*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 42762 *** *Nota de editor:* Devido à existência de erros tipográficos neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos. Foram igualmente implementadas as indicações da errata existente na própria obra. Rita Farinha (Maio 2013) MEMORIA HISTORICA SOBRE AS ILHAS DOS AÇORES, COMO PARTE COMPONENTE DA MONARCHIA PORTUGUEZA, COM IDEAS POLITICAS RELATIVAS Á REFORMA DO GOVERNO PORTUGUEZ, E SUA NOVA CONSTITUIÇAÕ. LISBOA: NA OFFIC. DE ANTONIO RODRIGUES GALHARDO. Impressor do Conselho de Guerra. _Com licença da Commissaõ da Censura._ 1821 DISCURSO PRELIMINAR. As Ilhas dos Açores adjacentes a Portugal foraõ sempre consideradas como parte, e verdadeiras Provincias deste Reino, mandando os seus Representantes, ou Procuradores ás Cortes, onde tinhaõ assento, e banco designado: e como hum verdadeiro accessorio, seguíraõ sempre a sorte do seu principal, gosando de todos os bens, com que os Monarchas Portuguezes felicitavaõ os seus Vassallos, durante a sua residencia na Europa, e soffrendo todos os males desde a modança da Corte para o Rio de Janeiro. A historia destas Ilhas, que he sempre ligada com a historia em geral de Portugal, involve maximas de Politica, que naõ será desconveniente dar ao público nas presentes circumstancias; pois que sendo a Politica a arte que ensina a governar os homens, e dirigir a causa pública, todos os escriptos, que apresentarem algumas idéas, que tenhaõ correlaçaõ com este objecto, seraõ uteis no momento, em que casos extraordinarios põem huma Naçaõ nas criticas circumstancias de reformar as Leis fundamentaes do seu Governo. Ninguem póde duvidar, que toda a associaçaõ politica tem o direito inalienavel de estabelecer, modificar, ou alterar a Constituiçaõ, ou fórma do seu Governo; mas esta crise he taõ arriscada, que os póvos soffrem muitas vezes seculos inteiros, primeiro que se deliberem a empenhar n'huma tal empreza. Durante a residencia dos Monarchas Portuguezes em Lisboa, a sua bella indole, e a facilidade com que aquelles Soberanos ouviaõ os seus Vassallos, e remediavaõ os males de todas as Provincias, e Ilhas adjacentes, podia supprir a falta de melhor Constituiçaõ em Portugal; mas postos na distancia de mil legoas, com os obstaculos que estes póvos encontravaõ nas suas representações, o que equivalia a dobrada distancia, acháraõ os mesmos póvos ser incompativel com a sua felicidade a continuaçaõ da mesma fórma de Governo, e foi geral o voto por huma nova Constituiçaõ, que remediasse os males, e expurgasse os abusos introduzidos. A magnanimidade do Senhor Dom Joaõ VI. annuindo a esta refórma, e approvando o chamamento das Cortes em hum Aviso dirigido aos Governadores do Reino, em resposta á participaçaõ, que estes, lhe haviaõ feito do voto geral da Naçaõ, fará collocar este Monarcha ao lado dos Titos, e dos Marco-Aurelios. Se lançamos os olhos pelos annaes das outras Monarchias da Europa, quasi todas ellas nos apresentaõ seus Neros, e seus Caligolas. _«Nenhuma historia_ (diz o Conde de Mirabeau) _offerece huma serie mais ampla de Reis máos, do que a historia, de França.»_ E na verdade a começarmos desde Filippe o Bello, naõ encontramos senaõ Principes huns faltos de fé, outros insaciaveis de poder, e de dinheiro, e até fabricadores de moeda falsa, outros vingativos crueis, e mais barbaros em assassinios, do que o mesmo Tiberio. De hum Carlos IX. diz o citado Author--_este monstro infernal executou ao sahir da infancia, o que Caligula apenas teria ideado; elle medita com a mais profunda maldade, a mais abominavel perfidia, e extermina de hum só golpe cem mil dos seus Vassallos._--Falla da mortandade do dia sempre memoravel de S. Bartholomeu, em que o Rei pessoalmente animava os matadores. Entre os Reis de Hespanha basta apontarmos o cruel, e supersticioso Filippe II., que matou o proprio filho, e envenenou sua Esposa: he curioso o parallelo, que deste Rei faz Mr. de Voltaire, com o Imperador Tiberio, onde comparando-os em todo o genero de crueldades, acha sempre o tyranno Hespanhol em gráo superior ao tyranno Romano. Dos Reis de Inglaterra será bastante lembrarmos hum só Henrique VIII., que empregou o tempo do seu Reinado em perturbar os seus Estados, inunda-los com o sangue dos proprios Vassallos, e empobrecê-los: _elle exhaurio o Reino_ (diz Sanderuz), _vexouo, e opprimio ao ponto que lhe naõ restava mais do que vender o ar aos vivos, e a sepultura aos mortos._ A Inglaterra pois, que hoje consideramos hum paiz afortunado pela segurança, e liberdade de que alli gosa o Cidadaõ, já foi o theatro da tyrannia, e de todos os males, que acompanhaõ o governo arbitrario: he depois que os seus Soberanos foraõ ligados por huma Constituiçaõ, e coartada a arbitrariedade destes, que aquelle Reino tem chegado ao auge em que o vemos, e que merece o elogio dos Sabios, e a admiraçaõ das outras Nações. E póde dizer-se que á sua Constituiçaõ deve a Inglaterra o achar-se classificada na primeira ordem das Potencias da Europa, quando pela extençaõ do terreno parecia naõ poder passar da segunda. Se este quadro nos mostra por huma parte naõ serem infalliveis os Reis, como parecia quererem persuadir aquelles, que sustentavaõ derivarem elles o seu poder immediatamente de Deos, e naõ dos Póvos, que os elegem; pela outra parte tambem nos confirma da bondade dos Monarchas Portuguezes, em cujo cathalogo se naõ encontra hum só com iguaes defeitos: sendo pelo contrario os Principes da Casa Reinante por indole natural justos, humanos, e cheios de beneficencia: Mas todas estas qualidades, que tambem adornáraõ, e em gráo eminente, o Imperador Tito, naõ podéraõ evitar que este tivesse por Successor hum Diocleciano, o mais barbaro dos tyrannos. E hum só passo imprudente do Senhor Rei D. Sebastiaõ percipitou os Estados Portuguezes em hum abismo de desgraças, de que já mais pôde restabelecer-se; todas as vantagens, descobertas, e conquistas, grangeadas no decurso de muitos reinados felizes dos seus antecessores, foraõ por assim dizer, mallogradas em hum só momento. Por isso juntando-se á boa indole dos Monarchas Portuguezes huma Constituiçaõ, que ponha os seus Vassallos a salvo de toda a arbitrariedade, e da influencia dos Valídos; huma Constituiçaõ, que igualando os Direitos de todos os Cidadãos, ligue ao mesmo tempo os interesses de todas as Partes deste grande Imperio, virá elle a ser o mais feliz, e o mais respeitavel do Universo. A presente Memoria offerece em hum pequeno quadro os acontecimentos mais notaveis das Ilhas dos Açores, a ordem seguida do seu Governo Politico, Militar, e Civil; a marcha dos seus progressos na Populaçaõ, na Agricultura, no Commercio, e descreve o caracter dos seus habitantes. Alli apparecem aquellas Ilhas sahindo do Occeano incultas, e sem algum ente vivente: pouco depois povoadas, e cultivadas por effeito de sábias providencias, e leis justas: e depois de as vermos florecentes, e ricas nas primeiras duas partes da Memoria, em quanto gosáraõ da benefica influencia dos seus Monarchas; na terceira parte ultimamente as vemos experimentando com Portugal huma terrivel decadencia com a mudança da Corte para o Rio de Janeiro, pelas desordens praticadas por certa ordem de Valídos, que haviaõ subplantado os mesmos Ministros de Estado, e que abusáraõ da confiança que nelles punha o Rei[1] prevalescendo-se da impossibilidade em que Sua Magestade se achava de poder saber o que soffriaõ os seus Vassallos da Europa. Todos estes acontecimentos nos vem a confirmar de que só nas Cortes, neste Senado representativo de toda a Naçaõ, he que se póde restabelecer a antiga ordem das cousas, organisando-se huma Constituiçaõ acommodada ao tempo, e circumstancias, em que fiquem prevenidos, e acautelados semelhantes abusos, restabelecido o credito do nosso Augusto Soberano, que os Valídos haviaõ compromettido, e segura a felicidade dos Vassallos em que o mesmo Senhor sempre mostrou o maior empenho. Convém que reformando-se os abusos, se reconheça a belleza de grande parte dos Estatutos Nacionaes: cumpre estimular nos Portuguezes o amor da sua Patria, e fazer animar entre elles o espirito público, e nacional. O patriotismo, diz hum Author moderno, he o mais nobre de todos os sentimentos, elle honra o homem, e a Naçaõ. PRIMEIRA PARTE _Da descoberta das Ilhas dos Açores, pelos Portuguezes, até o estabelecimento da Capitania Geral._ Se os Portuguezes, Naçaõ espirituosa, e intrepida, tem tido Principes analogos ao seu Caracter, os mais respeitaveis na Europa pelos seus talentos militares, e valor, e pelas emprezas as mais arduas, e felizes; se esta Naçaõ nos tem apresentado grandes homens de Estado á sua frente, e politicos Superiores, ella naõ tem sido menos fertil em Principes sabios, e illustrados. O Infante D. Henrique, filho do Senhor Rei D. Joaõ I. he hum dos talentos mais distinctos do seu tempo, e quando toda a Europa jazia ainda em huma profunda ignorancia pelos principios do seculo XV., este Principe com conhecimentos já mui superiores, media os Astros, e no meio dos seus profundos estudos traçava emprezas, que deviaõ fazer espanto em toda a terra. Elle teve huma grande parte na invençaõ do Astrolabio, e a elle he devido o uso da Agulha de mariar, conhecida já d'antes, mas de que nunca os homens se tinhaõ servido para navegar no mar largo pelo favor dos ventos, toda a navegaçaõ se fazia terra terra, e a longo das praias. Este Principe filosofo depois de ter feito instruir alguns Pilotos debaixo da sua direcçaõ, e no seu mesmo observatorio, determina descobrir por mero delles as Costas da Africa além do Cabo _Naõ_, que era o termo de todas as Navegações até entaõ conhecidas, e adiante do qual se naõ tinha já mais passado. Já elle cogitava em abrir pelo mar huma passage para a India: e foi este o principio das grandes descobertas, que depois fizeraõ os Portuguezes, cujas viagens, e perigos saõ cantadas por Camões no seu divino Poêma, onde diz o Author do Espirito das Leis, se encontraõ os encantos da Odisséa, e a magnificencia da Eneida. He do Algarve que o Principe faz despedir aquelles Pilotos, em hum Navio, que para isso lhe apresta, instruindo-os sobre a sua navegaçaõ, e derrota. Os Navegantes dobraõ o Cabo _Naõ_, e chegaõ até o Bojador, dois gráos distante do nosso Tropico; mas encontrando grandes tempestades, e desanimando de continuar na viage, que lhe havia sido ordenada, elles arribaõ, e nesta digressaõ descobrem a Ilha de Porto Santo, visinha da Ilha Madeira, que tambem foi descoberta pouco depois. Estas noticias participadas ao Infante D. Henrique, lhe confirmaõ a idéa, que de muito tempo o occupava, de que para o Poente existiaõ terras incognitas. E em quanto toma medidas para mandar povoar aquellas duas Ilhas, que o acaso lhe offereceo, elle medita novas descobertas: faz aparelhar hum Navio para aquelles destinos, incumbe o seu commando a hum Gonçalo Velho Cabral, Commendador da Ordem de Christo, pessoa illustre, descendente da antiga Casa de Belmonte, e em quem tinha muita confiança palas suas virtudes; e instruindo-o novamente com os Pilotos, sobre a navegaçaõ que deviaõ seguir, os despede finalmente do porto de Sagres no Algarve. O descobrimento das Ilhas era hum ensaio, em que os Portuguezes se habilitavaõ para as grandes emprezas, a que os destinava o seu genio emprehendedor, e a sua coragem. Aquelles Navegantes, depois de terem por muitos dias crusado mares incognitos, fazendo tentativas em diversos rumos, com os olhos sempre fitos no Orisonte, figurando-se-lhe ver terras a todo o momento, e em todas as nuvens, descobrem finalmente em Agosto de 1432 a primeira Ilha dos Açores, a que deraõ o nome de Santa Maria: elles desembarcaõ em huma praia, por onde corria hum ribeiro de agoa purissima, junto do qual se fundou depois a primeira povoçaõ. O Commendador, e seus Companheiros, mal podem tornar a si da admiraçaõ, em que os tinha lançado a vista de huma ilha coberta ainda de seus encantos virginaes. Elles naõ encontraõ vestigio de creatura humana, nem mesmo de algum animal; por toda a parte se lhe offerecem florestas solitarias, tudo he silencio; querem penetrar pelo interior da Ilha, porém as arvores enterlaçadas humas com outras lho impedem; he pelo mar, rodeando-a no seu mesmo Navio, que observaõ a sua grandeza. Esta Ilha tem quasi cinco leguas de comprido, e duas de largo. Os exploradores depois de marcarem a Ilha, e fazerem algumas observações, voltaõ a Portugal com estas novas, e saõ acolhidos pelo Infante com demonstrações da maior estima, e accumulados de beneficios. Gonçalo Velho Cabral foi logo feito Capitaõ Donatario da Ilha descoberta, com faculdade de a ir povoar com as familias, que o quizessem acompanhar. Elle levou comsigo, além de outras familias distinctas, quatro irmãs, as quaes casadas com pessoas mui nobres de Portugal, e algumas com exercicio na Casa Real, deixáraõ larga descendencia, que se estabeleceo nas mais Ilhas. Doze annos depois, em 1444, com iguaes diligencias he descoberta a Ilha de S, Miguel, da qual foi tambem Donatario Gonçalo Velho. O Infante guiado sempre pelo amor da gloria, e pela nobre curiosidade das descobertas, envia logo Colonos de Portugal, para povoar, e cultivar esta Ilha, que tem 18 leguas de comprimento, e duas e meia de largura; mas naõ cessa de fazer repetir novas diligencias, sobre aquelles mares, até que no anno seguinte de 1445 se descobrio a Ilha Terceira. Tem esta 13 leguas de extensaõ, e 9 de largura. Pelo mesmo tempo foraõ descobertas as quatro Ilhas visinhas a esta, que saõ a Ilha de S. Jorge, que dista da Terceira 8 leguas para Oeste, e della se vê distinctamente: tem de comprimento 10 leguas, e pouco mais de huma de largura: A do Pico, que tambem se avista da Terceira, e he separada da Ilha de S. Jorge por hum canal de quatro leguas de mar: tem 18 leguas de comprido, e 4 de largo: A do Fayal, que só dista do Pico legua e meia, e tem 7 no seu comprimento, e 3 de largura. Finalmente a pequena Ilha Graciosa com 8 leguas de circumferencia, a qual dista da Terceira tambem 8 leguas para o Norte. Pouco depois foraõ descobertas as duas ultimas Ilhas das Flores, e Corvo, que saõ as menos importantes, e distaõ da Capital 70 leguas. Todas estas nove Ilhas, denominadas dos Açores, foraõ achadas pelos Portuguezes no estado, em que a natureza as tinha produzido, cobertas de denços matos, entre os quaes sobresahiaõ algumas arvores magestosas; ellas offereciaõ á vista hum espectaculo maravilhoso: ao lado de troncos taõ antigos como as mesmas Ilhas, se divisavaõ pequenos arbustos, e logo flores campestres, taõ variadas, e em taõ grande número, que dahi veio a darem a huma dellas o nome de Ilha das Flores. Na Ilha da Madeira haviaõ achado os seus descobridores huma Cruz de páo fincada no chaõ, letras gravadas n'huma pedra, e outros indicios, que mostravaõ terem alli abordado alguns naufragantes. Mas em nenhuma das Ilhas dos Açores se achou signal algum de ter já mais alli aportado creatura humana, nem que de alguma Naçaõ fossem conhecidas. A distancia de 300 leguas de mar em que ellas se achavaõ desviadas do Continente, fazia impossivel huma semelhante navegaçaõ, sem o soccorro da Busola, da qual se naõ haviaõ já mais servido antes do Infante D. Henrique[2]. O principio destas Ilhas naõ he como o de quasi todos os outros paizes misturado de fabulas, e coberto de obscuridades: além de tradicções apuradas por huma judiciosa critica, os manuscriptos conservados nas mesmas Ilhas, e até assentos antigos de algumas das suas Camaras, e Alfandegas, nos tiraõ de toda a dúvida a respeito do seu descobrimento, e dos seus principios. Este Paiz debaixo do benefico Governo dos Monarchas Portuguezes, teve hum progresso taõ feliz, que em 1503, cincoenta e oito annos depois da descoberta da Ilha Terceira, achou o Senhor Rei D. Manoel ser necessario para o seu bom regimen, e administraçaõ da Justiça, crear hum Corregedor naquella Ilha com jurisdicçaõ sobre todas as outras, estabelecendo ao mesmo tempo hum Juiz de Fóra na de S. Miguel. E em cousa de cem annos, se achavaõ todas perfeitamente cultivadas, e com huma populaçaõ prodigiosa, fundadas duas Cidades, 20 Villas, e muitas Aldêas. Hum clime doce, hum ar puro, hum terreno fertil em todos os fructos, e particularmente nos grãos fromentaceos, concorrêraõ muito em beneficio dos seus habitantes; mas he sem dúvida, que ao Governo he principalmente devida a prosperidade de hum Paiz: a oppressaõ, e a miseria saõ contrarias á reproducçaõ da especie; os homens multiplicaõ-se quando elles saõ felizes, e vivem em abundancia: estas vantagens sómente se gosaõ debaixo de hum bom Governo; e por isso a populaçaõ rapida de hum Paiz he a prova mais incontestavel da bondade do Governo, que o domina, e da sabedoria da sua administraçaõ. Que o Governo Monarchico he de todos o melhor,[3] tem sido a opiniaõ dos Sabios de todos os seculos, incluindo Plataõ, o maior politico da antiguidade; e o mesmo Joaõ Jaques Rosseau, grande entuziasta, porém ao mesmo tempo pensador profundo, naõ deixa de conhecer esta verdade, confessando no seu Contracto social, que o Governo Republicano naõ he proprio para a natureza do homem. No interior de huma familia, quando hum só individuo dirige os negocios domesticos, todos vivem em harmonia; logo que mais de hum influem no regimen da casa, naõ ha mais passificaçaõ. Isto se observa a bordo da Náo, e do mais tenue batel; isto se observa no Exercito, e geralmente em todas as Corporações, e associações humanas. Se examinamos os annaes do mundo, he aquelle o unico Governo, em que se encontra estabilidade sobre a terra. Qual he a Republica, cuja duraçaõ possa comparar-se, naõ digo com o Imperio da China, que conta mais de quatro mil annos, nem com a Monarchia da Assyria, que desde Belo até Sardanapalo contava mais de mil e quatrocentos annos, nem com a do Egypto, que desde Sezostrio até Alexandre Magno contava mil trezentos e noventa annos; mas ainda com as Monarchias mais modernas da Europa? O Governo Republicano, além de naõ poder ter presistencia, como contrario á natureza do homem, Segundo a experiencia de muitos seculos o tem mostrado, he o fóco de todas as paixões humanas; o odio, a ambiçaõ, a inveja, alli desenvolvem todo o genero de perversidades. Naõ foi hum Governo Monarchico, o que envenenou o virtuoso Socrates, e desterrou o justo Arristides. Hum Monarcha, pela grande distancia em que está acima de todos os seus Vassallos, naõ conhece a emulaçaõ, este monstro, que occasionou o primeiro assassinio sobre a terra, apenas sahida das mãos do Creador, que naõ persegue senaõ a virtude, e o merecimento, que soprou as prescripções de Sylla, as quaes ainda hoje fazem estremecer a humanidade, contra todos os Cidadãos, cujos talentos, ou riquezas podiaõ fazer sombra á sua ambiçaõ. Foraõ os Tribunaes Republicanos, que fizeraõ degolar milhares de innocentes, e cobriraõ a França de mortes, e carnagem. A Republica Romana apresenta mais crimes, e mais atrocidades, commettidas sómente em alguns dias de hum Mario, de hum Sylla, de hum Cesar, do que se tinhaõ commettido no decurso de mais de duzentos annos, em que governavaõ os Reis: e a França, em perto de quatorze seculos, em que havia sido regida pelos seus Monarchas, naõ experimentou tantos horrores, como em hum só dia dessa ephimera Republica, no tempo dos Robes Pieres, dos Marates, e dos Dantons. Sendo pois o Governo Monarchico exempto das paixões monstruosas, que dominaõ nas Repubicas, o mais sólido, e permanente, o melhor, e o mais confórme á natureza do homem, póde ainda affirmar-se, que entre todas as Monarchias da Europa naõ havia hum só, em que os Vassallos fossem mais felizes, nem gosassem de mais igualdade de direitos, do que na Monarchia Portugueza, em quanto as Leis fundamentaes estiveraõ em vigor, e foraõ respeitados os costumes, e o regimen economico, e politico dos nossos maiores. Todo o Vassallo Portuguez, fosse do Reino, ou Colonias, podia por meio dos seus talentos, e virtudes ser elevado ás maiores honras, e aos empregos mais importantes, Militares, Civis, ou Ecclesiasticos. Em nenhum outro Paiz do mundo, a naõ ser o Imperio da China, gosaõ os humanos de huma taõ perfeita igualdade. O grande Marquez de Pombal quando foi nomeado Secretario de Estado, e chamado á dignidade mais eminente do Imperio, era hum Fidalgo de Provincia, sómente recommendado pelas suas luzes; foraõ os talentos, que elle desenvolveo no ministerio, e no Serviço do seu Soberano, que depois o eleváraõ aos titulos de Conde, e de Marquez. Huma das bellas qualidades, que se notáraõ no Imperador Marco Aurelio, foi a sua extrema circumspecçaõ na escolha dos Magistrados, dos Governadores das Provincias, e Funccionarios públicos. Elle dizia que naõ estava no poder de hum Principe o crear homens taes como este os quereria, mas que delle depende o emprega-los taes como elles saõ, cada hum segundo o seu talento. Esta era a maxima dos Monarchas Portuguezes; nenhuma classe de Cidadãos se podia julgar excluida dos mais honrosos Cargos. Se entre os Titulares, e grandes do Reino apparecia o merecimento, alli se fazia a importante escolha dos Ministros de Estado; se entre os Magistrados, ou homens de letras, he a estes, que se dirigia aquella nomeaçaõ; se entre os Militares, era esta a classe preferida. Em todos os empregos geralmente, foi sempre observada a mesma justiça, e imparcialidade: simples Soldados Portuguezes foraõ por muitas vezes elevados, pelos seus serviços, aos postos de Generaes, e Marechaes; na Marinha pessoas muito humildes, chegáraõ aos postos de Capitães de Mar Guerra, Chefes de Esquadra, e Almirantes, sómente pelos seus distinctos merecimentos[4]. Na Inglaterra, mesmo nesta Naçaõ illuminada, naõ se pratíca huma taõ perfeita imparcialidade: os cargos importantes saõ ordinariamente dados aos parentes dos Membros do Parlamento; e todos sabem as difficuldades, que he perciso vencer hum Inglez, para ser eleito Membro da Camara dos Communs, que manobras, que intrigas, que despezas, para obter a preferencia sobre os seus concorrentes? As mesmas Patentes Militares até certa graduaçaõ, podem ser compradas a dinheiro. He por ventura vulgar na mesma Inglaterra, o ver tirar hum Bispo de entre os mais humildes Vassallos, como todos os dias se via em Portugal, onde os Monarchas para huma taõ respeitavel eleiçaõ, sómente tinhaõ em vista as virtudes, e qualidades pessoaes, que devem adornar estes Principes da Igreja, sem alguma attençaõ aos seus progenitores? Esta sábia politica he mais que humana, he no Evangelho que os nossos Augustos Soberanos tinhaõ bebido os principios de huma taõ admiravel igualdade. He mais hum beneficio devido á Religiaõ Christã. Os nacionaes das Ilhas dos Açores gosáraõ sempre desta prorogativa geral, sendo chamados a todos os cargos de que os seus merecimentos os faziaõ dignos, tanto nos tempos antigos, como modernos. Se este systema politico, e de justiça soffreo alteraçaõ, foi nessa curta épocha da dominaçaõ dos Hespanhoes. Os Cargos importantes sómente foraõ occupados pelos Castelhanos, e os naturaes das Ilhas naõ foraõ mais attendidos, nem considerados. Este acontecimento deve confirmar-nos, de que o Governo Portuguez foi sempre o mais justo, e humano, e aquelle em que os Póvos eraõ tratados com mais igualdade, justiça, e amor. Durante aquella épocha as Ilhas foraõ opprimidas com todo o genero de extorsões: Os Governadores Castelhanos com o pertexto de fazer fortificações em todas as Ilhas, arruináraõ a Agricultura, privando-a dos braços necessarios, que empregavaõ em fachinhas, e empobrecendo o povo pela privaçaõ dos seus jornaes. Os nacionaes que precisavaõ de artifices para as suas obras, soffriaõ tambem huma pesada contribuiçaõ indirecta; porque se o Governo carecia para a construçaõ dos projectados Castellos de dez, ou vinte Officiaes, eraõ avisados militarmente oitenta, e cem; e os Portuguezes que queriaõ concluir as suas obras, se viaõ precisados a despender dinheiro, e obsequios para conseguir a dispença de alguns. Bem sabiaõ os Castelhanos, que pôr huma Ilha no estado inconquistavel, era hum projecto aerio, e taõ quimerico, como se hum individuo pertendesse munir-se de tal sorte de armas, que podesse resistir a hum Exercito, ou se hum Soberano projectasse fortificar cada hum dos pontos do seu Imperio, de tal sorte, que este podesse resistir a todas as forças juntas de outra Naçaõ. Se huma Ilha póde sustentar-se contra o ataque, de huma Náo, ou duas, naõ o poderá fazer contra quatro; e se estas naõ bastaõ, huma Esquadra de dobradas forças poderá conquistar a Ilha mais bem fortificada do mundo, isto mesmo se póde dizer a respeito de qualquer Provincia dos Estados mais poderosos do Continente. A Alemanha por exemplo, ou a França, naõ poderiaõ evitar, que a Naçaõ mais fraca dos seus visinhos, acommettendo de repente com forças superiores huma das suas Cidades, ou Provincias, a naõ invadisse. Mas violar qualquer territorio alheio, he huma das mais atrozes injurias, reconhecidas entre as Nações. E de que serviria ao usurpador huma semelhante empreza? A potencia invadida cahiria sobre elle com todas as suas forças, e quando estas naõ fossem bastantes, naõ haveria Naçaõ alguma na Europa, que se recusasse a fazer-lhe justiça, reunindo-se contra o injusto aggressor, até que ao Soberano legitimo fosse restituida a Provincia, Cidade, ou Ilha assim usurpada. Em quanto houver Lei natural, e se respeitarem os principios do Direito das Gentes, será inalteravel esta regra, que faz de mais disso toda a segurança das Nações, e he indispensavel para manter o equilibrio politico. He certo que naõ tendo os Hespanhoes direito legitimo sobre as Ilhas, pertenderiaõ conserva-las por meio da força, e violencia; o que sempre he de pouca presistencia. Porém felizmente este governo só durou sessenta annos, desde 1580 até 1640, em que foi restabelecido em Portugal o Governo dos seus legitimos Soberanos. As Ilhas dos Açores descobertas, povoadas, e cultivadas pelos Portuguezes, pertencem taõ legitimamente á Monarchia Portugueza, como qualquer outra parte dos seus Estados; e he por isso que ellas sempre seguiraõ a sorte da sua metrople. Saõ pois os Direitos sagrados da propriedade, e dominio, que conservaõ estas Ilhas aos Monarchas Portuguezes ha mais de tres seculos, tendo sómente aquellas fortificações que dicta a boa razaõ. Naõ saõ as forças limitadas de huma Ilha, que a podem conservar, saõ as forças de toda a Naçaõ, e sobre tudo os direitos legitimos por onde ella pertence á Potencia, que a domina. Faltando aos Hespanhoes estes titulos, inuteis eraõ todas as fortificações, assim como o foi o sangue dos Portuguezes, que elles derramáraõ, fazendo degolar huns, enforcando outros, e degradando outros. Restaurado o Governo Portuguez, logo as Ilhas começáraõ a respirar, foi restabelecida a sua antiga felicidade, e continuáraõ a prosperar de dia em dia. SEGUNDA PARTE _Desde a creaçaõ da Capitania Geral, até a passage da Corte para o Rio de Janeiro._ As Ilhas dos Açores taõ protegidas pelo Governo, e favorecidas pela natureza, naõ podiaõ deixar de ter hum progresso maravilhoso; e os seus moradores naõ soffrendo hum só imposto, que podesse desanimar o Cultivador, leváraõ a cultura das terras ao maior gráo de perfeiçaõ. O trigo, o milho, os legumes, a vinha, as frutas, com especialidade a laranja, cobrem este Paiz por toda a parte, onde as repetidas explusões dos fogos vulcanicos o naõ tem esterilisado[5]. Augmentadas pois as relações da Sociedade Civil pela multiplicaçaõ dos habitantes das mesmas Ilhas, e suas riquezas, e fazendo-se mais complicada a administraçaõ da Justiça, e direcçaõ do Governo, achou conveniente o Senhor Rei D. José I., por Decreto de 2 de Agosto de 1766, estabelecer alli huma Capitania Geral, com residencia do seu Chefe na Ilha Terceira; creando tambem Juizes de Fóra em todas as Ilhas, e hum Corregedor para as de S. Miguel, e Santa Maria, desmembradas da Correiçaõ de Angra, que ficou comprehendendo as outras sete Ilhas. Por Alvará da mesma data foraõ abolidas as Ordenanças chamadas de Pé de Castello da Cidade de Angra, e fortalezas da sua dependencia, substituindo-as com tropa regular de Infantaria, e artilheria. Organisado por esta fórma o Governo Militar, e Civil, e postas as Ilhas debaixo de huma administraçaõ mais regular, ficáraõ os seus moradores gosando de huma felicidade mais sólida, certos nos seus direitos, e seguros nas suas propriedades, e dominios. He sabido o muito que soffrem os póvos, e o quanto padece a administraçaõ da Justiça nas grandes povoações regidas por Juizes Ordinarios, e Magistrados naturaes dellas, nos quaes, como observa o Alvará de 7 de Maio de 1801, além de faltar a Sciencia do Direito para a direcçaõ dos Negocios, accrescem as paixões do amor, e do odio, que entre os moradores das mesmas terras costumaõ ser frequentes, e irremediaveis por sua natureza. Ainda hoje se apontaõ nas mesmas Ilhas predios, de que os seus antigos proprietarios tinhaõ sido violentamente privados por outros mais poderosos. Em Portugal geralmente nos primeiros tempos da Monarchia, e até o reinado do Senhor D. Joaõ II. em quanto a singelleza dos costumes, e a menor complicaçaõ dos negocios naõ permittiaõ maior número de Leis, eraõ estas administradas por quaesquer homens bons, e de probidade das terras. Mas quem ignora a simplicidade dos costumes dos tempos anteriores ao Senhor Rei D. Joaõ II., e por isso os poucos letigios, as poucas relações Commerciaes, o pouco luxo? Nas maiores Cortes da Europa naõ se conhecia entaõ a sombra do fausto, que hoje se encontra nas mais pequenas Cidades: ainda muitos annos depois no Reinado de Francisco I. de França (segundo nota o Author do Ensaio sobre a Historia Geral) sómente havia em París duas carruagens, huma do uso da Rainha, outra da célebre grande Senescal; homens, e mulheres andavaõ a cavallo. Naõ havendo de mais disto até entaõ em Portugal Corpo de Leis geraes, e governando-se as Cidades, e Villas por Foraes, e Leis particulares, qualquer homem probo era sufficiente para alli ser Magistrado. Crescendo pois as relações Commerciaes, e Civis, augmentado o luxo, e estando já publicado o Codigo do Senhor D. Affonso V., determinou seu filho o Senhor D. Joaõ II. denominado o Sabio, que os Corregedores, e os Magistrados principaes das Provincias fossem Jurisconsultos. Administrar a Justiça aos seus semelhantes, e manter as Leis, fundamento, elaço da sociedade Civil, he huma das mais nobres funções da humanidade, porém ao mesmo tempo a mais ardua, e difficil de bem desempenhar, naõ só pelas qualidades relevantes, que devem adornar aquelles, que saõ encarregados de a exercer, mas tambem pela vastidaõ de conhecimentos que requer a Jurisprudencia, e pela multidaõ de idéas, que deve ter o Magistrado. Naõ he bastante conhecer todas as Leis do seu Paiz, assim como tambem o direito Politico, e das Gentes, he preciso ainda saber a Historia, a Geografia, a Chronologia, os usos, e costumes da sua Naçaõ, todas as mudanças, ou alterações, que tem havido no seu Governo: He indispensavel tambem ter noticia dos estilos, e decisões dos Tribunaes, para os seguir nos casos identicos, e para que a propriedade, e a vida dos Cidadãos estejaõ certas, e naõ dependaõ de variedade de Juizos. «N'huma Monarchia, diz Montesquieu, a administraçaõ da Justiça, que naõ decide sómente da vida, e dos bens, mas tambem da honra, requer indagações escrupulosas. A delicadeza do Juiz augmenta á medida, que elle tem maior deposito nas suas mãos, e que elle pronuncía sobre maiores interesses. Por isso nos naõ devemos admirar de achar nas Leis destes estados tantas regras, restricções, extenções que multiplicaõ os casos particulares, e parecem fazer huma Arte da mesma razaõ[6]» Mil outras circumstancias indicadas pelo mesmo sabio, concorrem para fazer summamente complicada, e digna de grandes estudos a Jurisprudencia, esta Sciencia, que segundo os Jurisconsultos Romanos, exige hum conhecimento geral de todas as cousas, tanto sagradas, como profanas. Pelo mesmo Decreto da creaçaõ dos Juizes de Fóra de 2 de Agosto de 1766, se determina, que os Naturaes das mesmas Ilhas seraõ preferidos a outros quaesquer, nos despachos daquelles lugares; bem entendido, naõ sendo para a propria Ilha, donde saõ oriundos, mas para qualquer das circumvisinhas. Dois principios da mais sábia politica apresenta esta Lei; primeiro, o de beneficiar, e honrar os Naturaes do Paiz, contra a pratica ordinaria das mais Nações com as suas Colonias; segundo, o de prevenir os inconvenientes de administrarem a Justiça na propria Patria, e entre os parentes: Esta Lei admiravel he cuidadosamente observada no Imperio da China, onde nenhuma pessoa póde ser nem Governador, nem Juiz na Provincia onde nasceo[7]. Por Alvará de 26 de Fevereiro de 1771 foraõ as Ilhas mandadas reputar, como partes adjacentes, e verdadeiras Provincias do Reino, determinando-se que fosse livre, e geral a extracçaõ do trigo das mesmas para Lisboa, e que só no caso de necessidade, para o sustento dos seus moradores, poderáõ as Camaras fazer a reserva da terça parte. A mesma Lei providencêa com penas contra os Officiaes das Camaras por qualquer abuso, ou transgressaõ; mas naõ os priva da inspecçaõ sobre este ramo, que diz respeito ao sustento dos Póvos, e que pelas Ordenações do Reino, e mais Leis lhe está incumbido[8] naõ para os coartarem, ou impedirem a exportaçaõ em geral, mas para poderem em tempo providenciar sobre qualquer falta, que possa acontecer: e he neste sentido que se entendem as licenças, de que falla a Ordenaçaõ do Livro 5.^o Tit. 76, relativas ao trigo, milho, e mais grãos formentaceos; sendo as licenças que alli se mandaõ pedir, como hum manifesto para poder saber-se, por meio delle, as circumstancias da terra naquelle importante ramo do primeiro alimento do homem. Bem como nas Alfandegas se tira despacho para todas as fazendas, que se embarcaõ, ainda mesmo que sejaõ das livres, que naõ pagaõ direitos, sem que por isso se possa dizer que ha dependencia dos Officiaes das mesmas Alfandegas; porque qualquer abuso da parte destes, seria hum erro do seu officio, pelo qual seriaõ punidos, assim como tambem no primeiro caso, o devem ser os Officiaes da Camara na fórma do citado Alvará. Estas mesmas licenças se achaõ em dezuso na Ilha de S. Miguel; alli se embarca o graõ de toda a qualidade, sem alguma dependencia, se pelo meio do anno a Camara conhece, que em razaõ da exportaçaõ já feita póde faltar milho, ou trigo para o sustento do Povo, manda fazer reserva do que se julga necessario para prover o Celeiro Público, fazendo calculo da porçaõ, que se póde consumir por mez, até a nova colheita; e acautelado por esta fórma o provimento do Celeiro, se continúa a exportar todo o remanescente: observada assim a Ordenaçaõ, que determina no Liv. 5.^o Tit. 76. §. 8., que toda a pessoa que tiver paõ seu, ou de suas rendas, o poderá levar livremente onde quizer, deixando a terça parte no lugar, donde o tirar, e podendo mesmo levar essa terça parte com licença da Camara do dito lugar. A experiencia tem mostrado que, todas as vezes que outras quaesquer Authoridades, que naõ sejaõ as Camaras, se tem engerido sobre o negocio da exportaçaõ, do graõ das Ilhas, sempre as consequencias tem sido funestas. Como as Camaras saõ compostas das pessoas mais consideraveis das Cidades, e Villas, com muita sabedoria as encarregou o Legislador Portuguez daquella inspecçaõ; porque sendo elles por huma parte os maiores proprietarios das Terras, mais que ninguem interessaõ, em que os generos da producçaõ das mesmas tenhaõ o maior valor; o que muito anima a lavoura; e pela outra parte, sendo ligados por tantas relações de parentesco, de amisade, e de outras muitas considerações com os mais habitantes, elles deveraõ interessar-se na sua felicidade, e na sua conservaçaõ. He cousa maravilhosa ver, como os nossos mais antigos Legisladores fizeraõ estabelecimentos, que os Sabios, e Filosophos tem trabalhado seculos depois para fazer adoptar ás outras Nações. Ouçamos o Abbade Condilhac a respeito dos regulamentos do Governo da França sobre a Policia dos grãos: nos tempos antigos, diz este illustre Author, gosava aquelle Commercio na França de huma plena, e inteira liberdade; e multiplicando-se os Commerciantes á proporçaõ da necessidade, a circulaçaõ se fazia sem obstaculos, e punha aquelle genero por toda a parte no seu verdadeiro preço. Porém que ao depois, accrescenta elle, intromettendo-se o Governo a querer fazer regulamentos sobre o Commercio dos grãos, humas vezes prohibíra a exportaçaõ, e importaçaõ, aquella com o fundamento--de que poderia haver falta no paiz, e esta com fundamento.--de que os trigos de fóra poderiaõ fazer cahir os da terra em vil preço. Elle mesmo observa, que estas prohibições versavaõ sobre falsas supposições; porque huma circulaçaõ livre põe necessariamente os trigos ao nivel por toda a parte: naõ se importaõ trigos de mais, porque esse superfluo naõ se venderia, ou vender-se-hia com perda; e naõ se exportaõ os trigos, que saõ necessarios no Paiz, porque naõ haveria interesse em os ir vender n'outra parte. Depois daquellas prohibições do Governo, em o primeiro anno o preço do trigo abaixou; no segundo abaixou mais; e no terceiro veio a hum preço infimo. A cultura decahio, houveraõ menos terras semeadas, seguiraõ-se, como he natural, annos de fome, e o preço do trigo foi excessivo. Tal foi o effeito dos Regulamentos que defendiaõ a exportaçaõ, e importaçaõ: naõ foi mais possivel pôr nos seus verdadeiros preços, nem os trigos, nem os salarios; e naõ houve senaõ miseria, ou entre os cultivadores, ou entre o Povo. Outras vezes permittio o Governo a importaçaõ com o fundamento de terem recursos em hum anno de esterilidade, mas defendeo a exportaçaõ pelo motivo de se naõ exporem á necessidade daquillo mesmo, que possuiaõ. Outras vezes permittio a exportaçaõ dizendo, que quanto mais trigo se exportasse da França, maior seria o seu preço; que sendo maior o preço, e por consequencia maior o beneficio do cultivador, mais cultivará este, e mais florecente será a Agricultura: mas que naõ convinha permittir a importaçaõ, porque ella faz cahir em preço baixo os trigos do Paiz. O mesmo Author refere os infinitos inconvenientes de todos estes planos, e os males inauditos, que todos elles trouxeraõ ao Estado, louvando os Governos, que tem a sabedoria de se pouparem a semelhantes cuidados, deixando livre a circulaçaõ destes generos[9]. «Consistindo a sustentaçaõ (diz hum Monarcha, Portuguez) e as riquezas essenciaes de todos os Póvos nos primeiros cabedaes, que produzem a lavoura, e a industria dos habitantes, deve por isso animar-se a primeira, e favorecer-se a segunda, de sorte qua os frutos naturaes, e industriaes, que sobejando em huns lugares, constituem nelles hum cabedal inutil, e morto, possaõ renascer, e fazer-se lucrosos pela exportaçaõ para outros lugares, que delles necessitaõ.»[10] No anno de 1795 havendo huma grande esterilidade em Portugal, e em toda a Europa, e querendo o Ministerio tomar medidas para prover a Capital, despedio para este fim hum Aviso ao Governo Geral das Ilhas, encarregando-o de fazer conduzir dalli todo o mantimento possivel para Lisboa. Naquelle Aviso Regio, que he datado de 27 de Abril de 1795, se notaõ estas proprias palavras--bem entendido que desta exportaçaõ, ou seja para a dita Ilha da Madeira, ou para esta Capital, se devem reservar todos os grãos, que se arbitrarem precisos para o provimento ordinario das povoações de que se compõe esse Governo, e para as sementeiras, que ainda lhe pode permittir a Estaçaõ; de maneira que, feita com segurança esta recommendada pervençaõ, a favor desse territorio, e da referida Ilha da Madeira, todos os mais grãos que se julgarem superfluos, sejaõ remettidos a este Reino.--Apezar da consternaçaõ da Capital, naõ se mandaõ exhaurir as Ilhas do graõ, que lhe he indispensavel. Eis-aqui como hum bom Paiz, acodindo ás necessidades de huma parte da sua familia, naõ perde de vista as precisões da outra. O bem geral da Sociedade he o objecto das Leis: permittir a total exportaçaõ dos mantimentos de huma Ilha sem acautelar o sustento dos seus moradores, seria mui pouco racionavel. No Continente numa Provincia, que soffre qualquer falta, póde mui promptamente ser soccorrida; porém n'huma Ilha separada dos outros Paizes por largos mares, se acaso o interesse do Commercio animar a huma taõ grande exportaçaõ, que no meio do anno fique extincto o graõ, he indispensavel que os seus moradores padeçaõ pelo resto do anno[11]. N'huma Ilha governada com esta improvidencia, o Povo, principalmente a classe dos pobres, e dos artifices, que he o maior número, teriaõ huma vida precaria, e dependente do interesse, que o Commercio dos grãos offerecesse nas Praças do seu destino. N'huma tal Ilha seriaõ frequentes as emigrações; os seus habitantes incertos de lhe faltar repentinamente o paõ, que he necessario para a vida diaria do homem, procurariaõ passar-se para outro Paiz, onde a sua subsistencia fosse menos contingente. Elles veriaõ com dôr levar d'ante os seus olhos os mesmos fructos, que haviaõ cultivado com suas mãos, e seriaõ reduzidos a penuria no meio da abundancia. A sua sorte poderia comparar-se com os tormentos, que os Poetas figuraõ ao infeliz Tantalo padecendo no Tartaro; estalando de fome, e sêde, pendem sobre a sua cabeça preciosos pomos, a agoa lhe sobe até ao peito; mas se o malfadado alça a maõ para colher aquelles, elles lhe fogem, se tenta nesta saciar a sêde, que lhe devora as entranhas abrasadas, ella se retira. No mesmo tempo da creaçaõ do Governo, e Capitania Geral, tinha o Senhor D.José I., por Carta Regia de 2 de Agosto de 1776, mandado estabelecer Celeiros públicos nas Cidades de Angra, e Ponta Delgada: Porém infelizmente nesta ultima Cidade, ou fosse por principios erroneos, que alli houvessem sobre o bem público, e interesses dos seus habitantes, ou por outra qualquer causal, naõ teve algum effeito aquelle estabelecimento até ao anno de 1807. Foi nesta épocha que sendo Governador, e Capitaõ General o Excellentissimo D. Miguel Antonio de Mello, depois de precederem as informações mais circumspectas, e do mais serio exame, já relativamente ao bem público, já ao interesse da Real Fazenda, se mandou instaurar na Cidade de Ponta Delgada, em S. Miguel, o Celeiro Público por Provisaõ da Junta da Real Fazenda do 1.^o de Dezembro de 1807[12]. He a este Capitaõ General, que os moradores da Cidade de Ponta Delgada, e de toda a Ilha devem o restabelecimento daquella taõ sábia, e paternal providencia do Soberano, de cujos beneficios foraõ os seus Vassallos privados por tantos annos. Desde entaõ naõ se experimentáraõ ainda naquella Ilha os encommodos, a que d'antes estavaõ sujeitos os seus habitantes. Mas naõ he este o unico bem, que as Ilhas dos Açores devem a hum Chefe taõ recommendavel pela sua integridade, e distincto pelo seu saber. N'huma Provincia remota, onde as vistas beneficas do Soberano naõ podem facilmente penetrar, onde os raios daquelle sol creador só podem cahir obliquamente, e muitas vezes através de denças nuvens, he sem dúvida que a bondade dos Governadores tem huma grande influencia na felicidade dos Póvos. As Ilhas dos Açores naõ tiráraõ tambem pequenas vantagens das providentes Leis do Senhor Rei D. José I. da 9 de Setembro de 1769, e 3 de Agosto de 1770, que coarctáraõ a faculdade de estabelecer vinculos, ou Morgados, naõ o permittindo sem preceder Authoridade Regia, e por serviços feitos á Corôa nas armas, ou nas letras, ou tambem no Commercio, na Agricultura, ou nas Artes liberaes. He indizivel o abuso que alli se hia introduzindo naquellas instituições, nas quaes naõ só fica fraudada a Coroa nas Cisas, e nas outras imposições públicas, mas tambem limitado o Commercio dos Vassallos, e prejudicada a Agricultura, e a populaçaõ, que saõ sempre dependentes dos progressos da propriedade[13]. Porém estes males foraõ remediados; pois que sendo aquelles estabelecimentos indispensaveis nas Monarchias para conservaçaõ das familias, e para manter a honra, que segundo Montesquieu, he a mola, e o fundamento de semelhantes Estados, e póde nelles inspirar as mais bellas acções, parece que só como em remuneraçaõ de serviços muito relevantes, e a pessoas recommendaveis pelos seus feitos, e talentos, convinha permittir-se a sua instituiçaõ; e he o que as referidas Leis vieraõ determinar, fazendo ao mesmo tempo abolir todos os vinculos, que naõ chegaõ ao rendimento de 100$000 réis. Destas mesmas instituições provém os muitos letigios, que grassaõ nas Ilhas entre os Parentes, pela repugnancia, que alguns Morgados tem em prestar alimentos na fórma da Lei Patria, a seus irmãos, e muitas vezes aos proprios progenitores. Toda a legislaçaõ dos nossos Augustos Monarchas he digna do mais Sabio Legislador: em toda se procura estabelecer o bem público, e a felicidade dos Vassallos, inculca-se a boa moral, prescreve-se o respeito, a Religiaõ, a veneraçaõ aos Pais. «O fundamento do Governo Chinez, diz Mr. de Voltaire, he o respeito dos filhos para os Pais: a authoridade Paterna, nunca alli affrouxa; hum filho naõ póde pleitear contra seus Pais, sem obter primeiramente o consentimento de todos os parentes, dos amigos, e dos Magistrados. Os mandarins letrados saõ considerados como os Pais das Cidades, e das Provincias, e o Rei como o Pai do Imperio. Esta idéa arreigada nos corações, fórma huma familia deste Estado immenso.» Os nossos Sabios Legisladores conhecendo estas verdades, tem promulgado Leis naõ menos providentes. Entre nós os filhos saõ obrigados a alimentar seus Pais, nenhum filho póde letigar com seu Pai, ou Mãi, sem obter primeiro licença do Magistrado, a que em Direito se chama Alvará de Venia: o filho menor que casa sem licença do Pai, ou Mãi he desnaturalisado das familias a que pertence, e privado das suas heranças. Desta pena que he expressamente estabelecida nas Leis de 19 de Junho, e 29 de Novembro de 1775, sómente saõ exemptos os que obtem antecipadamente, e com audiencia dos Pais, a permissaõ do Soberano immediatamente, ou Provisaõ do Desembargo do Paço, por meio da qual fique supprida a referida licença. Esta regra tem principalmente lugar a respeito dos Morgados, porque naõ sendo o seu Estabelecimento de Direito Natural, o qual antes persuadiria que os filhos deviaõ ter igual parte nos bens dos Pais[14]; mas sendo de Direito Civil, e Politico, isto he, permittidos, e regulados pelo Soberano,[15] licito he ao mesmo Soberano prescrever as Condições, com que qualquer filho ha de preferir a seus irmãos na successaõ dos vinculos dos seus progenitores; e naõ querendo este sujeitar-se áquellas Condições, nenhum direito tem á preferencia; principalmente quando com o seu procedimento, infringindo a disposiçao da Lei Civil, offende ao mesmo tempo a Lei natural, que prescreve todo o respeito, e veneraçaõ áquelles que nos deraõ o ser. O legislador illustrado apparece ainda na Jurisprudencia Forense dos Portuguezes. E póde asseverar-se que a ordem do Processo Civil estabelecida na Ordenaçaõ do Reino em o Livro 3.^o, Tit. 20, he superior ao processo de todas as mais Nações da Europa. O processo Portuguez, tirados os abusos, contra a Lei introduzidos, he o mais sabiamente regulado, o mais breve, e o menos despendioso. Dentro em poucos mezes, se podem concluir em qualquer instancia as demandas mais importantes intententadas ordinariamente. A Lei prescreve tempo certo para cada huma das allegações: offerecido em Juizo o Libello, em que o Author propõe a sua acçaõ, deve o Réo vir com a contrariedade, e defeza, dentro em dois termos, isto he, no tempo de duas audiencias, que costumaõ fazer-se em cada huma semana; assignaõ-se mais dois termos, hum para a Replica do Author, outro para a Treplica do Réo, que devem levar outra semana. E aqui temos em quinze dias formadas todas as alegações, em que se funda a acçaõ. Organisado o processo nesta ordem, manda a Lei assignar 20 dias de dilaçaõ para se produzirem por ambas as Partes todas as suas provas, tanto de testemunhas, como documentos: findo este praso, novamente se assignaõ dois termos a cada huma das Partes para formarem as suas razões finaes, e logo se fazem conclusos os autos para o Juiz dar a Sentença difinitiva. Todos estes termos regulados pelo Legislador saõ peremptorios, e os Julgadores os naõ podem reformar: «diz a Lei, nem poderáõ delles fazer graça alguma, antes por esse mesmo feito as Partes, e seus Procuradores sejaõ havidos por lançados do com que houveraõ de vir, posto que a Parte contraria naõ accuse sua contumacia. E naõ será necessario outra obra, mandado, pronunciaçaõ do Julgador, sómente terá poder para assignar hum só termo, que lhe parecer igual, e rasoado, o qual passado naõ poderá reformar outro.»[16] Nada esqueceo ao Legislador Portuguez para fazer abbreviar os processos, e se decidirem promptamente os letigios entre os seus Vassallos. Mas qual he o estabelecimento humano, de que se naõ possa abusar? Os abusos introduzidos no nosso Fôro saõ inexplicaveis, e os termos taõ positivamente marcados pela Lei saõ de tal sorte alterados, que naõ he raro, em lugar do praso, v. gr. das duas audiencias, dentro das quaes devia o Réo vir com a sua Contrariedade, ou de huma audiencia em que devia apresentar a Treplica, ver passar naõ só mezes, porém annos, paliados com Requerimentos, Cottas, e Aggravos. Tanto nas Ilhas, com em Portugal, tinha esta relaxaçaõ chegado ao ultimo excesso. Porém estes inconvenientes estaõ prevenidos pela Lei, e huma vez. que os Magistrados tenhaõ firmeza na sua execuçaõ, póde o mal ser remediado. Naõ he incompativel com a affabilidade, que convém ao Julgador o ter ao mesmo tempo constancia, e resoluçaõ. Mas a lentidaõ dos processos nasce ainda de outro abuso, o qual impossibilita os Magistrados de preencherem a mente das mesmas Leis: consiste este abuso em se accumularem muitos empregos na mesma pessoa, que por isso naõ póde desempenhar nenhum perfeitamente. Por Lei de 28 de Outubro de 1644 se determina, que se naõ daráõ jamais dois officios a huma mesma pessoa, _naõ só pela difficuldade de se poderem bem desempenhar differentes occupações, mas tambem para que repartindo-se o galardaõ por mais pessoas haja com que premiar os benemeritos_. Que sábia, e providente Lei! Mas he ella executada? Naõ vemos nós accumulados em alguns individuos tantos officios, e cargos, que dariaõ que fazer a muitos homens dos mais expeditos? E o mais he percebendo os ordenados de todos elles, contra outra Lei, que positivamente prohibe que algum Funccionario receba dois ordenados, ainda que sirva dois differentes officios! Decreto de 29 de Julho de 1668, e Carta Regia de 11 de Setembro do mesmo anno. Com que justiça amontuar nas mãos de hum só homem taõ avultados ordenados, que poderiaõ fazer felizes muitos Cidadãos benemeritos, e sustentar muitas familias? Este mal he digno de prompto remedio, porque o serviço público soffre extremamente. Os processos Civis saõ eternos; e os mesmos Criminaes, que a Lei manda ultimar dentro em seis mezes, duraõ annos, e annos. As Cadêas por toda a parte estaõ cheias de desgraçados. Mas se elles saõ culpados, he preciso que o seu prompto castigo sirva de exemplo aos outros; e se estaõ innocentes ha maior barbaridade do que retellos por longo tempo encarcerados entre os criminosos? Este mesmo inconveniente se encontra nos officios de todas as repartições: ha tal individuo, que naõ sabe dar conta aos officios, que tem impalmado; porém a citada Lei de 1664, considerando nullas as mercês dos segundos officios, feitas á mesma pessoa, determina que elles seraõ dados a quem os denunciar. He por tanto justo, que conservando-se hum só a cada pessoa, que tiver muitos, sejaõ dados os outros a quem os merecer. E he huma inconsequencia a mais absurda o dar officios, seja de Justiça, ou Fazenda, a pessoas que naõ podem, nem os querem exercer: he como se se conferissem os postos militares a homens paisanos, e inhabeis para as armas. Nenhum officio devia ser dado a pessoa inhabil, ou impossibilitada de o exercer; porque o serviço público, e o bem geral naõ deve ser sacrificado ao interesse particular de hum individuo. Pedir os officios sómente para utilisar os seus ordenados, e abandonados a pessoas, que se sujeitaõ a exerce-los por huma diminuta parte dos mesmos ordenados, naõ póde ser tolerado n'hum paiz bem governado: nem he confórme a Lei patria, que determina que todos os Officiaes sirvaõ por si os seus officios. Além das acções ordinarias de Libello, temos outras Summarias, em que o processo he muito mais rapido; sendo entre todas notavel a acçaõ chamada de juramento de alma. Nesta acçaõ he chamado o Réo para comparecer com o Author em audiencia pública perante o Juiz, alli pelo juramento encarregado ao mesmo Réo, ou Author, se aquelle se recusa presta-lo, he decidida summarissimamente a questaõ, e executada em poucos dias a Sentença. Devendo notar-se que por meio desta acçaõ summaria, se podem decidir as demandas de maior valor, huma vez que as Partes nisso convenhaõ. Podemos por tanto affirmar, que o Plano do nosso Processo he excellente, e o mais sabiamente regulado. Na França por exemplo, a ordem do processo regulada por Luiz XIV. he cheia de imperfeições, e de fórmulas inuteis, como confessaõ os mesmos Authores Francezes, e as alterações posteriores naõ tem conseguido a sua perfeiçaõ. Em Inglaterra «as demandas de pouca entidade, diz Mr. Pillet, he verdade saõ decididas promptamente, porém os letigios de maior importancia saõ taõ dispendiosos, que os litigantes, a naõ serem possuidores de grandes fortunas, estaõ de tal sorte persuadidos de completar com elles a sua ruina, que preferem o silencio, e abandonaõ os seus direitos. A subtileza nos Processos, o embaraço das dilações, e das fórmulas, as despezas immensas, que traz huma demanda em Inglaterra; a escolha, ou a consagraçaõ de certos termos Saxões, Normandezes, Hebraicos, e Latinos para designar os differentes generos das Acções, e os seus progressos, todas estas cousas saõ cem vezes mais inintelligiveis, e mais barbaras, do que ellas o eraõ em França antes da Revoluçaõ.» He isto hum Francez que falla, e que descrevendo os defeitos do processo forense entre os Inglezes, confessa ao mesmo tempo a inintelligencia, e barbaridade do processo Francez. As excellentes Leis Portuguezas,[17] a boa ordem estabelecida nas Ilhas pelos cuidados paternaes; dos Soberanos, o Caracter natural dos seus nacionaes activos, e industriosos, concorrêraõ tanto para a sua prosperidade, que o terreno limitado das mesmas Ilhas naõ he sufficiente para conter o immenso povo, que alli nasce, sahindo por isso todos os annos grande número de pessoas, que vaõ empregar-se na navegaçaõ, ou estabelecer-se nos Brazis[18]. Os habitantes desta Capitania andaõ por 160$ almas. Este número naõ deixará de causar admiraçaõ, a quem souber que huma grande parte do terreno destas Ilhas he inhabitavel, e naõ admitte cultura alguma, já por ser montanhoso, já por ser verdadeira rocha em circumferencia de todas ellas, já pelos estragos do fogo, que nas suas expulsões revolveo antigamente o interior de quasi rodas, reduzindo-o a pedra queimada. Estes estragos saõ principalmente sensiveis nas Ilhas do Pico, e de S. Miguel, nas quaes mais da metade do terreno he infructifero[19]. Pelas mesmas razões he espantosa a producçaõ das mesmas Ilhas, porque depois de providos abundantemente os seus habitantes, ellas supprem em grande parte a sustentaçaõ dos moradores da Ilha da Madeira, e do Reino de Portugal. Da Ilha de S. Miguel se exportaõ todos os annos de dez até doze mil moios de graõ, segundo a maior, ou menor abundancia da colheita[20]. De laranja, e limaõ de 40 a 50 mil caixas, carne de porco, e toucinho de 300 a 500 arrobas. E algumas mil varas de panno de linho. A proporçaõ destes generos póde conhecer-se pelo exemplo de hum anno dos mais regulares, v. gr. no anno de 1809 sahio daquella Ilha, milho 5:270 moios; trigo 675 moios, e 35 alqueires; favas 2:812 moios, e 55 alqueires; feijaõ 1:177 moios, e 55 alqueires; laranja 21:238 caixas; limaõ 4:660 caixas; toucinho 259 arrobas; carne de porco 118 arrobas; panno de linho 3:009 varas. Da Ilha de Santa Maria sahem 200 moios de trigo, e cousa de 100 rezes. Da Ilha Terceira embarcaõ-se 15 mil caixas de laranja, e de trigo sahe hum, ou dois navios carregados para Lisboa, ou Ilha da Madeira. A Ilha do Pico produz annualmente de 10 até 20 mil pipas de vinho[21], que por naõ haver naquella Ilha porto capaz de receber navios, he todo transportado em barcos para a Ilha do Fayal, atravessando hum canal de legua e meia; e dalli se exporta para a America Ingleza, as Antilhas, a Russia, e para o Reino do Brazil, onde tambem se consome huma grande parte de agoa-ardente da mesma Ilha. Tambem exporta algum gado; mas naõ produz graõ sufficiente para os seus habitantes, sendo nesta parte provída pela Ilha do Fayal, a qual he summamente fertil, e produz bastante trigo, e milho para o seu sustento, e supprir o que falta na Ilha do Pico. A Ilha de S. Jorge exporta algum gado para a Terceira, e Madeira, e poucas pipas de vinho. A Graciosa he fertil em legumes, com que fornece algumas das outras Ilhas; e apezar da pequenez do seu terreno, exporta quantidade de cevada, e produz acima de 4 mil pipas de vinho, de que a maior parte he reduzido a agoa-ardente. A Ilha das Flores exporta para Portugal, e Madeira 600 moios de trigo, e 300 rezes[22]. TERCEIRA PARTE _Desde a passage da Casa Real para o Rio de Janeiro._ A Mudança do assento da Metropole Portugueza he hum daquelles grandes acontecimentos, que assignalaõ os tempos, dividem as idades do Mundo, e formaõ huma Epocha memoravel em todas as Nações. O Globo inteiro tem sentido mais de huma vez o impulso dado pela Naçaõ Portugueza. Esta Naçaõ com as suas descobertas na passage do Cabo de Boa Esperança, fez recuar os limites do Mundo, como se explica Mr. de. Voltaire, abrindo a todas as Nações hum caminho, até entaõ desconhecido, para passar á Asia. Este grande acontecimento fez mudar o Commercio de todos os Paizes, e desconcertar todos os systemas. Desde entaõ tudo o que a Natureza produz de mais raro, util, e agradavel, foi conduzido para a Europa, com menos despezas pela nova Estrada, anniquilado totalmente o Commercio da India, que antigamente se fazia pelo Mediterraneo atravez do mar Vermelho, e Egypto. Póde ainda dizer-se, que ao Genio dos Portuguezes he devida a existencia Politica da Europa. «Sem a descoberta de Vasco da Gama, diz o Abbade Reinal, o archote da liberdade da Europa, se teria apagado, e talvez para sempre. Os Turcos hiaõ substituir estas Nações ferozes, que das estremidades da Terra tinhaõ vindo tomar o lugar dos Romanos, para opprimir a sua superfície, e a essas instituições barbaras teria succedido hum jugo mais pesado ainda. Este acontecimento era inivitavel, se os terriveis vencedores do Egypto naõ tivessem sido repellidos pelos Portuguezes nas differentes expedições, que estes tentáraõ na India. As riquezas da Asia lhe seguravaõ as da Europa, Senhores de todo o Commercio do mundo, elles teriaõ tido necessariamente a mais temivel marinha, que já mais se teria visto. Que obstaculos poderiaõ entaõ suspender sobre o nosso Continente este povo Conquistador pela natureza da sua Religiaõ, e da sua Politica?[23]» Se pois os Portuguezes, segundo a opiniaõ deste Politico, naõ tivessem com as suas victorias suspendido os progressos do fanatismo dos Mozulmães, e quebrado o curso impetuoso das suas conquistas, cortando-lhe o nervo das riquezas, perdida estava a liberdade do mundo. Taes foraõ os resultados da passage dos Portuguezes pelo Cabo Tormentoso, no Reinado do Senhor Rei D. Manoel. E quando a mudança da sua Capital para o Brazil, no Governo actual nos devia fazer esperar ainda mais felizes vantagens, males a milhares recahíraõ sobre os Portuguezes da Europa. E foi pela primeira vez, que nas Ilhas dos Açores, apontou o flagello dos tributos, quando até entaõ nenhum outro alli era conhecido, mais do que o Dizimo Ecclesiastico, e o subsidio literario, imposto tenue dos vinhos, destinado para o pagamento dos Mestres das primeiras letras: O que mostra o amor, e a benignidade, com que haviaõ sido sempre tratados pelos seus Monarchas. Depois daquella fatal mudança, cinco tributos foraõ impostos naquellas Ilhas em menos de hum anno; taes saõ, a Decima dos Predios urbanos[24]: A Cisa nas Compras, e Vendas[25]: O Imposto de 5 réis em cada arratel de Carne verde cortada nos Açougues[26]: O Imposto dos sellos, e Decima das heranças, e legados[27]. Muito bem entendidos seriaõ estes tributos, se a necessidade do Estado assim o pedisse, por naõ pesarem nem na Agricultura, nem nos Artistas directamente: o ultimo sobre tudo recahindo em bens, que nos advem graciosamente por favor dos estranhos, ou Colatraes, e naõ nos bens, que nos vem dos nossos ascendentes, he hum meio politico, e mui poderoso para fazer promover os Casamentos, e conseguintemente para animar a populaçaõ, objecto que aos mais Sabios Legisladores mereceo sempre hum grande cuidado[28]. Mas como se poderiaõ dizer impostos estes tributos por necessidade, se nesse mesmo tempo se faziaõ mercês avultadissimas aos Valídos? Infinitas Capellas vagas, e outros muitos bens que se achavaõ na administraçaõ da Fazenda Real em todas as Ilhas, e que lhe rendiaõ todos os annos huma somma immensa, tudo está hoje dado, ou para melhor dizer, usurpado por aquelles egoistas, que tem abusado da bondade do Rei, enganando-o sobre o valor daquelles bens, pois que nunca os podéraó alcançar em quanto Sua Magestade residio em Portugal, donde facilmente se podia informar do que lhe pediaõ. Talvez que o valor de tantos bens assim injustamente prodigalisados podesse bem supprir todos aquelles tributos; sendo cousa iniqua que se estejaõ tirando gotas de sangue de milhares de Vassallos para saciar humas poucas de sanguissugas. Os póvos naõ devem ser considerados, como hum rebanho de ovelhas inertes, dispostas a serem devoradas pela mantilha de cães famintos, que circundaõ o seu pastor. He de esperar que Sua Magestade inteirado das verdades expendidas, naõ deixe de fazer restituir todos aquelles bens, reclamando-mercês extorquiadas com manifesto engano, e lesaõ, e como taes ob, e subrepticias; assim como devem ser alliviados os Póvos daquelles tributos, que lhe foraõ impostos, para supprir a falta do rendimento dos mesmos bens, assim indevidamente tirado das rendas públicas: principalmente a respeito das Decimas, sobre as quaes haviaõ contractos entre os moradores das Ilhas e os Nossos Reis, por onde aquelles se tinhaõ sujeitado a contribuir de huma vez com certa somma, ficando desonerados para o futuro de pagar Decimas, do que se achaõ Titulos nos Archivos das mesmas Ilhas. Porém he nas Cortes proximas que todos esses Artigos devem ser averiguados[29]. A sabia politica que os Augustos Monarchas tiveraõ sempre com as Ilhas dos Açores dando os Officios Civis, e os postos Militares aos seus Nacionaes, que por isso os serviaõ mui dignamente, tambem acabou com a ausencia do Rei. Naõ se estendia áquelles Paizes a authoridade do General Beresford, e por isso naõ ha alli Officiaes Inglezes, porém chegava lá outra authoridade mil vezes mais prejudicial, e mais iniqua, qual era a dos Valídos: ainda para os mais insignificantes postos Militares tem vindo despachados do Rio de Janeiro os seus afilhados. No Batalhaõ da Cidade de Ponta Delgada ha dois Capitães, homens honrados, e distinctos, que servem ha mais de 15, e 20 annos. Vagou o posto de Sargento Mór, veio logo despachado do Rio de Janeiro hum individuo, que naõ tinha metade dos serviços daquelles benemeritos Officiaes, e pouco depois foi promovido a Tenente Coronel, naõ passando aquelles do posto de Capitaõ. Na Cidade de Angra vagou o Officio de Escrivaõ Deputado da Junta da Fazenda, e em lugar de ser admittido no mesmo o Contador da Junta, Official habil, e honrado, a quem pertencia como mais antigo, e substituto legal, veio do Brazil despachado hum individuo, que animado com o valimento que a todos inculca do seu protector Targini, tem feito as maiores desordens. Actualmente se acha retirado em Lisboa o Capitaõ Mór da Cidade de Angra para escapar á prisaõ contra elle fulminada pelo dito Escrivaõ, em despique do mesmo Capitaõ Mór pôr o nome do Escrivaõ abaixo do seu em hum officio, que lhe dirigio. O mesmo aconteceo a respeito do Provimento do Officio, que vagou de Escrivaõ da Meza grande na Alfandega da Ilha de S. Miguel, sendo logo dado ao Compadre de hum guarda roupa Baraõ. Se acaso se naõ occultasse a Sua Magestade, que estas pessoas naõ eraõ naturaes, nem residentes naquellas Ilhas, he provavel lhe naõ fossem conferidos os ditos officios. Com tudo, brilhantes esperanças nos devem animar presentemente, vindo a concorrer o excesso dos males, para o seu mesmo remedio, todos elles ficáraõ assás compensados, conseguindo-se huma Constituiçaõ, que combinando os interesses de todos os Estados Portuguezes, os ligue por meio de vantagens reciprocas, pois que nenhuma Naçaõ no Globo encerra em si mais felizes proporções. Nada obsta a distancia que separa estes Estados, distancias immensas separaõ os Astros, que com tudo guardaõ harmonia nos seus giros periodicos. O interesse commum he o laço que une os differentes Póvos, e a felicidade dos Portuguezes Europeos está radicada na fórma do seu Governo, e na sua uniaõ com os Estados do Brazil. Os habitantes de Portugal carecem absolutamente dos generos do Brazil; sem o assucar, o arroz, o café, e outras producções daquelle paiz, quasi se naõ póde viver hoje em dia. O Brazil necessita igualmente dos vinhos, e azeites de Portugal, assim como tambem dos vinhos das Ilhas adjacentes, e das suas agoas-ardentes, e pannos de linho. Sem o grande soccorro do graõ das Ilhas, Portugal padeceria por muitas vezes, e as mesmas Ilhas naõ achando alli o consumo daquelle graõ, que he a sua principal riqueza, cahiriaõ em total decadencia[30]. Eis-aqui como todas as partes deste grande edificio se fortificaõ reciprocamente, e como o interesse de todos estes póvos os deve ligar para sempre, além de outro motivo ainda mais poderoso, que he o de viverem aggregados a hum grande Imperio, ligados por huma mesma Religiaõ, e Governados por huma Dynastia de Soberanos deconhecida indole, e bondade. Estes interesses seraõ ainda augmentados por novas medidas justas, e sabias. No Brazil naõ se deve admittir vinho Estrangeiro, azeite, agoa-ardente, em quanto Portugal, e Ilhas lhe ministrarem aquelles generos em abundancia; ou admittindo-se, devem pagar hum tributo igual ao que paga por exemplo o vinho Portuguez em Inglaterra, isto he, o quadruplo, ou o quintuplo do seu primeiro valor: em Portugal igualmente, e Ilhas adjacentes naõ deve permittir-se aos Estrangeiros o introduzir generos dos que produz o Brazil; ou permittindo-se, devem pagar hum tributo na mesma proporçaõ. Estas, e outras iguaes providencias faraõ que entre os mesmos Portuguezes fiquem concentradas a maior parte das riquezas dos seus Vastos Estados; naõ tendo dependencia das Nações Estrangeiras, senaõ em artigos de mero luxo. Todos os obstaculos convém vencer para conseguir esta uniaõ, e consolidar a base do grande Imperio. Longe de nós a idéa da desmembraçaõ de Portugal, este Reino teria a sorte dos pequenos Estados, como desgraçadamente temos experimentado desde muitos seculos, já escravos dos Hespanhoes, já miseraveis popilos dos Inglezes, que famintos, e dolosos Curadores, nos tem despojado, e impobrecido. Membros da grande Imperio nós seremos respeitados em toda a parte do mundo, seja qual for a residencia do seu Chefe. O Cidadaõ Romano nas extremidades da Africa, ou da Asia, era considerado em dignidade, e respeito acima dos Principes, e Reis Estrangeiros. He verdade que os Brazileiros, além das vantagens reciprocas entre ambos os Estados, gosaraõ de outras prosperidades resultantes da existencia do Monarcha no centro do seu paiz. Quando hum Embaixador de Hespanha enviado a Henrique IV. de França, se admirava do Estado brilhante em que achou París, que n'outro tempo tinha conhecido em abatimento, e desgraça: _he porque entaõ o pai de familia naõ existia aqui_, lhe disse aquelle bom Rei, _hoje que elle tem cuidado dos seus filhos, estes prosperaõ_. Os mesmos salvagens do interior daquelle Paiz aproveitaráõ da bondade com que devem ser tratados pelos Nossos Augustos Soberanos, unico meios de os attrahir, e civilisar. «Se alguem duvida (diz o Author da Historia Philosofica, e Politica das duas Indias) dos felizes effeitos da beneficencia, e da humanidade sobre os póvos Salvagens, compare os progressos, que os Jesuitas tem feito em mui pouco tempo na America Meridional com aquelles que as Armas, e os Navios Hespanhoes naõ podéraõ fazer em dois seculos. Em quanto milhares de Soldados mudavaõ o Perú, e Mexico, dois grandes Imperios policiados em desertos de Salvagens errantes, alguns Messionarios tem mudado pequenas Nações errantes em mui grandes Imperios policiados.» Façamos arraigar no Coraçaõ dos homens o amor da Divindade, e da humanidade, e só estas duas virtudes saõ capazes de attrahir Vassallos, e formar os melhores Cidadãos do mundo. Porém que importa aos Portuguezes da Europa todas essas prosperidades do Brazil, huma vez que tambem elles sejaõ felizes? Naõ se lhe impondo tributos senaõ quando o pedirem as necessidades do Estado reconhecidas em Cortes; naõ necessitando o Official militar de esperar do Brazil a promoçaõ, que a Lei lhe concede, nem o Magistrado de consumir a sua vida, e o seu dinheiro, para ir requerer hum despacho na distancia de mil leguas, e perante hum Ministerio, que o naõ conhece, nem póde avaliar o seu merecimento; reservado n'huma palavra á Regencia, e Tribunaes que existem em Lisboa, Capital deste Reino, o poder de providenciarem difinitivamente sobre todos os artigos que respeitaõ á felicidade, e commodidades dos seus habitantes: eis-aqui tudo quanto estes podem desejar, e de razaõ, e justiça devem esperar: mantida com tudo a devida subordinaçaõ ao Chefe do Imperio, qualquer que seja a sua residencia, com as regalias, que convém ao Rei da Briosa Naçaõ Portugueza. Tendo nós visto como as Ilhas dos Açores, paiz fertil, e rico, unicamente pagava ao Governo Portuguez o Dizimo, e o subsidio literario, das producções da terra, cumpre fazermos comparaçaõ com algumas das outras Nações. Entre os Inglezes, por exemplo, o tributo que paga o proprietario das terras ao Fisco, anda pela quarta parte do producto annual; e a renda industrial, isto he, aquillo que cada hum adquire pelo seu Commercio, e industria, paga na mesma proporçaõ. Hum proprietario por tanto, que possue vinte mil cruzados de renda, como succede a muitos nas Ilhas dos Açores, e que debaixo do Governo Portuguez apenas paga o referido Dizimo, pagaria infallivelmente debaixo do Governo Inglez cinco mil cruzados annualmente. Devendo ainda advertir-se que em Inglaterra de todos os productos terrestes se paga tambem o Dizimo ao Clero Inglez. As portas, as janellas das casas, saõ sujeitas a tributos consideraveis. Que direitos exorbitantes os das Alfandegas? Seja de exemplo o vinho, que sendo Portuguez, paga de cada pipa cincoenta e duas libras (187$200 réis em dinheiro nosso) e sendo de França paga sessenta libras[31]. Na França em o principio da revoluçaõ, depois de supprimidos huma grande parte dos tributos, ficáraõ ainda montando a 300:000:000 libras tornezas, ou 12 milhões e meio estrelinas. Estes impostos repartidos por 24 milhões de almas, de que entaõ se compunha a França, fazem pouco mais, ou menos 13 chelins por cabeça, que saõ mais de dois mil réis em dinheiro Portuguez, contando mulheres, crianças, e velhos: estes mesmos tributos foraõ depois consideravelmente augmentados. Podemos por tanto concluir, que até á passage da Corte para o Brazil, naõ havia povo em toda a Europa menos honerado com tributos, do que os moradores das Ilhas dos Açores, e ainda mesmo de Portugal. Continuando a referir os estabelecimentos posteriores, temos de apontar a Lei de 25 de Outubro de 1810, que manda receber nas mesmas Ilhas promiscoamente os vinhos, e todos os mais generos, humas das outras, sem algum imposto, e que os generos de importaçaõ, tendo pago huma vez os direitos de entrada, possaõ tambem girar livres de humas para outras sem estorvo, nem embaraço. O estabelecimento da Junta Criminal nesta Capitania por Alvará de 15 de Novembro de 1810, he tambem hum daquelles titulos, que mostraõ o cuidado dos Nossos Augustos Monarchas para com os seus Vassallos, sempre que pelo interesse dos Valídos naõ foi illudido; e mostra o seu zelo infatigavel em remover os obstaculos, que se oppunhaõ á felicidade dos mesmos, fazendo estabelecimentos novos por todos os seus vastos dominios, todas as vezes que as circumstancias o pediaõ, devendo tambem dahi colligir-se a consideraçaõ de que aquella parte dos seus Vassallos se fez sempre merecedora pela sua conducta. Nos tempos calamitosos, que se seguíraõ ao Reinado do Senhor Rei D. Sebastiaõ, deraõ os habitantes das Ilhas provas do seu zelo, e affecto pelos seus legitimos Monarchas, fazendo mesmo prodigios de valor, principalmente na Ilha Terceira, para a total expulsa dos Hespanhoes, e para o restabelecimento do Governo dos seus Soberanos. Destas, e de outras muitas Acções vem as infinitas mercês com que os Augustos Monarchas Portuguezes tem honrado os Nacionaes das mesmas Ilhas, descendentes de mais disto de familias mui distinctas de Portugal, sendo infinitos os foros de Fidalgo, e outras honrosas, distincções, que nellas se encontraõ. Na creaçaõ da dita Junta Criminal, naõ teve o Soberano em vista outra cousa mais, do que o bem público da Capitania, porque na sua convocaçaõ annual faz a Real Fazenda avultadas despezas, já no diario dos Ministros, já nos seus transportes das mais Ilhas para a Capital. Esta Junta, assim como as outras, das quaes trataremos depois, foi projectada durante a invasaõ dos Francezes em Portugal, e interrupçaõ deste Paiz com as Ilhas. E supposto que o Soberano bem podia prever a curta duraçaõ daquelle violento dominio; pois que naõ he do caracter Portuguez, o ser já mais dominado por Estrangeiras Potencias, com tudo a sua nimia vigilancia lhe fez logo acudir com este remedio, entaõ necessario, para que a Justiça Criminal fosse promptamente administrada, e naõ soffressem os bons pela impunidade dos máos. Sendo por tanto de presumir, que restabelecidas as cousas, como se achaõ no antigo estado, e sujeitas as Ilhas novamente á Relaçaõ de Lisboa nas Causas Civeis por Alvará de 6 de Maio de 1809, e aos mais Tribunaes em todas as outras repartições por Alvará de 5 de Julho de 1816, venhaõ tambem na parte criminal a ficar subordinadas ao Supremo Tribunal da Relaçaõ de Lisboa: porque tendo sido estabelecida a Junta para o fim de se expedirem mais promptamente os processos Criminaes, esta circumstancia já se naõ verifica depois de restabelecida a communicaçaõ com Lisboa, a qual he taõ frequente, que poucos mezes se passaõ em que das mesmas Ilhas naõ saiaõ varios navios para aquella Cidade; sendo por consequencia muito mais promptas as decisões Criminaes por aquella Relaçaõ, onde se despacha diariamente, do que pela Junta Criminal, que sómente se convoca de anno a anno, e com summas despezas, e difficuldades na passage dos Magistrados pelo mar. Havendo alguns processos, que tem durado annos; porque sendo perciso o mandar-se proceder a qualquer diligencia relativa aos mesmos, faz-se indispensavel ficar para a convocaçaõ do anno seguinte, e assim se vaõ prorogando de humas a outras. Além de ficarem as terras privadas dos seus Juizes de Fóra por huma grande parte do anno, em quanto dura a junta, e fazem as suas viagens. Os fastos da mesma Junta daõ tambem a conhecer a indole dos habitantes das mesmas Ilhas, e a sua Religiaõ, pois que no espaço de 10 annos, que tem decorrido desde o seu estabelecimento, sómente houve hum delicto em todas ellas, que mereceo a pena capital[32]. O Marechal de Campo Mr. Pillet., achando-se em Londres no anno de 1812, refere que os crimes de assassinatos, e roubos commettidos dentro daquella Cidade em o dito anno, chegarao a 1663, e que dos authores destes, perto de mil foraõ convencidos, e condemnados á morte, ou a penas afflictivas, e infamantes. Taõ terrivel enormidade de delictos em hum só anno, naõ póde attribuir-se a falta de castigo em hum Paiz, onde elles saõ taõ rigorosamente punidos. A relaxaçaõ de costumes, como observa o mesmo Author, ou antes a falta de Religiaõ, he sem dúvida a origem destes males. A crença em hum Ente Supremo, hum Juiz incorruptivel, que presenceia todas as nossas acções, e em cujo Tribunal nenhum delicto fica impune, nem acçaõ boa sem recompensa; e onde todas as injustiças humanas saõ reparadas, he sem dúvida o maior estimulo para conduzir o homem á virtude, e fazer calar as paixões, que damnaõ o coraçaõ humano; ao mesmo tempo que he huma consolaçaõ preciosa no meio das desgraças, e do infortunio. Os habitantes das Ilhas saõ Religiosos, e em geral sinceros, e de costumes innocentes. Póde de algumas dellas fazer-se o elogio, que fazia Justin dos Seytas--que a ignorancia do mal era para elles huma guarda mais segura da ordem pública, do que nas outras partes o conhecimento, e o temor das penas[33]. Os Portuguezes em toda a parte conservaõ huma grande pureza de costumes; o decoro das familias he religiosamente respeitado: as Portuguezas saõ honestas, e recatadas, ao mesmo tempo que amaveis, e espirituosas. O respeito á Divindade, a veneraçaõ aos Pais, e amor ao Principe, sentimentos capazes de conduzir o homem a todo o genero de virtudes, e desvia-lo de todos os crimes, saõ os principios com que somos nutridos desde a infancia. He por isso que devemos gloriar-nos de ser Portuguezes, e naõ devemos já mais consentir em trocar os nossos Costumes com as outras Nações. Naõ padece algum dos inconvenientes acima referidos da Junta Criminal, a outra creada por Alvará de 18 de Setembro de 1811, com a denominaçaõ _de Junta do Melhoramento da Agricultura_, por serem os seus Deputados todos residentes na Cidade de Angra, e poderem diariamente convocar-se sem despeza, nem as outras difficuldades. Sendo o principal cuidado dos Monarchas Portuguezes relativamente ás Ilhas, á felicidade dos seus habitantes, elles naõ tem cessado de promover o augmento, e melhoramento da Agricultura, como a principal fonte donde emanaõ as riquezas, e prosperidade dos Póvos. Com estas vistas pois foi estabelecida na Terceira, Capital das mesmas Ilhas, a Junta de que fallamos; permittindo-se ao mesmo tempo o poderem-se afforar alli os baldios, e terras incultas, ou sejaõ da Coroa, ou de Morgados, sem dependencia do Desembargo do Paço, nem necessidade de Consultar a Sua Magestade. Tambem ha na mesma Capital huma Junta creada por Alvará de 10 de Setembro de 1811, destinada para supprir algumas Provisões da competencia do Desembargo do Paço em certos casos expressos no mesmo Alvará. Por Alvará de 7 de Janeiro de 1811, foraõ ultimamente mandados accrescentar os emolumentos aos Magistrados das Ilhas, e pôr alli em observancia o Regulamento das Terras de beira mar do Brazil, estabelecido pelo Alvará de 10 de Outubro de 1754, taxando-se tambem aos Juizes de Fóra o ordenado de 200$000 réis. E aos Corregedores de Angra foi estabelecido o ordenado de 300$000 réis, por Alvará de 9 de Outubro de 1818. Taes saõ os factos mais memoraveis destas Ilhas Portuguezas. E tendo nós dado alguma idéa dos costumes dos seus nacionaes, cumpre ajuntar, que o seu caracter, bem como dos Portuguezes em geral, he nobre, e elevado: elles saõ cheios de humanidade, e generosos; mas estas qualidades náõ podem ser taõ geraes, que naõ faltem em alguns individuos, subsistindo-as vicios que se encontraõ por toda a parte, onde existem homens. Porém hum pequeno número de homens immorigerados, e cheios de vicios, que se encontraõ em algumas terras Portuguezas, quasi desapparece em comparaçaõ dos infinitos Cidadãos benemeritos de que abundaõ as mesmas: que saõ alguns homens turbulentos, e infamadores, em comparaçaõ de milhares de Cidadãos modestos, e comedidos? que saõ meia duzia de individuos odiosos, e vingativos, que naõ respeitaõ nem a Divindade, nem os homens, comparados com milhares de pessoas, cheios de benignidade, e affabilidade, e dotados de todas as virtudes Christães, e sociaes? Sem as trévas da noite mal poderiamos apreciar a luz do dia; as acções dos homens máos, que entre os Portuguezes he hum pequeno número, fazem realçar as virtudes dos bons, que he o Geral da Naçaõ. FIM _TABOA DOS GOVERNADORES_ _Capitães Generaes das Ilhas dos Açores._ 1 D. Antaõ de Almada, tomou posse deste Governo em 1766 2 Deniz de Mello 1776 Governo interino desde 1783 até 1799 3 O Conde de Almada 1799 4 O Conde de S. Lourenço 1803 5 D. Miguel Antonio de Mello 1806 6 Ayres Pinto de Sousa 1810 7 Francisco Antonio de Araujo 1817 GOVERNADORES SUBALTERNOS _da Ilha de S. Miguel desde a creaçaõ da Capitania Geral._ O Sargento Mór Antonio Borges de Bitancourt continuou a governar a Ilha com o titulo de Commandante, que estava exercendo desde 1757 O Sargento Mór José Pereira de Medeiros, nomeado Commandante da Ilha pelo Governador, e Capitaõ General em 1772 O Sargento Mór José Ignacio de Bulhões Cotta, Commandante em 1777 Manoel José de França 1780 1 Francisco Manoel de Mesquita começa a governar a Ilha com o titulo de Governador[34] em 1790 2 O Coronel Ignacio Joaquim de Castro 1801 3 O Sargento Mór Manoel Timotheo de Valadares 1807 4 O Coronel José Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque 1811 5 O Tenente Coronel Sebastiaõ José de Arriaga Brum da Silveira 1815 GOVERNADORES SUBALTERNOS _das Ilhas do Fayal, e Pico desde 1797, em que estas Ilhas começáraõ a ter Governadores Militares, sendo até entaõ regidas nesta parte pelos seus Capitães Móres._ 1 Jeronymo Sebastiaõ Brum da Silveira, toma posse em 1707 2 Theodoro Pamplona 1804 3 Elias José Ribeiro 1809 4 Joaquim Ignacio de Lima[35] 1816 *Notas:* [1] Na palavra El-Rei convém omittir para sempre o prenome El, naõ só por ser de origem Castelhana, mas até mesmo por naõ se accommodar com a natural energia da lingua Portugueza; sendo muito mais expressivo o dizer-se--o Rei dos Portuguezes, do que El-Rei dos Portuguezes. [2] He quimerico o dizer-se (como alguns Authores referem, fundados em noticias vagas) que no descobrimento destas Ilhas se achára huma estatua de pedra, representando hum Cavalleiro, que apontava com o dedo para o Occidente. Deo lugar a esta fabula huma rocha natural, que havia na Ilha da Corvo, e ainda hoje existe, a qual vista de longe tem algumas aparencias ds hum Cavalleiro. [3] Falla-se de huma Monarchia moderada, com Leis fundamentaes que regulem a sua administraçaõ, politica, economia, e civil; porque a Monarchia absoluta em nada differe na pratica do Governo despotico. [4] Todo este systema foi transtornado desde a mudança da Corte, como se verá na 3.^a parte desta Memoria. [5] Saõ os impostos o maior estorvo, que se póde oppôr á Agricultura: o terreno das Ilhas dos Açores naõ he de melhor qualidade, que o de Portugal, com tudo a Agricultura das Ilhas he a mais florecente, a sua producçaõ he abundantissima, ellas exportaõ muitos Navios de graõ de todas as qualidades, centos de Navios de laranja, quantidade de mil pipas de vinho, e agoa-ardente, e fornecem mantimentos a todas as embarcações, e Esquadras que alli aportaõ: em Portugal a producçaõ he insufficiente para os seus habitantes, que pereceriaõ de fome, se lhe naõ viesse de fóra o paõ, para huma grande parte do anno. Donde vem pois esta differença? As Ilhas nunca pagáraõ tributo algum da sua producçaõ, nem outro onus além do Dizimo Ecclesiastico até o anno de 1808: e a Agricultura em Portugal he extraordinariamente onerada: ha lugares onde ao Lavrador apenas fica ametade do que elle extrahe da terra regada com o suor do seu rosto. Os quartos, os quintos, as décimas, que paga o miseravel cultivador, saõ os verdadeiros obstaculos á Agricultura em Portugal. [6] Esprit des Lois l. 6. cap. I. [7] Volt. Essais sur hist. G. chap. 126. [8] Ord. Liv. 5.^o Tit. 76.--Provisaõ de 15 de Novembro de 1687, dirigida á Camara de Ponta Delgada.--Carta Regia do 1.^o de Novembro de 1709, dirigida ao Governador da Ilha de S. Miguel.--Regimento dos Desembargadores do Paço, no § 113.--Alvará, e Regimento do Terreiro de Lisboa de 24 de Junho de 1777, §. 11. [9] Le Commerc. et le Govern. concid. relat. l'un. al'autre 2.^a P. Chap. 12. [10] Leis de 4 de Fevereiro de 1773 ao Preambulo. [11] Mais de huma vez havido estes funestos acontecimentos na Ilha de S. Miguel. [12] Esta Junta da Fazenda dos Açores, subordinada ao Erario Regio, foi creada por Carta Regia de 29 de Outubro de 1798. [13] Metade do Terreno das Ilhas era vinculado, e possuido por Morgados: a aboliçao dos muitos vinculos insignificantes que se tem feito, e continúa a fazer, tem restituido ao Commercio dos homens huma grande parte do mesmo terreno. [14] As Leis de Athenas defendiaõ aos Pais o testar, para que a herança paterna se dividisse igualmente entre os filhos: Plutarco vida de Solon. Licurgo tambem estabeleceo, que os filhos tivessem partes iguaes na successaõ de seus Pais: Plutarco vida de Licurgo. [15] Assim como o saõ as disposições testamentarias, e hereditarias. Montesq. Espr. des Lois liv. 26. Chap. 6. [16] Ord. Liv. 3.^o Tit. 20 §. 44. [17] A Legislaçaõ Portugueza deve hoje ser reformada principalmente na parte criminar, sobre cuja ramo se desenvolvêraõ os mais luminosos principios no ultimo seculo, de que antes apenas havia hum fraco luar, assim como a respeito da Policia Civil, da Policia economica, e outros objectos; porém na mesma Legislaçaõ ha muita cousa boa, que aproveitar. [18] Em hum só Bergantim, denominado Mãi de Deos, embarcáraõ da Ilha de S. Miguel no anno de 1812 para o Rio de Janeiro voluntariamente 194 pessoas. [19] Esta ultima Ilha tem banhos thermais em duas partes; huns no lugar chamado das Caldeiras, que fica huma legua distante da Villa da Ribeira Grande, e 4 leguas da Cidade: estes banhos saõ sulphureos, e applicados para as molestias da pelle: os Reumaticos tambem alli experimentaõ muitos allivios. Os outros saõ no Val das Furnas, 3 leguas da Villa Franca, e 8 da Cidade: além dos banhos sulphureos iguaes aos primeiros, ha alli banhos de agoa ferrea, que tem applicações muito uteis. Em todos estes banhos se tem experimentado curas maravilhosas. [20] A producçaõ nestas Ilhas soffre grande alteraçaõ, e naõ he raro que hum proprietario de quintas, que n'hum anno faz 4 mil caixas de laranja, no seguinte naõ tenha 2 mil: assim como na Ilha do Pico o proprietario de vinhas, que hum anno colhe 100 pipas de vinho, em outro anno naõ tem 50. Os ventos a que as mesmas Ilhas saõ sujeitas, e que fazem grande estrago nos fructos, daõ causa a esta alternativa. [21] Vem a ser o meio termo proporcional, 15 mil pipas. [22] Esta Ilha he notavel por naõ haver memoria, nem indicios de que alli houvessem ja mais expulsões vulcanicas, nem tambem aballos de terra. [23] Hist. Phil. et Poit. Liv. I. pag. 61. Ediçaõ d'Amst. de 1772. [24] Estabelecida por Alv. de 27 de Junho de 1808. [25] Alv. de 3 de Junho de 1809. [26] Alv. de 3 de Junho de 1809. [27] Alv. de 17 de Junho de 1809. [28] Nas Republicas da Grecia, e em Roma eraõ os pais de familia favorecidos, e recompensados com grandes privilegios. Hum dos Dogmas da Religiaõ dos Magos respeitado na Persia, ensinava que a acçaõ a mais agradavel á Divindade, he o produzir o seu semelhante, cultivar hum campo, e plantar huma arvore. [29] Seria talvez acertado que cada huma das Ilhas mandasse o seu Deputado ás Cortes, qualquer que fosse o número dos seus habitantes, bem como pela Constituiçaõ da Hespanha no Artigo 33 se determinou a respeito da Ilha de Saõ Domingos; naõ só por serem differentes os interesses de cada huma das mesmas Ilhas, mas tambem pela grande difficuldade que haveria em passarem os Eleitores de todas ellas tantas leguas de mar, para hirem á Terceira Capital da Provincia fazer as respectivas eleições. [30] No anno de 1808 achando-se Portugal occupado pelos Francezes, chegou o preço do milho na Ilha de S. Miguel a oito vintens o alqueire; e se acaso durassem aquellas circumstancias, ficaria a Ilha arruinada por lhe faltar mercado dos seus grãos. [31] Porque naõ havemos seguir o exemplo desta Sabia Naçaõ, ao menos em alguns artigos? O vinho de Feitoria do Douro, da primeira ordem, foi avaliado no presente anno de 1820 em 36$000 réis, logo o tributo que paga em Inglaterra huma pipa de vinho, excede cinco vezes o valor, porque a vende o propriètario do Douro. Se hum Portuguez tem o appetite de mandar vir huma Carruagem feita em Londres, ou Paris por doze mil cruzados, como nós conhecemos algumas em Lisboa, em manifesto prejuizo dos Artistas Portuguezes, satisfaça embora o seu appetite, mas pague ao Thesouro Público sessenta mil cruzados, que vem a ser tambem o quintuplo do seu primeiro custo. E haverá quem se atreva a reprovar esta justa reciprocidade? [32] Tal foi o assassinio do Juiz de Fóra da Ribeira Grande em 1812, commettido atraiçoadamente, e revestido de circumstancias atrozes. [33] Taes saõ a Ilha das Flores, o Pico, Santa Maria. [34] Este Governo tem o ordenado estabelecido de hum conto de réis. [35] No tempo deste começaõ os Governadores a ter 600$000 reis de ordenado, naõ tendo entaõ mais do que o soldo da sua patente. Lista de erros corrigidos Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos: +-----------+-------------------------+---------------------------+ | | Original | Correcção | +-----------+-------------------------+---------------------------+ | #pág. 5 | Ihas | Ilhas | | #pág. 10 | certa épocha* | curta épocha | | #pág. 14 | admimistraçaõ | administraçaõ | | #pág. 19 | crer* | ver | | #pág. 22 | faltarem* | faltar | | #pág. 22 | mais contingente* | menos contingente | | #pág. 24 | effeitos* | feitos | | #pág. 38 | matilha* | mantilha | | #pág. 46 | naõ sahiaõ* | naõ saiaõ | | #pág. 48 | e desviado* | e desvia-lo | +-----------+-------------------------+---------------------------+ As correcções que seguem as instruções da errata da própria obra estão identificadas com *. Foi mantida a variação da palavra "fromentaceos" e "formentaceos" que surgem em igual número no original. (talvez "fermentáceos" fosse a palavra pretendida). Segundo a errata na #pág. 19 está em falta o texto "--de que poderia haver falta no paiz, e esta com fundamento.--" End of the Project Gutenberg EBook of Memoria historica sobre as ilhas dos Açores, by Unknown *** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 42762 ***