela limpeza
das barrocas estrumar as suas proprias terras,
em quanto que hoje, ellas vão beneficiar os proprietarios
da base da montanha. O deposito d'agua conservar-se-ha
nas barrocas até fins d'abril, épocha em
que findam as chuvas, e filtrando na terra conservar-lhe-hão
humidade até o principio de junho, isto
é, até ao tempo em que é necessaria aos cereaes;
por este motivo as terras dos montes tornar-se-hão
mais productivas, pois todos sabem que os estrumes
precisam ser dissolvidos para penetrar na planta em
fórma de seiva, e todos lamentam a falta d'agua nos
mezes do estio. O augmento de producção compensará
em dois ou trez annos a despeza da abertura,
que se reduz a 3$000 réis por hectare a razão de 20
réis o metro corrente
[8], attendendo a que os mezes
[18]
d'inverno são os mais proprios para este trabalho.
Os pequenos lavradores podem
abril-as elles mesmos,
visto ser o tempo o genero que menos lhes custa a
dar 'naquella estação. Por este meio conseguiremos
egualmente augmentar o volume d'agua da estiagem,
tornando a navegação mais facil; pois, filtrando por
entre as terras, tarde ou cedo a agua lá irá parar.
Emfim, evitaremos que uma parte das arêas venha
entulhar o alveo do rio, o que é mais para temer
que a propria cheia.
Este systema novo de irrigações, já praticado
em França em algumas partes em vista do melhoramento
da cultura, tem correspondido ao que d'elle
se esperava.
J. R. Pelonceau
[9], insigne engenheiro francez,
que o aconselha, tendo presenciado a sua applicação,
assevera ser proprio a todo o genero de cereaes e
legumes, e que as proprias mattas se tornam por este
meio mais productivas e viçosas.
O segundo meio, que propomos á meditação do
[19]
público, é a plantação d'arvoredos em todas as encostas
que vertem no Mondego ou nos seus affluentes:
a medida não é nova, já o Marquez de Pombal
a decretou; se tivesse sido executada, não teriamos
que lamentar os desastres que procuramos remediar.
Com effeito, uma montanha plantada de arvores, e
por consequencia cuberta de terra vegetal e musgos,
actua como uma esponja, que absorve a agua de
repente e não a restitue senão pingo a pingo; uma
montanha calva perde rapidamente a sua terra vegetal,
de sorte que as chuvas escorregam sobre os seus
flancos, dando origem ás torrentes nos logares elevados,
e ás inundações nos valles. Certamente esta
plantação geral das encostas não poderá ser feita
por meio de uma Lei violenta, nem tão pouco de
repente; mas não posso deixar de notar que as mattas
vão desapparecendo da Beira, que a madeira já falta,
que ella tornar-se-ha tanto mais necessaria quanto
maior fôr o desinvolvimento da nossa civilisação.
Os caminhos de ferro, as minas de Leiria e outras,
que por ventura existam na Provincia, serão um
dia exploradas, augmentando consideravelmente o
consumo d'este genero. A exportação vai crescendo
d'anno para anno, e os estaleiros da Figueira tomarão
importancia logo que a barra seja de mais facil
accesso: tudo convida pois o lavrador previdente a
[20]
semear pinhaes nos terrenos arenosos, pouco proprios
para outra cultura.
O Governo possue, assim como as Camaras municipaes,
muitos terrenos na Beira: cuide em mandar
plantar mattas, abrir 'nellas barrocas horizontaes; o
seu desinvolvimento será mais rapido, a agricultura
conhecerá os seus verdadeiros interesses, e não será
tão difficil, como se poderia suppôr, alcançar esta
reforma: ella poderá exigir dez ou vinte annos para
completar-se; mas o proveito para a navegação do
rio e para o campo de Coimbra será proporcional ao
seu adiantamento. Em um paiz como o nosso, em
que os particulares não têm iniciativa, é mistér que
o Governo dê o exemplo com experiencias bem dirigidas.
Como terceiro meio para evitar o entulhamento
do rio, proporia collocar em todas as barrocas, vallas
ou affluentes e no proprio alveo, nas suas partes não
navegaveis, tapagens, feitas de estacas com ramos
de salgueiros entrelaçados; estas tapagens repetidas
de 500 em 500 metros perpendicularmente á corrente,
deixariam filtrar as aguas, detendo as arêas; e o
seu custo é tão pequeno, que não duvído se venham
a fazer com grande vantagem.
Taes são as medidas, que julgo proprias para
evitar o flagello das inundações e tornar as aguas
[21]
uma fonte de riqueza para os habitantes da serra.
Oxalá que a opinião pública favoreça este meu empenho.
Se se applicarem, como entendo deva ser,
os tres meios conjunctamente, os desastres irão diminuindo
em proporção do adiantamento do novo
systema d'agricultura, e desapparecerão quando completo
na bacia do Mondego; tendo então o rio maior
volume medio, arrojará para o mar grande parte
das arêas que o entulham. O encanamento será
não só possivel, mas facil, observando as regras de
que ninguem discrepa; a saber: 1.º
As mottas devem
ser eguaes nas duas margens, pois fortificar uma
d'ellas sem a outra, é attacar a propriedade do
visinho
[10].
2.º
Um encanamento é um trabalho que se deve
fazer simultaneamente em todo o valle, sob pena de
ver destruidos os trabalhos feitos. 3.º
Os rios vão
crescendo para a foz; por consequencia a resistencia
das mottas deve crescer em proporção conveniente á
jusante.
FIM.
Notas:
[1] Marry,
Cours de navegation, pag. 6.
[2] Criação.
[3] O Instituto, Jornal scientifico e
litterario, impresso em
Coimbra.
[4] Memorias Montemorienses.
[5] Estevão Cabral,
Memoria sobre os melhoramentos do
Mondego.
[6] Encanamento feito pela margem norte em 1794. Encanamento
novo feito em 1792, já entulhado.
[7] Diz Estevão Cabral que ao pé da Gería ha pedra enterrada,
sufficiente para construir uma cidade.
[8] Um vallador a razão de 240 réis por dia, faz em terreno
do monte 60 palmos correntes, com a largura e profundidade
que indicâmos, o que dá 4 réis por palmo corrente
ou 18 réis por metro, e nós calculâmos 20 réis por metro
corrente.
[9] J. R. Pelonceau,
Note sur les débordements des
fleuves et rivières.
[10] A este
respeito precisamos de uma
boa legislação, pois
no Mondego cada um fortifica-se como quer, roubando o terreno
do proprietario da margem opposta, e tornando o rio cada
vez mais sinuoso.
Lista de erros corrigidos
Aqui encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
|
Original |
|
Correcção |
#pág. 15 |
profundidode |
... |
profundidade |
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|
|
|
#nota 10 |
raspeito |
... |
respeito |